Introdução
A Vara do Sistema Financeiro de Habitação de Porto Alegre, desde a sua implantação, em dezembro de 2004, sempre teve sob sua responsabilidade a tramitação de aproximadamente doze mil processos.
Dentre esse acervo significativo, sobressaíram-se processos tramitando havia muito tempo, ainda pendentes de sentença – anos de tramitação –, algumas vezes justificados pela discussão acerca da competência para seu julgamento ou mesmo pela anulação da sentença em face da ausência de litisconsorte necessário.
No entanto, excluídas essas situações específicas, verificou-se que muitos processos foram submetidos a instruções probatórias intermináveis, deferidas ou determinadas exclusivamente para exercitar o resultado das várias hipóteses de alteração do contrato imaginadas por alguma das partes.
Tal situação, no entanto, não deve ser imputada inteiramente ao juiz do processo, às partes, aos auxiliares do juízo ou ao Tribunal de Apelações, porquanto a complexidade da matéria induz a algumas crenças equivocadas e muitas vezes obstaculiza fulminar, de plano, pretensões que não resistiriam a alguns conhecimentos básicos de cálculo, o que acaba gerando discussões ociosas e inúteis.
Assim, o enfrentamento adequado da questão da prova e do ônus da prova nos processos que tratam de financiamentos vinculados ao SFH surge como um assunto palpitante e será tratado neste breve ensaio.
O tema direito probatório não é novo, e, certamente, o leitor encontrará alusões similares em obras dos nossos excelentes especialistas em processo civil, não sendo objetivo deste articulista trazer novas teses ou criar polêmicas em torno das já expostas e debatidas pelos competentes e cultos processualistas do direito brasileiro.
A proposta é trazê-las para a realidade dos processos do SFH, objeto de normas específicas de direito material que, em geral, mitigam ou deveriam mitigar regras usualmente utilizadas nos processos comuns, dentre elas as contidas no Código de Defesa do Consumidor.
Tal enfoque tem aproveitamento atual, pois, com a criação de Varas Especializadas em Sistema Financeiro de Habitação, adveio uma relativa aceleração no processamento dos feitos, com mais prolação de sentenças e um aumento considerável nos julgamentos da segunda instância, apreciando problemas atuais desses financiamentos imobiliários.
E, nesta nova leva jurisprudencial, é grande o número de demandas em que a sentença é simplesmente anulada pelo órgão ad quem, de ofício, mediante a argumentação de cerceamento de defesa.
A situação estampa uma divisão invencível entre a visão do juiz de primeira instância, que geralmente tem o maior contato com a parte e com a prova, e a visão do julgador de segunda instância. Abordarei o tema, e, eventualmente, serão referidos alguns julgados de Superior Instância, a título de ilustração e sem qualquer intuito de crítica.
1 A prova deve incidir sobre os fatos controvertidos
Em muitos casos submetidos ao crivo do Judiciário, o réu concorda, expressamente, quanto aos fatos articulados na inicial, limitando-se a negar as consequências jurídicas que o autor desejava extrair do pedido. Noutros casos o réu não contesta os fatos alinhavados pelo autor e, muito embora não os aceite expressamente, limita-se a impugnar as consequências jurídicas que deles se pretendia extrair. Defrontando-se com tais hipóteses, é possível dizer que a matéria de mérito é unicamente de direito, pois não há controvérsia sobre os fatos.(1)
Percebe-se, portanto, que, se as alegações de fatos não são controvertidas (rectius, incontroversas), não há lugar para a instrução probatória, mas sim para o julgamento antecipado da lide.
Evidentemente, deve o julgador utilizar as regras comuns de experiência, para evitar as simulações (v.g., anulação de negócio jurídico de compra e venda, estando o autor e um dos réus em conluio).
E mais, citando Luiz Guilherme Marinoni,(2)
“(...) há situações em que há controvérsia sobre os fatos, mas tais fatos não são pertinentes nem relevantes, de modo que é cabível o julgamento antecipado como se não houvesse controvérsia a respeito deles. Como se vê, para que haja necessidade de produção de prova, o fato, além de ser controvertido, deve ser pertinente e relevante.” (grifos no original)
E conclui, observando, ao final:
“Em suma, cabe o julgamento antecipado do mérito, com base no art. 330, I, do CPC, quando se discute apenas matéria de direito ou as consequências jurídicas da afirmação de um fato ou, ainda, quando a afirmação fática está demonstrada através de prova documental. Nessa linha, é importante frisar que a produção de prova não deve ser admitida quando pretender esclarecer fato que não é pertinente ou relevante.”
Com efeito, deve o órgão judicial atuar com muito cuidado para evitar que os processos tornem-se alvo de instrução meramente procrastinatória da tutela jurisdicional, ainda mais considerando as especificidades dos contratos de mútuo vinculados ao SFH, em que o caráter social do sistema impõe ao juiz, quase que na totalidade dos casos, a suspensão da execução da hipoteca ou a suspensão da consolidação da propriedade fiduciária com o simples ajuizamento da ação revisional. As implicações sociais do sistema habitacional tornam a relação processual permeável a discursos retóricos fortes, repletos de sujeitos, predicados, adjetivos e orações subordinadas que, mesmo carentes de fundamento jurídico, perpetuam o litígio indefinidamente, restando os autos comodamente instalados nos escaninhos do órgão judicial por meses a fio.
Essas observações, muito embora possam parecer ociosas aos leitores, merecem atenção do julgador, porquanto é comum que se forme verdadeira cortina de fumaça sobre o que é pertinente e relevante para a lide. São inúmeros os casos em que a discussão dos fatos pela dilação da instrução probatória (inclusive a demorada prova contábil, produto da construção jurídica das partes quanto às possibilidades de modificar cláusulas contratuais) nada traz de relevante à lide. Exemplo de tal circunstância é a demanda em que a premissa da ação é a possibilidade de mudar o sistema de amortização, de excluir determinados percentuais de reajuste, de aplicar o Plano de Equivalência Salarial em contratos de financiamento imobiliários não concedidos sob a égide do SFH, etc. Mas foram tantas as imprecações de parte a parte – o autor alegando que a atuação do agente financeiro foi vergonhosa quando da contratação, e este dizendo que aquele é inadimplente contumaz e utiliza o processo para procrastinar o adimplemento da obrigação – que a dilação da instrução probatória se converte em apenas mais uma oportunidade para trocar farpas e pedir litigância de má-fé em memoriais.
2 A visão de que todo o processo em que se discute mútuo vinculado ao SFH necessita de dilação probatória por meio de prova pericial contábil
Ao tratar de mútuo vinculado ao Sistema Financeiro de Habitação, a conclusão das mais intrigantes é que ainda vigora o vetusto entendimento de que todo o processo atinente ao assunto necessita de especulação mediante prova pericial.
Essa conclusão, penso, advém das demandas referentes aos contratos mais antigos de SFH, que debatem o valor da prestação mediante a aplicação das antigas modalidades do Plano de Equivalência Salarial. Realmente, tratava-se (e trata-se) de prova tormentosa: expurgos inflacionários, aplicação de limitadores (UPC+0,7%, IPC+0,5%), proporcionalidade no reajuste da primeira prestação, congelamentos e descongelamentos, gatilhos, política de reajustes salariais mediante lei, dissídios com reajustes retroativos, troca de moeda. Com efeito, nesses casos não só era conveniente, mas necessária investigação mediante prova pericial. Eram tantas as variáveis que nem sequer os próprios agentes financeiros tinham certeza acerca dos percentuais aplicáveis às prestações, razão pela qual eram corriqueiras as consultas ao BACEN. As planilhas de evolução desses financiamentos, até por isso, eram verdadeiras caixas-pretas; em determinado momento, era um milhão de cruzeiros, depois, eram 500 cruzados, mais adiante, eram 800 cruzados novos.
Contudo, nos processos referentes aos contratos mais recentes, especialmente após a estabilização da moeda, a partir de 1994, a prova mediante a nomeação de perito muitas vezes se mostra desnecessária, pois as planilhas do agente financeiro expressam com clareza os percentuais de reajuste aplicados às prestações. Basta fazer um comparativo dessa planilha com os reajustes declinados pelo autor (declaração dos reajustes de sua categoria profissional) ou acompanhar a evolução de seu salário pela carteira de trabalho e, na dúvida quanto ao reajuste aplicado pelo agente financeiro, basta dividir a prestação reajustada pela prestação do mês anterior ao do reajuste. Assim, uma prestação de 120 reais (reajustada) seria dividida pela prestação de 100 (antes do reajuste):
120 ÷ 100,00 = 1,2
Desprezando o inteiro, temos o reajuste: 0,2 (20%).
Ou
1500 ÷ 1150 = 1,304348
Desprezando o inteiro, temos o reajuste: 0,304348 (30,43%)
O mesmo pode ser feito com o salário do mutuário.
Anoto que não se trata de “conhecimento técnico que não é comum ao ‘juiz médio’”,(3) mas da aplicação de conhecimentos de matemática de 1º grau (divisão, multiplicação, noção de inteiros e frações, comparativos entre números – se 20 é maior ou menor que 30 – etc), comum à formação dos advogados, dos juízes e da população com ensino médio completo.
Enfim, a dilação da instrução probatória não deve ser pautada pela incapacidade das partes e de alguns operadores do direito em compreender noções básicas de matemática, mas sim na necessidade de o julgador entender, baseado em uma formação média, os fatos expostos na demanda e fundamentar sua decisão. Chegar a outra conclusão seria o mesmo que nomear perito para que o autor da demanda, que se diz incapaz de entender o que assinou, possa ter ciência do que está escrito no contrato que teria firmado.
Ademais, tem rareado a discussão quanto ao reajuste da prestação em contratos recentes, uma vez que a aplicação da equivalência salarial, que é fator de incremento da prestação, seria prejudicial ao mutuário, considerando a variação pouco significativa da Taxa Referencial Básica.(4)
Ainda nos parênteses e a título de informação, começam a aportar ações pleiteando a exclusão do PES, considerando que “nada neste país teve maior ganho real que o salário mínimo” (Ação Ordinária nº 2006.71.00.037475-7/RS).
Já a discussão quanto ao saldo devedor geralmente encontra questões de direito ou envolve substituição dos critérios contratuais por outros mais vantajosos para o mutuário (substituição da TR pelo INPC, amortização antes da correção do saldo devedor, exclusão do CES, exclusão de sistemas de amortização, afastamento do anatocismo, garantia de amortização do valor financiado). Essas questões apenas eventualmente encontrarão a necessidade da prova pericial, porquanto a falta de amortização ou a amortização negativa podem ser facilmente verificadas mediante atenta análise das planilhas de evolução de financiamento, e assim por diante.
Ressalto, ainda, que a experiência nesses anos na Vara do SFH indica que a prova pericial elaborada durante a instrução dificilmente será definitiva ou definidora. A sentença será objeto de longa e dolorosa liquidação, em virtude de se tratar de relação jurídica envolvendo prestações periódicas, e ainda passível de modificação pelas superiores instâncias. Basta uma leve modificação (apenas a modificação de um percentual de aumento em determinado ano) para botar por terra a aparência de certeza conferida pela prova pericial.(5)
Ademais, para o julgamento, basta que se tenha a certeza de que as prestações não foram reajustadas segundo o PES. A partir dessa constatação o juiz determina, na sentença, que o agente financeiro siga os reajustes comprovados nos autos, sob pena de multa diária, determinando a compensação ou repetição dos valores pagos a maior. Havendo controvérsia, e na fase do cumprimento do julgado, será determinada perícia definitiva, com todos os critérios contratuais devidamente analisados e especificados pelas diferentes instâncias do Poder Judiciário.
Anote-se, novamente, que a possibilidade, frente ao quadro atual de inflação, de que um contrato recente (de 1998 em diante, por exemplo) apresente amortização negativa ou prestação desequilibrada é muito remota.
3 A ação consignatória e a necessidade de perícia em todos os casos
Neste ponto, gravita outra questão tormentosa nos processos que tratam de financiamentos imobiliários vinculados ao SFH. A ação normalmente é denominada de consignatória, mas é uma revisional ou uma cautelar, pois o mutuário a ajuizou objetivando modificar os critérios contratuais e, de acordo com a sua tese, depositar o valor das prestações ou quer apenas acautelar seu direito (evitar o vencimento antecipado do contrato) frente à eventual derrota na demanda.
Tal situação gerou e gera incompreensão dos operadores do direito, pois são vários os relatos em audiência em que os mutuários e seus advogados têm a convicção de que receberão os valores consignados de volta. Alertados da natureza e da função da ação consignatória, relatam que depositaram apenas a título de cautela, e não com o objetivo de propiciar o pagamento.
O mais conveniente, nesses casos, seria efetuar o depósito na própria ação ordinária. A Jurisprudência, todavia, era muito instável; ora o mutuante podia depositar na revisional, ora não podia e deveria, então, ajuizar a consignatória. Tal a confusão, que foram ajuizadas ações revisionais acompanhadas de depósito com propósito liberatório e ações consignatórias com nítido propósito de acautelamento de direito (caução).
Atualmente, ante a providencial alteração oportunizada pelo artigo 50 da Lei 10.931/2004, a situação está pacificada, podendo o mutuário proceder aos depósitos na ação revisional. Cabe-lhe, outrossim, delimitar os valores que entende incontroversos – pagos diretamente ao agente financeiro ou depositados com propósito liberatório, bem como aqueles que são depositados a título de caução.
Retomando, até pelo que foi dito linhas acima, percebe-se que nem sempre é necessária a perícia para averiguação da correção dos valores depositados pelos mutuários.
Isso pela simples constatação de que, mantidas as condições contratadas, o valor depositado é insuficiente. Ao contrário das discussões em relação aos reajustes aplicados às prestações, em que se investigarão quais reajustes foram aplicados e quando – questão de fato, a questão aqui tem a necessária premissa do convencimento do julgador de que a tese apresentada pelo autor tem procedência.(6) Do contrário, a ação é improcedente.
Muito embora possa parecer ocioso fazer tal consideração, não são poucos os julgados determinando perícias em processos da primeira instância que já estão maduros para julgamento, ou anulando outros que já foram julgados, muito embora a questão de direito preceda à questão de fato.
Explica-se com um exemplo: O autor ajuíza uma ação dizendo que o mutuante está cobrando R$ 200,00 de prestação, mas o correto seria R$ 100,00 porque o valor cobrado está baseado em cláusula que entende abusiva e ilegal. Nesse caso, resta evidente que não é a prova de determinada alegação de fato que trará a consequência jurídica imaginada pela parte (valor menor da prestação), pois antes o julgador terá que declarar a nulidade da cláusula.
Conforme pontuei na Ação ordinária nº 2003.71.00.028086-5, “a dilação probatória na atual fase processual se mostraria provimento meramente procrastinatório. A perícia técnica só se tornará imprescindível no caso de eventual sentença de procedência a partir da qual se busque a liquidação do título executivo e dos critérios por ele estabelecidos; do contrário, este Juízo estará postergando o provimento jurisdicional pleiteado, passando a trabalhar no vasto campo das hipóteses”.
A orientação, aqui, é da utilidade da prova, no sentido de que ela venha a contribuir com a rápida solução do processo.(7)
4 Da prova que os Sistemas de Amortização utilizados nos contratos de financiamento habitacional embutem capitalização de juros
Para bem delimitar a questão, e evitando a tautologia, reporto-me a um feliz introito utilizado pelo Desembargador Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, quando do julgamento da AC nº 2004.04.01.008112-9:
“Medra acirrado debate, inclusive nos meios científicos ligados à matemática financeira, sobre a repercussão da aplicação do Sistema Price de Amortização, também chamado de Sistema Francês de Amortização. O dissídio cifra-se na configuração ou não da cotação sobreposta de juros – anatocismo, o que seria vedado no nosso sistema jurídico.
Mesmo diante da cizânia científica instalada, não é dado ao magistrado furtar-se de decidir, até porque, se a função jurisdicional devesse considerar apenas a faceta técnica alheia à seara jurídica, melhor seria declinar da competência para a academia, a qual, em concílio técnico, resolveria, com maior autoridade, a quaestio. O jus dicere desborda da exclusiva apreciação de dados técnicos, os quais, embora devam transitar no raciocínio do julgador, compõem apenas uma das suas nuanças; eles devem ser conjugados com os demais valores que estruturam social e juridicamente a comunidade atendida, tudo envolto pela salutar razoabilidade.”
Deveras, de nada adiantaria remeter os autos ao perito para resolver a questão; se ele for da crença de que a Price capitaliza juros ou embute anatocismo, a sentença será de procedência; do contrário, será de improcedência. Ainda, respostas a determinados quesitos serão consideradas pelo assistente técnico do réu como guarida à sua tese (não-capitalização), mas pelo assistente técnico do autor para a tese contrária (capitalização). De todo o modo, o julgador continuaria sem o conforto técnico para o seu julgamento, tendo que decidir de acordo com a sua convicção, até porque a questão da capitalização de juros na Tabela Price não passa apenas pelo crivo matemático, mas também pela adequada compreensão da sistemática de imputação de valores pelo agente financeiro(8) e da conceituação jurídica da capitalização coibida pelo direito, se proveniente de juros compostos ou de anatocismo.(9)
Ainda, existem excelentes obras tanto para a tese da capitalização de juros(10) quanto para a tese da ausência de capitalização de juros,(11) que fazem os mesmos cálculos – corretos –, mas chegam a conclusões diferentes. Enfim, caberia ao julgador decidir qual tese é a mais correta (e não se o fato ocorreu ou não, se a evolução do contrato preserva o que foi avençado e, mais importante, se houve aumento significativo do ônus assumido quando da celebração do liame), sendo que as teses estão expostas em variadas obras, seja em meio virtual, seja em papel. Enfim, não é para isso que a prova pericial foi prevista no Código de Processo Civil, pelo que tenho decidido pela desnecessidade, por impertinente, da especulação mediante prova contábil acerca das teses matemático-financeiras arguidas pelas partes visando à modificação dos sistemas de amortização avençados.
5 O ônus da prova. Distribuição do ônus em audiência preliminar ou decisão saneadora. Preclusão
Inicio afirmando a existência da preclusão em relação às determinações judiciais que atribuem a uma das partes arcar com o ônus de provar determinado fato. Com efeito, torna-se inadmissível a alegação de cerceamento de defesa nesses casos, uma vez que não é negada a prova, mas sim determinado que uma das partes deve trazer, requerer ou arcar com a prova, sob pena de aplicação do artigo 331 do CPC, conjugado, quando for o caso, com as normas do Código do Consumidor. Se a parte a quem foi atribuído tal ônus não se irresigna – mediante o recurso cabível, que é o agravo –, a questão está preclusa, sequer podendo alegar o sempre propalado cerceamento de defesa.
Ora, princípios como os da livre investigação e da coação da prova devem dialogar com outros, como o princípio da preclusão, da imediação e da imparcialidade da prova, possibilitando não só o equilíbrio de armas e a “justiça” do processo, mas também o impulso processual que o garante como meio célere e efetivo da prestação jurisdicional.
Desse modo, aplicar as normas sobre o ônus da prova e a preclusão, entre outras, não vulnera princípios como o inquisitório na atividade de instrução ou da iniciativa oficial, seja porque não cabe à parte ficar inerte, aguardando a indicação e a produção da prova que possivelmente venha a ser favorável à sua tese – inclusive com a indicação de fontes –, seja porque cabe ao juiz velar pela rápida e efetiva solução do litígio, e não procrastiná-lo.
Gize-se, ainda, que em muitos casos a parte demonstrou que entendeu muito bem quais eram os fatos controvertidos da lide e mesmo assim requereu seu julgamento antecipado, seja porque considerou que a alegação do fato é irrelevante, seja porque essa alegação, mesmo provada, não acarretaria as consequências jurídicas imaginadas por si ou pela outra parte.
Nesses casos, tenho entendido por julgar a lide antecipadamente porquanto “o autor está devidamente representado por procurador competente, zeloso e diligente (basta olhar a inicial e as demais peças). Certamente, deve ter pesado os prós e os contras (se o direito é disponível, a produção de provas também o é): a prova poderia não lhe ser favorável, poderia não querer arcar com os ônus monetários ou não querer carrear aos autos documentos comprobatórios de renda, etc”.(12)
Com efeito, admitida por cabível a preclusão quanto à prova documental não juntada a tempo (inicial e contestação, para autor e réu, respectivamente, de acordo com o artigo 397 do CPC), mostra-se contraditório entender que os litigantes não podem abrir mão da instrução probatória e, assim, anular uma sentença judicial quando nenhum deles manifestou descontentamento ou pediu a nulidade.(13)
A mesma inteligência deve ser aplicada quando a parte que requereu a prova deixa de arcar com as despesas do perito, sem apresentar qualquer justificativa. Nesse caso, a parte assumiu o ônus da prova e deve arcar com as consequências dessa escolha.(14)
O mesmo se diga quando a parte que assumiu esse ônus, ou teve esse ônus distribuído pelo juiz e não o impugnou, é intimada para juntar documentos e não o faz, impedindo a continuidade da instrução probatória.
Confira-se, a propósito, julgado do TRF da 4ª Região em que o Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti bem delimita a diferenciação entre cerceamento de defesa e instrução probatória entendida por insuficiente. A primeira decorre de não oportunizar às partes postular provas ou indeferi-las quando necessárias; a segunda, quando as partes e o juízo entenderam pela desnecessidade de dilação, mas em superior instância entende-se pela necessidade de mais provas.(15) Nesse caso, não é anulado o processo, mas determinado o cumprimento de diligências.
Nessa linha de pensamento, chamo a atenção de que se torna assaz oportuno aguçar o senso crítico no que toca aos recursos indignados reclamando cerceamento de defesa, sendo que durante o processo, quando oportunizadas as provas pelo juiz, nada foi requerido.
6 O Código do Consumidor e a inversão do ônus da prova. Necessidade da adequada interpretação em relação à alegação de descumprimento do PES
Já está pacificada a aplicação do CDC, uma das mais úteis codificações da atualidade, aos contratos bancários. Nesse sentido, a súmula 297 do STJ dispõe que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”
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E mais, muito já se falou sobre a inversão do ônus da prova pelo CDC, razão pela qual são desnecessárias maiores digressões. No entanto, a aplicabilidade de tal regra deve ser sopesada de acordo com o critério de conformação ao caso concreto.
É que se está aplicando indiscriminadamente o dispositivo, apoiado na errônea interpretação do conceito de hipossuficiência, bem como são desconsideradas as especificidades determinadas pela legislação aplicável ao direito material posto em juízo (SFH).
Ora, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por meio da Segunda Seção, entendeu, corretamente, que os contratos que contam com a cobertura do FCVS não se submetem às normas do Código de Defesa do Consumidor. Acompanhe-se a escorreita argumentação da Relatora, Ministra Eliana Calmon:
“Portanto, naqueles contratos regidos pelo FCVS, cujo saldo devedor é suportado por fundo público gerido pela CEF, sua feição pública atrairá a incidência de normas de direito administrativo pertinentes, com exclusão das normas de direito privado.
(...)
Feita tal diferenciação, entendo que não pode ser indistintamente aplicada aos contratos com cobertura do fundo público a jurisprudência da Segunda Seção do STJ que considera pertinente a incidência das disposições do CDC aos contratos regidos pelo SFH, sob pena do desvirtuamento da sistemática de julgamento imposta pela própria jurisprudência desta Corte, que quis diferenciar ambos os tipos de contrato para fins de dispor sobre competência e legitimidade processual e, agora, não o faz em relação ao plexo de normas que deve incidir sobre um e outro.”(16)
E, para completar o raciocínio, anoto que, no caso específico do SFH, a grande maioria das instruções probatórias tem como objetivo a investigação do adequado repasse dos reajustes salariais do mutuário às prestações (Plano de Equivalência Salarial - PES), e a lei sempre conferiu ao mutuário o direito e até o dever – sob pena de preclusão – de comunicar esses índices ao agente financeiro e postular revisão.(17) Na falta desses dados, a lei permitia que o agente financeiro, subsidiariamente, utilizasse os índices aplicáveis ao saldo devedor ou aplicasse os índices que fossem de seu conhecimento.(18)
Nesse passo, a inversão do ônus da prova não só contraria a lógica, mas também nega vigência à lei específica, vulnerando princípio básico de interpretação, exposto na LICC, segundo o qual “lei geral não revoga lei especial”. Não há motivo para imputar ao agente financeiro a prova dos índices que ele não conhece e que o mutuário tem o dever de informar ao postular revisão.
Com efeito, assim como a técnica da inversão do ônus da prova pode ser estendida para situações não abarcadas pelo código consumerista, a recíproca também é verdadeira: algumas situações específicas exigem tratamento diferenciado.(19)
Ainda que assim não fosse, a hipossuficiência deve ser entendida como a impossibilidade da parte em provar determinado fato, e não como a circunstância de a parte ser menos capaz financeiramente se comparada a uma empresa.(20)
Interpretando as normas do Código do Consumidor com o restante da legislação processual, conclui-se que não foi arredada a hipótese de o Consumidor ter que fazer prova, mas sim que, em determinados casos e diante de determinadas circunstâncias, o ônus da prova caberá, mediante inversão, ao Fornecedor.
Como bem ressaltado por Rizzato Nunes,(21) “o reconhecimento da hipossuficiência do consumidor para fins de inversão do ônus da prova não pode ser visto como forma de proteção ao mais ‘pobre’. Ou, em outras palavras, não é por ser ‘pobre’ que deve ser beneficiado com a inversão do ônus da prova, até porque a questão da produção da prova é processual, e a condição do consumidor diz respeito ao direito material”.
De fato, é incorreta a interpretação que se deixa levar por argumentações abstratas, fáceis e genéricas, sem recorrer para a argumentação substantiva, calcada na situação fática posta em juízo. Basear-se em truísmos e consensos superficiais distancia o julgador da realidade e leva a resultado injusto.
Em síntese, pode-se apontar que, em relação aos outros aspectos da contratação (sistema de amortização, juros, etc), é cabível a incidência da técnica da inversão do ônus da prova, até pela questão lógica de que esta parte do contrato está sob o domínio do Fornecedor. Esse raciocínio é inaplicável, contudo, quando se cuida da aplicação da variação salarial do mutuário nos reajuste das prestações, pois este é quem tem o domínio e o conhecimento dos índices que deveriam ser aplicados, além desse ônus ser-lhe expressamente atribuído pelo sistema PES/PCR.
Entendo inadequado, portanto, o posicionamento já defendido no âmbito do TRF da 4ª Região, muito embora em julgados isolados, no sentido de que a não-realização da prova pericial, quanto ao cumprimento do Plano de Equivalência Salarial, viria em prejuízo do agente financeiro, e não do mutuário, a quem aproveitaria a presunção de veracidade das afirmativas que fez acerca das questões de fato.(22)
Como já dito linhas acima, as especificidades da legislação quanto ao reajuste das prestações põem por terra o argumento de que caberia ao agente financeiro provar que aplicou os reajustes que a parte autora entende que deveriam ser aplicados – prova diabólica –, além do que a legislação consumerista não alberga a interpretação dada pelo julgado no que tange à inversão do ônus da prova.
Note-se, por oportuno, que os empregadores e os sindicatos geralmente não liberam os índices de reajustes do salário do mutuário diretamente ao agente financeiro, restando que ao final incumbirá ao julgador diligenciar para encartá-los nos autos, oficiando ou expedindo mandados e precatórias – como se a atividade cartorária do Poder Judiciário já não estivesse excessivamente onerada. Deveras, acaba-se atribuindo ao julgador um poder de instrução “ex officio” para agir dentro da esfera de disponibilidade de uma das partes, que, após o ajuizamento da ação, ganha chancela jurisprudencial para quedar inerte.
Conclusão
Diante do que foi exposto, a conclusão inarredável é que, muito embora a sensível questão debatida em juízo no que tange aos contratos de mútuo vinculados ao SFH, o órgão judiciário e os demais operadores do direito não estão demitidos das suas funções, em especial a de levar o processo a um desenlace num prazo razoável, discutindo o que é pertinente e relevante para a lide.
Neste passo, cabe ao órgão judiciário a análise acurada da lide delimitada pelas partes, mormente atentando para a desnecessidade da prova pericial em variegadas hipóteses, especialmente nos contratos mais recentes, após a estabilização da moeda brasileira. E, mesmo quando considerar útil a prova pericial, averiguar se ela não se limita a estabelecer o quantum debeatur, circunstância que a experiência nos recomenda deferimento somente quando da liquidação do julgado, ocasião em que todos os critérios de direito estarão definidos pelas diferentes instâncias do Poder Judiciário. A própria ação consignatória, como explicado, não clama a necessidade de perícia contábil em todas as ocasiões, porquanto passa, primeiro, pela definição do Poder Judiciário se é cabível a modificação das cláusulas contratuais intentada pela parte.
A aplicação da inversão do ônus da prova prevista no Código de Defesa do Consumidor, outrossim, deve ser ponderada de acordo com o direito material debatido em juízo, atentando às relações jurídicas que estejam albergadas em legislação própria, como no caso dos mútuos em que o saldo devedor esteja coberto pelo FCVS e no tocante à correta aplicação do PES.
Saliento, ainda, que a inércia da parte autora ou ré em postular as provas necessárias, bem como o requerimento de julgamento antecipado da lide pelas partes, com o consequente julgamento pelo juiz, não pode resultar em cerceamento de defesa e nulidade do processo, mas em determinação para complementar a prova. É imperioso diferenciar os casos de cerceamento de defesa dos casos de insuficiência probatória.
Ao julgador, presidente da instrução processual, cabe a análise técnica da questão posta em juízo, devendo sopesar com inteligência o direito material, o direito processual e os pedidos de instrução probatória feitos pelas partes. Torna-se descabido e ilógico formar, na relação processual, relação divorciada do direito material e da obrigação que as partes têm de trazer aos autos todas as informações e documentos de que dispõem, inclusive de indicar as fontes probatórias; como dito, ao processo deve-se dar o impulso que o garanta como meio célere e efetivo da prestação jurisdicional.
Contrário proceder pode acarretar na perpetuação da triste realidade da existência de processos objetos de instrução meramente procrastinatória da tutela jurisdicional, repletos de discursos retóricos fortes que emasculam o estabelecimento de critérios objetivos e lógicos tendentes a impulsionar o processo em direção ao seu final, perpetuando o litígio indefinidamente e resultando em autos comodamente instalados nos escaninhos do órgão judicial por meses a fio.
Enfim, nos contratos de financiamento ligados ao SFH, assim como é feito em outras ações revisionais, o Judiciário deve impulsionar o processo infenso às instruções procrastinatórias, dando às partes um pronunciamento judicial célere e definitivo para garantir a consequente segurança jurídica e um desenlace satisfatório da relação contratual.
Referências bibliográficas
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______; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil. v. 5: do processo de conhecimento, arts. 332 a 363. tomo I [coord. Ovídio A. Baptista da Silva]. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
______; ______. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 4. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005.
RIZZATO NUNES. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005.
VELOSO, Andrei Pitten. Ação Consignatória e Prestações Periódicas: a problemática da consignação em pagamento no âmbito do SFH. Revista da Ajufergs, n. 1, 2003.
Notas
1. MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. 4. ed. rev., atual. e amp. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 236.
3. No entanto, o critério em função do qual deverá o juiz atuar a sua discricionariedade não deverá, necessariamente, ser o da sua própria cultura ou o de sua informação técnica ou científica, em especial quando diga ela respeito à interpretação dos fatos, por hipótese. Se o juiz for especialmente dotado, as suas informações, acima das da média, não podem servir de padrão. Deverá o juiz verificar e se pautar, para chegar à conclusão de nomear ou não perito, cuja produção de prova pericial tenha sido solicitada, pelo parâmetro da cultura do juiz médio. ARRUDA ALVIN. Apontamentos sobre a perícia. Revista de Processo, n. 23, 1981, p.12 a 21.
4. Existem julgados, entretanto, determinando a aplicação da variação do salário mínimo como determinante para o reajuste da prestação em detrimento da sistemática do SACRE, o que acarretará, certamente, a majoração do encargo que o mutuário queria ver diminuído.
5. Andrei Pitten Veloso (Ação Consignatória e Prestações Periódicas: a problemática da consignação em pagamento no âmbito do SFH, in Revista da Ajufergs, n. 1, 2003) refere que “a realização de perícia dificilmente enseja a prolação de uma sentença líquida que assim transite em julgado. Mesmo que a sentença fixe, com precisão, o valor devido, qualquer alteração em seus critérios importará na modificação do juízo acerca da suficiência dos depósitos e do valor de eventuais diferenças, acarretando significativas complicações”.
6. Conforme decidi na Ação Ordinária nº 2005.71.00.036253-2, “a perícia é sempre uma prova onerosa que protela a prestação jurisdicional e, por isso, deve ser utilizada somente quando indispensável o conhecimento técnico para a decisão, tendo o escopo de auxiliar, fortalecer o convencimento do juiz. Ainda, e tal característica acaba desconsiderada por alguns operadores do direito, muitas vezes as questões de direito precedem a questão de fato. Tome-se como exemplo a demarcatória: somente poderá efetivar-se após a decisão sobre o domínio e seus direitos (artigo 524, CC) ou a posse. Outro exemplo: em ação revisional, o mutuário pretende trocar de sistema de amortização; nesse caso, a prova pericial para fixar o valor das prestações somente é produtiva se houver prévio exame acerca da possibilidade de mudar o contrato (...). Melhor dizendo, não há controvérsia em relação aos fatos, mas sim de que o direito, se e quando for reconhecido, acarretará uma nova evolução dos fatos que, por sua vez, devem ser mensurados para fins de readequação das relações jurídicas havidas entre as partes”.
7. Andrei Pitten Velloso, na obra já citada, bem esclarece o tormento dessas ações intermináveis ao referir que, “em ambos os casos, será necessária a ulterior determinação de prova pericial, o que evidencia que toda a morosidade na tramitação do feito, decorrente da realização da perícia, de pouco ou nada serviu para o desiderato de resolver a situação de insegurança e incerteza em que as partes se achavam no início do feito... em essência, o que afasta, dentro do possível, a incerteza nessas hipóteses é justamente a definição dos critérios de cálculo das prestações e do saldo devedor...”
8. Confira-se, a respeito, muito embora divirja quanto a alguns conceitos nele expostos, trecho do voto proferido pelo Juiz Federal convocado Márcio Rocha quando do julgamento da AC 2003.71.04.001203-1, que bem delimita o sofisma debatido nas ações: “O debate sobre anatocismo dos sistemas de amortização teria algum efeito na Justiça apenas na hipótese de ser exigível do mutuário o valor de todas as parcelas corrigidas monetariamente pelos mesmos índices e periodicidade do saldo devedor e sem a possibilidade de amortização antecipada da dívida, o que não ocorre no Sistema Financeiro da Habitação, nos termos da Lei. Em resumo, os belos debates sobre a fórmula Price, Sacre, é matéria de matemáticos, economistas, contadores e de quem quer que se interesse pelo assunto, no entanto, é matéria deslocada dos fundamentos contratuais do Sistema Financeiro da Habitação. Isso faz na prática com que, escancaradamente, ambos os debatedores em suas guerras de fórmulas matemáticas esqueçam a realidade contratual que trazem a Juízo. Onde o contrato tem sua realidade trazida em uma planilha de pagamentos ofertada pela Instituição Financeira, construída mês a mês pelo desenvolvimento contratual real, e não pelo ambiente teórico (sem inflação, sem defasagens, aumentos salariais, sem atrasos de pagamentos, sem adiantamentos, etc.) da matemática pura dos sistemas de amortização. E, como sói ocorrer, nestes e nos demais autos, as planilhas contratuais ficaram esquecidas. Nítida a improcedência do pedido no particular, trazendo debate teórico-matemático, e não jurídico-contratual.” (grifos meus)
9. Flávio Antônio da Cruz, Juiz Federal Substituto da Vara do SFH de Curitiba, lançou luz nesta temática, referindo que “Conclui-se, portanto, que a chamada ‘Lei da Usura’ originou-se do lobby de um forte setor da Economia, em 1933, colocando severas limitações à cobrança de juros, comumente empreendida pelas instituições financeiras, à época ainda incipientes no país. Em um primeiro exame, portanto – sem prejuízo da possibilidade de alterar o contrato sempre que demonstrada a onerosidade excessiva –, fico com o entendimento de que a composição de juros, em si considerada, não está proibida. O art. 13 até pode levar a solução diversa, por evidenciar que o mutuário tem direito a conhecer a taxa real do contrato. Isso foi feito no caso presente, porém, dado que foi dado a conhecer ao tomador do empréstimo o verdadeiro custo do financiamento (obtido se o banco reaplicar o valor recebido, sob as mesmas taxas e pelo prazo faltante do contrato). Há elementos a indicar que essa é a previsão legal em exame. O art. 4º do Decreto autoriza apenas o lançamento no saldo, ano a ano, o que revela que, para a Lei, o ‘juro sobre juros’ é apenas o lançamento de juros no saldo.”
10. Tabela Price, da prova documental e precisa elucidação do seu anatocismo, de José Jorge Meschiatti Nogueira. Campinas: Servanda, 2002.
11. Tabela Price e a inexistência de Capitalização, de Edson de Queiroz Penna, AGE,
12. Ação Consignatória 2004.71.00.045710-1/RS, julgada em 28.08.2008.
13. “Do exposto se conclui que, normalmente, não terá o juiz obrigatoriedade de nomear um perito, salvo quando a lei, numerus clausus, embora a enumeração taxativa esteja ao longo de todo o sistema, o exija... Se as partes não pedem prova pericial, o juiz não irá, obrigatoriamente, nomear perito, exceto nos casos em que a lei, especificamente, o junge a que o faça. Poderá fazê-lo ou não.” (ARRUDA ALVIN. Apontamentos sobre a perícia. Revista de Processo, n. 23, 1981, p. 12 e 21)
14. Como bem refere Marinoni, na obra já citada (fl. 207), “Comoglio, Ferri e Taruffo afirmam que a jurisprudência italiana é rigorosa ao exigir que a parte assuma explicitamente as consequências negativas que sofrerá no caso em que não consiga produzir a prova do fato que não tem ônus de demonstrar.
Não teria sentido realmente admitir que a parte que não detém o ônus probatório, mas voluntariamente assume esse ônus, ficasse livre das consequências negativas que a não-observância do ônus possa produzir. Assim, o réu pode assumir a prova de fato constitutivo, ao passo que o autor pode assumir, por exemplo, a prova de fato impeditivo. Acontece, como já foi dito, que, se a parte declara o seu desejo de produzir uma prova que em princípio deve ser provada pela parte adversa, ela deve obrigatoriamente assumir as consequências negativas do descumprimento desse ônus, voluntariamente assumido”.
15. EMENTA: INSUFICIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. COMPLEMENTAÇÃO DA PROVA. CONVERSÃO DO JULGAMENTO EM DILIGÊNCIA. ANULAÇÃO DO PROCESSO. Havendo insuficiência de instrução, impõe-se a conversão do julgamento em diligência para complementação da prova, em vez da anulação do processo. (TRF4, APELAÇÃO CIVEL, 2005.04.01.051272-8, Sexta Turma, Relator do Acórdão Rômulo Pizzolatti, DJ 05.07.2006)
16. PROCESSO CIVIL – SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO – CONTRATO COM COBERTURA DO FCVS – INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR SE COLIDENTE COM AS REGRAS DA LEGISLAÇÃO PRÓPRIA.
1. O CDC é aplicável aos contratos do SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO, incidindo sobre contratos de mútuo.
2. Entretanto, nos contratos de financiamento do SFH vinculados ao FUNDO DE COMPENSAÇÃO DE VARIAÇÃO SALARIAL - FCVS, pela presença da garantia do Governo em relação ao saldo devedor, aplica-se a legislação própria e protetiva do mutuário hipossuficiente e do próprio Sistema, afastando-se o CDC, se colidentes as regras jurídicas.
3. Os litígios oriundos do SFH mostram-se tão desiguais que as Turmas que compõem a Seção de Direito Privado examinam as ações sobre os contratos sem a cláusula do FCVS, enquanto as demandas oriundas de contratos com a cláusula do FCVS são processadas e julgadas pelas Turmas de Direito Público.
4. Recurso especial improvido. (Unânime, 1ª Seção do STJ, REsp 489701, DJU de 16.04.2007)
17. Decreto-Lei 2164/84, artigo 9º, parágrafo 5º:
A prestação mensal não excederá a relação prestação/salário verificada na data da assinatura do contrato, podendo ser solicitada a sua revisão a qualquer tempo.
18. Lei 8692/93.
Artigo 8º (...)
1º Ocorrendo reajustes salariais diferenciados para uma mesma categoria profissional, para efeito do disposto no caput deste artigo, a instituição credora deverá utilizar o maior dos índices de reajustes informados.
2º Na hipótese de a instituição credora não ser informada dos índices de reajustes salariais aplicados à categoria profissional do mutuário, utilizam-se reajustes em consonância com o mesmo índice e a mesma periodicidade de atualização do saldo devedor dos contratos.
Artigo 9º: É facultado ao mutuário recorrer da aplicação do disposto no artigo anterior, apresentando documentação comprobatória de variação de rendimentos, para a efetiva correção dos reajustes, devendo ser considerados como variação de rendimentos todos os aumentos que, a qualquer título, impliquem elevação da renda bruta do adquirente, decorrente do vínculo empregatício ou da aposentadoria.
19. Conforme Marinoni (Formação da convicção e inversão do ônus da prova segundo as peculiaridades do caso concreto. Jus Navigandi, Teresina, a. 10, n. 1168, 2006), “Da mesma forma que a regra do ônus da prova decorre do direito material, algumas situações específicas exigem o seu tratamento diferenciado. Isso pelo simples motivo de que as situações de direito material não são uniformes. A suposição de que a inversão do ônus da prova deve estar expressa na lei está presa à ideia de que qualquer incremento do poder do juiz deve estar definido na legislação, pois de outra forma estará aberta a possibilidade de o poder ser utilizado de maneira arbitrária.
Atualmente, contudo, não se deve pretender limitar o poder do juiz, mas sim controlá-lo, e isso não pode ser feito mediante uma previsão legal da conduta judicial, como se a lei pudesse dizer o que o juiz deve fazer para prestar a adequada tutela jurisdicional diante de todas as situações concretas. Como as situações de direito material são várias, deve-se procurar a justiça do caso concreto, o que repele as teses de que a lei poderia controlar o poder do juiz. Esse controle, atualmente, somente pode ser obtido mediante a imposição de uma rígida justificativa racional das decisões, que podem ser auxiliadas por regras como a da proporcionalidade e suas sub-regras.”
20. Idem. “A outra hipótese de inversão do ônus da prova na sentença decorre da chamada hipossuficiência do consumidor. Por hipossuficiência, aqui, deve-se entender a impossibilidade de prova – ou de esclarecimento da relação de causalidade – trazida ao consumidor pela violação de uma norma que lhe dá proteção, por parte do fabricante ou do fornecedor. A hipossuficiência importa quando há inesclarecibilidade da relação de causalidade e essa impossibilidade de esclarecimento tem relação com a própria violação da norma de proteção.
Melhor explicando: em determinados casos, ainda que não seja possível determinar, através de prova, que um defeito ocasionou um dano, seja porque as provas não são conclusivas, seja porque as regras de experiência não são absolutas, pode ser viável ao menos chegar a uma convicção de verossimilhança, a qual é legitimada em razão de que o violador da norma de proteção assumiu o risco da dúvida. Nessas situações é possível julgar com base na verossimilhança preponderante, ou, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, inverter o ônus da prova na sentença com base na verossimilhança da alegação. Porém, quando não se pode chegar nem mesmo à verossimilhança da alegação, há uma situação de inesclarecibilidade, ou a impossibilidade de o consumidor produzir prova para esclarecer a relação de causalidade. Nessa situação a inversão do ônus da prova deve ser feita com base em hipossuficiência, tal como compreendida no parágrafo acima.”
21. RIZZATO NUNES. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. reform. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 133-134.
22. ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. CONTRATO COM CLÁUSULA PES. REAJUSTE DAS PRESTAÇÕES. PROVA PERICIAL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. ART. 6, VIII, DA LEI Nº 8.078/90.
1. A verificação acerca da correção dos reajustes das prestações habitacionais, em observância da equivalência salarial, é questão dependente de prova técnica pericial.
2. Nas relações de consumo em que figuram as instituições bancárias no desempenho da sua atividade-fim, não se pode negar a condição de hipossuficiente do contratante do serviço bancário. São incomparáveis as condições econômicas ostentadas pela instituição de crédito, o que, em face do desequilíbrio que isso causa no âmbito da lide, seria razão suficiente à oferta de situação processual privilegiada ao consumidor, v.g., a inversão do ônus da prova. Por outro lado, não se pode olvidar a superioridade técnica do agente financeiro em seus vários aspectos (jurídico, financeiro, econômico etc), os quais são indecifráveis ao grande público de consumidores dos serviços e produtos bancários.
3. Sendo regra a hipossuficiência do consumidor tomador de empréstimo em face das instituições financeiras, opera-se a inversão do ônus da prova, assim entendido o mecanismo que atribui ao fornecedor a tarefa de demonstrar ter observado os termos do contrato que firmou com o consumidor. Promove-se a transferência da missão de fazer a prova acerca dos fatos que permeiam a causa, ficando a parte adversa, no caso o mutuário, ante a inércia ou ineficiência do mutuante, ao amparo da presunção de veracidade de suas alegações.
4. O fato constitutivo do direito do consumidor, quando autor da ação e litigando com o benefício da inversão do encargo probatório, poderá ser apenas descrito por ele, incumbindo ao réu, o fornecedor, manusear os meios de prova lícitos no intuito de contrapor-se à referência fática do consumidor. Há praesumptio iuris tantum de que os fatos em que se sustenta o direito só alegado pelo consumidor são verídicos, sendo tarefa do réu promover a produção de prova que faça desmerecer tal ilação.
5. Sentença a qual se cassa, remetendo-se os autos à origem, de forma a possibilitar à CEF a realização da perícia. Prejudicado o apelo. (TRF4, AC 2003.70.10.001375-5, Terceira Turma, Relator Luiz Carlos de Castro Lugon, DJ 21.09.2006)
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