Sumário: Introdução. 1 A sociedade de risco. 2 Crise ambiental. 3 A globalização. 4 Princípios de Direito Ambiental. 4.1 Princípio do desenvolvimento sustentável. 4.2 Princípios da prevenção e da precaução. 4.3 Princípios do poluidor pagador e da responsabilização. 4.4 Princípios da informação e da participação comunitária. 5 Estado Ambiental e Pluralismo. Considerações finais.
Introdução
Atualmente, a discussão acerca da problemática ambiental vem se desenvolvendo constantemente, de forma a impulsionar cada vez mais os estudos nesta seara. Considerando então a globalização como fenômeno que serve como pano de fundo para as questões econômicas mundiais, estritamente ligadas com o ambiente, eis que os recursos naturais daí provêm, enfocamos o estudo como forma de aplicação global dos princípios e diretrizes dos valores que regem o direito ambiental.
Nesse diapasão, o presente estudo, sem a menor pretensão de esgotar o tema ou mesmo de causar polêmicas sobre a aplicabilidade do exposto, tem por escopo a formação de questionamentos visando sempre a um aperfeiçoamento do modo de encarar e lidar com a questão ambiental.
Assim, primeiramente, foi abordada a sociedade de risco e seus efeitos, culminando na crise ambiental latente no Estado contemporâneo. Após, um breve relato acerca da globalização como postulado de enfrentamento da crise ambiental, defendendo a harmonização entre os direitos interno e internacional.
Adiante, passamos à análise dos princípios que regem o direito ambiental, trazendo à guisa os princípios do desenvolvimento sustentável, da prevenção e da precaução, do poluidor pagador e da responsabilização, e por derradeiro os princípios da informação e da participação comunitária. Após uma breve discussão sobre o Estado de Direito Ambiental comungado um pluralismo jurídico paralelo ao direito estatal, onde a participação de todos os setores será o vértice da gestão ambiental.
1 A Sociedade de Risco
Através dos tempos, consolidou-se a idéia de que a natureza existia única e exclusivamente para suprir as necessidades humanas. Com efeito, o progresso é uma meta a que se curvam as nações, cujas conseqüências ao meio ambiente ficaram ainda mais visíveis a partir da Revolução Industrial e do aparecimento das produções em massa. Contemporaneamente, a sociedade caracteriza-se pela ameaça constante da catástrofe, onde podemos destacar a sociedade de risco,(1) caracterizada pela ineficácia das instituições em conter esse processo, sobretudo de ordem ambiental.
Nesta esteira, urge o conceito da irresponsabilidade organizada, onde se ocultam as origens dos problemas, caracterizando um estado de invisibilidade, negando a existência e as responsabilidades na percepção dos riscos. Outrossim, o risco é configurado por uma situação fática ameaçadora da sociedade, conhecida, ou seja, sua ocorrência pode ser prevista e sua probabilidade calculada. No entanto, quando vislumbramos ameaça desconhecida, estamos diante do perigo.
A idéia do risco é perceptível na discrepância entre a capacidade de ação e de previsão dos riscos e seus malefícios, onde estes, cada vez mais imprevisíveis, multiplicam-se descontroladamente em termos de escala e freqüência. Assim, insiste-se na negativa dos riscos e de suas conseqüências ao meio e ao homem, quando as ações não prevêem compensação ou mitigação acerca destes, culminando num quadro de insatisfação e crise da sociedade para lidar com a questão ambiental.
A crise ambiental provém desse modelo de sociedade, eivado de uma imprevisibilidade das conseqüências de suas ações, e a invisibilidade como forma de negação deste modelo social, cuja geração e criação são efetuadas pela própria sociedade. Cabe ponderar que a ciência não garante a segurança nos processos produtivos, sobretudo no domínio da natureza, podendo dessa forma, vez por outra, contribuir para agravar ou multiplicar os incontroláveis e invisíveis riscos.
A irresponsabilidade organizada vem enquadrada nesta invisibilidade, que traduz-se nas formas, instrumentos e meios utilizados para ocultar as origens e efeitos dos riscos ecológicos. Cumpre colacionar a ausência de políticas de gestão dos riscos, a fim de minimizar ou mitigar suas conseqüências.
A sociedade do risco configura uma forma avançada de abordar a crise ambiental, eis que enfoca esta sob um prisma multidimensional. De fato, constata-se que a gestão dos riscos passa longe da democracia e da participação ambiental.
Neste viés, a multiplicação dos riscos, inclusive em escala planetária, requer uma nova forma de racionalidade, de organização e padrões da forma de atuação estatal, objetivando obter um modelo sociológico.
2 Crise ambiental
Podemos destacar que o progresso, baseado primordialmente na exploração dos recursos naturais cujo escopo único objetiva a maximização da acumulação do capital, resulta na inevitável crise ambiental em que “as condições tecnológicas, industriais e formas de organização e gestão econômica da sociedade estão em conflito com a qualidade de vida.”(2)
Nesta esteira, a crise ambiental, externada na ineficácia desse modelo consolidado, impõe um repensar na instituição e contextualidade das formas de relações políticas, sociais, jurídicas, culturais e econômicas como transformação e mudança do modelo vigente em esgotamento, interagindo com a práxis na busca de resultados efetivos considerando a conscientização necessária à preservação ambiental.
Cumpre ainda destacar que nem o sistema capitalista – que, por ser individualista, incentiva a agressividade ambiental pela competitividade – nem o socialismo, baseado numa economia de escala caracterizada pela falta de um contexto de liberdade, foram suficientes para superar a crise ambiental.
De fato, é notória a incapacidade dos sistemas econômicos existentes em face da necessária higidez ambiental, cuja ameaça abarca a sadia qualidade de vida do homem atual bem como das futuras gerações. Para a existência da vida no globo é necessário ponderar que se trata de uma rede de interligação onde o todo está conexo com as partes e vice-versa.
No campo do Estado contemporâneo, o direito gera uma ética de responsabilidade que alicerça os meios. A economia, de outra banda, vem eivada de uma ética de convicção destinada aos fins. Assim, por detrás do direito vislumbra-se um neoliberalismo fugaz que prega um estado mínimo exacerbando o capital e colocando em xeque a vida.
Historicamente, na seara jurídica dos direitos civis e políticos vinculados à liberdade, à igualdade e à propriedade vislumbrados ao longo dos séculos XVIII e XIX, emergiram os direitos sociais, que por sua vez ensejam garantias em face do poder público, como o direito ao trabalho, à saúde e à educação, entre a segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do século XX.
Com efeito, a sociedade em eterna evolução histórica desperta novos direitos, e como aponta Bobbio,(3) três razões principais impulsionaram esse desenvolvimento, quais sejam: o aumento de bens considerados merecedores de tutela, a extensão da titularidade destes bens e, ainda, porque o homem é visto, na concreticidade das diversas maneiras de ser em sociedade, como criança, velho, doente, etc.
Com a percepção da finitude dos recursos naturais, surge a necessidade do direito em tutelar o bem ambiental, mais efetivamente a partir de Estocolmo, em 1972. Posteriormente, na década de 80, observamos a ruína do sistema socialista implantado na União Soviética. Após o fim deste regime, o capitalismo proliferou-se pelo mundo sem qualquer concorrente direto, sob o manto atual do neoliberalismo. Neste ponto, não podemos olvidar a globalização, seus reflexos e conseqüências no mundo da informação e tecnologia e sua relação com o meio ambiente.
Nesse contexto, a partir das atrocidades vivenciadas durante a II Guerra Mundial e mais enfaticamente nas décadas de 70 e 80(4), emergem os direitos difusos (também denominados direitos de solidariedade ou transindividuais), cujo titular transpassa o homem individual, que se tratando de meio ambiente, podemos aduzir que“possui a característica de ser indivisível. Não há como cindi-lo. Trata-se de um objeto que, ao mesmo tempo, a todos pertence, mas ninguém específico o possui.”(5)
3 A globalização
A faceta da economia transnacional com capital aglomerado transpõe barreiras, transformando e ameaçando a soberania dos países. Ameaçada a existência do Estado, indubitavelmente envolvido está o direito.
A idealização da vida sem fronteiras numa aldeia global deve ser encarada sob a forma de questionamento acerca de sua implantação e de suas instituições. No que tange ao meio ambiente, podemos destacar que as desigualdades em nível global tendem a se acentuar, propagando e proliferando cada vez mais as degradações ambientais.
A natureza é sagrada e divina, compreendendo a integração, harmonia, preservação, esmero e contemplação. Se a Terra oferece condições adequadas, é porque a vida assim as mantém. Não obstante, o desenvolvimento e o progresso dão a ordem do dia, estabelecendo uma seleção natural que agrada aos ávidos por poder.(6)
Nessa linha, muito se tem discutido acerca da eficácia do direito em nível planetário a fim de harmonizar as políticas de gestão ambiental com o desenvolvimento. Como observa Canotilho,(7) trata-se de um dos postulados da seara ambiental, onde:
“a proteção do ambiente não deve ser feita a nível de sistemas jurídicos isolados (estatais ou não), mas sim a nível de sistemas jurídico-políticos, internacionais e supranacionais, de forma a que se alcance um standard ecológico ambiental razoável a nível planetário e, ao mesmo tempo, se estruture uma responsabilidade global (de Estados, organizações, grupos) quanto às exigências de sustentabilidade ambiental. Por outras palavras: o globalismo ambiental visa ou procura formatar uma espécie de Welt-Umweltrecht (direito do ambiente mundial).”
Destarte, logicamente, o bem ambiental por sua própria natureza não pode ser encarado singularmente pelos Estados, haja vista que as conseqüências dos danos são muitas vezes imprevisíveis inclusive no que tange ao caráter espacial. Ou seja, a depender da envergadura do dano, este pode atingir caráter transfonteiriço, atingindo diversos países concomitantemente.
De conseguinte, não podemos olvidar que enquanto no direito internacional só a aquiescência do Estado convalida a norma, advoga-se aqui a idéia de que soberania e direito internacional são compatíveis, como sistemas de normas que se subordinam mutuamente.
Ademais, cabe destacar que a própria biosfera que acolhe a vida de plantas e animais é interligada através de conexões intrínsecas, onde os efeitos são percebidos em cadeia. Assim, a discussão jurídico-ambiental invariavelmente deve considerar o aspecto global do meio ambiente, sobretudo pela sua natureza conexa e interdependente. Relativamente ao Direito Ambiental Internacional, destaca Wold:(8)
“No plano internacional, tais princípios não são, tecnicamente, considerados obrigatórios, não obstante, por influenciarem a estruturação do direito ambiental interno e por serem efetivamente empregados pelos formuladores da política ambiental internacional, eles possuem uma importância ímpar para a proteção do ambiente em âmbito local e internacional.”
Dessa maneira, dada a relevância dos princípios no plano internacional como no direito interno, estruturar valores ambientais é necessidade primeira no direito e na formulação das políticas ambientais, vislumbrando um plano comum (interno e internacional) calcado nos princípios e objetivando um enfrentamento da questão ambiental.
4 Princípios de Direito Ambiental
Com efeito, os valores básicos sociais podem ser definidos e cristalizados por princípios que formem as diretrizes do ordenamento, facilitando o entendimento do alcance da lei em sua aplicação. Neste viés, a transcendência para um direito de base pode ser norteado por princípios que estimulem a participação numa visão global, condicionando e ordenando a compreensão do ordenamento, como ensina Reale:(9)
“A nosso ver, princípios gerais de direito são enunciações normativas de valor genérico que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, quer para a sua aplicação e integração, quer para a elaboração de novas normas. Cobre, desse modo, tanto o campo da pesquisa pura do Direito quanto o de sua atualização prática.”
Os princípios consistem em proposições básicas, fundamentais, alicerces na construção do ordenamento. Canotilho(10) observa que regras e princípios são duas espécies de normas, e que os princípios constituem “exigências de otimização”, permitindo o balanceamento de valores e interesses, compatibilizando assim com vários graus de concretização. As regras, diferentemente, prescrevem imperativamente uma exigência, que é ou não cumprida.
Assim sendo, pode-se considerar os princípios como essenciais ao direito, pois trazem a ele vida e valor, servindo de instrumento para a plenitude da justiça, integrando-o à história e sistematizando-o.
Assim, infere-se que o estabelecimento dos princípios tem por escopo a uniformização das diretivas, que almeja harmonizar a formação do direito. Neste prisma, destaca-se o direito na busca de um tratamento eficaz em face da crise ambiental, considerando que se deve embasar em princípios harmônicos presentes em nível planetário através de tratados, bem como entranhado nos países soberanos.
Discorrida a importância do enfoque dos princípios no direito ambiental, houve a necessidade de apresentação dos princípios a serem delineados o que, observe-se, não descarta nem desconsidera os demais apontados pela doutrina, mas, para a praticidade deste trabalho, os seguintes foram eleitos e sintetizados: princípio do desenvolvimento sustentável, princípio da precaução e da prevenção, princípio da informação e da participação, princípio do poluidor pagador e princípio da responsabilização.
4.1 Princípio do desenvolvimento sustentável
O princípio do desenvolvimento sustentável vem insculpido no relatório da Comissão Mundial sobre o meio ambiente e desenvolvimento, definindo que “o desenvolvimento sustentável pretende satisfazer as necessidades do presente sem comprometer os recursos equivalentes de que farão uso no futuro outras gerações.”(11) Assim, não podemos olvidar que o desenvolvimento sustentável está ligado à sadia qualidade de vida, que somente terá efeito com o uso equilibrado e harmônico dos recursos naturais. Além de buscar a relação entre os interesses de lucro e os interesses de bem estar coletivo – cujo objeto é o meio ambiente, almeja, na verdade, a coexistência da “preservação ambiental e o desenvolvimento econômico de modo que aquela não acarrete a anulação deste.”(12) Sampaio(13) é esclarecedor:
“Há um prima principium ambiental: o do desenvolvimento sustentável, que consiste no uso racional e equilibrado dos recursos naturais, de forma a atender às necessidades das gerações presentes, sem prejudicar o seu emprego pelas gerações futuras. Significa, por outra, desenvolvimento econômico com melhoria social das condições de todos os homens e em harmonia com a natureza.”
De fato, a insuficiência existente nos modelos atuais é concreta, e, concomitantemente, a crise ambiental é visível e inegável, ameaçando não só o equilíbrio vital imprescindível para perpetuação de nossa espécie no planeta, mas abarcando a qualidade de vida também das gerações vindouras. Destaque-se enfaticamente o caráter do descomprometimento das necessidades ambientais das futuras gerações, garanti-las no futuro é fator a ser considerado sob o ponto de vista da perpetuidade da vida do homem no globo. Consta assim de um processo de exploração de recursos que não comprometa as gerações atuais e futuras.
Cristiane Derani(14) resume o desenvolvimento sustentável em dois pilares: “um relativo à composição de valores materiais e outro voltado à coordenação de valores de ordem moral e ética: uma justa distribuição de riquezas nos países e entre os países, e uma interação dos valores sociais, onde se relacionam interesses particulares de lucro e interesses de bem-estar coletivo.”
Acertadamente, a autora fez incluir outros valores que não somente os materiais, mas de ordem moral e ética tal qual a distribuição de riquezas. Esta última, de relevância abissal, vem camuflada pela ausência de voz, informação e consciência participativa dos setores marginalizados. Atados, a mercê do sistema, causando um efeito sólido que perpetua o sistema, minimizando as chances de ruptura e mudança e aniquilando a chance de urgir a harmonia das ações e relações humanas, sociais, políticas, culturais entre os homens e para e com o meio ambiente.
4.2 Princípios da prevenção e da precaução
O princípio da precaução prescrito no Princípio 15 da Rio-92 aduz que, quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, medidas para prevenir a degradação ambiental não podem ser postergados tendo por razão a falta de certeza científica.(15) O princípio, outrossim, prevê a cautela antecipada, ou seja, reza a precaução contra o risco, dirigida ao perigo abstrato.
Além deste enfoque, cujo escopo é a tomada de medidas preventivas a priori, também se extrai uma conduta genérica em favor ambiental, adotando-se a máxima in dubio pro ambiente, posto que não se deve esperar que sejam reconhecidos os malefícios advindos do dano ambiental para a tomada de providências de precaução e a conseqüente e imediata paralisação e reparação do dano.
Assim, a precaução, como observa Machado,(16) traduz-se pela inversão do ônus da prova em proveito da proteção ambiental, procedimento que exige, portanto, que o autor potencial prove que sua atividade não terá nenhum efeito nefasto ao meio ambiente, ou seja, é necessário o empreendedor demonstrar que sua atividade não danifica seriamente o ambiente e nem causa dano irreversível.
Não obstante, a prevenção difere da precaução, como esclarece o Prof. Machado:
“Em caso de certeza do dano ambiental, este deve ser prevenido, como preconiza o princípio da prevenção. Em caso de dúvida ou de incerteza, também se deve agir prevenindo. Essa é a grande inovação do princípio da precaução. A dúvida científica, expressa com argumentos razoáveis, não dispensa a prevenção.”(17)
Assim, havendo a certeza do dano ambiental ou sua comprovação científica, aplica-se o princípio da prevenção, cujo perigo de dano é concreto e comprovado. Sendo a atividade, assim, de fato perigosa ou concretamente perigosa. Considera informações e estudos de ordem técnica que configuram que o dano possa produzir os efeitos indesejados e, em conseqüência, um dano ambiental. Logo, previne um dano concreto, cuja ocorrência é possível e verossímil, sendo, por essa razão, potencial. Vale enfatizar que a cautela, no sentido de prevenção, deve considerar que o dano ambiental é quase sempre irreversível, com efeito devastador que comprovadamente trará prejuízos também irreversíveis à saúde humana.
De fato, a falta de certeza científica requer a precaução diante do desconhecido, do que nem se sabe ou não se pode mensurar, destarte, mediante ausência e comprovação científica do dano ou de sua dimensão, sob o risco abstrato de serem sérios e irreversíveis, resta fundada a aplicação da precaução em comento como forma de impedir imediatamente a degradação.
Nesta esteira, mostra-se indissociável de políticas de incentivo à prevenção a informação e participação. “Outrossim, cabe a todos os cidadãos o dever de participar, influir nas políticas ambientais, evitar comportamentos nocivos ao meio ambiente e aditar outras medidas preventivas, visando a não prejudicar o meio ambiente saudável.”(18)
4.3 Princípios do poluidor pagador e da responsabilização
Primeiramente, cabe destacar a ligação do princípio do poluidor pagador com o da prevenção, na medida em que busca evitar a ocorrência do dano, caracterizando um caráter reparatório. Derani(19) afirma que o princípio do poluidor pagador visa à internalização dos custos relativos externos da deterioração ambiental. Aduz que o processo produtivo gera externalidades negativas, que são recebidas pela sociedade, e a aplicação do princípio visa corrigir este custo.
Não significa, no entanto, que este prescreve que o pagamento efetuado pelo poluidor lhe confere o direito de poluir.(20) Com efeito, deve o poluidor arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente, ou alternativamente, ocorrido o dano pela atividade desenvolvida, será o poluidor responsável por sua reparação. Destina-se assim a diminuir, evitar e reparar os danos ambientais, impondo ao poluidor o pagamento destinado a evitar o resultado, ou seja, atua como medida preventiva, antes e independentemente do dano, onde em verdade o poluidor “paga justamente para não poluir.”(21)
Cabe, neste ponto, trazer à colação a diferenciação entre o princípio do poluidor pagador e o da responsabilização, fator fundamental à continuidade do trabalho. Leite,(22) lastreado em autores diversos, comenta acerca do princípio da responsabilização:
“Lembre-se, no que concerne às várias dimensões deste princípio, das lições de Canotilho: ‘...o princípio do poluidor pagador não se identifica com o princípio da responsabilidade, pois abrange, ou, pelo menos, foca outras dimensões não enquadráveis neste último.’ Aragão assevera que identificar os princípios do poluidor pagador com o da responsabilidade, de maneira indiscriminada, do ponto de vista dogmático, conduziria a um verdadeiro desaproveitamento das potencialidades de ambos.”
Nesta esteira, o Prof. Paulo de Bessa(23) enuncia:
“O elemento que diferencia o princípio do poluidor pagador da responsabilidade tradicional é que ele busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais. Logo, ele não está fundado no princípio da responsabilidade, mas, isto sim, na solidariedade social e na prevenção mediante a imposição da carga pelos custos ambientais nos produtores e consumidores.”
Infere-se assim clara a diferenciação entre os princípios aludidos, eis que o primeiro visa afastar o ônus do custo econômico das atividades, ou seja, internalizar as externalidades, visando à solidariedade e à prevenção mediante a imposição de custos ambientais. Já o princípio da responsabilização visa penalizar a degradação já efetivada, sob a forma de sanções previstas no ordenamento.
4.4 Princípios da informação e da participação
Participar significa tomar parte em alguma coisa, ou seja, configura uma ação conjunta. Assim, faz o indivíduo partilhar da responsabilidade pela gestão ambiental cujos interesses são inerentes a toda coletividade.
A participação deve ser assegurada a todos os interessados, possibilitada pelos processos de decisão, culminando numa descentralização prática do autoritarismo estatal para uma ingerência real e eficaz da sociedade, através dos conselhos, organizações não- governamentais, enfim, do conjunto dos setores.
É neste ponto que entra em cena o pluralismo jurídico ambiental, cujo aspecto ressaltado é o de trazer a participação popular, quebrando a distância que separa os sujeitos da efetividade de concretização de seus direitos, reordenando o centro normativo do centro para a periferia, do Estado para a sociedade. Considere-se, para todos os efeitos, o conceito de sujeito provindo da retomada da participação, abrangendo aqueles cujos ditames exarados pelo direito não conseguem abranger, os oprimidos, marginalizados, categoria esta que retrata a práxis conjuntamente com a grande maioria da população, ideologia camuflada pela tirania da informação e da economia globalizada.
Importa relembrar que, além da possibilidade de participação, é indispensável a informação correta, verdadeira e tempestiva, para que possa transmutar na educação ambiental. Neste passo, incumbe ao poder público promover a educação ambiental e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente.
Por derradeiro, constate-se que o Dr. Paulo de Bessa(24) denomina este princípio democrático, asseverando que “é aquele que assegura aos cidadãos o direito pleno de participação na elaboração das políticas públicas ambientais”. Prevê que a participação decorre do dever de defesa e preservação, o direito de opinar sobre as políticas públicas, ou pode ainda ser exercido através de mecanismos judiciais e administrativos de controle dos atos.
5 Estado Ambiental e Pluralismo
Como ressaltado, a sociedade de risco nega os efeitos da crise ambiental, defendendo uma economia ambientalmente nefasta. O fenômeno da globalização permeia as relações entre os Estados e reitera o capital como bem de primeiro valor, relegando o meio ambiente, este sim essencial à vida, para um segundo plano.
Deste ponto de partida, tais valores devem também se refletir nos campos dos direitos interno e internacional, de forma a concretizar uma relação harmônica entre o meio ambiente e o desenvolvimento, almejando sua sustentabilidade.
Neste desiderato, a conscientização global da crise ambiental requer uma gestão participativa dos recursos naturais, cuja figura do Estado fica comprometida com a causa ambiental, em princípios e valores, proporcionando uma integração entre o Estado e a sociedade. Perfunctoriamente, podemos retratar o Estado de Direito Ambiental:
“É aquele que tem como tarefas prioritárias os valores ambientais, fundados em normas constitucionais, que deverão ser integrados num horizonte plural (diversificado e intrinsicamente concorrente ou conflitante) de princípios rectizes e de outras normas-fim, segundo um nível de harmonização e de concordância prática, não compatível com quaisquer formas de reducionismo.”(25)
O Estado, enfraquecido pela força do capital que movimenta a economia em escala planetária, ameaça concomitantemente o monismo jurídico, quer pela ineficácia, quer pelo esgotamento, invocando um pluralismo jurídico que deixa de associar o Direito exclusivamente com o Direito Positivo, admitindo a existência deste paralelamente ao direito estatal.
Ao perquirir o pluralismo inserido nas contradições materiais e nos conflitos sociais, visto como a marca de ruptura do instituído, o Estado Ambiental designa a existência de mais de uma realidade, compatível assim com a visão transdisciplinar ambiental, envolvendo as situações da vida e a diversidade das culturas. O prof. Wolkmer(26) é magistral:
“O novo pluralismo jurídico, de características participativas, é concebido a partir de uma redefinição da racionalidade e uma nova ética, pelo refluxo político e jurídico dos novos sujeitos – os coletivos; de novas necessidades desejadas – os direitos construídos pelo processo histórico; e pela reordenação da sociedade civil – a descentralização normativa do centro para a periferia; do Estado para a sociedade; da lei para os acordos, os arranjos, a negociação. E, portanto, a dinâmica interativa e flexível de um espaço público aberto, compartilhado e democrático.”
Consagra-se a cidadania participativa e solidária, efetivando uma democracia pluralista que incentiva a conscientização pela formação do Direito configurado pela autenticidade do “sistema de conselhos”, disseminados paralela e conjuntamente com os níveis de esfera do poder local (bairro, distrito, municípios...). Acerca do Estado de Direito Ambiental e da participação, podemos ainda elencar que:
“A lógica que orienta este novo modelo de Estado em construção é de que a sociedade política deve orientar seus esforços no sentido de levar a coletividade a preservar aquilo que existe e recuperar o que deixou de existir. As funções deste Estado são de proteger e defender o meio ambiente, promover a educação ambiental, criar espaços de proteção ambiental e executar o planejamento ambiental. São estas as ações positivas do Estado, já que passam por obrigações políticas, legislativas, administrativas e penais.”(27)
Destarte, a legislação ambiental requer e almeja uma gestão participativa acerca do aproveitamento dos recursos naturais cujo escopo prioritário jaz em fazer face às mudanças globais que transformaram os conglomerados transnacionais nos grandes controladores do poder e do capital. Assim, a abertura para a participação e gestão dos recursos naturais deve ser aberta, irrestrita, levando a coletividade a preservar o que existe e recuperar o que deixou de existir, promovendo a educação ambiental, indiscriminadamente.
Considerações finais
Outrossim, o arcabouço legal não pode afastar seu papel informativo, educativo e transformador da vida social, incentivando a participação de todos os setores, abrangendo uma visão que considere todos aspectos envolvidos, que exige do poder público uma atuação sob um ponto de vista pedagógico diante da coletividade, com vistas à melhoria para a saúde e o meio ambiente.
Derani(28) é enfática ao lecionar que: “A realização da cidadania, em contrapartida, reclama um real conhecimento do direito, não pelo temor ao seu poder repressivo, mas para a consciência da amplitude da ação modificadora e mobilizadora da vida social do cidadão.”
Neste aspecto, urge a compreensão que pede, que não se feche, não se reduza o ser humano a seu crime, mesmo se cometeu vários. A compreensão não desculpa nem acusa: pede que se evite a condenação peremptória, irremediável, como se nós mesmos nunca tivéssemos conhecido a fraqueza nem cometido erros. Se soubermos compreender antes de condenar, estaremos no caminho da humanização das relações humanas.(29)
De fato, o Direito aplicado ao meio ambiente deve construir bases de participação de todos os setores, abrangendo uma visão que considere os aspectos históricos, culturais, sociais, econômicos, o que vai além da simples imposição da punição legalmente descrita, mas sob um ponto de vista de gestão participativa e consciente de melhoria para a saúde e o meio ambiente.
De conseguinte, fica evidente que somente uma sociedade participativa e solidária tem o condão de transformar a realidade vigente na quebra das imposições ideológicas embasada na lex mercatoria, cujo vulto se torna ainda maior em face da globalização e da política transnacional das grandes empresas. Na visão ambiental, a lei tem o condão de disseminação da conscientização culminando num processo de participação solidária a fim de que os finitos recursos naturais sejam assegurados a todos e às futuras gerações.
A hermenêutica ambiental assume desta forma a perspectiva da complexidade ambiental, cuja pedagogia deveria ensinar a realidade socioambiental como um processo de construção social, a partir de fatos inter-relacionados e interdependentes, desenvolvendo a compreensão dos fatos da realidade para inscrever a consciência ambiental e a ação social nas transformações do mundo que levarão ao desenvolvimento sustentável.
Notas
1. Cf. LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.
2. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: RT, 2000. p. 21.
3. BOBBIO, Norberto. A era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 68.
4. RODRIGUES, Marcelo Abelha. Instituições de Direito Ambiental. São Paulo: Max Limonad, 2002. p. 28.
5. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 6.
6. LUTZEMBERGER, José. Gaia o planeta vivo (por um caminho suave). Porto Alegre: L&PM, 1990.
7. LEITE, José Rubens Morato et alli. Estado de Direito Ambiental: tendências. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 5.
8. WOLD, Chris el alli. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 06.
9. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 300.
10. CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Coimbra. 1999. p. 1087.
11. World Commission on Environment and Development, Our Common Future, p. 7.
12. FIORILLO. ob. cit. p. 25.
13. SAMPAIO, José Adércio Leite et alli. Princípios de Direito Ambiental. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 46.
14. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 131.
15. Decreto 2.519, de 16.3.98, promulgando a Convenção da Diversidade Biológica (DOU 17.03.98).
16. MACHADO. Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 63.
18. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 53.
20. MACHADO. Paulo Affonso Leme. ob. cit. p. 47.
21. LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. p. 78.
22. LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. p. 57.
23. ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2001. p. 33.
25. LEITE, José Rubens Morato. AYALA, Patrick de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 22.
26. WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo Jurídico. 3. ed. São Paulo: Alfa Omega, 2001. p. 171.
27. LEITE, José Rubens Morato et al. Estado de Direito Ambiental: tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p. 180.
28. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. 2. ed. São Paulo: Max Limonad, 2001. p. 58.
29. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez, 2000. p. 95.
|