A degradação ambiental, o risco iminente de um colapso ecológico e o crescente avanço da desigualdade e da pobreza mundial são sinais eloqüentes da crise que assola o mundo globalizado. A crise ambiental – de recursos naturais, energéticos e alimentícios – colocou em evidência a exploração desenfreada produzida pela apropriação capitalista da natureza.
Nas palavras de Beck, essas características: “Son riesgos de la modernización. Son un producto global de la maquinaria del progreso industrial y son agudizados sistemáticamente con su desarrollo ulterior.” (2002, p. 28)
A abundância relativa de recursos permitiu que os riscos produzidos pela sociedade ficassem num plano inferior, justificando a exploração capitalista da natureza de uma forma “inconsciente” e a falta de preocupação em produzir “tecnologias limpas” capazes de atenuar os efeitos da degradação ambiental ao meio ambiente.
Assim, segundo Leff (2001), a degradação ambiental se manifesta como um sintoma da crise enfrentada por uma civilização marcada pelo modelo de modernidade, regido pelo predomínio do desenvolvimento da razão tecnológica em detrimento da organização da natureza.
No entanto, a evidência do risco ambiental exigiu a necessidade de internalizar no processo econômico o imperativo da sustentabilidade ecológica, por meio de formas de aproveitamento que evitem o esgotamento dos recursos não-renováveis e possibilitem a produção sustentável dos recursos bióticos.
Ao mesmo tempo, temas como a pobreza humana e a degradação ambiental foram introduzidos no discurso desenvolvimentista, chegando-se à conclusão de que as questões humanas e ambientais demandavam uma profunda transformação produtiva da sociedade que deveria ser realizada com justiça social e proteção ambiental.
Contudo, em que pese o discurso da sustentabilidade defender um crescimento sustentado por parte das economias mundiais, não houve uma rigorosa justificação sobre a capacidade de o sistema econômico internalizar as condições sociais e ecológicas para atingir a tão difundida sustentabilidade.
Dessa forma, segundo Leff (2000), houve uma vulgarização do termo, até chegar ao ponto de fazer parte do discurso oficial dos governantes e da linguagem comum, sem atingir um sentido social e prático capaz de unificar as vias de transição para a sustentabilidade.
Tanto é verdade que, quando governantes de vários países se reúnem para discutir questões relativas à conservação do meio ambiente ecologicamente equilibrado, ocorrem imensas dificuldades para se conseguirem acordos internacionais sobre instrumentos jurídicos capazes de orientar a passagem para a sustentabilidade de forma eficaz.
Dessa forma, a concepção de sustentabilidade objetiva promover a harmonia entre os seres humanos e entre estes e a natureza, com o intuito de promover um desenvolvimento que integre os interesses sociais e econômicos e as possibilidades e limitações que a natureza apresenta, tendo em vista que o desenvolvimento não pode se manter se a base de recursos naturais se extinguir, nem o meio ambiente pode ser protegido se o crescimento não levar em conta as conseqüências da destruição ambiental.
Para Boff, o conceito de sustentabilidade(1) deve estar intimamente ligado aos significados de interdependência, integração, cooperação e inclusão de todos com o todo. Por essa razão, entende que é inconcebível o conceito de desenvolvimento sustentável num modelo neoliberal:
“Todos os seres vivem interdependentes e ninguém deve ser excluído, pois todos colaboram em vista do todo. A partir desse conceito se pode fazer uma crítica dura ao tipo de desenvolvimento dominante e capitalista. Ele não integra, mas desgraça, não cria equilíbrio, mas introduz continuamente desigualdades porque é montado sobre a concorrência, e não sobre a cooperação. Esse tipo de desenvolvimento não confere sustentabilidade às pessoas, às sociedades e ao Planeta. Não se deve, no contexto capitalista e neoliberal, usar a expressão desenvolvimento sustentável. Pois trata-se de uma contradição.” (1995, p. 42)
Contradição presente justamente no fato de que os mecanismos de mercado, conforme exemplifica Leff (2007), defendido pelo modelo capitalista de desenvolvimento, seriam o meio mais certo e eficaz de internalizar as condições ecológicas e os valores ambientais ao processo de crescimento econômico. Dessa forma, os riscos ambientais não surgiriam como resultado da acumulação de capital.
Os riscos da atual crise ecológica são apenas o reflexo dessa contradição, do caráter insustentável do próprio capitalismo, uma vez que o desenvolvimento do capitalismo é orientado e sancionado pelas regras quantitativas do mercado.
Segundo Andri Werner Stahel (2001), enquanto a vida se afirma frente à entropia sempre visando ao equilíbrio qualitativo, a lógica do capitalismo se manifesta pela busca constante da ruptura desse equilíbrio qualitativo, orientada pela busca da expansão quantitativa do capital.
Para a proposta neoliberal ter-se-ia que atribuir direitos de propriedade e preços aos bens e serviços de natureza para que as leis de mercado se encarregassem de ajustar os desequilíbrios ecológicos e as diferenças sociais, a fim de alcançar um desenvolvimento sustentável com eqüidade e justiça.
Ainda, segundo o modelo capitalista de desenvolvimento sustentável, Enrique Leff (2007) afirma que a tecnologia se encarregaria de reverter os efeitos da degradação ambiental nos processos de produção, distribuição e consumo de mercadorias. A mesma tecnologia que contribuiu para o esgotamento dos recursos resolveria os problemas da escassez global de recursos naturais.
O novo paradigma de desenvolvimento, de acordo com Boff (1995), deve situar o ser humano como sendo o centro do processo de desenvolvimento e considerar o crescimento econômico como um meio, e não um fim, deve proteger as oportunidades de vida das atuais e futuras gerações e, principalmente, respeitar a integridade dos sistemas naturais que possibilitam a existência de vida na Terra.
Nesse sentido, Derani analisa com proficiência a questão ao afirmar que:
“Este direito do desenvolvimento sustentável teria a preocupação primeira de garantir a manutenção das bases vitais da produção e reprodução dos homens e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com seu ambiente.” (2001, p. 174)
Portanto, a resistência ao modelo capitalista de desenvolvimento implica a necessidade de modificar a lógica quantitativa de acumulação de capital. Para isto é imperativo estimular a construção de uma racionalidade social e produtiva que, reconhecendo a limitação dos recursos naturais como condição básica de sustentabilidade, funde a produção observando os potenciais da natureza.
Também convém ressaltar o posicionamento de Cavalcanti (2001), tendo em vista que nem sempre é fácil pensar em renunciar ao desenvolvimento, pois crescer é apontado sempre como a via para combater-se a pobreza e a miséria dos povos. Contudo, a pobreza e a miséria também podem ser enfrentadas por outros meios, tais como a redistribuição de renda, a reforma agrária e o planejamento familiar.
À medida que se entender a profunda relação de interdependência de todos os fenômenos que compõem o mundo em que vivemos, ter-se-á a capacidade de adotar novas posturas individuais e coletivas e exigir mudanças estruturais na sociedade local e mundial. Mudanças que significam buscar uma nova racionalidade econômica baseada na cooperação e na solidariedade entre os povos.
A grande esperança está na educação ambiental que adquire um sentido estratégico na condução do processo de transição para uma sociedade sustentável, uma vez que, tendo os cidadãos uma consciência ambiental, conseqüentemente, haverá uma exigência para que os governos assumam estratégias para garantir políticas públicas que viabilizem de forma efetiva o desenvolvimento sustentável, mantendo-se o equilíbrio ecológico para as presentes e futuras gerações.
Referências Bibliográficas
BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Barcelona: Paidós, 2002.
BOFF, Leonardo. Nova era: a civilização planetária. São Paulo: Ática, 1995.
CAVALCANTI, Clóvis. Sustentabilidade da economia: paradigmas alternativos de realização econômica. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. 3.ed. São Paulo: Cortes, 2001.
DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. 2.ed. São Paulo: Max Limonad, 2001.
LEFF, Enrique. Racionalidade Ambiental: a reapropriação social da natureza. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.
_________. Saber Ambiental. Sustentabilidade. Racionalidade. Complexidade. Poder. 4. ed. Tradução de Lúcia Mathilde Endlich Orth. Petrópolis: Vozes, 2007.
_________. Ecologia, capital e cultura: racionalidade ambiental, democracia participativa e desenvolvimento sustentável. Tradução de Jorge Esteves da Silva. Blumenau, SC: Edifurb, 2000.
PELIZZOLI, Marcelo L. Correntes da ética ambiental. Petrópolis: Vozes, 2003.
PENNA, Carlos Gabaglia. O Estado do planeta: Sociedade de consumo e a degradação ambiental. São Paulo: Record, 1999.
SACHS, Ignacy. Estratégias de transição para o século XXI: desenvolvimento e meio ambiente. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Studio Nobel, 1993.
STAHEL, Andri Werner. Capitalismo e entropia: os aspectos ideológicos de uma contradição e a busca de alternativas sustentáveis. In: CAVALCANTI, Clóvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentável. 3.ed. São Paulo: Cortes, 2001.
Notas:
1. Segundo Clóvis Cavalcanti, sustentabilidade “significa a possibilidade de se obterem continuamente condições iguais ou superiores de vida para um grupo de pessoas e seus sucessores em dado ecossistema”. (2001, p. 164)
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