Questões de Direito Público e Privado


Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Desembargador Federal

     publicado em 30.04.2009

I - Comentário ao art. 236, § 1º, do CPC

Com efeito, deflui do disposto no art. 236, caput e § 1º, do CPC, que, para que essa publicação surta o efeito pretendido pela lei, deve a publicação ser fiel e exata reprodução, embora não integral, do ato judicial, sob pena de nulidade (E. D. Moniz de Aragão, in Comentários ao CPC, 4. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1983, v. 2, p. 308, nº 316).

O Egrégio Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento do RE nº 70.926-RS, em que foi relator o eminente Ministro Thompson Flores, deliberou, verbis:

"Acórdão: deve refletir integral fidelidade ao julgamento.

II. Assim não sucedendo, refletindo-se a falta não só no ato como na publicação para o efeito de intimação, levou a erro o interessado, sendo por isso ineficaz. Efeitos.

III. Equiparado o procedimento verificado a erro material, poderia ser corrigido mesmo ex officio.

IV. Aplicação dos arts. 285, 881 e 168, § 19, do C. Pr. Civil.
Precedentes.

Recurso conhecido e provido." (In RTJ 55/809)

Em seu voto, salientou o Ministro Thompson Flores, verbis:

“A disposição do acórdão e sua publicação, dispondo que o recurso compulsório fora provido, levaram a erro a União, e com as repercussões que deduz, pois julgava-se vencedora, desinteressando-se, pois, por qualquer recurso.

E embora se consignasse nos termos do voto do Relator, não era o sistema usado pela Secretaria do Tribunal a quo, como se vê do vasto rol de julgados, os quais, ainda que dispusessem ‘nos termos do voto do Relator’, precisavam sempre se o provimento se fazia ou não em parte (fl. 147).

De resto, a fidelidade do acórdão ao julgamento e sua correta publicação é condição para sua eficácia, nos termos do art. 881 do C. Pr. Civ., máxime que, quanto a implicações outras, impõe a lei tanto rigor (cód. cit., art. 168, § 1º).

Não fora assim, a cada passo seriam obrigadas as partes ao manuseio dos autos, para certificar-se ad cautelam da coerência da publicação dos termos do decidido, o que não condiz com o espírito da lei.

Por isso, com propriedade assinalam as razões, f. 149-150: ‘O v. decisório recorrido, como se vê em seu voto condutor, transcrito no item 13 acima, defende a doutrina segundo a qual a Subprocuradoria – e, como não poderia deixar de ser, qualquer advogado –, ao se deparar com a publicação de acórdão com remissão a voto, teria de ir à Secretaria do Tribunal ler os próprios autos, a fim de conhecer o verdadeiro conteúdo e alcance da decisão. Já não bastaria que o fizessem para conhecer os fundamentos, as razões de decidir, mas para conhecer o próprio decisum.

Ora, tal orientação, além de ensejar o tumulto na Secretaria, com todos os advogados querendo ler processo apenas para saber se seu cliente ganhou ou perdeu, representa, data venia, pura e simples negativa de aplicação aos arts. 82 e 225 do Regimento Interno desse eg. Tribunal e aos arts. 168, § 1º, e 881 do C. Pr. Civil. Com efeito, tal publicação perderia, assim, o caráter de intimação para se reduzir a simples notícia da decisão, aliás já adotada nesse como no Supremo Tribunal Federal, sem qualquer valor intimativo.’

5. Em conclusão, o acórdão não correspondeu, com exatidão, ao julgamento, pois que o recurso foi provido em parte e nele não se positivou. Essa falta refletiu-se na ata e na consequente publicação." (In RTJ 55/811)

Ao se pronunciar sobre os requisitos da sentença, leciona o notável processualista alemão James Goldschmidt, verbis:

"b) la sentencia se debe haber dado a conocer de modo externo – no precisamente por publicación o notificación del dispositivo a ambas partes en el caso del § 7 del D. D. –, de tal suerte que aparezca con toda claridad la voluntad de que el pronunciamiento valga como sentencia, y, por su contenido, caro una sentencia atañente a la cuestión litigiosa sobre la que se diga recaída (y por ello seria inatendible como sentencia la que contuviere un mandamiento probatorio o se hubiere dictado en procesos cambiados)." (In Derecho Procesal Civil, traducción de Prieto Castro, Barcelona: Labor, 1936, p. 392)
 
Outro não é o magistério de Francesco Carnelutti, verbis:

"La notificación tiene por objeto una declaración procesal (p. e., citación, sentencia) en su totalidad; esta determinación del contenido de la notificación va implicita en la exigencia de su modo documental porque hay que entregar al destinatario un documento en el que esté representada la declaración completa; así, si se notifica una citación o una sentencia, lo que ha de ponerse en conocimiento del destinatario es toda la citación y la sentencia.

La forma de la notificación se regula minuciosamente, en lo que toca al modo, en el doble aspecto de la garantia del conocimiento que ha de proporcionarse al destinatario y de la prueba de la realización de los actos en que consiste."
(In Instituciones del Nuevo Proceso Civil Italiano, traducción y notas de Jaime Guasp, Barcelona: Bosch, 1942, p. 292/293, nº 325)

II - Comentário ao art. 232, III, do CPC

A respeito, deliberou o Pretório Excelso, quando do julgamento do RE nº 89.506-MG, em que foi relator o saudoso Ministro Soares Muñoz, verbis:

"Citação por edital. Falta de divulgação do edital em jornal local. Natureza cogente dos arts. 232, III, e 247 do Código de Processo Civil, salvo se o réu comparecer espontaneamente em juízo e não alegar a nulidade.
RE conhecido e provido." (In RTJ 90/666)

Em seu voto, assinalou o douto Relator, verbis:

"(...)

O edital foi publicado apenas no Diário do Judiciário (fl. 36), omitindo-se as publicações em jornal local. É manifesto o descumprimento do art. 232, III, do CPC. E a falta de divulgação do edital na imprensa particular importa em nulidade de citação nos termos do art. 247 do aludido diploma processual, combinado com o anteriormente referido art. 232, III. A objeção referente à ausência de prejuízo procede, visto que o processo tramitou à revelia do réu, que só compareceu em juízo para arguir a nulidade através da apelação que interpôs." (In RTJ 90/667)

No mesmo sentido, orienta-se a jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (RMS nº 2.556-1-RJ, rel. Min. Demócrito Reinaldo, in RT 704/205).

Dessa forma, inobservado o disposto no inciso III do art. 232 do CPC, a citação é nula, não produzindo qualquer efeito (art. 247 do CPC).

“Quod initio vitiosum est, non potest tractu temporis convalescere.” (Paulo, Dig. 50, 17, 29)

É o magistério de Chiovenda, quando afirma, em obra clássica, que "la citazione nulla non pùo produrre i suoi effetti giuridici, vale a dire che essa non puo costituire il rapporto processuale" (In Principii di Diritto Processuale Civile, Napoli: Dott. Eugenio Jovene, 1965, p. 646).
 
O requisito da citação por edital, insculpido no art. 232, III, do CPC, diz respeito a uma formalidade susbtancial daquela modalidade de citação, o que é respaldado, inclusive, pela jurisprudência da Suprema Corte e do Superior Tribunal de Justiça, cujos efeitos são descritos magistralmente por René Morel, Mestre de Nancy, verbis:
 
"Les formalités substantielles sont, soit celles qui sont prescrites par une loi d'ordre public, soit celles qui donnent à l'acte son caractère spécifique et en l'absence desquelles ce caractère fait défaut. Si l'une de ces formalités est omise, l'acte est certainement nul, encore bien qu'aucun texte ne prononce expressément la nullité." (In Traité Élémentaire de Procédure Civile, Paris: Libr. Du Recueil Sirey, 1932, p. 442, nº 408 )

III - Comentário ao art. 124 da Lei nº 6.404/76

Com efeito, o disposto no art. 124 da Lei nº 6.404/76, segundo o qual, no caso de reforma do estatuto, o edital de convocação deverá conter a indicação da matéria, tem por finalidade, como sabido, dar conhecimento aos acionistas das matérias que serão objeto de deliberação em assembleia, para que os mesmos, de acordo com suas conveniências e interesses, se façam presentes ou não.

A respeito, firmou jurisprudência o Eg. Supremo Tribunal Federal quando do julgamento do RE n. 69.824-PR, verbis:

"Sociedade por ações. A convocação para a assembleia-geral deve mencionar, mesmo que sumariamente, a matéria em pauta. Sem essa formalidade, prevista no art. 88 da Lei de Sociedades por Ações, não serão válidas as decisões tomadas em assembleia. Recurso provido" (In RTJ 55/512)

Em seu voto, salientou o eminente Ministro Thompson Flores, verbis:

"(...) É imperativo que assuntos como o que foi tratado constem da convocação.

Por ela é que os acionistas, em regra, estranhos entre si, ajuízam da conveniência ou não do comparecimento, isso porque jamais poderão admitir que matéria alheia seja decidida, máxime quando possa afetar interesses seus ou da própria sociedade à qual estão vinculados.

É o sistema que rege tais entidades, revelado não só no preceito citado, como em outros.

Esta é a lição da doutrina, aceita nos tribunais.

(...)

É certo que, por vezes, conforme a natureza da matéria, pode a assembleia deliberar sem constar da convocação. Quando são meramente administrativos, ou não causem prejuízo a ninguém; ou, excepcionalmente, quando a urgência o impõe.

Nenhuma das hipóteses ocorre, porém.

A deliberação não poderia subsistir. Validando-a o decisório em apreço, afrontou o preceito citado, justificando o conhecimento da pretensão última e o seu provimento, data venia." (In RTJ 55/515).

No mesmo sentido manifesta-se a doutrina: Fran Martins, in Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 2. ed., Revista Forense, 1984, v. 2, t. I, p. 168, n. 553; Rubens Requião, in Curso de Direito Comercial, 18. ed., Saraiva, 1992, v. 2, p. 139-40, n. 386; Modesto Carvalhosa, in Coments. à Lei de Sociedades Anônimas, Saraiva, 1978, v. 4, p. 197-8; Jean Escarra, Edouard Escarra et Jean Rault, in Traité Théorique et Pratique de Droit Commercial – Les Sociétés Commerciales, Paris: Sirey, 1959, t. 4, p. 95, n. 1.422, "b"; Antigono Donati, in L'invalidità della Deliberazione di Assemblea delle Società Anonime, Milano: Dott. A. Giuffrè, 1937, p. 147-8, n. 2.

Pertinente o magistério de Enrico Soprano, em obra clássica, verbis:

"L'indicazione dell'oggetto delle deliberazioni deve rispondere a due esigenze, alla chiarezza cioè ed alla precisione; esigenze che non possono scompagnarsi dalla buona fede di coloro che indicono l'assemblea. La chiarezza importa che non debbano esservi indicazioni ambigue, atte a trarre in inganno coloro che intervengono o che si astengono dall'intervenire all'assemblea, ed impediscano che i socii si formino un concetto esatto delle deliberazioni da prendere (1). La precisione importa che le enunciazioni non siano vaghe ed indeterminate, per guisa da rendere impossibile agli azionisti colla genericità delle indicazioni di prepararsi alla discussione e soluzione del tema ad essi sottoposto (2)." (In L'Assemblea Generale Degli Azionisti, Milano: Francesco Vallardi, 1914, p. 56, n. 31, "c")

IV - O Judiciário e o Processo Disciplinar

Realmente, na ordem constitucional em vigor, a Administração Pública, nos termos do art. 37 da CF/88, submete-se ao princípio da legalidade, não lhe sendo permitida a prática de atos administrativos em manifesta violação à letra e ao espírito da Magna Carta, incumbindo aos seus agentes a observância estrita dos ditames da Constituição.

Nesse sentido, a lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

"L'obligation de respecter les lois comporte pour l'administration une double exigence, l'une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l'autre, positive, consiste à les appliquer, c'est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu'implique nécessairement leur exécution." (In Les Grands Textes Administratifs, Paris: Sirey, 1970, p. 376)

Pertinente, ainda, o ensinamento de Paul Roubier, verbis:

"La non-observation des conditions de validité possées par la loi à la confection de cet acte aurapour sanction une action de nullité ou en rescision, c'est-à-dire une action qui n'entrait aucunement dansles vues de l'auter (ou des auteurs) de l'acte juridique.

Ici encore cette action n'est pas fondée sur Ia violation d'un droit antérieur, elle est fondée sur une infraction à un devoir, le devoir d'observer les conditions légales de validité de l'acte posées par la loi." (In Droits Subjectifs et Situations Juridiques, Paris: Dalloz, 1963, p. 74/5)

Cabe ao Poder Judiciário, in casu, o exame da alegada violação ao direito previsto e garantido pela Carta Magna, ou seja, o princípio da legalidade previsto no art. 37 da CF/88.

A respeito, leciona Bernard Schwartz, in Commentary on the Constitution of the United States - The Rights of Property, New York: The Macmillan Company, 1965, p. 2/3, verbis:

"The Constitution has been construed as a living instrument intended to vest in the nation whatever authority may be appropriate to meet the exigencies of almost two centuries of existence.

To regard the Constitution solely as a grant of governmental authority is, nevertheless, to obtain but a partial and distorted view. Just as important is its function as a limitation upon such authority. As already emphasized in section 1, the American conception of a constitution is one which is not confined to viewing such instrument as a charter from which government derives the powers which enable it to function effectively. Instead, with us, the organic document is one under which governmental powers are both conferred and circumscribed.

The Constitution is thus more than a framework of government; it establishes and guarantees rights which it places beyond political abridgment. In this country, written constitutions were deemed essential to protect the rights and liberties of the people against the encroachments of governmental power."

Da mesma forma, impõe-se recordar a velha, mas sempre nova lição de John Randolph Tucker, em seu clássico comentário à Constituição norte-americana, verbis:

"All acts of every department of government, within the constitutional bounds of powers, are valid; all beyond bounds are irritum et insane – null and void. Government, therefore, has no inherent authority, but only such as is delegated to it by its sovereign principal. Government may transcend the limits of this authority, but its act is none the less void. It cannot, by usurpation, jurally enlarge its powers, nor by construction stretch them beyond the prescribed limits." (In The Constitution of the United States, Chicago: Callaghan & Co., 1899, p. 66/7, § 54)

Outro não é o ensinamento de Daniel Webster, verbis:

"The Constitution, again, is founded on compromise, and the most perfect and absolute good faith, in regard to every stipulation of this kind contained in it is indispensable to its preservation. Every attempt to grasp that which is regarded as an immediate good, in violation of these stipulations, is full of danger to the whole Constitution." (In The Works of Daniel Webster, Boston: Little, Brown and Company, 1853, v. I, p. 331)

No regime do Estado de Direito não há lugar para o arbítrio por parte dos agentes da Administração Pública, pois a sua conduta perante o cidadão é regida, única e exclusivamente, pelo princípio da legalidade, insculpido no art. 37 da Magna Carta.

Por conseguinte, somente a lei pode condicionar a conduta do cidadão frente ao poder do Estado, sendo nulo todo ato da autoridade administrativa contrário ou extravasante da lei, e como tal deve ser declarado pelo Poder Judiciário quando lesivo ao direito individual.

Nesse sentido, também, a já citada lição de Charles Debbasch e Marcel Pinet, verbis:

"L'obligation de respecter les lois comporte pour l'administration une double exigence, l'une négative consiste à ne prendre aucune décision qui leur soit contraire, l'autre, positive, consiste à les appliquer, c'est-à-dire à prendre toutes les mesures réglementaires ou individuelles qu'implique nécessairement leur exécution." (In Les Grands Textes Administratifs, Paris: Sirey, 1970, p. 376)

 Ao se deparar com questões concernentes ao processo administrativo disciplinar, trata-se de caso típico de exame da legalidade da ação da Administração pelo Poder Judiciário.

A respeito, anota o saudoso Min. Victor Nunes Leal, em sua obra Problemas de Direito Público, 1. ed., Rio: Forense, 1960, p. 264, verbis:

"A ‘legalidade’ do ato administrativo compreende não só a competência para a prática do ato e as suas formalidades extrínsecas como também os seus requisitos substanciais, os seus motivos, os seus pressupostos de direito e de fato (desde que tais elementos estejam definidos em lei como vinculadores do ato administrativo). Tanto é ilegal o ato que emane de autoridade incompetente, ou que não revista a forma determinada em lei, como o que se baseie num dado fato que, por lei, daria lugar a um ato diverso do que foi praticado. A inconformidade do ato com os fatos que a lei declara pressupostos dele constitui ilegalidade, do mesmo modo que o constitui a forma inadequada que o ato porventura apresente."

Impõe-se destacar, pela sua importância, expressivo voto proferido pelo eminente e saudoso Ministro Laudo de Camargo no julgamento da Apelação Cível nº 6.845, onde assinalou o ex-Presidente do Supremo Tribunal Federal, verbis:

"Não é isenta de censuras a proposição de que o juiz só tem a ver com a existência ou não do processo administrativo, sendo-lhe defeso perquirir do que vai por seu merecimento. Não é assim. O preceito de lei não pode ser de tal modo sacrificado.

Seria frustar a ação do judiciário. Cada poder tem vida autônoma, age com independência e se move em esfera própria.

Mas se o executivo pratica um ato, que é dado como irregular, ao interessado cabe recorrer à justiça e pedir a esta que o aprecie.

Na apreciação, o que se deve ter em vista é a legalidade ou não do ato incriminado.

Terá ele de ser examinado pela forma com que se apresentar e pelos motivos que o determinaram.

Se houve processo e pelas provas dadas nada se concluir contra o acusado, e, não obstante isso, veio ele a padecer demissão, poderá assim dar esta como legítima, só pelo fato de deparar com um processo?

Melhor fora então que o ato demissionário não ficasse dependente de processo algum, se só pelo exterior fosse o ato julgado, contrariando o que ele contivesse.

O judiciário é chamado para dizer se há ou não algo ilícito, capaz de originar reparação.

Como saber se o ato foi ou não lícito sem pesar os motivos que o determinaram, nem apreciar os elementos colhidos?" (In Revista Forense, v. 78, p. 494)

A respeito, pertinente o magistério do Prof. Marcel Waline acerca da importância da ouvida do servidor no processo administrativo disciplinar, bem como da sua presença na inquirição das testemunhas, verbis:

"G) La présence de l'inculpé ou de ses défenseurs n'est pas nécessaire lors de l'audition des témoins par l'enquêteur, pourvu que le compte rendu de cette audition lui soit communiqué en temps utile.

Il est à remarquer que la solution contraire est imposée, si l'audition se fait devant le conseil de discipline lui-même, tant par le texte applicable au personnel hospitalier (art. 43 et 45 du décret du 20 mai 1955; l'arrêt le rappelle expressément), que par la jurisprudence applicable à l'ensemble des fonctionnaires et agents publics (15 janvier 1943, Fortuné, p. 9; 30 novembre 1949, de Saint-Thibault, p. 516; 2 juin 1954, Peyrethon, p. 325).

On peut se demander pourquoi le Conseil d'État n'exige pas, lorsque les témoignages sont produits devant un enquêteur unique (qui peut être, rappelons-le, l'instigateur de la poursuite lui-même), ce qu'il exige lorsque les témoins sont entendus par tout le conseil. Sans doute a-t-il pensé (la rédaction de l'arrêt le leisse clairement entendre) que cette présence n'est exigée par un texte que si les témoins sont entendus par le conseil et qu'il n'appartient pas à la jurisprudence d'étendre sans texte cette obligation. A l'objection que les droits de la défense risquent de ne pas être sauvegardés, il répond que le respect des droits de la défense exige seulement que le rapport analysant les déclarations des témoins soient communiqués à l'agent inculpé suffisamment tôt avant la réunion du conseil, pour qu'il puisse discuter le rapport.

Cette argumentation ne nous convainc pas. S'il est permis, pour une fois, au commentateur d'évoquer un souvenir personnel - pour la première fois dans une longue carrière d'annotateur - il nous a été donné, en 1945, de présider une commission d'épuration. Entendant des témoignages accablants pour le agents poursuivis, nous avons régulièrement invité les témoins à renouveler leurs déclarations en présence de l'"inculpé". Le résultat était, dans la grande majorité des cas, une rétractation spontanée du témoignage. Aussi pensons-nous que, bien plus que l'adage Testis unus, testis nullus s'impose, dans toute procédure tendant à la recherche de la vérité sur des faits, la règle qu'un témoignage donné hors de la présence de l'inculpé est de bien peu de valeur, comparativement à un témoignage fait devant lui. Les juges d'instruction le savent bien, qui recourent presque régulièrement à des confrontations.

Nous pensons donc que si rien n'obligeait strictement, en l'absence de textes, le Conseil d'État à étendre aux témoignages recueillis par l'enquêteur, la règle de l'audition en présence de l'inculpé, que les textes n'exigent que devant le conseil de discipline lui-même, rien non plus ne l'empêchait de juger que ce caractère contradictoire de l'audition des témoins était seul susceptible de garantir efficacement les droits de la défense, et qu'il aurait été mieux inspiré en jugeant ainsi.

Cela nous paraît d'autant plus vrai, que la jurisprudence du présent arrêt va permettre de tourner facilement la règle posée par les articles 43 et 45: il suffira de renoncer systématiquement aux auditions de témoins par le conseil de discipline et de les renvoyer à une enquête. Ainsi, la présence obligatoire de l'agent poursuivi se trouvera-t-elle ipso facto éludée. C'est pourquoi nous regrettons cette solution." (In Revue du Droit Public et de la Science Politique, Paris: L.G.D.J., 1964, p. 443/4)

Por outro lado, impõe-se que a portaria de instauração do processo disciplinar faça a indicação precisa da infração a ser apurada.

Com efeito, não se trata de mera formalidade, mas de pressuposto essencial para a concretização da garantia da plena defesa do acusado, insculpida na Constituição (art. 153, § 15, da CF de 1969; art. 5º, LV, da CF de 1988). Impende que a Portaria descreva o ato ou atos a apurar, indicando-se as infrações a serem punidas.

Realmente, ao fixar o alcance do art. 5º, LV, da CF, não cabe ao intérprete distinguir onde a lei não o faz (Carlos Maximiliano, in Hermenêutica e Aplicação do Direito, 6. ed., Freitas Bastos, 1957, p. 306, n. 300), notadamente quando se trata de interpretação constitucional.

A respeito, pertinente o magistério sempre autorizado de Pontes de Miranda, verbis:

"Na interpretação das regras jurídicas gerais da Constituição, deve-se procurar, de antemão, saber qual o interesse que o texto tem por fito proteger. É o ponto mais rijo, mais sólido; é o conceito central, em que se há de apoiar a investigação exegética. Com isso não se proscreve a exploração lógica. Só se tem de adotar critério de interpretação restritiva quando haja, na própria regra jurídica ou noutra, outro interesse que passe à frente. Por isso, é erro dizer-se que as regras jurídicas constitucionais se interpretam sempre com restrição. De regra, o procedimento do intérprete obedece a outras sugestões, e é acertado que se formule do seguinte modo: se há mais de uma interpretação da mesma regra jurídica inserta na Constituição, tem de preferir-se aquela que lhe insufle a mais ampla extensão jurídica; e o mesmo vale dizer-se quando há mais de uma interpretação de que sejam suscetíveis duas ou mais regras jurídicas consideradas em conjunto, o de que seja suscetível proposição extraída, segundo os princípios, de duas ou mais regras. A restrição, portanto, é excepcional." (In Comentários à Constituição de 1967 com Emenda nº 1 de 1969, 3. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1987, t. I, p. 302, n. 14)

Outra não é a lição de um dos mais conceituados constitucionalistas norte-americanos, Henry Campbell Black, em obra clássica, verbis:

"Where the meaning shown on the face of the words is definite and intelligible, the courts are not at liberty to look for another meaning, even though it would seem more probable or natural, but they must assume that the constitution means just what it says." (In Handbook of American Constitutional Law, 2. ed., St. Paul: West Publishing Co., 1897, p. 68)

Ademais, recorde-se a lição do saudoso Ministro Hannemann Guimarães ao julgar o RE nº 9.189, verbis:

"Não se deve, entretanto, na interpretação da lei, observar estritamente a sua letra. A melhor interpretação, a melhor forma de interpretar a lei não é, sem dúvida, a gramatical. A lei deve ser interpretada pelo seu fim, pela sua finalidade. A melhor interpretação da lei é, certamente, a que tem em mira o fim da lei, é a interpretação teleológica." (In Revista Forense, v. 127/397).

Ora, inobservada tal formalidade, resta comprometida a garantia constitucional prevista no art. 5º, LV, da CF/88.

Ademais, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, sendo inconstitucional, a regra jurídica é nula, não produzindo qualquer efeito jurídico, sendo a declaração de inconstitucionalidade ex tunc. (In RTJ 102/671; 143/859; 146/461 e 147/985-6 )

A respeito, pronunciou-se o eminente Ministro Thompson Flores, quando Presidente da Suprema Corte, ao votar no julgamento da Rp. nº 1.014-RJ, verbis:

“A lei ou o ato atingido, porque inconstitucionais são nulos desde o nascedouro; são eles, como afirmava Ruy, como se nunca tivessem existido; seu efeito dessarte, pelo nosso sistema, é sempre ex tunc. E esta é a jurisprudência indiscrepante e reiterada do Supremo Tribunal Federal.” (In RTJ 91/776 )

Da mesma forma, manifesta-se a melhor doutrina, verbis:

“The general rule is that an unconstitutional statute, though having the form and name of law, is in reality no law, but is wholly void, and in legal contemplation is as inoperative as if it had never been passed. Since an unconstitutional law is void, it imposes no duties and confers no power or authority on any one; it affords protection to no one, and no one is bound to obey it, and no courts are bound to enforce it.

When a judgment of any court is based on an unconstitutional law, it has been said that it has no legitimate basis at all, and is not to be treated as a judgement of a competent tribunal, and courts of other states are not required to give to it the full faith and credit commanded by the provisions of the United States constitution as to the public acts recirds and judicial proceedings of other states.” (In Constitutional Law - Ruling Case Law, Rochester: The Lawyers Co-operative Publishing Company, 1915, v. 6, p. 117-8, n. 117 )

"An unconstitutional act is not a law. It confers no rights; it imposes no duties; it affords no protection; it creates no office. It is, in legal contemplation, as inoperative as though it had never been passed." (Henry Campbell Black, in Handbook of American Constitutional Law., 2. ed., St. Paul: West Publishing Co., 1897, p. 66, n. 46 ).

Dessa forma, deliberou o Pretório Excelso que é nulo o processo administrativo disciplinar que omitir a substância de fato das acusações na portaria de sua instauração (RE nº 120.570-BA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, in RTJ 138/658).

No mesmo sentido, inclina-se a doutrina, consoante o magistério de Cino Vitta, em obra clássica, verbis:

"La giurisprudenza ha ripetutamente affermato che l'imputato deve conoscere tutti i punti essenzialisui quali poggia l'accusa, e l'aver trascurato di notificargliene taluno è motivo di nullità del procedimento;" (Cino Vitta, in Il Potere Disciplinare Sugli Impiegati Pubblici, Milano: Società Editrice Libraria, 1913, p. 477).

Da mesma forma, entre outros, o ensinamento de Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed, Paris: Sirey, 1952, p. 348, 4º, bem como o de Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 14. ed., Rev. dos Tribunais, 1989, p. 591.

V - Publicação do Ato Administrativo

Nos termos da melhor doutrina, a publicação do ato administrativo é elemento integrante da própria validade, ou melhor, da eficácia do ato, sendo inerente a todo ato administrativo (Themistocles Brandão Cavalcanti, in Tratado de Direito Administrativo, 5. ed., Livr. Freitas Bastos, v. I, p. 227/9; Hely Lopes Meirelles, in Direito Administrativo Brasileiro, 14. ed., Rev. dos Tribs., 1989, p. 82/3 e 135/6).

Nesse sentido, é a jurisprudência do Pretório Excelso, consoante se verifica do aresto proferido quando do julgamento do RE nº 71.652-SP, rel. Min. Thompson Flores, in RTJ 61/472.

Com a promulgação da Carta de 1988, o princípio da publicidade dos atos administrativos adquiriu relevo constitucional (art. 37 da CF de 1988).

Realmente, sem a publicação, o ato administrativo, embora eficaz, não se revestiu de exequibilidade, que é a disponibilidade do ato para produzir imediatamente os seus efeitos finais (a respeito, v. Hely Lopes Meirelles, in Op. cit., p. 136). O ato administrativo perfeito é aquele que não apenas está acabado (eficaz), mas sim completo (exequível), pela verificação de todas as condições de sua operatividade.

Pertinente, no caso, o magistério de Arnaldo de Valles, em obra clássica, verbis:

"Quando nell'atto si riscontrino questi requisiti essenziali, senza che nessun vizio li intacchi, alla volontà dell'agente corrisponde l'effetto, che l'ordine giuridico protegge: l'atto allora è valido, quando possiede l'attitudine a produrre l'effetto pratico desiderato dal suo autore validamente, cioè con la protezione dell'ordine giuridico. Se, invece, uno di quei requisiti manchi, o sia viziato, ne deriva la invalidità dell'atto, il cui effetto pratico o non si produce affatto, o può prodursi in forza di azioni del soggetto senza la protezione del diritto, come effetto puramente di fatto." (In La Validità Degli Atti Amministrativi, Padova: Cedam, 1986, p. 90)

Actus omissa forma legis corruit.

A respeito, deliberou o Eg. STJ, verbis:

"ADMINISTRATIVO. CARGO PÚBLICO. APOSENTADORIA. RETRATAÇÃO DO PEDIDO ANTES DA PUBLICAÇÃO DO ATO. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. POSSIBILIDADE. 1 - Regida a Administração pelo princípio da publicidade de seus atos, estes somente têm eficácia depois de verificada aquela ocorrência, razão pela qual, retratando-se o servidor antes de vir a lume o ato de aposentadoria, sua situação funcional deve retornar ao status quo ante, vale dizer, subsiste a condição de funcionário ativo. 2 - Recurso em mandado de segurança provido. " (RMS nº 1994/0039028-9 - 6ª Turma - Rel. Min. Fernando Gonçalves - j. em 15.08.2000 - DJU de 04.06.2000, v. 24, p. 93)

VI - Alteração do Contrato Administravivo por Ato Unilateral da Administração

A doutrina é uniforme no admitir que o poder de alteração e rescisão unilateral do contrato administrativo é inerente à Administração Pública, podendo ser exercido ainda que nenhuma cláusula expressa o consigne, porém, a alteração somente pode atingir as denominadas cláusulas regulamentares, isto é, aquelas que dispõem sobre o objeto do contrato e o modo de sua execução.

No que concerne às cláusulas econômicas, ou seja, aquelas que estabelecem a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e dispõem acerca da equação econômico-financeira do contrato administrativo, estas são inalteráveis, unilateralmente, pelo Poder Público sem que se proceda à devida compensação econômica do contratado, visando a restabelecer o equilíbrio financeiro inicialmente ajustado entre as partes.

Esse o magistério do saudoso jurista Hely Lopes Meirelles, in Licitação e Contrato Administrativo, 9. ed., Revista dos Tribunais, 1990, p. 181/2.

É o que se encontra previsto nos arts. 37, XXI, e 175, III, da CF/88, bem como no art. 9º, § 4º, da Lei nº 8.987/95.

Tais princípios restaram definitivamente incorporados no Direito Administrativo, sobretudo após a publicação do famoso aresto do Conselho de Estado da França, no caso da Companhia de Gás de Bordeaux, proferido em 1916, onde destacou-se a notável contribuição de Chardenet, verbis:

“Mais tout service public doit être organisé dans des conditions qui permettent de compter sur son fonctionnement d'une manière régulière, sans interruption, même momentanée, sans à-coups, passez-nous l'expression, et qui, en même temps, seront de nature à donner pleine satisfaction à ceux ayant à faire appel au service public, qui a étécréé pour eux, fonctionne régulièrement à leur égard. Voyez Syndicat des Propriétaires et Contribuables du quartier de la Croix-de-Seguey-Tivoli, à Bordeaux, 21 décembre 1906. Il faut également, et cela dans l'intérêt général, que le service public soit à l'abri d'incessantes ou de trop fréquentes modifications qui, le plus souvent, apporteraient des troubles dans le fonctionnement ou la marche du service. Par suite, le service public doit être organisé pour un certain nombre d'années, réserve faite, bien entendu, des perfectionnements qui pourraient y être apportés. Mais, au cours d'une période de temps un peu longue, bien des événements peuvent se produire, notamment la situation économique peut changer ou tout au moins se modifier. D'autre part, pour la bonne organisation et l'heureux fonctionnement d'un service public important, des dépenses élevées doivent être engagées, de gros capitaux doivent être immobilisés pour longtemps. Si nous prenons l'exemple du service d'éclairage, au début on aura à construire des usines, à établir des canalisations, etc. Plus tard, on aura à faire face à des frais d'entretien, de reconstruction, etc., à procéder à des renouvellements de matériel, souvent rendus nécessaires par quelque découverte scientifique ou par des perfectionnements des moyens de fabrication, dont les bénéficiairesdu service public doivent profiter. Au cours de l'execution du service, il faudra passer, presque toujours longtemps à l'avance, des marchés importants pour s'assurer les matières premières nécessaires à la fabrication du gaz. Les dépenses que l'on aura ainsi engagées seront amorties peu à peu et elles ne le seront que sur une période de temps assez longue. Pour éviter d'exposer la personne publique à tous les risques auxquels nous venons de faire allusion, – pour lui éviter d'engager ses ressources propres dans des opérations commerciales ou industrielles qu'impose le fonctionnement du service public, – pour lui éviter d'être obligée de recourir parfois à des emprunts plus ou moins onéreus, – on a songé à s'adresser à des tiers, particuliers ou sociétés, pour assurer le service public; on a songé à se décharger sur eux du soin d'assurer ce service. On est ainsi arrivé au contrat de concession.' (In Revue Du Droit Public Et De La Science Politique, Paris: M. Giard & E. Brière Editeurs, 1916, t. 33, p. 220/1)

É o magistério autorizado de Georges Péquignot, verbis:

"Le cocontractant a droit à la rémunération inscrite dans son contrat. C'est le principe de la fixité du prix du contrat. Il n'a consenti son concours que dans l'espoir d'un certain bénéfice. Il a accepté de prendre à sa charge des travaux et des aléas qui, s'il n'avait pas voulu contracter, auraient été supportés par l'Administration: il est normal qu'il en soi rémunéré.

Il serait, par ailleurs, contraire à la règle de bonne foi, contraire aussi à toute sécurité des affaires et, de ce fait, dangereux pour l'état social et économique, que l'Administration puisse modifier, spécialment réduire, cette rémunéiation."

E, mais adiante, conclui o mesmo autor, verbis:

“...l'Administration, lorsqu'elle modifie le contrat sur un point qui intéresse le service public, doit cependant maintenir son équation financière, c'està-dire, le bénéfice que le cocontractant espérait tirer de l'opération. A fortiori, toute autre modification étant mise à part, cette équation financière doit-elle être maintenue par l'impossibilité de réduire ou de supprimer directement la rémunération en vue de laquelle le cocontractant s'est engagé.

Ce principe est fondamental. Il doit être entendu très rigoureusement, car, application particulière de l'idée d'équation financière, il est la source de la sécurité juridique du cocontractant de l'Administration.”
(In Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris: A. Pédone, 1945, p. 434/5)

Nesse sentido, recentes decisões do Eg. STJ, verbis:

"AGRAVO REGIMENTAL NA SUSPENSÃO DE LIMINAR N. 74 - PR (2004/0031293-3)
Relator: Ministro Edson Vidigal
Agravante: Empresa Concessionária de Rodovias do Norte S/A - Econorte
Advogados: Romeu Felipe Bacellar Filho e outros
Agravado: Estado do Paraná
Procuradores: Sérgio Botto de Lacerda e outros
Requerido: Tribunal Regional Federal da 4ª Região
EMENTA: Suspensão de liminar. Tutela antecipada deferida para assegurar o reajuste de tarifas de pedágio pela empresa concessionária.

1. Não há como se concluir por ofensa à ordem ou à economia públicas em decisão concessiva de tutela antecipada que apenas assegurou o cumprimento de cláusula contratual livremente firmada entre as partes e não questionada administrativamente ou em juízo.

2. Perigo de dano inverso. O simples descumprimento de cláusulas contratuais por parte do governo local viola o princípio da segurança jurídica e inspira riscos nos contratos com a Administração.

3. Agravo regimental provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Corte Especial, do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do agravo regimental e dar-lhe provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Barros Monteiro, Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Ari Pargendler, José Arnaldo da Fonseca,Fernando Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Felix Fischer, Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Franciulli Netto e Luiz Fux votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Sálvio de Figueiredo Teixeira, José Delgado, Gilson Dipp e Francisco Falcão, sendo os três últimos substituídos, respectivamente, pelos Srs. Ministros Teori Albino Zavascki, Hélio Quaglia Barbosa e Castro Meira.

Brasília (DF), 1º de julho de 2004 (data do julgamento).
Ministro Nilson Naves, Presidente.
Ministro Edson Vidigal, Relator." (Publicado no DJ de 23.08.2004 - In RSTJ, 180/21)


Nessa mesma orientação, os julgados publicados na RSTJ, 181/31 e 182/49.

Preciso o magistério de Hely Lopes Meirelles, in Estudos e Pareceres de Direito Público, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, v. 11, p. 120/1, verbis:

"O equilíbrio econômico-financeiro é a relação que as partes estabelecem inicialmente no contrato administrativo, entre os encargos do particular e a retribuição devida pela entidade ou órgão contratante, para a justa remuneração do seu objeto (cf. nosso Licitação e Contrato Administrativo, ob. cit., p. 184)

Essa correlação encargo-remuneração deve ser conservada durante toda a execução do contrato, mesmo que alteradas as cláusulas de serviço, modificados projetos e programas, liberados trabalhos em quantidades inferiores às previstas ou superados os prazos contratuais por mora da Administração, a fim de que se mantenha o equilíbrio econômico-financeiro, o qual, como bem observa Waline, é 'direito fundamental de quem contrata com a Administração' (Marcel Waline. Droit Administratif, Paris, 1959, p. 574). Para De Soto, citado por Laubadère, 'a manutenção desse equilíbrio constitui norma fundamental da teoria dos contratos administrativos. As obrigações das partes são tidas como calculadas de tal maneira que se equilibram do ponto de vista financeiro, e o responsável pelo contrato deverá esforçar-se para manter, a qualquer custo, esse equilíbrio' (André De Laubadère, Contrats Administratifs, Paris, 1956, II/35, nota 6) .

5. O reconhecimento do direito ao equilíbrio financeiro – o primeiro direito original do cocontratante com o Poder Público, segundo Péquignot (Théorie Générale du Contrat Administratif, Paris, 1945, p. 430) – surgiu como contrapartida ao poder-dever de alteração unilateral do contrato administrativo, mas vale também para os casos em que, impedido de invocar a exceção de contrato não cumprido, o particular contratado se vê obrigado a suportar o cumprimento irregular do ajuste ou a mora da Administração contratante.

Com efeito, o contrato administrativo, por parte da Administração, destina-se ao atendimento das necessidades públicas, mas, por parte do contratado, objetiva um lucro, por meio da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiras. Esse lucro há que ser assegurado nos termos iniciais do ajuste porque, se de um lado a Administração tem o poder de modificar as condições de execução do contrato e de exigir a prestação da outra parte, ainda que ela mesma não tenha cumprido a sua, de outro lado, o particular contratado tem o direito de ver mantida a correlação encargo-remuneração estabelecida originariamente, uma vez que o seu objetivo ao participar da relação negocial foi – e continua sendo – o ganho pecuniário. Objetivo altamente lícito e respeitável, diga-se de passagem, que a Administração contratante não pode, va1idamente, restringir, exigindo que, a partir de um dado momento, a execução do contrato prossiga em condições menos lucrativas e até mesmo prejudiciais ao contratado, sem qualquer culpa deste.

6. Para a cabal satisfação desse direito, é forçoso se operem os necessários ajustes econômicos sempre que, por ato ou fato da Administração, for rompido o equilíbrio econômico-financeiro, em detrimento do particular contratado, independentemente de previsão contratual, como nos ensina Laubadère, nestes precisos termos: 'Cette règle d'equilibre est quelque fois considerée comme résultant de la commune intention des parties; elle s'applique, en tous cas, même lorsqu'el1e ne figure pas expressément dans le contrat.' (André de Laubadère, Traité Élémentaire de Droit Administratif, Paris, 1957, p. 431. No mesmo sentido: Caio Tácito, Direito Administrativo, São Paulo, 1975, p. 293)

7. Por outro lado, se o respeito ao equilíbrio econômico-financeiro inicia1, na hipótese de alteração unilateral do ajuste, constitui dever da Administração contratante; com muito mais razão é direito daquele e dever desta, nos casos em que o órgão ou entidade contratante abusa de sua posição privilegiada para descumprir ou cumprir irregularmente suas prestações, ou ainda suspender os prazos contratuais, obrigando o particular a suportar encargos excessivos, os quais, por não terem sido cogitados quando da elaboração da proposta ou da celebração do contrato, representam insuportáveis prejuízos, mormente numa conjuntura em que o custo do dinheiro é altíssimo e a inflação avilta a moeda a cada dia."

Da mesma forma, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, in Revista Trimestral de Direito Público, v. 38/143-4, verbis:

"6. A legislação brasileira, a começar da Constituição, proclama a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro original do contrato. Deveras o art. 37, XXI, da Lei Magna dispõe que '(...) obras, serviços. , compras e alienações serão contratados, mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento mantidas as condições efetivas da proposta (...)'.

O versículo em apreço, como consta de sua dicção, estabeleceu uma correspondência entre as obrigações de pagamento e as condições efetivas da proposta. Dado que as partes se obrigarão em face daquelas condições efetivas, os pagamentos devidos ao contratado haverão de correlacionar-se às bases do negócio, uma vez que presidiram a oferta e se substanciaram em sua real compostura. Assim, tais pagamentos, para atenderem à previsão constitucional, necessitam resguardar a correlação estratificada sobre as condições efetivas em vista das quais se assentaram as partes, o que equivale a dizer que terão que ser reequilibrados se houversupervenientes desconcertos.

É, dessarte, no próprio texto constitucional que se assenta o resguardo daquilo que, em direito administrativo, é denominado 'equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo', com os decorrentes reajustes e revisões.

7. A nível infraconstitucional, o equilíbrio econômico-financeiro também se encontra enfatizado pelo direito positivo. Desde logo, a Lei 8.666, de 21.6.1993, que veicula regras gerais sobre licitação e contratos, consagra sua incolumidade em numerosas passagens. Basta referir as disposições que se estampam no art. 5º, § 1º; no art. 7º, § 7º; no art. 40, XI e XIV, c; no art. 57, § 1º; no art. 58, §§ 1º e 2º; e 65, II, d, assim como em seu § 5º.

É certo, além disso, que a Lei de Concessões, Lei 8.987, de 13.2.1995, também encarece a proteção a equação econômico-financeira e exige-lhe a persistência ao longo da relação instaurada. Com efeito, seu art. 9º estatui que a tarifa do serviço concedido 'será preservada pelas regras de revisão'.

O mesmo intuito de preservação do equilíbrio estipulado de início reaparece estampadamente nos §§ 2º, 3º e 4º do mesmo artigo, ao estabelecerem, respectivamente, que: 'Os contratos poderão estabelecer mecanismos de revisão das tarifas, a fim de manter-se o equilíbrio econômico e financeiro'; que: 'Ressalvados os impostos sobre a renda, a criação, alteração ou extinção de quaisquer tributos ou encargos legais, após a apresentação da proposta, quando comprovado seu impacto, implicará a revisão da tarifa para mais ou para menos, conforme o caso' e que: 'Em havendo alteração unilateral do contrato que afete o seu inicial equilíbrio econômico-financeiro, o poder concedente deverá restabelecê-lo, concomitantemente à alteração'.

O art. 18 da mesma lei dispõe que: 'O edital de licitação será elaborado pelo poder concedente, observados, no que couber, os critérios e as normas gerais da legislação própria sobre licitações e contratos e conterá, especialmente: (...) VIII - os critérios de reajuste e revisão das tarifas.'

O art. 23, entre as cláusulas categorizadas como essenciais ao contrato de concessão, em seu inciso IV, inclui as relativas, 'ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas'.

É inquestionável, pois, que a legislação de concessão de serviços públicos, tanto como a de contratos administrativos em geral – e os princípios gerais destes se aplicam às licitações para concessão de serviços públicos, como o declara seu art. 18 –, consagram insistentemente a garantia do equilíbrio econômico-financeiro, tanto pelo instituto da revisão quanto dos reajustes.

Tudo isso está a revelar, inobjetavelmente, a decidida orientação legislativa de assegurar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo."

No que concerne às limitações que sofre a Administração Pública para promover alterações unilaterais no contrato administrativo, notadamente o contrato de concessão do serviço público, averba André de Laubadère, em seu já clássico Traité des Contrats Administratifs, 2. ed., Paris: L.G.D.J., 1984, t. 2º, p. 406, n. 1177, verbis:

'D'une part, l'administration et son cocontractant ont conclu un certain contrat, ayant un certain objet: l'administration ne peut prétendre imposer une modification qui aboutirait à dénaturer le contrat, à lui donner en fait un objet nouveau, différent de celui qui a été envisagé dans la commune intention des parties; D'autre part, le cocontractant a conclu le contrat en considération de certaines conditions, notamment de ses possibilités techniques et financières. L'administration ne peut prétendre imposer des modifications qui aboutiraient par leur importance à un bouleversement du contrat et de son économie générale'.

Nesse sentido, ainda, os seguintes autores: Jean de Soto, in Droit Administratif - Theorie Generale du Service Public, Paris: Montchrestien, 1981, p. 339; Marcel Waline, in Traité Élémentaire de Droit Administratif, 6. ed., Paris: Libr. du Recueil Sirey, 1952, 392/3, § 3º; Jean Rivero, in Droit Administratif, 8. ed., Paris: Dalloz, 1977, p. 454/5, nº 481; Jacqueline Morand-Deviller, in Cours de Droit Administratif, 3. ed., Paris: Montchrestien, p. 362, 'C'; Georges Dupuis, Marie J. Guédon, Patrice Chrétien, in Droit Administratif, 7. ed., Paris: Armand Colin, p. 403, 'B'; Laurent Richer, in Droit des Contrats Administratifs, Paris: L.G.D.J., 1995, p. 198; Gaston Jèze, in Les Principes Généraux Du Droit Administratif - Théorie Générale Des Contrats De L'Administration, Troisième Partie, Paris: L.G.D.J., 1936, 1.142.

A respeito, a lição precisa de Laubadère, em artigo intitulado Du pouvoir de l'administration d'imposer unilatéralement des changements aux dispositions des contrats administratifs, publicado na Revue du Droit Public, 1954, p. 40/1, verbis:

“Le pouvoir de modification unilatérale est considéré comme d'ordre public; l'administration ne peut renoncer à l'avance à l'exercer (Jèze, op. cit., p. 225; Bonnard, op. cit., p. 620).

Le pouvoir de modification existant en dehors des stipulations du contrat, lorsque celui-ci le prévoit il ne le crée pas mais ne fait que régler ses conditions d'exercice, en particulier ses limites et ses conséquences pécuniaires (Jèze, loc. cit.).


Par ailleurs un tel pouvoir a des limites et des contreparties; à cet égard la jurisprudence relative aux limites et contreparties des modifications prévues par le contrat lui-même est utilisable d'une manière générale et elle est très développée.


Les limites du pouvoir de modification sont de deux ordres:


D'une part les modifications unilatérales ne peuvent concerner que les clauses du contrat qui intéressent le service public et ses besoins (c'est-à-dire les prestations du cocontractant et leurs modalités d'exécution) à l'exclusion des clauses qui règlent les rapports d'intérêts entre les parties (notamment les clauses financières).


D'autre part l'administration ne peut pas utiliser son pouvoir de modification pour imposer au cocontractant des changements excessifs, dépassant une mesure raisonnable, c'est-à-dire ayant pour effet de transformer l'objet même du contrat (par exemple de transformer une concession de service public en une régie déguisée : C. E., 18 juillet 1930, Compagnie P.L.M. et autres, R.D.P., 1931, p. 142, concl. Josse) ou d'excéder les possibilités techniques ou économiques du cocontractant; ce dernier critère est très largement éclairé, par exemple, par l'abondante jurisprudence relative, en matière de marchés de travaux publics, aux notions d' « ouvrage nouveau » et de « bouleversement de l'économie générale du projet» (C. E., 23 juin 1920, Briançon, p. 626).


Quant à la contrepartie du pouvoir de modification elle se trouve dans le principe générale selon lequel toute modification imposée au cocontractant et lui causant un préjudice oblige l'administration à l'indemniser de manière à rétablir l'équilibre contractuel initialement envisagé dans la commune intention des parties.”

Em palavras lapidares, a propósito do alcance da garantia do equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo, anotam Nicola Assini e Lucio Marotta, in La Concessione di Opere Pubbliche, Padova: Cedam, 1981, p. 73/4, verbis:

“È un principio pacifico che la gestione sia svolta dal concessionario a suo rischio e periculo. Ma è altrettanto evidente che rischi e pericoli sono a carico del concessionario solo in condizioni di normale svolgimento del rapporto economico regolato fra le parti dalla convenzione accessiva all'atto di concessione.

Fra le obbligazioni de concedente e quelle des concessionario si stabilisce all'inizio un certo rapporto ed è questo rapporto che deve essere mantenuto nel tempo, anche se ciò dovesse richiedere un mutamento delle obbligazioni assunte originariamente dalle parti.


Interessato particolarmente al mantenimento di questo rapporto è naturalmente il concessionario, che eviterà cosí di doversi accollare i rischi di gestione dipendenti da avvenimenti eccezionali ed imprevedibili. Ma anche il concedente ha interesse che il concessionario non venga mai a trovarsi in crisi in dipendenza di fatti che non gli siano addebitabili, poiché altrimenti verrebbe pregiudicato il perseguimento del fine pubblico che l'atto di concessione si riprometteva.


È nella logica della concessione che gli interessi delle parti non debbano risentire di quella contrapposizione o antiteticità che normalmente si verifica in qualsiasi altro rapporto obbligatorio scaturente da contratto. Concedente e concessionario sono in effetti legati da un rapporto del tutto peculiare, per cui essi vengono a trovarsi, secondo una plastica espressione, nella stessa barca.”

Ademais, como sabido, os atos e os contratos praticados pelo Poder Público, sua validade, extensão e eficácia, somente poderão ser apreciados à luz das regras de direito público, notadamente o princípio da legalidade, hoje insculpido no art. 37 da CF/88.

A respeito, bem lembrou Hartmut Maurer, verbis:

“Le problème principal du contrat administratif, du point de vue juridique, est le principe de la soumission de l'administration à la loi et au droit (Gesetzmässigkeit der Verwaltung). Alors que le droit civil est marqué par le principe d'autonomie des relations entre personnes privées (Privatautonomie) et que, par suite, il est axé précisément sur le contrat, considéré comme moyen d'aménagement des rapports entre individus (Gestaltungsmittel), le droit administratif est dominé par le principe de légalité. Les règles juridiques s'imposant à l'administration régissent de plus en plus étroitement les rapports qu'elle a avec le citoyen, comme le montre l'extension du domaine réservé à la loi, la soumission croissante du pouvoir discrétionnaire à des règles de droit, la reconnaissance de droits subjectifs et le développment de la protection juridictionelle.” (In Droit Administratif Allemand, traduit par M. Fromont, Paris: L.G.D.J., 1994, p. 378/9, n. 25, “c”)

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abril. 2009. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS