A Evolução da Tutela Ambiental na União Européia como paradigma ao Mercosul

Autor: Giuliano Deboni
Advogado, Especialista em Gestão Ambiental pela PUCRS, Mestre em Direito Ambiental pela Università degli Studi di Milano (Itália)
Publicado na Edição 24 - 02.07.2008


As razões da formação da União Européia remontam à metade do século passado, mais especificamente ao período subseqüente à Segunda Guerra Mundial, e estão calcadas num verdadeiro projeto de paz e prosperidade entre países historicamente rivais, marcados por terríveis massacres e destruições.

Em maio de 1950, o Ministro Francês das Relações Exteriores, Robert Schumann, inspirado na idéia de Jean Monnet, propôs a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço (CECA). Por ela, as matérias-primas que serviram para desencadear a 2ª Guerra – o carvão e o aço – passariam ao controle de uma autoridade comum – a Alta Autoridade – e seriam elas, assim, utilizadas habilmente como instrumentos de reconciliação e de paz. Sem dúvida, um generoso projeto. A proposta culminou, em abril do ano seguinte, com o Tratado de Paris, firmado por França, Alemanha, Itália e Benelux (Bélgica, Luxemburgo e Holanda).

Alguns anos após, em março de 1957, o Tratado de Roma instituiu – além da EURATOM – a Comunidade Econômica Européia (CEE), admirada em todos os continentes e que se tornou fonte de inspiração para inúmeros países e regiões. Originalmente eram 6 (seis) países – os mesmos que firmaram a CECA – e hoje já são 27 (vinte sete). Trata-se de uma combinação muita bem sucedida de liberdade de mercado com responsabilidade individual e justiça social, em que cada um dos países – não obstante as diferenças lingüísticas, culturais, de tradição, costumes e religião –, criando instituições comuns, abriu mão de parte da sua soberania para formar um ente muito mais forte, sólido e próspero.

Inicialmente, os projetos de integração européia, que abrangiam apenas os seis países acima citados, centravam-se no comércio e na economia. Assim, tanto no tratado institutivo da CECA quanto no da CEE, não havia nenhuma referência expressa à tutela ambiental. As intervenções ambientais eram feitas por meio de "poderes implícitos" . Tanto é assim que a primeira Diretiva ambiental é de 1967 (67/548/CEE) e trata da "aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas concernentes à classificação, embalagem e rotulagem das substâncias perigosas" . A segunda, de 1970 (70/157/CEE), relativa "à aproximação das legislações dos Estados-membros respeitantes ao nível sonoro admissível e ao dispositivo de escape dos veículos a motor".

O Tratado da CEE foi constantemente atualizado por intermédio de acordos, tais como o Ato Único Europeu, firmado em 1986 e em vigor no ano seguinte. Alterou as regras de relacionamento dos países membros e ampliou os objetivos e campos de atuação da Comunidade. Foi com este Ato que ocorreu a inclusão oficial da tutela ambiental, dedicada aos artigos 130R, 130S e 130T. Fala-se, ainda, no Princípio de Integração, consubstanciado na política transversal da CEE.

Embora os Programas de Ação da Comunidade Européia (o primeiro de 1973) já previssem os princípios que deveriam guiar a política comunitária e a criação em matéria ambiental já fosse rica, com o Ato Único Europeu (1986), não mais houve dúvidas com relação à legitimação da ação da CEE no setor.

O incremento da tutela ambiental justificou-se, principalmente, na preocupação demonstrada pela opinião pública – mormente após a Convenção de Estocolmo/1992 –, na pressão dos movimentos ambientalistas e na solicitação dos países da Comunidade dotados de standards ambientais mais elevados, que alegavam prejuízos com a concorrência desleal.

Com o Tratado de Maastricht (1992), também conhecido como "Tratado da União Européia", que representou novo avanço para o Bloco, foram estabelecidas premissas para uma política externa e de segurança comuns, uma maior cooperação nos setores da Justiça e de assuntos internos e a criação de uma União econômica e monetária que compreendesse uma moeda única. Neste momento a tutela ambiental alcançou a dignidade de política fundamental, compatível com as demais políticas da União Européia. O artigo 2° elencou entre suas missões "um crescimento sustentável e não inflacionista que respeite o ambiente".

Em 1997, com o Tratado de Amsterdã, ampliaram-se as competências da União Européia. Foi neste Tratado que se utilizou, em âmbito europeu, e pela primeira vez, a expressão "desenvolvimento sustentável" , a qual internacionalmente já havia sido mencionada em 1987 (Relatório Brundtland da Comissão Mundial para o Desenvolvimento Sustentável) e, mais adiante, na ECO/92 (Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento).

No Tratado de Nice (2001) e demais documentos oficiais, a tutela ambiental consta como política fundamental da União Européia. E nele manteve-se a referência a desenvolvimento sustentável.

Conclui-se, desta forma, que, embora até o início da década de 70 a tutela ambiental fosse incipiente na União Européia, após a Conferência de Estocolmo (1972) houve um avanço notável nesse setor em âmbito Comunitário.

No que concerne ao Mercosul, de criação muito mais recente (23.03.1991, com o Tratado de Assunção) e formado por países mais novos e economicamente não tão privilegiados, também se observam alguns avanços na matéria. O Tratado de Assunção, por exemplo, fazia referência à questão ambiental apenas em seus considerandos, sendo que logo em seguida, em 1992, na Argentina (em Las Leñas), se criou a REMA (Reunião Especializada em Meio Ambiente), mais adiante transformada no 6° Subgrupo de Trabalho do Mercosul (1992/1994), que aprovava as diretrizes mínimas em matéria ambiental.

Outro avanço foi o Acordo Quadro sobre meio ambiente do Mercosul (conhecido como Acordo de Florianópolis), firmado em 2001, que sintetizou definições e princípios que eram consenso entre as Delegações.

Entretanto, mesmo que avanços tenham ocorrido, na prática e comparado com a incrível evolução da matéria em âmbito europeu, a proteção ambiental do Mercosul é ainda efêmera e tem muito a evoluir, principalmente quando se pensa na vasta área de ecossistemas que abrange e na rica biodiversidade que o contempla.

Mesmo sabendo que no Mercosul as limitações aos avanços em matéria de proteção ambiental são muitas, estando intimamente ligadas às crises políticas internas e econômicas dos países integrantes, espera-se que com as evoluções inevitáveis do Tratado seja dada maior atenção à proteção integrada do meio ambiente. Consabidamente, isso ocorre na Comunidade Européia (que deve servir de exemplo), onde os 27 países que a constituem abriram mão de parte de sua soberania em busca de algo maior, tornando, assim, mais restritivas e equânimes, também, as leis em matéria ambiental. Isso, aliás, evita inclusive reflexos negativos de natureza concorrencial.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. , jun. 2008. Disponível em:
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Acesso em: .