Serviço postal: exclusividade dos serviços prestados pela União


Autor: Daniel Raupp
Juiz Federal Substituto

Publicado na edição 26 - 30.10.2008

 

Sumário: Introdução. 1 A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988. 2 Intervenção Estatal na Ordem Econômica. 3 Serviço Postal – serviço público ou atividade econômica propriamente dita? 4 Exclusividade dos serviços prestados pela ECT. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

 A intervenção do Estado na ordem econômica está expressamente prevista na Constituição Federal de 1988 (título VII, capítulo I) e pode se dar, basicamente, de três formas: a) indireta, como agente normativo e regulador da atividade (art. 174); b) mediante a exploração direta da atividade econômica propriamente dita (art. 173), de forma subsidiária ou monopolista; e c) mediante a prestação de serviço público, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão (art. 173).

Doutrina e jurisprudência se dividem acerca da natureza jurídica do serviço postal, mantido com exclusividade pela União, segundo o artigo 21, X, da Constituição Federal. Segundo alguns, aquele se caracteriza como serviço público, com regime jurídico diferenciado, pois só permite a descentralização mediante delegação a empresa estatal criada para esse fim, no caso, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Para outros, no entanto, trata-se de atividade econômica em sentido estrito, exercida pela União sem caráter de monopólio, cujas hipóteses encontram-se exaustivamente previstas no texto constitucional.

Neste texto, após breve exposição acerca da ordem econômica na Constituição Federal de 1988 e a intervenção estatal neste tipo de atividade, passa-se a expor os fundamentos de ambas correntes, úteis para definir a exclusividade dos serviços prestados pela ECT. Por fim, restringe-se a análise à licitude ou não da entrega de aviso de cobrança por concessionário de serviço público diretamente ao usuário, sem a intervenção da ECT.

1 A Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988

O Título VII da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a ordem econômica e financeira no direito pátrio, trazendo, no art. 170, os princípios a que a ordem econômica está jungida, entre eles a valorização da livre iniciativa, a propriedade privada e a livre concorrência.

A regra, de acordo com o parágrafo único do mesmo artigo, é de que a todos é assegurado o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, sendo a intervenção do Estado exceção do regime constitucional.

A forma como ocorre a intervenção estatal no mercado está expressamente prevista nos artigos 173, 174 e 175 da Constituição Federal, nos seguintes termos:

“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade;

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública;

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários;

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.

§ 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.

§ 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade.

§ 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.

§ 5º - A lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§ 1º - A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.

§ 2º - A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo.

§ 3º - O Estado favorecerá a organização da atividade garimpeira em cooperativas, levando em conta a proteção do meio ambiente e a promoção econômico-social dos garimpeiros.

§ 4º - As cooperativas a que se refere o parágrafo anterior terão prioridade na autorização ou concessão para pesquisa e lavra dos recursos e jazidas de minerais garimpáveis, nas áreas onde estejam atuando, e naquelas fixadas de acordo com o art. 21, XXV, na forma da lei.

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

Parágrafo único. A lei disporá sobre:

I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;

II - os direitos dos usuários;

III - política tarifária;

IV - a obrigação de manter serviço adequado.”

2 Intervenção Estatal na Ordem Econômica

Segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, a interferência do Estado no domínio econômico pode ocorrer de três modos:

  • mediante o exercício do poder de polícia, nos termos do disposto no art. 174, como “agente normativo e regulador da ordem econômica”, exercendo funções de fiscalização, incentivo e planejamento;

  • mediante incentivos à iniciativa privada, igualmente exposto no art. 174, estimulando-a com favores fiscais;

  • mediante exercício próprio, atuando empresarialmente no setor, somente em casos excepcionais.(1)

Marçal Justen Filho, por sua vez, divide a intervenção estatal em “direta” e “indireta”, esta prevista no art. 174 da CF. A intervenção direta pode ser exercida mediante a prestação de serviço público (art. 175), ou por meio de atividade econômica em sentido próprio (art. 173), a qual se subdivide em “regime de concorrência” e “regime de monopólio”.(2)

Ao presente estudo interessa a divisão entre serviço público e atividade econômica (em sentido estrito). Segundo o autor, “o serviço público existe quando uma atividade econômica é necessária de modo direto e imediato à satisfação de direitos fundamentais. Como decorrência, essa atividade é atribuída à titularidade do Estado e submetida ao regime de Direito Público. Isso acarreta a não-aplicação dos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência. O art. 175 da Constituição disciplina a matéria. A atividade econômica propriamente dita reside no desempenho pelo Estado de atividades que não são diretamente vinculadas à satisfação de direitos fundamentais. Essas atividades podem ser desempenhadas sob duas modalidades. Ou o Estado as desempenha em competição com os particulares ou atua sob regime de monopólio”.

Na jurisprudência, acórdão do Supremo Tribunal Federal, de lavra do Ministro Carlos Velloso, sustentou que a atuação estatal na economia ocorre:

“1) mediante a exploração estatal de atividade econômica (CF, arts. 173 e 177), que será: 1.1  necessária (CF, art. 173); 1.1.1 quando o exigir a segurança nacional, ou 1.1.2 o interesse coletivo relevante, tanto um quanto outro definidos em lei. Os instrumentos de participação do Estado na economia serão: a) as empresas públicas; b) as sociedades de economia mista; c) outras entidades estatais ou paraestatais, vale dizer, as subsidiárias (CF, art. 37, XIX e XX; art. 173, §§ 1°, 2° e 3º). Ocorrerá, ainda, a atuação estatal na economia: 2) com monopólio: CF, art. 177, incidindo, basicamente, em três áreas: petróleo, gás natural e minério ou minerais nucleares. A intervenção do Estado dar-se-á (CF, art. 174): figurando o Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, na forma da lei, fiscalizando, incentivando e planejando. Os instrumentos dessa intervenção são as agências reguladoras.”(3)

De todo modo, independentemente da divisão que se adote, o importante para a análise do tem proposto é a diferenciação da intervenção do Estado na ordem econômica mediante a prestação de serviço público e a exploração direta da atividade econômica.
Celso Antônio Bandeira de Melo conceitua de serviço público como:

“(....) toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestados pelo estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.”(4)

Sobre o tema, Celso Ribeiro Bastos opina que houve uma proliferação dos chamados serviços públicos, “passando cada Estado a escolher os seus, motivados por fatores diversos, como a política econômica-social, enfim, fatores estranhos àquele núcleo técnico das características das atividades que eram, evidentemente, idênticas em toda parte”.(5)

Já para Marçal Justen Filho, como exposto acima,

“existirá serviço público apenas quando as atividades referidas na Constituição envolverem a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e imediatamente os direitos fundamentais. Se houver cabimento de oferta de utilidades desvinculada da satisfação dos direitos fundamentais, existirá uma atividade econômica em sentido estrito (ou um serviço de interesse coletivo).”

O autor utiliza esse argumento para rejeitar o entendimento de parte da doutrina que reconhece haver serviço público “por inerência”, nas hipóteses em que a própria Constituição, ao discriminar competências dos entes federativos, refere-se a certas atividades como serviços públicos (ex: art. 21, X, XI e XII).

Por sua vez, o exercício de atividade econômica propriamente dita pelo Estado é excepcional e só se legitima se não houver alternativa mais satisfatória. Afasta a existência de benefícios ou privilégios em favor do Poder Público na sua execução, trazendo-o ao mesmo patamar dos particulares que a exploram. É exercida em caráter privado e pressupõe liberdade de iniciativa e de concorrência, as quais somente são afastadas nas hipóteses de monopólio estatal, expressamente previsto nos artigos 177, 25, § 2º, e 214, XXIII, da Constituição Federal.

3 Serviço Postal – serviço público ou atividade econômica propriamente dita?

O artigo 21 da Constituição Federal de 1988 dispõe sobre a competência administrativa exclusiva da União, entre elas a de “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional” (inciso X).

Antes dela, a Constituição de 1891 (art. 34, 15) previa a competência da União apenas para “legislar sobre serviço de correios e telégrafos nacionais”. Já a Constituição de 1934 (art. 5º, VII) preferiu a expressão “manter o serviço de correio”, e, no mesmo sentido, foi a orientação da Carta de 1937 (art. 15, VI). A Constituição de 1946, por sua vez (art. 5º, XI), foi a primeira a usar a fórmula “manter o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional”,(6) no que foi acompanhada, posteriormente, pela Constituição Federal de 1967 (inciso XII do art. 8º).

Inicialmente, a União mantinha esse serviço por meio do Departamento de Correios e Telégrafos, órgão sem personalidade jurídica, integrante do Ministério da Viação e Obras Públicas. Posteriormente, o Decreto-Lei nº 509, de 20.03.69, criou a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, empresa pública federal de personalidade jurídica de direito privado, vinculada ao Ministério das Comunicações.(7)

O serviço postal, prestado pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT em virtude de delegação de competência (art. 2º do Decreto-lei nº 509/69), encontra-se, atualmente, regulado na Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978, e no Decreto nº 83.858, de 15 de agosto de 1979.

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de apreciar a matéria e decidiu que “a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado”, fundamento utilizado para incluí-la na imunidade tributária recíproca.(8)

Do mesmo modo, em outra decisão, o Supremo deixou assentado que “o serviço postal está no rol das matérias cuja normatização é de competência privativa da União (CF, art. 22, V). É a União, ainda, por força do art. 21, X, da Constituição, o ente da Federação responsável pela manutenção desta modalidade de serviço público.”(9)

Todavia, divergindo desse entendimento, o Ministro Marco Aurélio, em voto proferido na Argüição de Preceito Fundamental nº 46-7/DF, afirmou não haver dúvidas de que se trata de atividade econômica, uma vez que a ECT, no período de 1990 a 1994, celebrou perto de 2 mil contratos de franquias com a iniciativa privada. E fez isso mesmo sem autorização constitucional, ou talvez porque, segundo o ministro, já havia percebido que não se tratava mais de serviço público. A ação em trâmite no Supremo versa sobre a constitucionalidade do monopólio dos serviços postais exercido pela ECT, cujo julgamento encontra-se suspenso em virtude de vista pedida pela Ministra Ellen Gracie, tendo somente o Ministro Marco Aurélio votado pela total procedência do pedido.(10)

De fato, a questão em debate, ou seja, se o serviço postal, da forma como exposto na Constituição, trata-se de serviço público ou de atividade econômica propriamente dita, é indispensável na análise da constitucionalidade do monopólio exercido pela empresa delegatária da União. Isso porque, tratando-se de serviço público, a prestação pelo Estado é regra, sendo sua opção prestá-lo ou não de forma exclusiva. Por outro lado, tratando-se de atividade econômica em sentido estrito, a regra é a da livre iniciativa e da livre concorrência, sendo o monopólio exceção nas hipóteses expressamente previstas na Constituição Federal.

Além disso, Hugo de Brito Machado alerta que, caso mantida a orientação majoritária do Supremo Tribunal Federal, ou seja, de que se trata de serviço público, uma conseqüência deve ser avaliada:

“sendo o serviço postal um serviço público de prestação obrigatória e exclusiva da União, ou será gratuito, ou remunerado através de taxas. A retribuição cobrada pela ECT por sua prestação caracteriza-se como tributo e assim não poderá a ECT continuar cobrando tarifa, como sempre fez, mas taxas, sujeitas aos princípios constitucionais correspondentes. Não poderão ter os respectivos valores fixados pelo Poder Executivo, muito menos pela própria ECT.”

Ainda sobre a discussão em tela, defende o autor que

“o fato de ter a União o dever de manter esses serviços não implica impossibilidade da prestação do mesmo também por empresas privadas. A União tem o dever de manter o serviço postal e o correio aéreo nacional para que ninguém fique privado desses importantes serviços, posto que em certas comunidades não são eles lucrativos e, assim, não serão explorados por empresas privadas. Aliás, serviços públicos como os de educação e de saúde são simultaneamente prestados pelo Poder Público e pela iniciativa privada. Sem prejuízo do direito ao serviço público, a população dispõe de alternativas para o atendimento de suas necessidades nessas áreas.”(11)

Na doutrina de direito constitucional, defende a existência de monopólio do serviço postal pela União: Pinto Ferreira, Ives Gandra Martins, Cretella Jr., Geraldo Ataliba, José Afonso da Silva e Manoel Gonçalves Ferreira Filho.

Celso Ribeiro Bastos, por seu turno, explica que as competências da União, definidas na Constituição, são de ordem legislativa e não-legislativa, encontrando-se, esta última, normatizada no art. 21, e “são competências que a União deverá exercer diretamente”, tratando-se “sempre de competências exclusivas da União, isto é, nem Estados nem Municípios têm qualquer ingestão no desempenho dessas tarefas”.(12)

Entretanto, o Juiz Federal Walter Nunes da Silva Júnior noticia que o mesmo autor, em consulta formulada pela Epatil do ABC - Prestação de Serviços Ltda., na qual solicita o seu posicionamento quanto às medidas tomadas pela Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT no sentido de obstar a prestação de serviços consistente na leitura de hidrômetros e de medidores de consumo, com a respectiva expedição e entrega das contas aos consumidores, a tese desenvolvida foi de que o monopólio do serviço postal, diante do princípio da livre iniciativa como cláusula retora do sistema econômico e financeiro, não mais subsiste no nosso ordenamento jurídico. Sustenta, nesse ponto, que, diferentemente da Constituição pretérita, não se pode mais criar monopólios mediante lei infraconstitucional, sendo admitidos, apenas, aqueles previstos na própria Lei Fundamental.(13)

Em meio a isso, não obstante a divergência doutrinária e jurisprudencial apontada acima, a questão parece consolidada no âmbito do Supremo Tribunal Federal, intérprete maior da Constituição, onde ganha a tese de que o serviço postal consiste, de fato, em serviço público, conforme interpretação literal do inciso X do artigo 21 da CF, a ser prestado de forma exclusiva pela União, ou mediante delegação a empresa pública criada com este desiderato, no caso, a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT.

Sendo assim, a Constituição Federal, ao prever a manutenção do serviço público pela União em inciso próprio, sequer permite a descentralização da prestação do serviço por meio de concessão, permissão ou autorização, ainda que por empresa estatal, visto que nos incisos seguintes (XI e XII do artigo 21) tal possibilidade encontra-se expressamente prevista. Em outras palavras, ou a União explora o serviço postal diretamente, ou o presta mediante delegação a pessoa jurídica criada com essa finalidade.

Resta com isso, no derradeiro tópico, examinar quais serviços estão incluídos entre aqueles a serem prestados com exclusividade pela União e, por conseqüência, a licitude da contratação, por meio de licitação, de empresa privada para prestar serviços de leitura informatizada com emissão e entrega simultânea das contas ou faturas do serviço prestado por concessionária de serviço público (água, p. ex.).

4 Exclusividade dos serviços prestados pela ECT

O exame da matéria passa pela definição do que consiste o “serviço postal”.

A Lei nº 6.538/78, recepcionada, nesse tema, pela Carta Magna, dispôs sobre os serviços postais do seguinte modo:

“Art. 1º - Esta Lei regula os direitos e obrigações concernentes ao serviço postal e ao serviço de telegrama em todo o território do País, incluídos as águas territoriais e o espaço aéreo, assim como nos lugares em que princípios e convenções internacionais lhes reconheçam extraterritorialidade.

Parágrafo único - O serviço postal e o serviço de telegrama internacionais são regidos também pelas convenções e acordos internacionais ratificados ou aprovados pelo Brasil.
    
Título I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 2º - O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através de empresa pública vinculada ao Ministério das Comunicações.

(...)
    
Título II

DO SERVIÇO POSTAL
    
Art. 7º - Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento.

    § 1º - São objetos de correspondência:

    a) carta;

    b) cartão-postal;

    c) impresso;

    d) cecograma;

    e) pequena-encomenda.

    (...)

Art. 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais:

    I - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal;

    II - recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada;

    III - fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.

   (...)

    § 2º - Não se incluem no regime de monopólio:

    a) - transporte de carta ou cartão-postal, efetuado entre dependências da mesma pessoa jurídica, em negócios de sua economia, por meios próprios, sem intermediação comercial;

    b) - transporte e entrega de carta a cartão-postal, executados eventualmente e sem fins lucrativos, na forma definida em regulamento.”

O regulamento mencionado na lei foi aprovado pelo Decreto nº 83.858, de 15 de agosto de 1979, que previu:

“Art. 2º - O serviço postal e o serviço de telegrama são explorados pela União, através da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT, constituída pelo Decreto-Lei nº 509, de 20 de março de 1969, referida neste Regulamento como empresa exploradora.

(...)
     
TÍTULO II

DO SERVIÇO POSTAL

CAPÍTULO I

DO SERVIÇO

Art. 15 - O serviço postal compreende:

    I - o recebimento, a expedição, o transporte e a entrega de:

    a) objeto de correspondência;

    b) valor;

    c) encomenda;

    d) correspondência-agrupada;

   (...)

    Parágrafo Único - São objetos de correspondência:

    a) carta;

    b) cartão-postal;

    c) impresso;

    d) cecograma;

    e) pequena-encomenda.

CAPÍTULO II

DO MONOPÓLIO

Seção I

Da constituição

Art. 16 - Constitui monopólio da União:

    a) o recebimento, o transporte e a entrega, no território nacional, e a expedição para o exterior, de carta e cartão-postal;

 (...)

Seção II

Das exceções

Art. 17 - É excluído do monopólio da União:

    (...)

    n) o transporte e a entrega de aviso de cobrança relativo ao consumo de água, de energia elétrica, ou de gás, quando realizados pelo concessionário do respectivo serviço público.

(...)

Art. 36 - Carta é o objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outras, que contenha informação de interesse específico do destinatário.”

Há corriqueiras hipóteses em que a prestadora de serviço público expede edital de licitação com o objetivo de contratar empresa privada para prestação de serviços de leitura informatizada com emissão e entrega simultânea das contas/faturas. Tais serviços consistem, basicamente, em realizar uma única visita à unidade consumidora, procedendo à leitura do equipamento medidor de uso (hidrômetro, por exemplo), além do cálculo, emissão e entrega da conta.

Muitas vezes, nesses casos, a ECT se insurge contra a última ação da empresa a ser contratada, ou seja, a entrega da conta, visto que os demais atos – leitura, cálculo e emissão – evidentemente não poderiam ser atribuições da ECT. Tal entrega dar-se-ia, segundo previsão editalícia, após a impressão instantânea da conta e a conferência do leiturista, que a repassa pessoalmente ao consumidor, ou, se isso não for possível, a deixa em local apropriado, de preferência na caixa postal da unidade consumidora.

Há quem entenda que tal conduta, ou seja, de entregar a conta ao destinatário, está incluída entre os serviços prestados com exclusividade pela União através da ECT, portanto inviável a contratação de terceiro para realizá-la. Por disposição normativa (art. 17 do Decreto acima), apenas a entrega direta pelo concessionário estaria ressalvada do monopólio público na exploração do serviço postal, o que vedaria a contratação de empresa terceirizada para este fim.(14)

Entretanto, o serviço postal, como definido em lei, consiste no “recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento”. E o regulamento, do mesmo modo, afirma compreender no serviço postal o recebimento, a expedição, o transporte e a entrega de objetos de correspondência (art. 15).

Em outras palavras, não há como se entender o serviço postal (de competência exclusiva da União) como uma dessas ações isoladas, ou seja, somente receber, expedir ou entregar objeto de correspondência. A atividade postal explorada em regime de monopólio pela União, por meio da ECT, abrange as três ações conjuntas (recebimento, transporte e entrega). A simples entrega de carta, definição na qual estão incluídas contas ou faturas de água (art. 36 do Regulamento), sem a realização das demais ações (recebimento do remetente e transporte da carta), não caracteriza “serviço postal”.

É ainda duvidoso que, mesmo se houvesse a impressão da fatura para posterior envio ao consumidor, o concessionário seria obrigado a utilizar os serviços da ECT, em razão do disposto na alínea n do artigo 17 do Regulamento, que afirma não se incluir no regime de monopólio da União “o transporte e a entrega de aviso de cobrança relativo ao consumo de água, de energia elétrica, ou de gás, quando realizados pelo concessionário do respectivo serviço público.” Isto é, poderia o concessionário, por meio de seus próprios servidores, transportar e entregar as contas diretamente, sem a intervenção da autora e sem a contratação de terceiros, sem que isso caracterizasse ofensa ao monopólio postal da União.

De qualquer forma, da forma posta nos editais usualmente expedidos, com a impressão e entrega imediata da conta, sequer se trata de exceção ao monopólio, porquanto inexiste a figura do “transporte”.

Na jurisprudência, algumas decisões trilharam pelo mesmo caminho:

“ADMINISTRATIVO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. MONOPÓLIO POSTAL. CONTRATO DE SERVIÇOS DE ENTREGA DE FATURAS. TUTELA ANTECIPADA. - Execução de contrato de serviços de leitura de hidrômetros e entrega de faturas, procedida mediante a entrega, pelo controlador, simultaneamente à leitura, de fatura processada por microcomputador portátil. Monopólio postal não violado. Provimento do agravo de instrumento.”(15)

“ADMINISTRATIVO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. MONOPÓLIO POSTAL. CONTRATO DE SERVIÇOS DE LEITURA DE HIDRÔMETROS E ENTREGA DE FATURAS. AÇÃO COMINATÓRIA. TUTELA JURISDICIONAL ANTECIPADA. Execução de contrato de serviços de leitura de hidrômetros e entrega de faturas, procedida mediante a entrega, pelo controlador, simultaneamente à leitura, de fatura processada por microcomputador portátil. Monopólio postal não violado. Provimento antecipado a ser afastado."(16)

Em se acolhendo a tese de impossibilidade da contratação, de duas uma: ou se estaria bloqueando o avanço tecnológico e a busca da eficiência no serviço público, princípio preconizado no caput do art. 37 da Constituição Federal; ou se estaria exigindo um procedimento, no mínimo, antieconômico, para que o concessionário, mesmo emitindo as faturas in loco, fosse obrigado a posteriormente enviá-las à autora para que esta as remetesse ao consumidor destinatário.

Com efeito, sabe-se que há muito tempo os concessionários de serviços públicos de água e esgoto, por exemplo, vem se utilizando do permissivo legal de encaminharem diretamente ao consumidor as respectivas contas ou faturas, sem a intervenção da ECT. Nunca se questionou, nessa senda, a ilegalidade do Decreto regulamentar no que se refere a essa possibilidade, e nem se poderia, visto que o regulamento “não se excedeu quanto ao espaço que lhe foi reservado, limitando-se a arrolar situação que, efetivamente, não se encontra inserida nos lindes do monopólio estatal, porquanto não se trata, propriamente, de comunicação por meio de missiva.”

É o que defende Walter Nunes da Silva Júnior, para quem o documento entregue aos consumidores, contendo a leitura dos hidrômetros e os respectivos valores das contas de consumo de água, não está inserido no conceito de carta, preceituado no artigo 47 da Lei nº 6.538/78.

Segundo o autor,

“carta é, na definição colhida do Aurélio, ‘a comunicação manuscrita ou impressa e devidamente acondicionada, remetida a uma ou várias pessoas’. Mas essa comunicação diz respeito à mensagem, no sentido de missiva. Não deve ser considerado como tal, por exemplo, o aviso de vencimento, porquanto corresponde à cobrança, que é o exercício do direito de ação extrajudicial, não se confundindo com mensagem (comunicação). Com o seu encaminhamento à outra parte, não se está fazendo comunicação, no sentido de informá-la a respeito de algo, mas propriamente cobrando o que lhe é devido.”(17)

Por outro lado, ainda que se acolha literalmente o significado de carta contido na lei ("objeto de correspondência, com ou sem envoltório, sob a forma de comunicação escrita, de natureza administrativa, social, comercial, ou qualquer outra, que contenha informação de interesse específico do destinatário"), não se vê razão para impedir a contratação de terceiro, através de licitação, para realizar o transporte e a entrega do aviso de cobrança ao consumidor final, quando a própria norma o permitiu em relação ao concessionário do respectivo serviço público (art. 17, n, do Decreto nº 83.858/79). Afinal, se o próprio Poder Executivo, ao regulamentar a lei sobre a exclusividade do serviço postal, entendeu que a mera entrega da conta pelo concessionário não afronta tal monopólio, não há justificativa para se concluir que a entrega pela empresa contratada venha a ferir a exclusividade da União.

Em conclusão, portanto, tem-se que, seja porque não se trata de “carta” no sentido legal, seja porque a mera entrega não se inclui entre os serviços prestados com exclusividade pela União, é possível a contratação de empresa privada para a prestação de serviços de leitura informatizada com emissão e entrega simultânea das contas/faturas aos usuários de serviços públicos, desde que precedida do necessário certame licitatório.

Conclusão


O legislador constituinte de 1988 optou por definir como competência administrativa exclusiva da União a manutenção do “serviço postal e do correio aéreo nacional” (art. 21, inciso X), assim como havia feito em Constituições anteriores. Em que pese a divergência doutrinária e jurisprudencial em se definir se tal competência trata de serviço público ou de atividade econômica propriamente dita, o Supremo Tribunal Federal firmou seu posicionalmente sobre a matéria, optando pela primeira posição. Disso decorre que incumbe à União prestá-lo diretamente ou mediante delegação (art. 175 da CF), dado que a exclusividade prevista no artigo 21 impede a prestação por meio de regime de concessão ou permissão. Nesse contexto, surgiu a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública criada com essa finalidade.

Todavia, a exclusividade na prestação do chamado “serviço postal” não impede, por força de regulamento, que o concessionário de serviço público proceda ao transporte e à entrega do aviso de cobrança ao usuário, respectivamente ao serviço prestado. Desse modo, nada impossibilita, também, que o concessionário contrate terceiro, mediante prévio procedimento licitatório, para a prestação de serviços de leitura informatizada com emissão e entrega simultânea das contas ou faturas aos consumidores finais, seja porque estas não se subsumem no conceito de “carta” previsto na lei, seja porque a mera entrega não se inclui entre os serviços prestados com exclusividade pela União.

Referências bibliográficas

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BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002.

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JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

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SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Sítio: www.stf.gov.br. Acesso em: 13 set. 2006.

Notas

1. In Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 489.

2. In Curso de Direito Administrativo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

3. RE 407.099/RS.

4. Op cit., p. 477.

5. In Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 159.

6. CRETELLA JUNIOR, José. Comentários à Constituição de 1988. Rio de Janeiro: Forense, 1990, v. 3. p. 1365.

7. Art. 1º - O Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) fica transformado em empresa pública, vinculada ao Ministério das Comunicações, com a denominação de Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT; nos termos do artigo 5º, item II, do Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967).

8. RE 407.099/RS, relator Min. Carlos Velloso, DJ de 06.08.2004 – grifou-se.

9. ADI 3.080/SC, relatora Min. Ellen Gracie, DJ 27.08.2004 – grifou-se.

10. “Após o voto do senhor ministro Marco Aurélio (relator), que julgava procedente a ação; dos votos dos senhores ministros Joaquim Barbosa, Eros Grau e Cezar Peluso, que a julgavam totalmente improcedente; do voto do senhor ministro Carlos Britto, julgando-a procedente, em parte, e do voto do senhor ministro Gilmar Mendes, que julgava parcialmente procedente a ação para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 42, 43, 44 e 45 da Lei nº 6.538, de 22 de junho de 1978, pediu vista dos autos a senhora ministra Ellen Gracie. Presidência do senhor ministro Nelson Jobim. plenário, 17.11.2005.” (cf. informação obtida no sítio do STF: www.stf.gov.br. Acesso em: 13 set. 2006.

11. In “Serviço Postal”. Sítio: http://www.hugomachado.adv.br/conteudo.asp?home=1&secao=2 &situacao=2&doc_id=146. Acesso em: 13 set. 2006.

12. In Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Celso Bastos, 2002. p. 492.

13. In Monopólio do Serviço Postal, sítio: www.jfrn.gov.br/docs/doutrina3.doc. Acesso em: 13 set. 2006.

14. Neste sentido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região, AI nº 2004.04.01.006242-1/PR, relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon.

15. TRF4, AG 2004.04.01.006242-1, Terceira Turma, Relator do Acórdão Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, publicado em 12.05.2004.

16. TRF4, AG 2000.04.01.021447-1, Quarta Turma, Relator Valdemar Capeletti, publicado em 06.09.2000.

17. Op. cit., p. 09.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2008. Disponível em:
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Acesso em: .