A tributação das indenizações por danos extrapatrimoniais: as premissas e oscilações da jurisprudência do STJ(1)

Autor: Andrei Pitten Velloso

Juiz Federal, Mestre em Direito Tributário pela UFRGS e
Professor de Direito Tributário na ESMAFE-RS
Publicado na edição 26 - 30.10.2008


Até recentemente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça era firme no sentido da impossibilidade de o Imposto de Renda incidir sobre indenizações. Todas as indenizações eram tidas por intributáveis, independentemente da natureza dos danos. E tal entendimento ainda continua estreme de dúvidas com respeito àquelas devidas por danos materiais. Sem embargo, a questão atinente às indenizações por danos extrapatrimoniais passou a se revelar problemática, por duas razões. Em primeiro lugar, não se costuma ter ciência plena das premissas da jurisprudência firmada, o que leva a problemas aplicativos e, inclusive, à contradição entre julgados. Em segundo lugar, está se esboçando um movimento pela superação da remansosa jurisprudência do STJ, que, se exitoso, terá vultosas repercussões práticas.

Neste artigo, pretendemos expor tais premissas e indicar os fundamentos dessa nova orientação, bem como analisar a sua correção e a probabilidade de resultar prevalente. Mas antes de fazê-lo, revela-se salutar esclarecer a razão de não se permitir a incidência do IR sobre indenizações por danos materiais e de se questioná-la quando se trata de danos extrapatrimoniais.

A limitação da incidência decorre da Constituição, que outorga competência à União para instituir imposto sobre a “renda e proventos de qualquer natureza” (art. 153, III). A despeito de se discutir muito acerca do conceito de renda e do significado da expressão constitucional “proventos de qualquer natureza”, não pairam dúvidas sobre um aspecto: tanto a renda quanto os proventos de qualquer natureza pressupõem a existência de acréscimo patrimonial. Se não houver acréscimo patrimonial, revelar-se-á inconstitucional a cobrança do IR.

E a noção de indenização aparenta contrapor-se, invariavelmente, à de acréscimo patrimonial, haja vista que indenizar significa ressarcir, recompor, compensar, e o ressarcimento, a recomposição e a compensação não têm por efeito acréscimos, senão a restituição, o restabelecimento, a reparação. Por tal razão, reconhece-se que indenizações pecuniárias não implicam acréscimos patrimoniais, mas meros restabelecimentos, simples compensações pecuniárias pela anterior afetação da esfera jurídica do indenizado. Não geram riqueza nova passível de sofrer a incidência do IR.

A respeito, formou-se uma sólida jurisprudência no TFR e, posteriormente, no STJ, consolidada mediante a edição de várias súmulas que afastam a incidência do IR sobre os valores recebidos a título de desapropriações (Súmula 39 do TFR), férias e licenças-prêmio não gozadas e pela adesão a programas de incentivo à demissão voluntária (Súmula 125, 136 e 215 do STJ, respectivamente). Também se afastou a incidência do imposto sobre o “auxílio condução” e as verbas rescisórias pagas quando da extinção do contrato de trabalho, desde que não constituam mera liberalidade da empresa.

Essas decisões evidenciam que o STJ refuta haver acréscimo patrimonial na recomposição pecuniária de todo e qualquer direito, mesmo que não seja economicamente mensurável, tal qual ocorre com o direito a férias, à licença-prêmio e ao emprego. Assim, a conversão em pecúnia de direitos extrapatrimoniais jamais representará um acréscimo patrimonial e, portanto, nunca estará sujeita à incidência do IR.

Tal concepção rende ensejo a um questionamento de singular importância: se a indenização por direitos extrapatrimoniais não implica acréscimo patrimonial, com qual noção de patrimônio trabalha o STJ?

Obviamente, não é com a noção restrita de patrimônio econômico, dado que a indenização, v.g., de férias não gozadas leva, sem dúvida alguma, a uma oscilação positiva no patrimônio financeiro do indenizado. É a noção de patrimônio jurídico que subjaz às inúmeras decisões do STJ sobre o assunto: até mesmo os acréscimos financeiros efetivos estão fora do âmbito de incidência possível do IR, desde que constituam indenizações por danos extrapatrimoniais, recompondo o patrimônio jurídico do beneficiário.

Por tal razão, a 2ª Turma dessa Corte assenta-se nas premissas das súmulas supra-referidas para declarar a impossibilidade de o IR incidir sobre as indenizações por danos morais.(2) No entanto, a outra Turma competente em matéria tributária, que também esposava essa posição, vem decidindo ser possível tal incidência. E, para fazê-lo sem malferir a coerência, baseia-se numa premissa incompatível com as Súmulas 125, 136 e 215: a de que o patrimônio a ser considerado para se aferir a ocorrência de acréscimo patrimonial não é o jurídico lato sensu, senão o material, que constitui parcela daquele.(3)

Segundo essa nova linha jurisprudencial da 1ª Turma, capitaneada pelo Ministro Teori Zavascki, nem todas as indenizações são intributáveis, senão apenas aquelas que não majoram o patrimônio material, por recomporem danos causados a este. Se o bem jurídico indenizado for imaterial, a indenização implicará acréscimo patrimonial, sujeitando-se à incidência do IR sempre que não esteja albergada por uma regra expressa de isenção. Também será possível a incidência do imposto quanto à indenização por danos emergentes (pois estes superam o dano material sofrido) e por lucros cessantes (por se tratar de mero lucro não realizado).

Reputamos ter o Ministro Teori Zavascki estabelecido distinções imprescindíveis ao correto deslinde da questão, que até então vinha sendo tratada de forma genérica, mediante a aplicação irrefletida da jurisprudência atinente às indenizações por danos materiais àquelas relativas a danos extrapatrimoniais. Estas indenizações implicam, inquestionavelmente, incrementos no patrimônio econômico do indenizado, ou seja, acréscimos patrimoniais sujeitos à incidência do IR.

A propósito, é mister destacar que esse imposto não incide sobre acréscimos no patrimônio jurídico lato sensu dos contribuintes, senão apenas sobre aqueles verificados no seu patrimônio econômico. Ninguém paga o Imposto sobre a Renda quando forma uma reputação, um nome, uma imagem e, obviamente, não poderá deixar de pagá-lo quando aufere um acréscimo em seu patrimônio material por lesões à sua reputação, ao seu nome ou à sua imagem.

No entanto, as probabilidades de que essa posição venha a prevalecer não são animadoras. A nova orientação da 1ª Turma não é unânime – e na 2ª ainda vigora a tradicional posição do Tribunal, expressa nas Súmulas 125, 136 e 215. Uma mudança de orientação levaria à revogação dessas três súmulas, o que, a despeito de ser possível, não é muito provável. O tempo dirá se prevalecerá o rigor jurídico ou a tradição jurisprudencial, contraposição que se expressa, no plano axiológico, como um conflito entre a justiça e a segurança jurídica.

Notas


1. Artigo publicado no periódico jurídico Carta Forense, edição nº 60, maio de 2008, p. 18.

2. STJ, 2ª Turma, AGREsp 869.287, 05.2007; REsp 402.035, 03.2004.

3. STJ, 1ª Turma, REsp 748.868, 08.2007. Vale frisar que, apesar de essa concepção ter restado estampada em ementa de acórdão da 1ª Seção do STJ (EREsp 742.773, 08.2006), não foi acolhida por este órgão como razão de decidir, tendo em vista que a questão dizia respeito tão-somente às verbas pagas por liberalidade ao empregado, ou seja, a verbas que sequer indenização constituem.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2008. Disponível em:
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Acesso em: .