Pensão por morte, filhas maiores e aptas para o trabalho e a interpretação evolutiva do Princípio da Isonomia


Autor: Ricardo Rachid de Oliveira

Juiz Federal
Publicado na edição 26 - 30.10.2008


Sumário:
Introdução. Pensão por morte, filhas maiores e aptas para o trabalho e a interpretação evolutiva do princípio da isonomia. Conclusão. Referências bibliográficas.

Resumo

Os textos normativos infraconstitucionais do final da década de cinqüenta do século passado – que contemplavam as filhas de servidores públicos, maiores e aptas ao trabalho, com o direito à pensão por morte em razão do falecimento de seus genitores –, quando de sua edição, guardavam consonância com o princípio da isonomia, consagrado formalmente em todas as constituições do Brasil, em razão da situação de inferioridade jurídica e social na qual se encontravam as mulheres.

Após o advento da Constituição de 1988, entretanto, com a modificação das situações fática e social na quais as mulheres estão inseridas, já não existe mais razão que justifique o tratamento discriminatório, razão pela qual o direito à benesse já não existe mais e não pode ser concedido, sob pena de se incorrer em inconstitucionalidade.

Introdução

O direito à pensão por morte, como amplamente difundido, é regido pelas normas vigentes na data do implemento das condições necessárias ao seu exercício. Via de regra, regem-no as normas em vigor na data do falecimento do instituidor, ainda que não mais estejam em vigor na data da concessão formal do benefício.

Diante disso, apesar de formalmente revogadas, algumas disposições infraconstitucionais que tiveram vigência até um passado recente ainda são invocadas por beneficiários de instituidores que faleceram quando ainda estavam em vigor e servem de base a uma série de discussões no âmbito administrativo e jurisdicional.

São disposições que contemplavam filhas maiores de servidores públicos civis e militares, nada obstante aptas ao trabalho, com o direito à pensão por morte, em razão do falecimento de seus genitores.

No que diz respeito aos servidores públicos civis federais, até 12 de dezembro de 1990 – data da entrada em vigor da Lei nº 8.112/90, que instituiu o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União –, vigorou o artigo 5º da Lei nº 3.373/1958, o qual, em seu parágrafo único, contemplava o direito à percepção de pensão por morte à filha do servidor público falecido, ainda que maior e apta ao trabalho, desde que não ocupasse cargo público permanente e enquanto perdurasse seu estado de solteira.

“O texto estava assim redigido, sem grifos no original:

Art 5º Para os efeitos do artigo anterior, considera-se família do segurado:

I - Para percepção de pensão vitalícia:

a) a espôsa, exceto a desquitada que não receba pensão de alimentos;

b) o marido inválido;

c) a mãe viúva ou sob dependência econômica preponderante do funcionário, ou pai inválido no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo;

II - Para a percepção de pensões temporárias:

a) o filho de qualquer condição, ou enteado, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido, enquanto durar a invalidez;

b) o irmão, órfão de pai e sem padrasto, até a idade de 21 (vinte e um) anos, ou, se inválido enquanto durar a invalidez, no caso de ser o segurado solteiro ou viúvo, sem filhos nem enteados.

Parágrafo único. A filha solteira, maior de 21 (vinte e um) anos, só perderá a pensão temporária quando ocupante de cargo público permanente
.”

No âmbito militar, a Lei nº 3.765/60, em sua redação original, conferia às filhas dos militares, ainda que maiores e aptas ao trabalho, mesmo se casadas fossem, direito à pensão por morte. O art. 7º, II, da referida lei dispunha, sem grifos no original, que “a pensão militar defere-se na seguinte ordem (...) II - aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos”.

Esse artigo, com o advento da Lei nº 8.216/91, teve sua redação alterada para excluir do rol dos beneficiários da pensão por morte do militar as filhas casadas, mas ainda assim estavam contempladas, desde que solteiras, filhas maiores e aptas ao trabalho.

Somente em 29 de dezembro de 2000, com o advento da Medida Provisória nº 2.215-10, é que o direito à pensão por morte de servidor militar, na seara normativa infraconstitucional, foi circunscrito aos filhos ou enteados menores de 21 anos (ou 24 no caso dos estudantes universitários) e aos inválidos, dessa feita sem fazer distinção entre filhos do sexo masculino ou feminino. A redação do art. 7º da Lei nº 3.765/60 passou a ser a seguinte, mas sem grifos no original:

“Art. 7º.  A pensão militar é deferida em processo de habilitação, tomando-se por base a declaração de beneficiários preenchida em vida pelo contribuinte, na ordem de prioridade e condições a seguir:

I - primeira ordem de prioridade:

a) cônjuge;

b) companheiro ou companheira designada ou que comprove união estável como entidade familiar;

c) pessoa desquitada, separada judicialmente, divorciada do instituidor ou a ex-convivente, desde que percebam pensão alimentícia;

d) filhos ou enteados até vinte e um anos de idade ou até vinte e quatro anos de idade, se estudantes universitários ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;”

Ainda assim, o art. 31 da MP nº 2.215-10 assegurou a quem já era militar em 29 de dezembro de 2000, “mediante contribuição específica de um vírgula cinco por cento das parcelas constantes do art. 10 desta Medida Provisória, a manutenção dos benefícios previstos na Lei nº 3.765, de 1960, até 29 de dezembro de 2000”, deixando claro, no seu parágrafo segundo, que os “beneficiários diretos ou por futura reversão das pensionistas são também destinatários da manutenção dos benefícios previstos na Lei nº 3.765, de 1960, até 29 de dezembro de 2000”.

Como referido, é assente na jurisprudência pátria o entendimento segundo o qual, em razão do princípio da preservação do direito adquirido, a concessão do benefício previdenciário da pensão por morte deve observar os requisitos previstos na legislação vigente ao tempo do óbito, que é comumente o momento em que o beneficiário implementa todos os requisitos para o exercício do direito.

Sob essa ótica, levando-se em consideração apenas as normas infraconstitucionais, poder-se-ia sintetizar, no que diz respeito ao direito à pensão por morte conferido às filhas maiores e aptas ao trabalho dos servidores públicos, que: (i) às filhas solteiras dos servidores civis da União, desde que não ocupantes de cargo público permanente, cujos pais faleceram até 12 de dezembro de 1990, data da entrada em vigor da Lei nº 8.112/90, estaria assegurada pensão por morte enquanto durasse essa condição; (ii) às filhas dos servidores militares, casadas ou não, cujos pais faleceram até 15 de agosto de 1991, data da entrada em vigor da Lei nº 8.216/91, estaria assegurada pensão por morte diretamente ou por reversão (art. 24, da Lei nº 3.765/60); (iii) às filhas dos servidores militares, cujos pais faleceram até 29 de dezembro de 2000, data da entrada em vigor MP nº 2.215-10, desde que solteiras, estaria assegurada pensão por morte diretamente ou por reversão (art. 24, da Lei 3.765/60); (iv) às filhas solteiras dos servidores militares, cujos pais já eram militares em 29 de dezembro de 2000, data da entrada em vigor da MP nº 2.215-10, estaria assegurada pensão por morte diretamente ou por reversão (art. 24 da Lei 3.765/60), desde que tenha sido feita a opção a que se refere o art. 31 da MP nº 2.215-10.

Pensão por morte, filhas maiores e aptas para o trabalho e a interpretação evolutiva do princípio da isonomia

O panorama acima traçado leva em consideração única e exclusivamente o direito infraconstitucional. O que se pretende demonstrar no presente trabalho é que, apesar das normas infraconstitucionais acima sintetizadas, após o advento da Constituição Federal de 1988 não há mais espaço para a concessão de pensão por morte às filhas mulheres dos servidores públicos, maiores e aptas ao trabalho.

Sendo assim, dentre as disposições mencionadas, aquelas que foram instituídas antes de 05 de outubro de 1988 foram revogadas pela Constituição vigente e aquelas emanadas após essa data são inconstitucionais por ofensa ao princípio da isonomia insculpido no art. 5º, caput, e inciso I, da Constituição da República, o qual estabelece, sem grifos no original, que:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.”

Afinal, na atualidade, já não se concebe razão que justifique a instituição de uma presunção de incapacidade para a vida independente em favor das filhas de uma categoria de servidores, sem que a mesma benesse seja estendida aos filhos do sexo masculino ou mesmo aos descendentes dos trabalhadores em geral.

Sabe-se que a consagração do princípio da igualdade está longe de ser uma inovação da Constituição Federal de 1988. Em verdade, trata-se de princípio forjado nos ideais revolucionários burgueses e que constou, ao menos formalmente, de todas as constituições brasileiras. Desde a do Império, de 1824 – a qual, em seu art. 179, XIII, já dispunha que “a lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, o recompensará em proporção dos merecimentos de cada um” –, até a Emenda de 1969, a qual consagrou a isonomia em seu art. 153, § 1º.

Nada obstante, essa previsão constitucional de igualdade não foi suficiente para, no curso de nossa história, por exemplo, impedir a escravidão e impor, desde sempre, o sufrágio universal.

Com efeito, como salientaram Celso Ribeiro BASTOS e Ives Gandra MARTINS, em comentários ao art. 5º, I, da CF/88, sem grifos no original,

“é preciso todavia reconhecer que o avanço jurídico conquistado pelas mulheres não corresponde muitas vezes a um real tratamento isonômico no que diz respeito à efetiva fruição de uma igualdade material.  Isso a nosso ver é devido a duas razões fundamentais: as relações entre homens e mulheres obviamente se dão em todos os campos da atividade social, indo desde as relações de trabalho, na política, nas religiões e organizações em geral, até chegar ao recanto próprio do lar, onde homem e mulher se relacionam fundamentalmente sob a instituição do casamento.  É bem de ver que, se é importante a estatuição de iguais direitos entre homem e mulher, é forçoso reconhecer que esta disposição só se aperfeiçoa e se torna eficaz na medida em que a própria cultura se altere.”(1)

Assim, diante dos condicionamentos culturais que envolvem a questão relativa à isonomia, compreende-se que em 1958 tenha tido o legislador a preocupação de salvaguardar a filha mulher do servidor público civil que não lograsse êxito em casar-se, enquanto durasse a condição de solteira. Ou mesmo que tenha sido ainda mais complacente com a filha do militar.

Não deixava de ser isonômico, na época, conceder à mulher – inferior na concepção da Sociedade e do Direito – uma espécie de proteção extra em face de sua diminuída capacidade e, conseqüentemente, presumida dependência econômica. Ressalte-se que não se trata de um juízo de valor aqui expressado, mas de uma constatação que se faz no tempo presente quando se observam os condicionantes culturais de 1958-1960 e o ordenamento jurídico da época.

Veja-se que em 1958 ainda estava em vigor a redação original – que somente veio a ser modificada em 1962, com o advento da Lei nº 4.121/62 – do art. 6º, II, do Código Civil de 1916, o qual estatuía ser a mulher casada relativamente incapaz tanto quanto os menores, pródigos e silvícolas.

Ainda, o art. 233 do CC de 1916, em sua redação original, condicionava o exercício de profissões pela mulher casada à autorização do marido, o que, igualmente, somente veio a ser modificado em 1962.

Além disso, sabe-se que raras eram as mulheres que obtinham a aprovação da família para dedicar-se a alguma atividade que lhes favorecesse o exercício de ocupação econômica. Invariavelmente, eram “criadas para casar”.

Diante disso, pode-se até vislumbrar nos mencionados textos das Leis 3.373/1958 e 3.765/60, lá em suas origens históricas, concordância com o princípio da isonomia.

Afinal, a mulher, concebida social e juridicamente como um ser inferior, encontrava em sua condição de inferioridade jurídica e social(2) o “fator de discrímen” a que se refere Celso Antônio Bandeira de Mello, autorizador de um tratamento diferenciado que guardava pertinência lógica com a disparidade de regimes adotados, o que só se agravava quando ostentasse a condição de solteira.

Segundo referido autor,

“...o ponto nodular para exame da correção de uma regra em face do princípio isonômico reside na existência ou não de correlação lógica entre o fator erigido em critério de discrímen e a discriminação legal decidida em função dele. Na introdução deste estudo sublinhadamente enfatizou-se este aspecto. Com efeito, há espontâneo e até inconsciente reconhecimento da juridicidade de uma norma diferençadora quando é perceptível a congruência entre a distinção de regimes estabelecidos e a desigualdade de situações correspondentes”.(3)

Entretanto, o reconhecimento da constitucionalidade histórica das regras em análise, mesmo que o princípio da isonomia já estivesse em pleno vigor, não dispensa o operador jurídico de realizar uma interpretação evolutiva das regras em questão.

Esta, como se sabe,

“...foi afirmada há já largos decênios, para exprimir a relevância da evolução das circunstâncias no conteúdo das regras jurídicas mesmo sem alteração da fonte. (...) Por isso o intérprete procede corretamente, e não com hipocrisia, quando se preocupa com o sentido atual e abstrai de qual terá sido este quando a lei foi criada, há um século talvez. Esta orientação é nuclear e podemos dizer até que, longe de menosprezar a lei, é freqüentemente condição de sua sobrevivência, evitando que seja ultrapassada pelo desuso. É pois lícito considerar que o sentido de ontem deixou de ser o sentido de hoje; ou que um texto reveste hoje um significado que seu autor histórico nunca poderia ter tido em vista”.(4)

Da mesma forma, Luís Roberto Barroso, sem grifos no original, enfatiza a importância da interpretação evolutiva, uma vez que o

“...mais relevante não é a occasio legis, a conjuntura em que editada a norma, mas a ratio legis, o fundamento racional que a acompanha ao longo de toda a sua vigência. Este é o fundamento da chamada interpretação evolutiva. As normas, ensina Miguel Reale, valem em razão da realidade de que participam, adquirindo novos sentidos ou significados, mesmo quando mantidas inalteradas as suas estruturas formais. Sem que se opere algum tipo de ruptura na ordem constituída – como um movimento revolucionário ou a convocação do poder constituinte originário –, duas são as possibilidades legítimas de mutação ou transição constitucional: (a) através de uma reforma do texto, pelo exercício do poder constituinte derivado, ou (b) através do recurso aos meios interpretativos. A interpretação evolutiva é um processo informal de reforma do texto da Constituição. Consiste ela na atribuição de novos conteúdos à norma constitucional, sem modificação do seu teor literal, em razão de mudanças históricas ou de fatores políticos e sociais que não estavam presentes na mente dos constituintes.”(5)

Dessa forma, se havia razões histórico-culturais que autorizavam o legislador a, no final da década de sessenta, presumir a incapacidade para a vida independente da mulher maior de 21 anos, após o advento da Constituição de 1988 tais razões não mais existem.

Em 1988 a Sociedade já não era mais a mesma. Os valores cultuados a respeito da mulher tampouco. As mulheres já haviam adquirido sua emancipação social. E o Direito já não discriminava a mulher como dantes.

Tem-se por certo que os valores cultuados em uma sociedade não mudam como que num passe de mágica, de um dia para o outro. A evolução social ocorre paulatinamente por meio da substituição gradativa e, às vezes demorada, de uns valores por outros.

Ainda assim, é válido apontar a data do início de vigência da Constituição de 1988 como sendo o marco de superação de tal concepção anacrônica, que inferioriza a condição da mulher.

Afinal, a Constituição ora vigente foi bem mais enfática e categórica na afirmação da igualdade entre homens e mulheres. Além do disposto no art. 5º, I, já citado acima, pode-se colecionar uma série de outros dispositivos constitucionais que visam assegurar a efetividade de tal princípio. Confiram-se os seguintes, os quais não têm grifos no original:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

(...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação;

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

XXX - proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

(...)

§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.”

Dessa forma, nada mais justifica, a partir de 05 de outubro de 1988, um tratamento normativo privilegiado para a mulher, razão pela qual já não encontravam as normas acima apontadas embasamento na Constituição.

Trata-se de hipótese de inconstitucionalidade superveniente ou do que se costuma denominar de mutação constitucional. Em outras palavras, as circunstâncias fáticas que eram pressupostos autorizadores da edição de um texto legal com um determinado conteúdo normativo, por se alterarem no curso do tempo, fazem com que sobrevenha a inconstitucionalidade de um texto que, quando de sua edição, era constitucional.

A esse respeito Clèmerson Merlin CLÈVE  assevera, sem grifos no original, que

“a Constituição portuguesa admite claramente o fenômeno da inconstitucionalidade superveniente quando derivada de revisão constitucional (art. 282.2). Quanto às normas anteriores opostas à Constituição da República, estas, para o direito português, configuram hipóteses de revogação (incompatibilidade entre o direito anterior e a nova Constituição: art. 290). Nem por isso, entretanto, fica o Tribunal Constitucional impedido de, no processo de fiscalização abstrata, decidir a respeito da constitucionalidade dessas normas. No Brasil, a alteração da norma constitucional, decorrente de reforma constitucional (emenda ou revisão) ou de promulgação de nova Carta, implicará, segundo o entendimento do Excelso Pretório, não a inconstitucionalidade superveniente da lei (material ou formal), mas sim a sua revogação. Entretanto, mesmo no Brasil, a alteração das circunstâncias fáticas (a Constituição interage com a realidade) e a mudança na interpretação constitucional, hipóteses de mutação constitucional, poderiam dar lugar ao surgimento de inconstitucionalidade superveniente”.(6)

Diante da inconstitucionalidade das normas em referência cabe ao Judiciário deixar de aplicá-las, negando benefícios pleiteados com base nelas. Isso porque é pacífico entendimento segundo o qual o Judiciário, ao exercer o controle de constitucionalidade dos atos normativos, deve agir, tão-somente, como se “legislador negativo” fosse, ou seja, extirpando a norma inconstitucional no mundo jurídico, no caso do controle concentrado, e não a aplicando ao caso concreto no caso do controle difuso. Não lhe é dado, entretanto, agir como “legislador positivo” estendendo benesses contempladas na lei apenas para uma categoria de pessoas àquelas que não se enquadram nos ditames legais, ainda que sob o fundamento da isonomia. Ou seja, a solução não passa pela extensão aos homens da mesma benesse.

Nesse sentido:

“(...) Isonomia: alegada ofensa por lei que concede isenção a certa categoria de operações de câmbio, mas não a outra, substancialmente assimilável àquelas contempladas DI 2.434/88, art. 6º): hipótese em que, do acolhimento da inconstitucionalidade argüida, poderia decorrer a nulidade da norma concessiva da isenção, mas não a extensão jurisdicional dela aos fatos arbitrariamente excluídos do benefício, dado que o controle da constitucionalidade das leis não confere ao Judiciário funções de legislação positiva.” (REx 191531/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU  28.08.97, p.  40233)

Conclusão

A atribuição, por texto normativo infraconstitucional, do direito à percepção de pensão por morte às filhas de servidor público, maiores e aptas ao trabalho, após a vigência da Constituição Federal de 1988 revela-se inconstitucional.

Os dispositivos preexistentes à Constituição de 1988 que atribuíam o direito à percepção de pensão por morte às filhas de servidor público, maiores e aptas ao trabalho, foram por ela revogados.

Referências bibliográficas

ASCENÇÃO, J. O. O direito: introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.

BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

BASTOS, C. R.; MARTINS, I. G. S. Comentários à Constituição do Brasil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1989.

CLÈVE, C. M. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2000.

MELLO, C. A. B. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999.

Notas

1. BASTOS, C. R.; MARTINS, I. G. S. Comentários à Constituição do Brasil. v. 2. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 18.

2. Ressalte-se, uma vez mais, que não se trata de um juízo de valor aqui expressado, mas de uma constatação do tratamento concedido às mulheres pelo ordenamento jurídico de então.

3. MELLO, C. A. B. Conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 37.

4. ASCENÇÃO, J. O. O direito: introdução e teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. p. 418-419.

5. BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da constituição. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 145-146.

6. CLÈVE, C. M. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 54-55.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2008. Disponível em:
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Acesso em: .