Ações previdenciárias e valor da causa: (In)competência absoluta dos juizados especiais federais? Aspectos polêmicos sobre o dimensionamento econômico dos pleitos previdenciários |
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Juiz Federal Substituto publicado em 30.06.2009 |
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Resumo Sumário: Introdução. 1 Da competência dos Juizados Especiais Federais segundo o valor atribuído à causa e dos critérios para a sua definição. 1.1 Das formas de apuração do valor da causa no âmbito dos Juizados Especiais Federais. 1.2 Da aplicabilidade do Código de Processo Civil na fixação do valor da causa no sistema dos Juizados Especiais Federais. 2 Do momento para a aferição do valor da causa e da possibilidade de prorrogação da competência. 2.1 Do valor da causa quando da propositura da ação. 2.2 Da posterior verificação da ultrapassagem do teto. 2.2.1 Da incompetência e sua declaração. Da possibilidade de prorrogação da competência ante o caráter social dos benefícios previdenciários. Conclusão. Referências bibliográficas. Palavras-chave: Previdenciário. Juizados Especiais Federais. Competência. Valor atribuído à causa. Introdução As ações de natureza previdenciária constituem a grande maioria dos processos em trâmite nas Varas de Juizado, adjuntas ou não, e mesmo nas unidades com competência cível compartilhada. Possuem grande apelo social, na medida em que despertam a expectativa e o interesse de muitos cidadãos, sobretudo os economicamente pouco favorecidos, em ter assegurada garantia de renda ante o advento do risco social coberto. Como característica marcante desse tipo de pleito, podemos citar seu caráter de continuidade, pelo qual a matéria em litígio segue produzindo efeitos de maneira duradoura, prevendo, dentre outros, a cobertura securitária de eventos como doença, invalidez, morte e idade avançada (CF, art. 201, I). Entretanto, o trâmite dessas ações por vezes encontra entraves relacionados à competência jurisdicional absoluta no âmbito dos Juizados Especiais Federais, notadamente no que se refere à correta fixação do valor atribuído à causa, fruto de uma imprecisão legislativa contida na Lei n° 10.259/2001. A matéria ainda não se encontra pacificada e segue gerando conflitos que desafiam a prática jurídica cotidiana. Assim, são procuradas soluções que harmonizem os princípios em conflito, fazendo com que a jurisdição possa ser prestada de forma mais eficiente e segura. 1. Da competência dos Juizados Especiais Federais segundo o valor atribuído à causa e dos critérios para a sua definição Conforme dicção do artigo 258 do Código de Processo Civil, “A toda causa será atribuído um valor certo, ainda que não tenha conteúdo econômico imediato”. A seguir, o artigo 259 apresenta parâmetros para a sua apuração. A correta fixação do valor da causa ganha relevância em se tratando dos Juizados Especiais Federais, cuja competência é absoluta, conforme expressamente dispõe o art. 3°, § 3°, da Lei n° 10.259/01. Nesse sentido, Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Júnior: “O valor da causa no direito brasileiro assume relevância ímpar pelas consequências de ordem processual que o sistema lhe atribui, a começar pela petição inicial, figurando como um de seus elementos indispensáveis (cf. art. 14, III, da Lei 9.099/95 c/c o art. 282, V, do CPC), além das várias implicações de ordem pública e prática, tendo-se em consideração que estabelece o tipo de procedimento adequado, fixa as competências originária e recursal, serve de base para o cálculo e depósito das custas processuais, é parâmetro, em algumas hipóteses, para a fixação da indenização e multa quando reconhecida a litigância de má-fé, quando rejeitados por ser manifestamente inadmissível ou infundado o agravo interno ou na hipótese de embargos de declaração manifestamente protelatórios. Segundo Guilherme Bollorini Pereira, trata-se de norma de ordem pública, de interesse da administração da Justiça: Existe uma norma de ordem pública, de fixação de competência absoluta, para ações propostas nos Juizados Especiais Federais, e é do interesse da administração da Justiça que as causas a serem propostas ou remetidas aos juizados espelhem, efetivamente, a competência desses órgãos, sob pena de subversão dos princípios que os norteiam, especialmente os da celeridade e economia processual. E por esses princípios, bem como pelos demais, devem zelar não apenas os juízes dos juizados especiais, mas também todos os juízes que compõem o Poder Judiciário. 1.1 Das formas de apuração do valor da causa no âmbito dos Juizados Especiais Federais Conforme o art. 98, § 1°, da Constituição Federal, “Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal”. A norma de que trata o texto veio a ser a Lei n° 10.259, de 12.07.2001, que dispõe sobre a instituição dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal. “Art. 3° Compete ao Juizado Especial Federal Cível processar, conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta salários mínimos, bem como executar as suas sentenças. É oportuno destacar que o limite fixado no âmbito federal (60 salários mínimos) supera aquele estabelecido para a Justiça Comum Estadual (40 salários mínimos) em razão da qualidade do sujeito passivo. Nesse sentido, Luís Praxedes Vieira da Silva: “Foi valorada a escolha da competência pelo valor da causa. Assim teremos uma competência definida pelo critério objetivo do valor de até 60 (sessenta) salários mínimos. É um importe bastante significativo, já que o Poder Executivo, na tramitação do projeto, relutou muito em aceitar, mas acabou concordando. A leitura isolada do parágrafo segundo sugere a simples soma de doze parcelas vincendas para fins de fixação da competência, sem nenhuma referência às parcelas vencidas para o cálculo do valor da causa. Mas essa é apenas uma das interpretações que recebe, não apenas em 1° Grau de jurisdição, mas também no âmbito das diferentes Turmas Recursais, inclusive aquelas integrantes da 4ª Região, notadamente as dos Estados do Rio Grande do Sul e do Paraná. Segundo entendimento majoritário da 1ª Turma do Estado do Rio Grande do Sul quanto aos critérios de fixação de competência frente ao valor da causa, não deve haver confusão entre o montante da condenação e o valor da causa, para efeitos de fixação da competência dos Juizados Especiais Federais. Nesse passo, o valor da condenação pode ser superior a 60 (sessenta) salários mínimos, sendo que, no momento da execução, o autor poderá optar por receber, até esse limite, através de requisição de pequeno valor ou o total apurado, por precatório. Já na 2ª Turma Recursal do Paraná a posição é de que a sentença proferida nas causas afetas ao Juizado Especial não tem eficácia no que exceder ao limite de alçada de sessenta salários mínimos, a partir da norma contida no art. 39 da Lei nº 9.099/95, aplicada subsidiariamente à Lei nº 10.259/2001. Em razão disso, o cumprimento do comando sentencial deverá ser limitado a sessenta salários mínimos quando do ajuizamento da ação, desconsiderando-se o excedente, ressalvada, de todo modo, a importância correspondente às prestações que se tornaram devidas a partir do ajuizamento da demanda. Seria necessário, portanto, no caso concreto, a interposição de pedido de uniformização de interpretação de lei federal, com fundamento no art. 14, caput, da Lei n° 10.259/2001: “Art. 14. Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.” A questão foi posta sob a apreciação da Turma Regional de Uniformização. Entretanto, sempre encontrou limitação no fato de constituir dissenso de ordem processual, e não material. Por essa razão, acertadamente o incidente não pode ser conhecido (v.g., IUJEF 2005.70.95.013660-8, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator Edvaldo Mendes da Silva, D.E. 30.03.2007, e IUJEF 2006.70.95.007888-1, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relatora Maria Isabel Pezzi Klein, D.E. 26.03.2007). Tem-se, portanto, amostra das múltiplas interpretações possíveis para o dispositivo, e o problema continua recebendo diferentes soluções. 1.2 Da aplicabilidade do Código de Processo Civil para a fixação do valor da causa no sistema dos Juizados Especiais Federais Estabelece o artigo 260 do Código de Processo Civil: “Art. 260. Quando se pedirem prestações vencidas e vincendas, tomar-se-á em consideração o valor de umas e outras. O valor das prestações vincendas será igual a uma prestação anual, se a obrigação for por tempo indeterminado, ou por tempo superior a 1 (um) ano; se, por tempo inferior, será igual à soma das prestações.” Diante das colocações feitas até aqui, seria então desnecessário o acréscimo das parcelas vencidas na formação do valor da causa, pela aplicação da Lei n° 10.259/2001, segundo o princípio da especialidade? O tema foi enfrentado com a habitual maestria por Teori Albino Zavascki, durante o Seminário “Juizados Especiais Federais: Inovações e Aspectos Polêmicos”, palestrando sobre o tema “Juizados Especiais Federais Cíveis – Competência”. “A questão ligada à competência dos Juizados Especiais federais cíveis é das mais instigantes que temos na interpretação da Lei n° 10.259, porque nos impõe a necessidade de pensarmos diferentemente em todo o sistema de competência. Nesse ponto, cumpre distinguir dois conceitos de valor: (a) o da causa e (b) o da condenação. O primeiro foi instituído como baliza na fixação da competência dos Juizados Especiais Federais Cíveis, nos termos do já transcrito art. 3° da Lei n° 10.259/2001. Já o segundo está presente no art. 17, § 4°, da mencionada norma: “Art. 17. Tratando-se de obrigação de pagar quantia certa, após o trânsito em julgado da decisão, o pagamento será efetuado no prazo de sessenta dias, contados da entrega da requisição, por ordem do Juiz, à autoridade citada para a causa, na agência mais próxima da Caixa Econômica Federal ou do Banco do Brasil, independentemente de precatório. A aparente antinomia existente na inteligência dos artigos 3° e 17, § 4°, da Lei n° 10.259/2001 representa, em realidade, a diferença que há entre os dois conceitos, que possuem diferentes finalidades. O valor da causa, consoante já dito, está limitado a sessenta salários mínimos e serve para a fixação da competência. Já o valor da condenação, segundo expressa previsão legal, pode ultrapassar o primeiro, em razão do sucessivo vencimento das prestações – caso típico dos benefícios previdenciários –, e, por isso, extrapolar o teto inicial. Não traduz, por certo, uma cláusula de abertura que justifique a propositura de quaisquer demandas segundo o rito especializado. Nesse sentido, assevera Teori Albino Zavascki, referindo-se ao fato de que, no âmbito dos juizados, teremos, em verdade, aquilo que doutrinariamente se conhece como ação executiva lato sensu, ou seja, as ações em que a tutela cognitiva e executiva se fazem dentro da mesma relação processual, sem intervalo, e por isso o valor da condenação é irrelevante para a fixação da competência do Juizado Especial: “A rigor, não teremos sentença tipicamente condenatória. Por isso, o valor da condenação em si é irrelevante para a fixação da competência do Juizado Especial. O relevante é o valor da causa. Tanto é verdade que, em um dos artigos da Lei, se admite a possibilidade de haver valores finais superiores a sessenta salários mínimos e a expedição de precatório no Juizado Especial justamente nas hipóteses em que não há correspondência entre o valor da causa e o valor final da sentença, o que pode derivar, por exemplo, do valor da causa ter sido corretamente fixado, mas lhe sido agregadas, no curso da demanda, novas prestações, redundando, no final, em valor condenatório, vamos dizer assim, superior a sessenta salários mínimos. Sabemos que pela lei haverá possibilidade de expedição ou não de precatório, podendo o interessado, se for o caso, renunciar ao excesso para que o cumprimento se faça sem precatório em todas as causas, não apenas nas condenatórias, nas que redundem em condenação de até sessenta salários mínimos. Condenação não tem nada a ver com fixação de juizados especiais. Parece-me que se trata de uma situação importante, porque sobrevaloriza a figura do valor da causa e o seu controle no juizado especial.”(5) Note-se que a possibilidade de expedição de precatório, contemplando valores superiores a sessenta salários mínimos, constitui legítima garantia do cidadão, em especial o segurado da Previdência Social, de que, caso não receba a prestação jurisdicional em tempo hábil, o título judicial em seu favor não será aviltado pela demora na resposta pelo Poder Judiciário. Essa leitura ganha maior relevo quando feita sob a ótica do art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”. Embora o inciso em questão tenha sido acrescentado pela Emenda Constitucional n° 45, de 08.12.2004, portanto posteriormente à edição da Lei n° 10.259/2001, a nova redação é expressa ao determinar a razoável duração média do processo, que acredito, ao menos no âmbito dos juizados especiais cíveis, seja de, no máximo, 1 (um) ano, aí compreendida a instância recursal, mas ressalvada a extraordinária. Essa interpretação envolve não apenas o texto constitucional, mas também a oportunidade de renúncia, pela parte autora, aos valores excedentes a sessenta salários mínimos, para fins de adequação ao rito especializado, notadamente mais célere e com menos prerrogativas à Fazenda Pública. Consoante o § 2° do art. 3° da Lei n° 10.259/2001, as prestações vencidas, somadas a 12 (doze) vincendas, devem ser levadas em consideração para efeito de determinação da competência do Juizado Especial, devendo a obrigação de pagar permanecer inicialmente dentro do limite de 60 salários mínimos, admitida a renúncia. Veja-se que a possibilidade de renúncia é uma faculdade, não uma imposição. Nesse sentido, Dinamarco, fazendo referência à Lei n° 9.099/95: “No caso de pedido referente a obrigações de trato sucessivo, estabelece o Código de Processo Civil que a condenação incluirá, independentemente de pedido específico, o valor de todas as prestações, enquanto durar a obrigação (art. 290). Projetada sobre o processo dos juizados especiais cíveis, essa hipótese terá por consequência a incompetência destes sempre que a soma das prestações exceder o máximo legal instituído pelo art. 3° inc. I – a não ser que o autor declare pretender condenação exclusivamente pelo valor das parcelas que caibam nesse limite.”(6) Tal é o entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o qual exemplifico com o seguinte julgado: “PREVIDENCIÁRIO. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. RENÚNCIA EXPRESSA. E, indagado se na fixação do valor da causa devem ser consideradas conjuntamente parcelas vencidas com doze vincendas ou apenas a soma das doze vincendas, prossegue Zavaski: “Penso que, nesse caso, há regra no Código de Processo junto com a regra da Lei do Juizado. Se pede vencidas e vincendas, tem que juntar as duas. Se se pede somente vincendas, consideram-se doze. É o que diz a Lei do Juizado, que é a única hipótese que o CPC não prevê. Ele prevê quando pede vencidas e vincendas, que é o passado mais doze. A Lei do Juizado diz que, em se tratando de pedido de parcelas vincendas, são doze, e essa é a interpretação que faço: aplicar a Lei do Juizado. Se pede vencidas e vincendas, penso que se aplica a regra geral expressa no Código de Processo. Parece-me que essa seja a solução.”(7) Esse entendimento vem prosperando no e. Superior Tribunal de Justiça. Veja-se: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL FEDERAL E JUÍZO FEDERAL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO DE REVISÃO DE BENEFÍCIO. LEI 10.259/2001. PRESTAÇÕES VENCIDAS E VINCENDAS - SOMATÓRIO. VALOR DE ALÇADA. Também é o objeto do Enunciado n° 48 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais: “Havendo prestação vencida, o conceito de valor da causa para fins de competência do Juizado Especial Federal é estabelecido pelo art. 260 do CPC.” Nesse passo, considerando que o Poder Judiciário deve proferir suas decisões em tempo razoável, bem como o art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal, que assegura a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, entendo que a renúncia deduzida na petição inicial para fins de competência deve compreender somente as prestações vencidas, agregadas a 12 (doze) vincendas, não compreendendo demais parcelas posteriores, inerentes ao trato sucessivo e continuado da relação previdenciária. É inadmissível a penalização da parte autora pelo longo trâmite do feito, não raro levado às instâncias superiores. Assim, o cálculo de liquidação deverá ser elaborado observando o limite de 60 (sessenta) salários mínimos apenas quanto às parcelas vencidas até a propositura da ação, somadas a 12 (doze) vincendas, sendo as demais computadas independentemente de qualquer outro teto. Sendo superado o limite de sessenta salários mínimos e não havendo a renúncia de que trata o art. 17, § 4°, da Lei n° 10.259/2001, deverá ser expedido o respectivo precatório. 2 Do momento para a aferição do valor da causa e da possibilidade de prorrogação da competência A correção do valor da causa contido na petição inicial nem sempre pode ser dimensionada de maneira segura pelo Magistrado quando do ajuizamento da ação. Isso porque a execução de cálculos nessa fase inicial, ou mesmo a exigência de apresentação de planilhas demonstrativas pela parte autora, certamente não condiz com o objetivo dos juizados especiais, norteados que são pelos princípios da celeridade e da economia processual. Além disso, não raro, apenas por ocasião da remessa dos autos à Contadoria Judicial, antes da prolação da sentença, é que se verifica, principalmente em ações envolvendo a concessão de aposentadorias, que o montante devido quando do ajuizamento já superava, por vezes em muito, o teto de sessenta salários mínimos. Assim, diferentes situações práticas, envolvendo o valor da causa, podem surgir durante o trâmite do processo e, por isso, exigem soluções adequadas ao estágio em que se encontra. 2.1 Do valor da causa quando da propositura da ação A verificação do adequado conteúdo econômico da demanda deve preferencialmente ser realizada quando da propositura da ação, evitando-se assim a prática de atos processuais instrutórios, ou mesmo decisórios, por Juízo incompetente. Referido limite, tanto no âmbito da Lei nº 9.099/95 quanto no da Lei n° 10.259/2001, foi fixado em salários mínimos com o propósito de popularizar a utilização do rito, superando a vedação prevista pelo art. 7°, IV, in fine, da Constituição Federal. A análise dessa circunstância é feita por Dinamarco: “Ao fixar o valor máximo do pedido a ser objeto do processo especial no equivalente a quarenta vezes o salário mínimo e com isso desprezar outros valores de referência talvez mais técnicos pelo aspecto econômico-monetário (OTN, INPC, etc.), esteve a lei especial coerente com sua diretriz deliberadamente popular, voltada não só a amparar a pretensão dos mais humildes e despreparados, mas também a servir de fator educacional em prol da conscientização política da população (LJE, art. 3°, inc. I). O povo entende muito mais facilmente a linguagem do salário mínimo que qualquer outra, e o próprio povo precisa conhecer essa lei especial, inclusive e principalmente para que todos despertem para a possibilidade que têm de valer-se dela e do Poder Judiciário para o desafogo de suas pretensões – muitas delas tradicionalmente frustradas e contidas, seja pela estreiteza da via de ingresso na Justiça, alto preço etc., seja também pelo desconhecimento dos próprios direitos e modos de fazê-los valer.”(8) E, quando da verificação da compatibilidade entre o número de salários mínimos e a dimensão econômica, deve-se apreciar conforme o valor do salário mínimo nacional vigente. Nesse sentido, o enunciado n° 15 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais: “Na aferição do valor da causa, deve-se levar em conta o valor do salário mínimo em vigor na data da propositura da ação.” Logo, deve ser priorizado o controle do conteúdo econômico da demanda por ocasião do despacho inicial, ainda que de ofício pelo Magistrado. 2.2 Da posterior verificação da ultrapassagem do teto É perfeitamente possível que a superação do limite do valor da causa seja identificada apenas no âmbito recursal, oportunidade em que o processo já foi instruído e sentenciado, estando na esfera recursal. Dessa forma, caberia, em tese, o reconhecimento da incompetência do Juizado Especial. 2.2.1 Da incompetência e sua declaração. Da possibilidade de prorrogação da competência ante o caráter social dos benefícios previdenciários A questão da declaração da incompetência do juízo, por força do valor da causa, ganha especial importância em se tratando de ações previdenciárias. Como sabido, os processos versam sobre situações ligadas ao seguro social e, por isso, frequentemente implicam na concessão, ou não, de benefício que poderá substituir a renda do segurado ou dependente. Esse fator não pode ser desconsiderado quando da declaração da incompetência. Em geral, o tempo é fator de grande risco àqueles que dependem da prestação previdenciária e nem sempre dispõem de recursos ou mesmo de tempo de vida remanescente para aguardar o desfecho de uma ação dessa natureza. Nesse caso, o já abordado inciso LXXVIII do art. 5° da Constituição Federal deve ser aplicado em conjunto com o disposto no art. 1°, III, da própria norma, na medida em que não se pode cogitar da razoável duração do processo e de meios que garantam a celeridade de sua tramitação, ou mesmo da dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, submetendo as partes, notadamente o segurado, a uma demora causada por questão de rito. A questão ganha ainda maior interesse em faze do advento do processo eletrônico e da incompatibilidade existente entre os trâmites de uma Vara de JEF, adequada ao feito virtual, e os de uma Vara Federal comum, cujo expediente ainda é desenvolvido com o uso de autos físicos. Uma das soluções é a indicada pelo Enunciado n° 24 do Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais: “Reconhecida a incompetência do Juizado Especial Federal, é cabível a extinção do processo, sem julgamento de mérito, nos termos do art. 1° da Lei n° 10.259/01 e do art. 51, III, da Lei n° 9.099/1995.” Contudo, a extinção do processo, sem resolução de mérito, certamente representará atraso na entrega da prestação jurisdicional, sobretudo quando atingir processos em adiantado grau de instrução ou, mais ainda, em sede recursal. O prejuízo ao disposto no art. 5°, LXXVIII, da Constituição Federal fica bem claro, como também a própria dignidade da pessoa humana fica em situação de vulnerabilidade, sobretudo nas ações em que se reivindicam benefícios por incapacidade ou assistenciais. A alternativa é a remessa dos autos ao Juízo competente, na forma do art. 113, § 2°, do Código de Processo Civil: “Declarada a incompetência absoluta, somente os atos decisórios serão nulos, remetendo-se os autos ao juiz competente”. A questão não exige maiores digressões quanto aos processos em meio físico. Porém, o já consolidado advento do processo eletrônico nos Juizados Especiais Federais integrantes da 4ª Região oferece um novo complicador: como conciliar o rito virtual com o tradicional meio físico utilizado pelas Varas Federais comuns? A resposta, ao menos em parte, é oferecida pela Lei n° 11.419, de 19 de dezembro de 2006, que dispõe sobre a informatização do processo judicial. Reza o seu art. 12, parágrafo segundo: “§ 2° Os autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível deverão ser impressos em papel, autuados na forma dos arts. 166 a 168 da Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, ainda que de natureza criminal ou trabalhista, ou pertinentes a juizado especial.” Ao determinar a impressão em papel dos autos de processos eletrônicos que tiverem de ser remetidos a outro juízo ou instância superior que não disponham de sistema compatível, a lei oferece solução para o problema da adequação entre as varas que utilizam o meio físico e as que usam o meio eletrônico. Ainda que possa ser considerado um meio razoável para tanto, ainda sim restarão dificuldades inerentes ao conteúdo dos novos autos formados, estendendo as fragilidades do processo eletrônico, no que se refere à perda da qualidade das provas produzidas (carteiras de trabalho, guias da previdência social, notas fiscais, talonários rurais, etc.), que serão digitalizadas e posteriormente impressas em papel para remessa à vara comum. Como sabido, em regra, constituem documentos antigos, relativos ao início da vida profissional do trabalhador, e que por isso nem sempre continuam legíveis, seja por força da ação do tempo, seja pelo manuseio. Ademais, a conversão do documento do meio físico para o digital, e o retorno ao primeiro, via impressão, determina a perda de seu aspecto original, importante elemento de convicção quanto a sua originalidade. Outra solução possível é considerar prorrogada a jurisdição sob o rito especializado, ante a preclusão da matéria. Embora careça da melhor técnica, a alternativa representa o meio mais eficiente no que refere ao cumprimento das promessas de celeridade e razoável duração do processo feitas pela Constituição Federal. A alternativa é posta com muito brilho pela Juíza Federal Maria Isabel Pezzi Klein nos autos do já referido Incidente de Uniformização - IUJEF 2006.70.95.007888-1, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, D.E. 26.03.2007). Transcrevo trecho de seu voto condutor: “Entendemos que deve haver um controle mais rigoroso, por parte do Juízo da Origem, por ocasião do recebimento da inicial, sendo este, inclusive, o momento oportuno para que o réu impugne o valor atribuído à causa de modo concreto. Se, após esse exame, o feito permanecer no Juizado, entendemos que a Jurisdição está prorrogada, ainda que esta conclusão seja de caráter puramente prático, numa interpretação permeada pela equidade, acentuando a importância que damos às expectativas que esta estrutura judiciária acabou formando no senso comum dos cidadãos.” Destarte, muitas são as possibilidades para a resolução dos conflitos estabelecidos no que se refere à competência em face do valor da causa no trato dos pleitos previdenciários no âmbito dos Juizados Especiais Federais. Seja qual for a opção adotada pelo Magistrado, após ponderar as situações trazidas pelo caso concreto, essa não pode esquecer o objetivo final da prestação jurisdicional: a pacificação social. Conclusão
Referências Bibliográficas BOLLORINI PEREIRA, Guilherme. Juizados Especiais Federais Cíveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 118. DINAMARCO, Cândido Rangel. Manual dos Juizados Cíveis. 2. ed. São Paulo: Melhoramentos, p. 60. TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 115 e 116. VIEIRA DA SILVA, Luís Praxedes. Juizados Especiais Federais Cíveis. Campinas: Millenium, 2002, p. 76. ZAVASCKI, Teori Albino. Anais do Seminário Juizados Especiais Federais: Inovações e Aspectos Polêmicos. Associação dos Juízes Federais do Brasil – AJUFE, 2002. Notas 1. TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Costa. Juizados especiais federais cíveis e criminais: comentários à Lei 10.259, de 10.07.2001. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 115 e 116. 2. BOLLORINI PEREIRA, Guilherme. Juizados Especiais Federais Cíveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 118. 3. VIEIRA DA SILVA, Luís Praxedes. Juizados Especiais Federais Cíveis. Campinas: Millenium, 2002, p. 76. |
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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