Ementas e sua técnica(1)

Autor: Ruy Rosado de Aguiar Júnior

Ministro aposentado do STJ, professor da Escola Superior da Magistratura - RS, Especialista em Direito Penal e Mestre em Direito Civil pela UFRGS.


Publicado na edição 27 - 17.12.2008

 1. Venho tratar de elaboração de ementas. Não sei por qual razão, certa vez me convidaram para dar um curso de três dias sobre ementas no Superior Tribunal de Justiça. Eu já estava aposentado e fui, então, aprender como se fazia uma ementa. Isso foi muito útil para mim na medida em que fiquei sabendo o que deveria ter feito nos tantos anos em que elaborei acórdãos e ementas. Congratulei-me com os cursistas, porque estavam ainda na atividade, aproveitando para tomar conhecimento desta técnica especial, que é a elaboração de ementas. Os mesmos cumprimentos estendo aos senhores, nesta oportunidade.

2. Antes de tratar da ementa propriamente dita, gostaria de lembrar algo sobre a finalidade da informação jurídica, porque o operador do Direito, seja ele professor, advogado ou juiz, necessita de constante e renovada atualização. Ele não traz consigo a informação necessária para o exercício da sua função, diferentemente do que acontece com outros profissionais. O médico, por exemplo, com o conhecimento adquirido na sua formação, realiza de ordinário o seu trabalho sem necessidade de pesquisa bibliográfica. O mesmo acontece com o cirurgião, o dentista, ou o engenheiro. O operador do Direito, ao contrário, depende de informações externas a ele sempre que tiver de enfrentar uma questão ou resolver uma causa.

Em primeiro lugar, ele deve buscar o conhecimento na lei, pois nada pode fazer sem ter a lei à sua frente. Passei muitos anos elaborando denúncias. Quando era Promotor, nunca fiz uma denúncia sem ter o Código Penal para consultar – ainda que fosse o art. 129, caput, que tratava da lesão corporal, o crime mais comum – e verificar se todos os elementos daquele tipo estavam sendo referidos na denúncia. Assim, também, sempre que alguém se propõe a um trabalho jurídico, deve ter à mão a lei aplicável, cuidado indispensável nessa época de tanta produção legislativa.

Além da lei, ele tem de saber o que os doutrinadores dizem a respeito, uma vez que são eles os explicadores do direito; são os doutores que nos fornecem o conhecimento científico, sistematizam o material jurídico a partir dos princípios, fornecem as classificações, trazem definições, clareiam os conceitos.

Em terceiro lugar, sabendo o que diz a lei e como ela tem sido interpretada pela doutrina, o operador deve ir buscar o conhecimento da jurisprudência, formada pelos julgados sobre o assunto de seu interesse.  Para isso, ele tratará de encontrar os precedentes que se aplicam ao seu caso.

3. Precedentes são os julgados anteriores que apreciaram um fato semelhante ao que se examina, na vigência da mesma lei (ou da mesma norma jurídica, ainda que em lei diversa), e que enfrentaram a mesma questão ora em discussão. A questão é o ponto sobre o qual há dúvida, a respeito da qual se debate. A questão pode ser de fato ou de direito. O fato não precisa ser igual, mas deve ter vários elementos análogos, ainda que alguns sejam diferentes, de forma tal que se possa estabelecer que o fato julgado naquele outro caso era semelhante ao que estou apreciando agora, e que a decisão a ser agora adotada também poderia ser aplicada àquele. O juízo sobre o precedente é sempre relacional, pois o precedente só existe em relação a um outro, e a conclusão de que aquele primeiro julgamento pode servir de precedente ao segundo depende de uma comparação entre os fatos. É possível que existam vários julgamentos anteriores sobre fatos semelhantes, que aplicaram a mesma norma jurídica na solução de igual questão, e que haja divergência entre as decisões; teremos, então, precedentes divergentes. Os fatos a considerar são, de um lado, a situação jurídica que foi objeto de um julgamento anterior e, de outro, a situação jurídica que está sendo objeto da apreciação hoje. Essa situação pode ser uma questão de direito, um fato da vida, um homicídio, um contrato, um fato do processo, como, por exemplo, saber se o recurso foi tempestivo ou intempestivo, se houve intimação válida ou não. O fato da vida ou o fato do processo anterior é que deverá ser semelhante ao que está sendo apreciado. Definir qual seja a situação jurídica em debate exige do operador do direito o pleno conhecimento do processo em que surgiu a questão, para somente depois ir buscar informações externas ao processo.

4. O conceito do que seja precedente também servirá para constatar a divergência. Certos recursos somente cabem quando uma decisão anterior, apreciando a mesma questão, sob a mesma norma jurídica, em situação de fato assemelhada, deu interpretação diversa da decisão mais recente; nesse caso, os julgados divergem e são cabíveis os embargos de divergência ou o pedido de uniformização.

5. Ao selecionar os precedentes, devo dar atenção à orientação da Câmara ou Turma a que pertence o julgador, à do Tribunal e, depois, à dos outros tribunais, especialmente daqueles que julgarão os recursos da decisão que está sendo agora proferida.

6. Para o julgamento, é indispensável a informação jurídica; a informação, de sua vez, será obtida mediante a pesquisa. Todo trabalho jurídico, seja ele de quem vai escrever a tese, a dissertação, o arrazoado, a sentença, o acórdão, tudo depende de prévia pesquisa. O trabalho acadêmico, o arrazoado, a sentença e o acórdão não são nada mais, nada menos do que um relatório da pesquisa; neste serão descritas as diversas correntes de opinião e as razões que as fundamentam, com a conclusão pessoal do relator, que então expõe os argumentos pelos quais optou por uma solução. O trabalho judicial, especificamente, conterá a descrição dos fatos relevantes, da questão jurídica em exame, do que tem sido escrito a respeito do tema, e terminará com a conclusão fundamentada. Os elementos da investigação são encontrados na lei, na doutrina e na jurisprudência. A conclusão será sempre pessoal, mas o jurista, para chegar lá, tem o dever de conhecer o que já foi dito sobre aquela questão, na extensão e na profundidade recomendada para o caso.

A elaboração jurídica feita pelo operador é o resultado de uma pesquisa. Essa busca de informações é dirigida a um fim, ou seja, ao encontro de uma resposta aos problemas que nos são apresentados. O juiz no foro, ou o advogado no seu escritório, terão de encontrar a solução da causa que lhes está sendo apresentada, e toda pesquisa que eles fizerem será dirigida a solucionar o problema. O pesquisador poderá ter já uma idéia predeterminada a respeito do assunto, como de ordinário acontece com o advogado, ao defender a tese favorável ao seu cliente; o acadêmico ou o juiz comumente iniciam o estudo de espírito aberto à solução mais convincente e adequada. O acadêmico procura uma solução teórica para a formulação da teoria in abstracto; o operador forense busca a solução do caso prático.

O trabalho forense tem o efeito imediato de solucionar uma determinada causa, mas também tem efeitos mediatos, porquanto aquele julgado servirá de precedente para outros.

7. A pesquisa jurisprudencial obedece a certas regras. Em primeiro, cabe definir exatamente qual a controvérsia; em segundo lugar, buscar as informações que correspondem àquela controvérsia; em terceiro, escolher os julgados que podem servir como precedentes, lembrando que deve existir semelhança entre os fatos e identidade das normas aplicadas; em quarto, selecionar os que correspondem ao estado da questão, isto é, aqueles que expressam a orientação hoje predominante (salvo que se queira fazer um histórico do assunto), ou as diversas correntes de opinião, com os respectivos fundamentos.

8. Para o conhecimento da lei, estão aí os repositórios legislativos. Antigamente era a Revista Lex, hoje o acesso é facilitado pela busca na Internet; as bibliotecas públicas, especialmente dos Tribunais e das Faculdades, fornecem o suporte doutrinário; para encontrar os precedentes jurisprudenciais, recorremos às ementas.

Com isso, estou ingressando no meu assunto, que são as ementas: qual a sua importância, como elaborá-las e as partes de que se compõem.

9. Antes disso, convém referir que há algumas normas legisladas, não propriamente sobre ementas de acórdãos, mas sobre ementas legislativas.

A Lei Complementar nº 95, de 1998, e a Lei Complementar nº 107, de 2001, dispõem sobre a elaboração de leis. No contexto desses dispositivos, há referências às ementas das leis, que, de algum modo, nos servem de orientação para as ementas dos acórdãos.

O art. 3º diz que a lei deve ter quatro partes básicas: a epígrafe, onde se dá a referência à lei número tal, de tanto; a ementa da lei, que contém o enunciado, “dispõe sobre tais e tais assuntos”; uma parte normativa, que é articulada (art. 1º, art. 2º, art. 3º); e uma parte final, com as disposições transitórias.

A ementa de acórdão tem a epígrafe, que corresponde à indicação da sigla do Tribunal, número do processo, órgão julgador, relator, data do julgamento, local de publicação (por exemplo, STJ, REsp. n..., ac. da ...Turma, Rel. Min..., de..., publicado no DJU...). Contém um cabeçalho, com palavras-chaves; e o articulado, com o enunciado do conteúdo da ementa.

O art. 5º diz que a ementa da lei deve ser grafada de modo diferente, em destaque do texto da lei.

Para a ementa de acórdão, mantém-se a mesma fonte do texto do acórdão, sem negritos e sublinhados, simplesmente pondo em destaque com a alteração da sua margem esquerda. Com isso, é dado o devido destaque, a fim de que o pesquisador de pronto possa identificar que se trata da ementa, sem alterar nada mais na formatação do texto.

Os artigos se desdobram em parágrafos, incisos, alíneas e itens. Quando a regra do caput deve ser completada com enumeração de diversas hipóteses, ele se desdobra em incisos. (“Art. 166. É nulo o negócio jurídico quando: (inciso) I – celebrado...; II – for ilícito...”). Quanto ao disposto no caput, deve ser acrescida uma ressalva ou exceção, ou descrita uma certa particularidade, o artigo se desdobra em parágrafos (“Art. 4º. São incapazes... Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada em legislação especial”). Os incisos podem ter alíneas; e as alíneas, itens.

As ementas dos acórdãos se desdobram em articulados, logo depois do cabeçalho, e seguem a ordem numérica crescente: (1... 2...). Quando houver necessidade, o enunciado pode conter incisos. Nunca parágrafos (§§), e dificilmente alíneas.

Essas disposições normativas, diz a lei complementar, devem ter clareza, precisão e atender à ordem lógica. As palavras usadas devem ser aquelas do sentido comum, as frases curtas e concisas, as orações na ordem direta, sem preciosismos, sem neologismos, sem adjetivações (nada de excelente, brilhante). É preciso que haja objetividade na exposição, uniformidade no tempo verbal (usar de preferência o presente do indicativo ou o futuro simples), linguagem que torne o texto compreensível por si, expressando com suficiência uma idéia. Se for necessário repetir a idéia, devem ser usadas as mesmas palavras, para não mostrar certa insegurança na denominação, e evitar as palavras que, no texto, permitam duplo sentido (parte do todo e parte no processo; recurso processual e recurso econômico). Na primeira vez em que uma sigla aparece no texto, escreve-se o seu significado por extenso e, nas subseqüentes, pode ser usada apenas a sigla. Isso porque hoje há tantas siglas que dificilmente conhecemos o que todas elas representam. Os números e os percentuais devem aparecer por extenso, a não ser as datas e os números de leis, que podem ser escritos na numeração algébrica. No mais, em princípio, os números devem ser por extenso, exceto quando a escrita do número é tão extensa que dificulta a compreensão, como no caso de se fazer referência a cinqüenta e sete bilhões de reais.

Indicar, no texto, a lei a que se refere; se, depois, houver necessidade de nova indicação da mesma lei, é preferível repetir o número, em vez de “a lei anterior”, “a lei acima referida” ou “a lei que está abaixo indicada”, pois disso pode surgir alguma confusão. Se, por acaso, houver numa parte o número da lei e, numa outra oração, apenas a referência “conforme foi dito acima”, “conforme consta da lei abaixo”, estará sendo criada a necessidade de reunir as duas orações, quando elas podem ser citadas independentemente uma da outra. Quer dizer, quando for o caso de transcrever uma parte da ementa, ela deve ser completa em si, pois o futuro leitor não terá o conhecimento daquela outra parte não transcrita.

Procurar, em cada período da ementa, tratar de um assunto. Quando se cuida de um assunto que pode ser especificado, deve-se atender à lógica desse desdobramento, isto é, começar com o maior para chegar ao menor, procurando obedecer sempre à ordem de gênero para espécie.

Se for preciso repetir as palavras, que estas sejam repetidas, isto é, não é preciso invocar sinônimos para expressar as idéias que estão na ementa. Especialmente, não se deve inventar: denúncia é denúncia, e não peça-ovo nem peça-pórtico; petição inicial é petição inicial, e não portal. Se tivermos de dizer dez vezes petição inicial, diremos sempre petição inicial, pois assim diz a lei, e é assim que devemos escrever.

10. Além da lei sobre a elaboração de textos legislativos, há o Manual da Câmara dos Deputados e o Manual da Presidência da República a respeito de elaboração de textos. Os dois manuais recomendam que a ementa tenha um formato diferente do texto, que haja impessoalidade na manifestação, uma certa formalidade no tratamento, e padronização na elaboração da ementa, concisa e clara.

Vale mencionar as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). A NBR 6028, da ABNT, cuida da redação, não de ementas nem de leis, mas de resumos, os abstracts, próprios para os trabalhos acadêmicos. Refere os requisitos que devem ter esses resumos e recomenda que sejam precedidos de palavras-chaves, que indicarão o tema sobre o qual versa o resumo. O resumo, diz a ABNT, deve ter frases concisas e, de preferência, afirmativas. Recomenda o uso de um parágrafo único, porque normalmente os resumos são de 20 a 30 linhas, e o verbo na voz ativa. Nesses resumos, convém evitar o intróito comum: “Trata o presente trabalho de uma pesquisa feita a respeito de tal assunto...”; o melhor é desde logo entrar no tema objeto da pesquisa.

11. A questão sobre a padronização dependerá muito de cada tribunal. Sob o aspecto formal, é comum padronizar-se a fonte e o formato do acórdão. Já quanto ao conteúdo das ementas, há grande disparidade. Assim como o juiz tem a liberdade na redação do voto, também a tem na elaboração da ementa. Por isso, cada um adota uma técnica de fazer a ementa e segue por ali. É razoável que assim seja. Isso explica a diversidade encontrada. Muitos julgadores transcrevem na ementa a fundamentação do acórdão. Em algumas ementas, há a descrição dos fatos, um relatório do processo, referência às diversas teses apresentadas e uma vasta fundamentação, com citação de doutrinas, precedentes, autores, etc., e, afinal, a conclusão. A ementa tem duas, três, quatro páginas. Se for esse o critério adotado, então vamos ter ementas com tal característica. Se quisermos fazer diferente, será preciso definir previamente o que deve constar da ementa. Qualquer que seja a decisão, de ementa-relatório ou de ementa-articulada, a deliberação deve ser do tribunal. O colegiado é que deve decidir: padronizar ou não padronizar; se padronizar, quais os critérios a seguir.

Pessoalmente, considero conveniente que haja essa padronização, porque ela, de um modo geral, identificará o próprio tribunal e facilitará a busca da informação.

12. Além dessas normas para a elaboração de textos, convém lembrar aos senhores que existem os thesauri, isto é, vocabulários de expressões ou palavras jurídicas usadas comumente no nosso trabalho. No singular, thesaurus.

Thesaurus
é um vocabulário da linguagem documentária aplicada à matéria jurídica e serve para definir o uso dos termos, porque a mesma situação pode ser expressa mediante o emprego de termos diversos. Assim, posso denominar a ação de reintegração de posse como ação de reintegração, reintegração, ação reintegratória, etc. Para facilitar a catalogação e a busca, é bom manter certa uniformidade no uso desses termos. O thesaurus auxilia-nos nisso, enumera as diversas situações e diz quais são as palavras que devem ser usadas com preferência a outras para expressar a mesma situação. No exemplo citado, o dicionário poderá informar: “reintegratória” USE “ação de reintegração de posse” (isto é: não use o primeiro, use o segundo). Ou, ao inverso, consta do dicionário “ação de reintegração de posse” UP (use para) “reintegratória” (isto é, use o primeiro, não use o segundo).

O Conselho de Justiça Federal tem um thesaurus, o Superior Tribunal de Justiça também, e seu catálogo serve a todos quantos desejam padronizar o uso de termos na elaboração de ementas. É um trabalho em constante refazer, que acolhe as sugestões dos interessados e assim vai completando o elenco de termos e aperfeiçoando o seu conjunto.

O thesaurus contém descritores, que são as palavras-chaves, as rubricas, e subdescritores ou modificadores, que acrescentam, explicam ou modificam o descritor, a rubrica.

Por exemplo, se o acórdão versa sobre juros bancários, taxa de 20% ao mês: “juros bancários” é o descritor, “taxa de 20% a.m.” é o subdescritor, e posso ainda acrescentar “excesso”. Excesso é o modificador da taxa de juros, que explica ou limita o subdescritor.

Na escolha do descritor, devemos partir do maior para o menor (por exemplo, “pena”, “pena restritiva de direitos”, “prestação de serviços à comunidade”), e procurar seguir o thesaurus para reunir sob a mesma rubrica os julgados a respeito do tema. Uma decisão inicial do thesaurus será recomendar o uso do termo mais genérico (“pena”) ou desde logo indicar a espécie (“prestação de serviços à comunidade”). Usar substantivos, de preferência no singular, salvo quando tem o sentido normal usado no plural, como “recursos humanos” ou “juros”. Na matéria penal, referir o crime com a sua denominação legal, isto é, a rubrica do tipo. Empregar termos estrangeiros apenas quando incorporados ao nosso linguajar, como é o caso do leasing, hedge, habeas corpus,sem correspondência de uso comum. Fora disso, preferir sempre o nosso vernáculo. Com as palavras estrangeiras, especialmente termos latinos, convém certificar-se da grafia: por exemplo, “data vênia”, que é uma expressão latina, é com “t”, e “vênia” é sem acento, porque no latim não há acento. Se usarmos a mesma expressão em português, então ‘dada a vênia’, com “d” e com acento. “Stricto sensu”é expressão seguidamente mal escrita quando não se obedece à declinação. Toda vez que um termo latino for empregado mal, estaremos cometendo um erro desnecessário, daí a conveniência do auxílio de um dicionário. Não se usa gíria; nomes comerciais, apenas quando incorporados ao nosso linguajar, como Petrobrás.

13. A ementa está prevista no art. 563 do Código de Processo Civil, segundo o qual todo acórdão conterá ementa. Isso leva a que se pergunte: e se o acórdão não tiver ementa? O STJ tem predominantemente decidido que a falta não é causa de nulidade (REsp. 87.739/SP, 1ª Turma; REsp. 101.121/MG, 4ª Turma), sendo de qualquer modo suprível nos embargos declaratórios (REsp. 223.486/MG, 3ª Turma). Se houver divergência entre a ementa e o texto do acórdão, prevalece o acórdão (ED RMS 7.527/RJ, 6ª Turma), e o caso admite embargos de declaração (EDREsp. 214.088/GO, 5ª Turma).

A ementa pode servir eventualmente para demonstração da divergência. No recurso especial e no recurso extraordinário, em que a divergência com julgados de outros tribunais é uma hipótese de admissibilidade do recurso, essa divergência deve ser demonstrada com a apresentação do texto do acórdão paradigma, que deve ser objeto de cotejo analítico. Excepcionalmente, admite-se apresentação apenas da ementa, quando se trata de divergência notória (REsp. 679.030/RJ; REsp. 510.830/MA), caso em que a ementa é apenas uma amostra daquilo que se sabe foi assim decidido. O mesmo, quando se trata de ações repetitivas. Também quando a ementa é tão completa, contendo os dados de fato e a fundamentação jurídica, que ela por si só serve para a comprovação da divergência (EDREsp. 150.467/RJ).

14. A ementa é elaborada de um modo geral pelo relator, mas seria conveniente que fosse também submetida ao colegiado. Muitas vezes, nos julgamentos, ouve-se o vogal perguntar: “E como ficará a ementa?” Porque ele sabe da importância da ementa, porquanto é o que vai ser objeto de divulgação. Daí a conveniência de que a própria ementa, nos casos mais relevantes, seja também submetida ao conhecimento dos demais integrantes da turma ou da câmara.

15. Todos sabemos que o tribunal divulga a sua imagem pelo trabalho dos seus juízes e dos seus servidores e especialmente pelos seus acórdãos. Na medida em que publica os seus acórdãos, o tribunal está fazendo a divulgação do seu trabalho, tanto em termos de quantidade como de qualidade. E a qualidade desse trabalho produzido nos julgamentos deve estar refletida na ementa. Se a ementa não for boa, o trabalho não se apresenta bem, a divulgação do trabalho não é adequada, e a imagem do tribunal é prejudicada. Daí que a ementa sempre foi importante fator na divulgação do decidido nos tribunais. Mas mais importante é agora, em que a Internet serve de via de acesso do grande público e dos profissionais do direito ao conhecimento do que é decidido nos tribunais.

A busca que se faz na Internet é pelas ementas. Somente depois de saber o que está na ementa é que o pesquisador irá em busca do acórdão. Mas, muitas vezes, a ementa, sendo bem elaborada, já satisfaz. E quem elabora a ementa deve saber que ela está sendo feita para facilitar a busca. Na medida em que a ementa é a mais informativa possível, clara e concisa para poder ser apreendida com rapidez e facilidade, será ela um elemento facilitador da vida dos outros, e essa é a obrigação dos que prestam serviço público. A ementa é o que aparece. Dos milhares de julgamento feitos em um tribunal, podem estar certos de que a maioria deles foi conhecida apenas por meio das ementas. A ligação do trabalho do tribunal com a sociedade se dá normal e preferentemente pelas ementas. A ementa pouco ilustrativa, obscura ou omissa prejudica a pesquisa e a divulgação do trabalho do tribunal.

16. A palavra ementa tem origem latina, vem de mens, que significa juízo, razão; ementum é um pensamento, e mementum é memória. Então, ementa, de acordo com a origem da palavra, é o apontamento feito para a lembrança de um certo fato, no caso é um apontamento feito para a lembrança do julgamento.

17. Costuma-se dizer que a ementa é um resumo, uma síntese, um sumário do julgado. Acredito que não. Quem elabora a ementa não tem obrigação de fazer um resumo do que foi julgado nem um sumário do seu voto; deve, isto sim, expressar na ementa a norma jurídica aceita no julgamento de que se trata. A ementa é a norma jurídica judicializada, criada para o caso objeto do julgamento.

O ilustre processualista Nelson Luís Pinto formulou boa definição de ementa:

“Consiste num breve enunciado da tese ou teses principais esposadas no acórdão, mencionando a circunstância de ter a decisão sido prolatada por unanimidade ou por maioria, bem como preferencialmente indicando os dispositivos legais aplicados, cuja inteligência é retratada no corpo do acórdão, e ainda as palavras-chaves que possibilitarão a sua catalogação e localização.”

Sendo a ementa o enunciado de uma norma, é razoável apresentar-se de forma simples, concisa, preferentemente em uma frase, com as mesmas características do artigo de uma lei. Não estou a dizer que necessariamente seja assim, pode desdobrar-se, mas, quanto mais concisa for a ementa, melhor.

18. A ementa pode ser simples ou composta, isto é, expressar apenas um assunto ou vários assuntos, dependendo do conteúdo do julgamento. O acórdão pode ter enfrentado dois ou três temas, e cada um deles irá compor uma parte dessa ementa.

19. Quando se trabalha a elaboração da ementa, corremos alguns riscos. O Desembargador Barbosa Moreira disse que há um grande perigo em ementa redigida com má técnica, que é o de criar um falso precedente. A ementa mal elaborada poderá servir de indicação para casos futuros, e ficaria muito mal para o tribunal verificar-se que o texto do acórdão disse uma coisa e a ementa outra. Isso desqualifica o trabalho de quem fez a ementa, o trabalho do tribunal e a peça de quem citou essa ementa sem ter ido verificar o que constava efetivamente do acórdão.

20. Como a ementa sempre implicará certa filtragem, porque o seu autor terá que extrair a essência do julgamento, corre-se o risco de aproveitar o que é acidental e abandonar a essência. Há também o perigo de empregarmos as nossas palavras, ou – o que é pior – de inserir as nossas idéias, em lugar de aproveitar as palavras do acórdão ou os fundamentos dos julgadores. O equívoco na informação ou a inserção do que gostaríamos que tivesse sido julgado levam à deformação da ementa. Quanto maior a extensão da ementa, maior o risco de equívocos na sua redação.

Um exemplo dos riscos nos é referido por Sérgio Couto, diretor da Revista COAD, que comentou certa ementa em julgamento sobre direito de família, alimentos. A ementa dizia que a companheira tinha direito a receber uma pensão alimentícia. Verificando o acórdão, constatou que, na verdade, a decisão considerara particularidades importantes que não estavam na ementa: a companheira tinha deixado o seu trabalho para prestar serviços na empresa do companheiro; ela tinha condições de se manter, mas teve depois dificuldades para retornar ao mercado de trabalho; o tribunal deferiu a ela uma pensão correspondente a seis meses de remuneração e fixou um certo valor a título mais de indenização do que propriamente de alimentos. Essa foi a decisão do tribunal, mas nada disso constou da ementa, que dava uma noção muito genérica a respeito do direito a alimentos, sem correspondência com as circunstâncias do caso. Era preciso que houvesse referência a tais peculiaridades a fim de a ementa conter informação precisa do que foi julgado e assim pudesse servir de precedente. Outro exemplo: se constar, em caso de acidente de trânsito, uma referência na ementa de que o motorista é culpado porque o seu veículo deixou um rastro de vinte metros, então, já que a ementa desceu ao detalhe de dizer qual era a extensão do sinal de travada, deveria completar a informação sobre qual era o veículo (ônibus, caminhão, automóvel), em que tipo de piso (asfalto, terra, etc.), quais eram as condições do tempo (ensolarado, chuvoso). Sem fornecer tais informações, aquela ementa suscitará idéia que não corresponde à especificidade do julgamento, como se o julgamento aceitara a tese de que o rastro de vinte metros é suficiente para caracterizar a culpa do motorista. Se for preciso descer às particularidades, então que se desça a ponto de dar uma informação completa, e não informação pela metade.

Também é preciso que se tenha presente a necessidade de uma perfeita conceituação jurídica. Muitas vezes o tribunal está dando uma indenização pelo direito obrigacional, e quem elabora a ementa está entendendo que está ali havendo uma decisão fundada no direito de família. Essa diferença jurídica é fundamental para quem depois vai usar desse precedente.

A ementa deve expressar o entendimento majoritário do órgão julgador, a orientação aceita pela maioria da câmara ou da turma. É preciso ter atenção para não aproveitar a ementa apresentada pelo relator, se ele ficou vencido. É comum o relator trazer com o seu voto a respectiva ementa; se vencedor, a sua ementa é aproveitável. Se o relator ficar vencido, a ementa deve ser extraída dos votos vencedores.

21. Os elementos da ementa são: cabeçalho (ou indexação), dispositivo, conclusão, indicação da fonte.

O cabeçalho contém os descritores. O primeiro destes é a rubrica, a palavra-chave que serve para dar a primeira e principal indicação da matéria versada no acórdão. Muitas vezes ela aparece em caixa alta. Depois da rubrica, são colocados os descritores secundários (subdescritores) e modificadores, para “afinar” a informação, do maior para o menor, do geral para o particular (por exemplo: Juros. Taxa. Excesso). A escolha dos termos a serem empregados deve seguir a orientação do thesaurus adotado pelo tribunal, a fim de dar certa uniformidade. O cabeçalho deve referir os temas que serão objeto da ementa, de tal sorte que tudo o que depois for inserido no dispositivo deve ter uma indicação no cabeçalho, e tudo o que está indicado no cabeçalho deve ser tratado no dispositivo.

Em outro parágrafo está o dispositivo. É a parte principal da ementa, a que enuncia a norma judicializada expressa no acórdão. Se em dois ou mais parágrafos, estes serão numerados em ordem crescente. Cada parágrafo deve corresponder a um enunciado jurisprudencial. Deve ser completo em si, sem exigir do pesquisador se reporte também ao cabeçalho. É recomendável a indicação do artigo de lei examinado no julgamento.

A conclusão indica o resultado do julgamento, quanto ao conhecimento e provimento. Convém indicar a existência de voto vencido.

Por fim, a fonte, que servirá para a remissão do precedente: sigla do tribunal, sigla e número do processo, órgão julgador, relator e data. No texto do acórdão, esses dados constam da folha que publica o julgamento. Mas quando é feito repositório de julgados, assim como ordinariamente aparece nas páginas de jurisprudência dos tribunais, esses dados devem ser incluídos no final da ementa.

22. Vejamos brevemente algumas questões sobre o trabalho de elaboração de ementas.

Em primeiro lugar, a compreensão do acórdão implica a verificação dos seguintes pontos: (a) tratando-se de matéria de fato – o fato, a situação jurídica que surgiu em razão desse fato; (b) tratando-se de matéria de direito, a questão e suas razões; (c) depois, a matéria objeto do recurso, assim como exposta no recurso; (d) a decisão que está sendo ementada; (e) o fundamento dessa decisão e (f) o artigo de lei invocado, se for o caso.

Definida a questão julgada, será escolhido o descritor principal (rubrica) e os demais descritores. Se mais de uma questão constou do acórdão, em princípio todas deveriam ser mencionadas na ementa. No entanto, tal a pequena importância ou a repetição, o relator poderá escolher um ou dois temas para incluir na parte dispositiva, fazendo quanto ao mais breve referência, com uma ou duas palavras, a fim de que não fiquem essas questões secundárias completamente encobertas. Se o acórdão tratou de duas questões, o cabeçalho deverá ter uma parte para a primeira questão, com rubrica em caixa alta, seguida dos demais descritores, e uma outra rubrica em caixa alta, para a segunda questão. Distinguir no cabeçalho as diversas questões facilita a leitura de quem pesquisa.

Na indexação, é muito comum pôr em primeiro lugar o ramo do Direito a que se refere: Processo Civil, Direito Civil, Direito Constitucional, Direito Administrativo. Esse é um critério, mas não o acho bom, porque a indicação do ramo de direito nada esclarece sobre o teor do julgamento. Prefiro que a rubrica corresponda à idéia principal do acórdão, pouco importa se é do Processo Civil, do Processo Penal, do Direito Civil, porque, muitas vezes, começará aí uma dificuldade que o elaborador da ementa vai ter para saber afinal onde é que vai classificar aquela matéria. O ideal é que se passe logo para o assunto principal. O setor de estatística dos julgamentos observou-me que a referência ao ramo do direito auxilia na classificação dos julgados e reunião dos dados estatísticos. Esse interesse deve ser respeitado, mas a indicação do ramo do direito pode constar como um descritor, não como descritor principal (rubrica), e pode também ficar como sendo a última referência da ementa. Com isso, atende-se à estatística e não se prejudica a pesquisa.

Para a elaboração dos enunciados, clareza e concisão são suas principais qualidades, sabendo-se que ambas exigem dedicação e tempo para serem alcançadas.

O dispositivo deve ser informativo, e não apenas indicativo, isto é, não basta dizer o que foi tratado, mas informar qual foi o julgamento adotado, qual a decisão aceita. Muitas vezes, encontramos ementa em que é dito: Ação possessória. Posse.  Cessão. Terceiro. Não se fica sabendo nada a respeito da questão (tratou-se do contrato de cessão, ou da legitimidade do cessionário de participar da ação?), nem do sentido dado ao julgamento. 

Haverá tantos enunciados quantas forem as questões referenciadas no cabeçalho.

Finaliza-se com o resultado do julgamento: se o recurso foi conhecido ou não conhecido, provido ou desprovido, se a decisão foi unânime ou por maioria. Se por maioria, seria conveniente dizer em breve palavra qual é o conteúdo do voto vencido.

23. Os senhores terão um curso sobre a linguagem jurídica. É importante ter à disposição um bom dicionário, livros de regência, livros de verbos, dicionários de sinônimos, ler um bom livro de redação de texto, consultar os manuais de linguagem. O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul tem o Manual de Linguagem Jurídico-Judiciária, há os livros do Prof. Kaspary, o Manual de Redação da Presidência da República, o Manual de Redação da Câmara dos Deputados, etc. Procurar, nessa linguagem, usar os termos comuns, lembrar que a ementa vai servir também para o leigo, pois as partes poderão informar-se, usando da Internet e fazendo a leitura das ementas.

Há também uma bibliografia específica a respeito de ementas, diversos livros que poderão auxiliar todos os que quiserem continuar com esse estudo:

a) GUIMARÃES, José Augusto Chaves. Elaboração de ementas jurisprudenciais: elementos teórico-metodológicos. Brasília: CEJ, 2004. 153 p.;

b) CAMPESTRINI, Hildebrando. Como redigir ementas. São Paulo: Saraiva, 1994. 43 p.;

c) DUNES, André. Esquisse d'une théorie des abstrats. Paris: Dalloz, 1969. 41 p.;

d) Artigos:

d.1. GUNTHER, Luiz Eduardo; ZORNIG, Cristina Maria Navarro. As ementas nas decisões dos tribunais trabalhistas. Revista LTr: legislação do trabalho. São Paulo, v. 67, n. 12, p. 1455-1459, dez. 2003;

d.2. CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A ementa nos acórdãos. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo, n. 21, p. 106-120, dez. 2004;

d.3. COUTO, Sérgio. Ementa versus julgado. ADV Advocacia Dinâmica: boletim informativo semanal. São Paulo, v. 20, n. 8, p. 127-126, fev. 2000;

d.4. CAMPESTRINI, Hildebrando. Desmistificando a ementa. Jurisprudência Catarinense. Florianópolis, v. 29, n. 103, p. 153-161, 2004. 

24. Nessa doutrina a respeito das ementas, vamos encontrar várias recomendações. Farei um breve resumo delas.

Não elaborar a ementa antes do acórdão, e é bom que seja feita por aquele que elaborou o acórdão, porque ele tem a noção exata do que lá foi expresso.

Não nominar as partes, a não ser que a qualidade da parte seja indispensável para o conhecimento do que está sendo julgado. Não é preciso falar da empresa tal, do fulano de tal, mas, se se tratar de um contrato de construção de plataformas marítimas, por exemplo, é apropriado nominar a Petrobrás.

A ementa estabelece uma regra, pelo que nela não é preciso invocar argumento de autoridade (por exemplo, “conforme disse o Professor Fulano”, “conforme já referiu a Câmara Tal”). Deve ser feita uma ressalva: é comum nas ementas referência aos precedentes do tribunal, do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça, e isso há de ser admitido. Assim, pode constar: “é orientação pacificada no tribunal”, expondo-se qual é essa orientação; fora disso, isto é, fora da invocação de precedentes do tribunal ou de tribunal superior, é conveniente não fazer invocação a outras fontes de autoridade.

Evitar reforços de argumentação, como “sem sombra de dúvida”, “evidentemente que”. Isto é, dizer apenas o que é preciso. Também evitar repetir palavras, como “o prazo é em dobro, por isso é tempestivo o recurso dentro do prazo em dobro”.

Evitar ressalvas, como “sem embargo do respeitabilíssimo entendimento da parte”, ou de quem for, ou do outro tribunal. Dar o entendimento do tribunal, independentemente e sem embargo de entendimentos diferentes de outros. Não repetir parelhas de palavras com o mesmo sentido: “não pode e não deve ser feito assim”. A ementa não pede reforço de linguagem.

25. Finalizo. Não esquecer que a ementa serve como auxílio a todos aqueles que recorrem ao tribunal. Na medida em que se conseguir prestar um serviço útil para os outros, ao elaborar uma ementa fiel e informativa, estou realizando a finalidade da existência da ementa. Ela não existe só porque prevista na lei: ela existe como instrumento indispensável de estudo e pesquisa nos dias de hoje. Daí a importância do trabalho dos senhores no momento em que elaboram a ementa.

Notas

1.  Resumo de palestra proferida no TJRS e TRF/4ª.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2008. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS