Sumário: Introdução. 1 Responsabilidade civil do Estado. 2 Responsabilidade objetiva. 3 Os atos jurisdicionais. 4 Argumentos contrários à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. 5 Atuação jurisdicional dolosa e atuação jurisdicional culposa. 6 Dispositivos legais que fundamentam a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. 6.1 Erro judiciário. 6.2 Retardamento do processo. 7 Os precedentes existentes. A jurisprudência pátria. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
O presente trabalho busca apresentar um breve estudo sobre a responsabilidade civil do Estado em razão de danos causados no exercício da atividade jurisdicional dos juízes.
Provavelmente não apresenta inovações sobre o tema, limitando-se a explorar os posicionamentos adotados na doutrina e na jurisprudência.
Inicialmente é apresentado um breve histórico sobre a evolução da responsabilidade do Estado no sistema brasileiro, demonstrando como o tema foi tratado nas constituições anteriores.
Em seguida são analisados aspectos da responsabilidade objetiva do Estado, conforme tratamento dispensado pelo art. 37, § 6º, da Constituição Federal vigente.
Na sequência, cuida-se do ato jurisdicional, apresentando as suas peculiaridades, estabelecendo as diferenças entre a atividade jurisdicional dos juízes e o desempenho de funções administrativas.
Depois são apresentados os argumentos contrários à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, defendidos pela corrente doutrinária que não aceita a reparação de danos causados no desempenho da atividade jurisdicional.
Após apresenta-se a posição de parte da doutrina que distingue, para efeito de responsabilidade do Estado, a atuação jurisdicional dolosa da atuação jurisdicional culposa.
Segue-se abordando os dispositivos legais existentes em nosso ordenamento jurídico que fundamentam a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, notadamente a questão do erro judiciário e o retardamento da conclusão do processo.
Por fim, são apresentados diversos precedentes jurisprudenciais, demonstrando especialmente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal sobre o tema tratado.
1 Responsabilidade civil do Estado
A modernidade jurídica não comporta pensamento diverso do que conduz à responsabilidade civil do Estado. Na verdade, não há mais ensejo aos vetustos postulados que davam suporte à filosofia absolutista. A pretensa infalibilidade do Estado, que se confundia com o próprio soberano, não encontra ressonância nos paradigmas atuais, pelos quais se guiam os ordenamentos jurídicos.
A doutrina que pregava a irresponsabilidade do Estado, entretanto, vigorou por muito tempo e era denominada de teoria regalista, regaliana, feudal ou da irresponsabilidade. Seu fundamento, como lembra CRETELLA JUNIOR,(1) era o fim básico do Estado, voltado para a tutela do direito, de modo que, quando um funcionário causava danos a terceiros, fazia-o sob sua própria responsabilidade, e não responsabilizando o ente do qual era preposto. O que se justificava sob a filosofia da época desfila hoje como absurdo anacronismo.
Os sistemas normativos de agora proclamam que ao Estado deve atribuir-se responsabilidade civil pelos danos que seus agentes, como tais, causem a terceiros. E não poderia deixar de ser assim. Difícil seria conceber que, na diversificada atuação que desempenha, pudesse o Estado eximir-se de reparar prejuízos causados aos administrados. Em primeiro lugar, teriam estes que suportar ônus a que não deram causa, e, depois, seria admitir uma forma de locupletamento, pelo Estado, decorrente de sua própria torpeza.
A matéria vem sendo regulada diferentemente, ao longo do tempo, pelas diversas Constituições, como se verá das transcrições adiante.
Constituição Política do Império do Brasil de 1824:
"Art. 179, XXIX. Os empregados públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões praticados no exercício das suas funções e por não fazerem efetivamente responsáveis aos infratores."
Constituição Federal de 1891:
"Art. 82. Os funcionários públicos são estritamente responsáveis pelos abusos e omissões em que incorrerem no exercício de seus cargos, assim como pela indulgência ou negligência em não responsabilizarem efetivamente os seus subalternos.
Parágrafo único. O funcionário público obrigar-se-á por compromisso formal, no ato da posse, ao desempenho dos seus deveres."
Constituição Federal de 1934:
"Art. 171. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos.
§ 1.0 Na ação proposta contra a Fazenda pública, e fundada em lesão praticada por funcionário, este será sempre citado como litisconsorte.
§ 2.0 Executada a sentença contra a Fazenda, esta promoverá execução contra o funcionário público."
Constituição Federal de 1937:
"Art. 158. Os funcionários públicos são responsáveis solidariamente com a Fazenda nacional, estadual ou municipal por quaisquer prejuízos decorrentes de negligência, omissão ou abuso no exercício dos seus cargos."
Constituição Federal de 1946:
"Art. 194. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caber-lhes-á ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes."
Constituição Federal de 1967/69:
"Art. 105. As pessoas jurídicas de direito público respondem pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros.
Parágrafo único. Caberá ação regressiva contra o funcionário responsável, nos caso de culpa ou dolo."
Constituição Federal de 1988:
"Art. 37, § 6.° As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
Verifica-se que, pelas duas primeiras Cartas Políticas, a de 1824 e a de 1891, os funcionários públicos eram direta e exclusivamente responsáveis por prejuízos decorrentes de omissão ou abuso no exercício de seus cargos. O Estado nenhuma responsabilidade assumia perante terceiros prejudicados por atos de seus servidores. Imperava a teoria da irresponsabilidade do Estado por atos de seus servidores.
Na vigência das Constituições de 1934 e de 1937, passou a vigorar o princípio da responsabilidade solidária. O prejudicado podia mover a ação contra o Estado ou contra o servidor público, ou contra ambos, bem como promover a execução de sentença contra ambos ou contra um deles, segundo o seu critério de conveniência e oportunidade.
A partir da Constituição Federal de 1946, adotou-se o princípio da responsabilidade em ação regressiva. Desapareceu a figura da responsabilidade direta do servidor ou da responsabilidade solidária; não há mais o litisconsórcio necessário. Com o advento do Código Civil, prevendo, expressamente, em seu art. 15, o princípio da regressividade, este acabou ganhando corpo na doutrina, refletindo na elaboração de textos constitucionais a partir da Carta Política de 1946, que adotou a teoria da responsabilidade objetiva do Estado.
Esse alargamento acentuou-se na Constituição de 1988, que passou a estender a responsabilidade civil objetiva às pessoas jurídicas de direito privado.
2 Responsabilidade objetiva
A partir da Constituição de 1946, a regra relativa à responsabilidade do Estado passou a ter conteúdo de norma constitucional, e o art. 194 dessa Carta inaugurou a consagração do postulado da responsabilidade objetiva do Estado, reafirmado na Constituição de 1967 (art. 105), na Emenda nº 2 01/69 (art. 107) e na vigente Constituição (art. 37, § 62). A orientação transfigurava a antiga regra do art. 15 do Código Civil, que, a despeito das controvérsias que provocou, desenhava o perfil de uma responsabilidade subjetiva para as pessoas jurídicas de direito público.
Vigora, assim, a norma do art. 37, § 6º, da C.F.: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa."
O entendimento dos estudiosos não destoa quanto à teoria adotada no mandamento constitucional. Não havendo qualquer menção à forma de atuação dos agentes do Estado para a responsabilização deste perante o terceiro lesado, sem dúvida foi adotada a teoria da responsabilidade objetiva, em que não se perquire o elemento subjetivo da conduta do agente como pressuposto da responsabilidade estatal. "Logo", conclui DIÓGENES GASPARINI (1992, p. 617) com acerto, "essas pessoas respondem independentemente de terem agido com dolo ou culpa, isto é, objetivamente".(2)
O elemento subjetivo da conduta do agente só tem relevância para a identificação dos efeitos oriundos da relação jurídica entre o Estado e o agente. Não interfere, porém, no âmbito da esfera jurídica do lesado. Daí ser fundamental que se distingam as relações jurídicas que surgem no cenário da responsabilidade do Estado: uma, a que vincula o lesado ao Estado, e outra, a que aproxima o Estado do agente provocador da lesão.
Dispensada a investigação do elemento culpa, afloram os pressupostos da responsabilidade objetiva do Estado: a) o fato administrativo; b) o dano; e c) o nexo causal entre o fato e o dano. Costumam os autores trazer à baila mais uma ponderação: o lesado não deve ter contribuído para seu próprio dano. Se tiver contribuído parcialmente, permitir-se-á a investigação do alcance dessa contribuição, acertando-se um confronto dúplice de responsabilidades. Sendo total a contribuição, o Estado sequer poderia ser responsabilizado, ausente que está o pressuposto do nexo da causalidade entre o fato da Administração e o dano ocorrido.
Acrescente-se que a vigente Constituição, não satisfeita com a regra geral do art. 37, § 62, previu expressamente caso de responsabilidade objetiva do Estado. Ao tratar da competência administrativa da União Federal, assentou como princípio a ser observado quando da exploração de serviços e instalações nucleares de qualquer natureza o de que a "responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa" (art. 21, XXIII, c). Consagra a norma, pois, a tendência em estender o sistema da responsabilização objetiva, independente da perquirição do elemento subjetivo da conduta.
3 Os atos jurisdicionais
Para atingir seus fins, o Estado desenvolve três funções básicas: a legislativa, a administrativa e a jurisdicional. A função jurisdicional traduz o fenômeno da aplicação do direito, enquanto as demais se inserem nos de sua formação e realização, respectivamente.
Efetivamente, a discussão em torno da responsabilidade do Estado-juiz requer uma prévia observação sobre a natureza dos atos que são praticados pelo Poder Judiciário.
De fato, ao Poder Judiciário, no âmbito da clássica tripartição dos poderes, compete dirimir os conflitos que lhe são apresentados; no entanto, o Judiciário – assim como os demais Poderes – também exerce outras atividades que estão fora das atribuições que lhe são próprias, embora também abrangidas pela sua competência, o que, de fato, apenas demonstra não estarem os poderes estatais separados, sobretudo de controle recíproco, apesar de independentes. É nesse contexto que emerge a distinção entre os atos judiciais de conteúdo administrativo e os atos propriamente jurisdicionais do Poder Judiciário, uma vez que essa diferenciação repercute na responsabilidade do Estado.
Ensina Cretella Júnior (1998, p. 240):
“Embora ao Poder Judiciário esteja afeta, por excelência, a atividade jurisdicional, isto é, a aplicação contenciosa da lei ao caso concreto, nesta não se exaure toda a função judicial, consubstanciada nos atos judiciais ou atos judiciários, porque restam ainda outras atividades, em elevado número, que ocorrem na esfera daquele Poder. Desse modo, a função judicial é gênero, de que a função jurisdicional e a atividade administrativa do magistrado constituem espécies.”(3)
Na definição de De Plácido e Silva (1996, v. 1, p. 237), denomina-se ato jurisdicional “todo ato emanado de autoridade judiciária consistente de despacho ou sentença”, podendo ser compreendido também como “ato de julgar.”(4)
Assim, os atos jurisdicionais são aqueles praticados especificamente pelo juiz, distinguindo-se, portanto, dos atos judiciários, que são aqueles próprios do funcionamento administrativo do Poder Judiciário, como os praticados por cartorários e demais auxiliares que atuam nos serviços judiciários.
Esse é o magistério de Sérgio Henrique Zandona Freitas:
“Vale, para tanto, aclarar que os atos judiciários são aqueles atípicos à função do Juiz, representados por medidas tomadas para administração e funcionamento do próprio poder judiciário. (...) Já os atos jurisdicionais são aqueles típicos e específicos da função do Juiz, externados pelos despachos, decisões interlocutórias, sentenças e acórdãos.”(5)
Entende-se, nessa linha de raciocínio, que o ato jurisdicional é o que implica, efetivamente, o exercício da função estatal de dirimir os litígios que lhe são apresentados, dizendo o direito no caso concreto ou eventualmente praticando medidas coercitivas que visem à execução de uma decisão já prolatada.
Já os atos judiciais administrativos são aqueles que, embora praticados pelo Poder judiciário, têm conteúdo tipicamente administrativo.
Tratando-se de atos judiciais materialmente administrativos, aplicam-se as normas referentes à responsabilidade do Estado em decorrência dos atos praticados no âmbito da Administração Pública em geral. No entanto, em relação aos atos jurisdicionais a questão relativa à responsabilidade ainda não foi pacificada.
4 Argumentos contrários à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais
A doutrina que se posiciona contrária à responsabilidade do Estado pelos atos jurisdicionais apresenta alguns fundamentos como obstáculo ao dever estatal de reparar os danos causados no desempenho da atividade jurisdicional. Em síntese: a) a soberania do Poder Judiciário; b) a independência do magistrado; c) violação à coisa julgada; d) falibilidade dos juízes; e) o magistrado não é funcionário público; f) exigência de lei específica.
A soberania do Estado não o exime de se submeter ao direito. Assim, o argumento de que a atividade jurisdicional consubstancia uma manifestação da soberania não serve para afastar a responsabilidade pelos danos resultantes de tal atividade, sob pena de se atribuir ao Poder Judiciário uma posição acima da própria lei pelo fato de exercer uma função soberana.
Nesse sentido são os ensinamentos de Maria Sylvia Zanela Di Pietro, (2003, p. 534 e 535).
“Com relação à soberania, o argumento seria o mesmo para os demais poderes; a soberania é do Estado e significa a inexistência de outro poder acima dele; ela é uma, aparecendo nítida nas relações externas com outros Estados. Os três Poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – não são soberanos, porque devem obediência à lei, em especial à Constituição. Se fosse aceitável o argumento da soberania, o Estado também não poderia responder por atos praticados pelo Poder Executivo, em relação aos quais não se contesta a responsabilidade.”(6)
Afastando tal argumento, Lair da Silva Loureiro Filho se pronuncia no sentido de que:
“Soberano é o Estado em relação a cada uma das funções que o compõem, reciprocamente limitadas, diga-se, pelo sistema de freios e contrapesos (...). Os poderes, portanto, têm autonomia uns em face dos outros (e apenas dos outros e não em face do povo – titular originário da soberania estatal), e não soberania.”(7)
Atualmente, o fundamento da soberania ainda é um dos argumento adotados pela corrente que refuta a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.
A independência dos magistrados também não pode ser aceita como causa de exclusão da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. A independência constitui uma prerrogativa essencial dos juízes, a fim de que estes exerçam sua função de julgar sem ceder a pressões externas ou mesmo do próprio judiciário, constituindo-se também em garantia de maior segurança para os direitos dos jurisdicionados. A independência assegura a imparcialidade do juiz no julgamento do processo. Porém, a independência dos juízes, como de qualquer agente público, deve sempre obedecer aos limites constitucionais e legais existentes e aplicáveis. O limite a qualquer atuação do Estado democrático de direito, por qualquer de seus agentes, desde o mais humilde servidor até a mais graduada autoridade, é conferido sempre pela Constituição e pela lei. Rosimeire Ventura Leite colaciona importante ensinamento de Dergint:
“O valor da independência do juiz certamente é fundamental, porém, não absoluto. Não deve ser considerado isolado de outros princípios e valores com os quais deve coadunar – entre eles o princípio da responsabilidade democrática dos titulares do poder público perante os cidadãos.”(8)
Maria Sylvia Zanella Di Pietro adverte que “o mesmo temor de causar dano poderia pressionar o Executivo e o Legislativo”.(9) (Di Pietro, Direito Administrativo, p. 511).
Assim, o argumento da independência do juiz não se presta a afastar a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais. A violação à coisa julgada é considerada pela doutrina o mais forte e convincente daqueles invocados como impeditivos da responsabilidade por atos jurisdicionais. No entanto, no direito brasileiro, a força da coisa julgada não é absoluta, considerando o cabimento de ação rescisória e de revisão criminal.
No que diz respeito às hipóteses de revisão criminal, não há controvérsias quanto à responsabilidade do Estado, ante a previsão dos artigos 630 do Código de Processo Penal e 5º, LXXV, da Constituição Federal.
Argumenta-se que reconhecer a responsabilidade estatal em caso de decisões com trânsito em julgado implicaria fragilizar a autoridade da coisa julgada, questionando a verdade que ela representa, gerando instabilidade nas relações jurídicas.
Parte da doutrina entende que o pedido de indenização dependeria de prévia desconstituição da sentença irrecorrível pelos meios processuais cabíveis, que em nosso ordenamento jurídico são a ação rescisória, em matéria cível, e a revisão criminal.
O argumento que se opõem à tese de que a imputação de responsabilidade ao Estado em razão de ato jurisdicional viola a coisa julgada é o de que a ação na qual se busca tal responsabilidade é outra, completamente diversa daquela em que foi proferida a decisão com erro judiciário. As partes não são as mesmas, diverso é o pedido e também a causa de pedir.
Esclarecedores são os ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Com efeito, o fato de ser o Estado condenado a pagar indenização decorrente de dano ocasionado por ato judicial não implica mudança na decisão judicial. A decisão continua a valer para ambas as partes; a que ganhou e a que perdeu continuam vinculadas aos efeitos da coisa julgada, que permanece inatingível. É o Estado que terá que responder pelo prejuízo que a decisão imutável ocasionou a uma das partes, em decorrência do erro judiciário.”(10)
Sobre o tema, Rosimeire Ventura Leite (p. 111) traz o ensinamento de Dergint, segundo o qual: “mesmo prescrita a ação rescisória, é de se admitir possa o prejudicado, pelo erro do Estado-juiz, obter indenização, ainda que mantido o julgamento transitado em julgado”, o que justificaria sob o argumento de que:
“Na ação indenizatória não se busca a desconstituição da sentença lesiva e não se vinculam as mesmas partes (mas uma delas e o Estado). Assim sendo, a responsabilidade estatal não se contrapõe à coisa julgada, sendo despicienda a desconstituição do ato jurisdicional (através da ação rescisória). (Dergint, 1994a, p. 144)”(11)
Logo, a coisa julgada não se constitui em impedimento absoluto como obstáculo à busca de indenização em razão de dano causado por ato jurisdicional.
A falibilidade dos juízes não se presta como argumento para afastar a responsabilidade estatal, visto que o magistrado, como ser humano, é passível de erro. Adotar entendimento contrário, implicaria sustentar que ao assumir o cargo de juiz, com a investidura da jurisdição, o ser humano perderia tal qualidade e não seria suscetível de cometer falhas, o que é destituído de qualquer fundamento.
Cabe invocar o magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro, que aborda a questão argumentando que “(...) o fato de o juiz ser falível, como todos os seres humanos, não pode servir de escusa para o reconhecimento da responsabilidade civil do Estado, pelas mesmas razões que não serve de escusa a qualquer pessoa, na vida pública ou privada.”
Assim, é de se afastar o argumento da falibilidade como causa de exclusão da responsabilidade do Estado-juiz.
Outro fundamento invocado para negar a responsabilidade do Estado por atos praticados no exercício da jurisdição é o de que o juiz não é funcionário público.
Sobre o tema invocamos os ensinamentos de Maria Helena Diniz (p. 443-444) que afirma:
“o termo ‘agente’, empregado no art. 37, § 6º, da nova Constituição, abrange todos os que agem em nome do Estado. (...) E, com maior razão, também os juízes, como agentes do Estado para a função jurisdicional deste, que os coloca sob regime especial de garantias no interesse de tal função. Esse regime especial e a natureza específica de sua atividade não lhes tiram o caráter de funcionário, lato sensu.”(12)
No ordenamento jurídico brasileiro, o juiz ocupa cargo público criado por lei e se enquadra no conceito legal da categoria de servidor público, pois ingressa no serviço por concurso público; recebe vencimentos pagos pelo Estado; tem sua atividade regulamentada por Lei (Lei Orgânica da Magistratura). No entanto, mesmo que fosse considerado apenas agente, seus atos estariam sujeitos às regras de responsabilidade civil do Estado disciplinadas pelo artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
Resta analisar o fundamento de que não existe lei específica disciplinando a responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. Assim, o dever estatal de indenizar, em razão de atos praticados no exercício da atividade jurisdicional, somente ocorreria na hipótese do 630 do Código de Processo Penal e do artigo 5º, LXXV, da Constituição Federal.
Tal argumento não merece prosperar, consoante o disposto no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, que disciplina a responsabilidade civil do Estado, sem, contudo, fazer distinção entre responsabilidade do Poder Executivo, Legislativo ou Judiciário. Logo, se a norma que fundamenta a responsabilidade civil do Estado não faz qualquer distinção, não cabe ao intérprete fazê-la. Ademais, não há dúvidas que o serviço judiciário também se enquadra no conceito de serviço público, estando assim os juízes incluídos nos agentes de que trata aquele artigo do texto constitucional.
Nesse sentido a doutrina esposada por Serrano Júnior (1997, p. 135), de que:
“(...) não se justifica uma interpretação restritiva do texto constitucional, de modo a aplicá-lo somente nas hipóteses previstas expressamente na legislação infraconstitucional, que, em seu atual momento, não abrange todo o leque de situações danosas decorrentes da má prestação dos serviços da Justiça.”(13)
Assim, resta sem consistência o argumento da necessidade de lei específica a fundamentar a responsabilidade do Estado por ato jurisdicional.
Mário Moacyr Porto bem resume os posicionamentos adotados na doutrina relativos ao tema:
“Em relação à responsabilidade do Estado pelos atos dos seus juízes, várias correntes doutrinárias entre si disputam o achado da solução mais correta. Como o assunto é complexo, difícil, nevoento, reina, a respeito, um cisma em que o ponto de convergência de uns corresponde exatamente ao ponto de divergência de outros. Vamos enumerar as correntes principais: a) O ato do juiz é uma manifestação da soberania nacional, pelo que os eventuais desacertos da sua atividade judicante jamais poderão envolver a responsabilidade civil do Estado. Ademais – aduz-se – a coisa julgada se opõe à revisão do erro porventura cometido pelo juiz. b) O juiz é um funcionário público, mas de natureza especial, pelo que os seus atos – iniludíveis manifestações da vontade do estado – escapam à disciplina que se estabelece para os demais servidores públicos. Em face da peculiar natureza das suas atribuições, a ação de indenização poderá ser intentada contra o próprio juiz ou contra a pessoa de direito público. c) O juiz é um funcioário na expressão estrita do termo, e, como funcionário que é, os seus atos, quando ocasionem um prejuízo, devem ser indenizados diretamente pelo Estado, só pelo Estado nos termos do art. 37 da CF.”(14)
Fabiano André de Souza Mendonça, em artigo que trata da responsabilidade civil do Estado por ato judicial inconstitucional, traz sólidos argumentos sobre o tema:
“Não é sem maior razão que o tema da responsabilidade do chamado Estado-Juiz é um dos mais debatidos na atualidade jurídica mundial. Ele vem a reboque da crise de legitimidade e eficácia das leis no mundo moderno, o que ocasiona um crescimento da busca pela proteção do judiciário, resultando numa maior preocupação com a estrutura desse poder, desse verdadeiro gigante adormecido. Pois durante muito tempo se lhe relegou a tarefa de mero aplicador das leis nos casos concretos em litígio, deixando-o acomodado e em descompasso para com os outros poderes do Estado.
Como será ainda notado adiante, o interesse pelo tema aumenta quando se fala em independência da magistratura. Pois, antes de serem contrários, são complementares. Um viabilizando a existência do outro. Ambos são necessários num regime democrático, mas não subsistem isoladamente.
Esse mencionado crescimento do Judiciário torna-se evidente e necessário na atualidade, quando se observam os fatores que o despertaram, vale dizer, a conjuntura em que se encontra a sociedade moderna: o surgimento do welfare state, o crescimento desordenado da legislação, o caráter ‘promocional’ dos direitos sociais e a massificação ou coletivização dos conflitos.
Em pressupondo todo Estado de Direito uma moldura constitucional, nenhum ato do governo, aqui entendido em seu sentido amplo, poderá fugir à constitucionalidade. Mais ampla que o simples controle, é a vinculação à Constituição de todos os atos emanados. Ao final traduzindo-se no Princípio da Legalidade. Essa vinculação à Constituição implica dizer que a proteção jurídica do cidadão é não só pelo juiz, mas também contra o juiz, dado que este detém poderes públicos e é vinculado aos direitos fundamentais.
Num regime democrático, o problema vai mais além. Deter poder significa deter responsabilidade. Ter de responder por algo. O poder mostra-se, assim, contrário à liberdade; em se tratando de Estado, ao arbítrio. Ter poder significa ter menos liberdades. Daí impor-se a responsabilidade do Estado-Juiz. Ou o Judiciário não é o exercício de um poder? O equilíbrio poder/responsabilidade representa, assim, manifestação da ideia dos checks and balances.
Isso particularmente para o juiz, porque ele tem o poder de tornar perfeita a lei defeituosa; de não deixar o jurisdicionado ver a cegueira ou a deformidade da lei, bem como pode ocultar a maviosa voz da Justiça e retalhar quiméricos desejos. Por isso, diz-se que ele detém o law making, para os anglo-saxões, the judge made law, mais do que em qualquer relação jurídica comum. (...)”(15)
Igualmente relevantes são os ensinamentos sustentados por Lúcia Valle Figueiredo, nos seguintes termos:
“Quanto a nós, não vemos empeços para responsabilizar o Estado por atos praticados por uma de suas funções, a judiciária. Efetivamente, encarna o Judiciário também a figura do agente público, de alguém que diz o Direito em normas concretas e por conta do Estado. Se assim é, dentro de certas comportas, que o regime jurídico da função postula, há de ser também responsabilizado na hipótese de lesão”.(16)
5 Atuação jurisdicional dolosa e atuação jurisdicional culposa
Parte da doutrina, para efeito de considerar a responsabilidade do Estado em decorrência de dano causado pela atividade jurisdicional, distingue as condutas dolosas das condutas culposas. Quanto às condutas dolosas, surge a responsabilidade objetiva do Estado, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, assegurado o direito de regresso contra o juiz. Ou, ainda, o prejudicado poderá optar por ajuizar a ação indenizatória contra o próprio juiz, com fulcro no artigo 133 do Código de Processo Civil.
Já quanto às condutas culposas, defende que existe indenização somente na esfera penal, com fundamento no art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal. Aduzem que, em matéria civil, as condutas culposas não acarretam indenização, sob pena de violar a independência e a imparcialidade do magistrado.
Tal entendimento, no entanto, não encontra amparo nos dispositivos invocados, pois não estabelecem distinções entre conduta dolosa ou culposa, visto que ambas, independentemente da atuação jurisdicional ocorrer na esfera civil ou penal, desde que tenham causado dano, originam o dever de indenizar, visto que o art. 5º da Constituição Federal estabelece que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário”, não fazendo distinção em razão da esfera de atuação do magistrado. Por outro lado, o argumento de violação da independência, conforme já sustentado, não serve para afastar a responsabilidade do Estado por ato praticado no exercício da atividade jurisdicional.
Frise-se, no entanto, que, em se tratando de conduta culposa na esfera cível, para que configure hipótese de cabimento de indenização, é necessário que reste caracterizada manifesta negligência, imprudência ou imperícia do magistrado.
Assim preleciona Sérgio Henrique Zandona Freitas:
“Assim, salvo melhor Juízo, a conduta culposa dos juízes na esfera cível, aqui admitida, limita-se aos casos em que houver manifesta e induvidosa negligência, imprudência ou imperícia do magistrado na condução dos autos, e não aos despachos e decisões respaldados por interpretação da lei, sendo que do contrário liberaria o Estado da responsabilidade por danos injustos causados àqueles que procuram o Poder Judiciário para realização da justiça.(17)
6 Dispositivos legais que fundamentam a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais
Passamos a tratar dos dispositivos legais existentes em nosso ordenamento jurídico, que fundamentam a responsabilidade civil do Estado por dano causado em razão da atividade jurisdicional. O tema mostra-se relevante nesse particular aspecto, na medida em que o Supremo Tribunal Federal firmou entendimento de que o Estado responde objetivamente perante o jurisdicionado pelos atos jurisdicionais de seus juízes apenas nos casos previstos em lei (RE 228.977, informativo nº 263).
6.1 Erro judiciário
Prescreve o artigo 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal que “o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença”. Vê-se que o dispositivo constitucional não elabora qualquer distinção entre erro judiciário penal, civil, trabalhista, ou qualquer outro motivo pelo qual qualquer erro judiciário é passível de indenização. O entendimento tradicionalmente adotado na doutrina, no entanto, é de que a hipótese de responsabilidade por erro judiciário restringe-se, em regra, ao âmbito penal (art. 630, CPP). Com a Constituição de 1988, porém, erigiu-se à categoria de direito fundamental, dando ensejo, inclusive, a uma interpretação mais abrangente em razão disposto na lei processual vigente.
Para Stocco (1999, p. 541), o erro judiciário se apresenta como:
“(...) a má subsunção do comportamento à norma em vigor à época do fato; o erro de perspectiva ou a falsa percepção que o julgador tem do preceito legal in abstracto, dando-lhe inadequada exegese no exato instante de aplicá-la ao caso concreto”, acrescentando também que “apenas o erro substancial e inescusável, o dolo e a culpa poderão empenhar responsabilidade do Estado, por erro judiciário.”(18)
Atualmente, diante do alcance amplo que se dá à norma no artigo 5º LXXXV da Constituição Federal, o erro judiciário abrange também o excesso de pena ou o cumprimento de pena além do tempo fixado na sentença. Ou, ainda, em razão de qualquer tipo de prisão, seja ela definitiva, decorrente de sentença; seja ela, ainda, preventiva ou provisória.
Admite-se também o erro judiciário em matéria civil, visto que podem ocorrer equívocos também em processos de natureza não penal, que ocasionem prejuízos aos interessados.
Nesse sentido, ensina Serrano Junior (1997, p. 129) que:
“A indenizabilidade não é restrita ao erro judiciário penal, abrangendo também o erro judiciário civil, isto é, o proferido em processo civil, já que a regra do art. 5º, LXXV, da CF não faz qualquer distinção, e, ademais, tratando-se de uma concessão de direito, segundo as regras clássicas de hermenêutica, merece uma interpretação extensiva.”(19)
Na esfera penal, especificamente, o erro judiciário é reconhecido através de uma revisão criminal, que é um dos meios previstos no ordenamento jurídico brasileiro de se atacar a coisa julgada. Assim prescreve o art. 630 do Código de Processo Penal:
“Art. 630. O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.
§ 1º Por essa indenização, que será liquidada no Juízo cível, responderá a União, se a condenação tiver sido proferida pela justiça do Distrito Federal ou de território, ou o Estado, se o tiver sido pela respectiva justiça.
§ 2º A indenização não será devida:
- Se o erro ou a injustiça da condenação proceder de ato ou falta imputável ao próprio impetrante, como a confissão ou a ocultação de prova em seu poder;
- Se a acusação houver sido meramente privada.”
Assim, havendo o reconhecimento do erro judiciário no âmbito penal, por meio de revisão criminal, cabe o pleito de indenização pelos prejuízos sofridos, ou seja, dano patrimonial ou moral.
Assevera Rui Stocco que:
“Não se justifica nos dias atuais o estabelecimento de uma regra específica para o erro judiciário, tal como posto no art. 630 do CPP e no artigo 5º da Constituição Federal, se já existe uma regra geral, ao nível constitucional, estabelecendo a responsabilidade objetiva do Estado por danos que seus agentes causarem a terceiros (CF/88, art. 37, § 6º).”(20)
Logo, o que se vê é que a tendência é abrigar nos dispositivos constitucionais o fundamento para as mais variadas formas de erros judiciários que acarretem prejuízos a qualquer pessoa.
Tratando-se de prisão indevida, é cabível indenização com fundamento na responsabilidade objetiva do Estado.
Nesse sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
“DETIMENTO EM CADEIA DO SISTEMA PENITENCIÁRIO DO ESTADO. ATENTADO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. - 1. Ação de indenização ajuizada em face do Estado, objetivando o recebimento de indenização por danos materiais e morais decorrentes da ilegal manutenção do autor em cárcere por quase 13 (treze) anos ininterruptos, de 27.09.1985 a 25.08.1998, em cadeia do Sistema Penitenciário Estadual, onde contraiu doença pulmonar grave (tuberculose), além de ter perdido a visão dos dois olhos durante uma rebelião. 2. A Constituição da República Federativa do Brasil, de índole pós-positivista e fundamento de todo o ordenamento jurídico, expressa como vontade popular que a República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados, Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade da pessoa humana como instrumento realizador de seu ideário de construção de uma sociedade justa e solidária. 3. Consectariamente, a vida humana passou a ser o centro de gravidade do ordenamento jurídico, por isso que a aplicação da lei, qualquer que seja o ramo da ciência no qual se deva operar a concreção jurídica, deve perpassar por esse tecido normativo-constitucional, que suscita a reflexão axiológica do resultado judicial. 4. Direitos fundamentais emergentes desse comando maior erigido à categoria de princípio e de norma superior estão enunciados no art. 50 da Carta Magna, e, dentre os que interessam o caso sub judice destacam-se: ‘XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral; [...] LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente; LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal; LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; [...] LVII – ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; [...] LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei; [...] LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança'. 5. A plêiade dessas garantias revela inequívoca transgressão aos mais comezinhos deveres estatais, consistente em manter-se, sem o devido processo legal, um ser humano por quase 13 (treze) anos consecutivos preso, por força de inquérito policial inconcluso, sendo certo que, em razão do encarceramento ilegal, contraiu o autor doenças, como a tuberculose, e a cegueira. 6. Inequívoca a responsabilidade estatal, quer à luz da legislação infraconstitucional (art. 159 do Código Civil vigente à época da demanda), quer à luz do art. 37 da CF/1988, escorreita a imputação dos danos materiais e morais cumulados, cuja juridicidade é atestada por esta eg. Corte (Súmula 37/STJ). 7. Nada obstante, o eg. Superior Tribunal de Justiça invade a seara da fixação do dano moral para ajustá-lo à sua ratio essendi, qual a da exemplariedade e da solidariedade, considerando os consectários econômicos, as potencialidades da vítima, etc., para que a indenização não resulte em soma desproporcional. 8. In casu, foi conferida ao autor a indenização de R$ 156.000,00 (cento e cinquenta e seis mil reais) de danos materiais e R$ 1.844.000,00 (um milhão, oitocentos e quarenta e quatro mil reais) de danos morais. 9. Fixada a gravidade do fato, a indenização imaterial revela-se justa, tanto mais que o processo revela o mais grave atentado à dignidade humana, revelado através da via judicial. 10. Deveras, a dignidade humana retrata-se, na visão Kantiana, na autodeterminação; na vontade livre daqueles que usufruem de uma vivência sadia. É de se indagar qual a aptidão de um cidadão para o exercício de sua dignidade se tanto quanto experimentou foi uma ‘morte em vida’, que se caracterizou pela supressão ilegítima de sua liberdade, de sua integridade moral e física e de sua inteireza humana? 11. Anote-se, ademais, retratar a lide um dos mais expressivos atentados aos direitos fundamentais da pessoa humana. Sob esse enfoque temos assentado que a exigibilidade a qualquer tempo dos consectários às violações dos direitos humanos decorre do princípio de que o reconhecimento da dignidade humana é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz, razão por que a Declaração Universal inaugura seu regramento superior estabelecendo no art. 1° que ‘todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos'. Deflui da Constituição Federal que a dignidade da pessoa humana é premissa inarredável de qualquer sistema de direito que afirme a existência, no seu corpo de normas, dos denominados direitos fundamentais e os efetive em nome da promessa da inafastabilidade da jurisdição, marcando a relação umbilical entre os direitos humanos e o direito processual’ (REsp 612.108/PR, 11 T., Rel. Min. Luiz Fux, DJ 03.11.2004). 12. Recurso especial desprovido.” (STJ – REsp 802.435/PE - 1 a T. Rel. Min. Luiz Fux - DJU 30.10.2006).
6.2 Retardamento do processo
Outro relevante dispositivo é o artigo 5º, inciso LXXVIII, da Carta Magna, que dispõe sobre a duração razoável do processo, nos seguintes termos: “a todos no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Principalmente no atinente à demora na prestação jurisdicional, talvez nenhum outro tema tenha despertado tanto a preocupação dos operadores jurídicos. Ela atinge desde o advogado até o serventuário da Justiça, tendo íntima ligação com os motivos que originam a crescente busca e importância do judiciário.
Conforme já referido, a Constituição Federal é incisiva ao incluir, entre os seus fundamentos (art. 1º), não só a cidadania, que deve ser respeitada, mas, particularmente, a dignidade da pessoa humana.
A demora na prestação jurisdicional muitas vezes é tamanha que equivale à sua ausência. Daí a afirmação frequentemente declarada de que justiça tardia não é justiça.
Logo, a denegação de justiça, portanto, é passível de responsabilidade do Estado, porém, observadas as condições do caso concreto, considerando que, em geral, os mecanismos do judiciário não apresentam condições de funcionar. De fato, muitas vezes a demora se revela perniciosa, desnecessária, fruto de burocracia, de falhas estruturais ou de desídia, circunstância que pode causar dano ao jurisdicionado, não estando este obrigado a suportar.
Diante de tais situações, questiona-se sobre o dever do Estado indenizar os prejuízos advindos da demora excessiva na prestação da tutela jurisdicional. A tendência da doutrina é reconhecer a responsabilidade do Estado em face de atividade judiciária danosa, porém, há ressalvas no sentido de se evitar generalizações, entendendo que nem sempre a demora gera o dever de indenizar.
Serrano Júnior, que leciona “também a demora injustificada na prestação da tutela jurisdicional, e que consiste num inadimplemento de seu dever de proteção judiciária efetiva, gera responsabilidade do Estado pelos danos decorrentes”(1997, p. 130).(21)
Vera Lúcia R. S. Jucovsky, citando o Ministro José Delgado e Mário Moacyr Porto:
“Esta problemática está bem posta nos seguintes dizeres abalisados de José Augusto Delgado, de que ‘a demora na prestação jurisdicional cai no conceito de serviço público imperfeito’, quer ela seja por indolência do Juiz, quer seja por o Estado não prover adequadamente o bom funcionamento da Justiça. E já foi visto que a doutrina assume a defesa da responsabilidade civil do Estado pela chamada falta anônima do serviço, ou, em consequência, do não bem atuar dos seus agentes, mesmo que estes não pratiquem a omissão dolosamente.”(22)
Outros entendem que é preciso averiguar se a demora foi efetivamente a causa do dano e se pode ser imputada ao Estado, quer seja pela omissão de algum de seus agentes, quer por falha no serviço judiciário.
Este o magistério de Paulo Modesto (2001, p. 224):
“Nem toda violação de prazo processual caracteriza um dano ressarcível para efeitos indenizatórios. A violação de prazo processual é indício de omissão antijurídica, mas não traduz elemento de caracterização suficiente. A complexidade da demanda, objetiva e subjetiva, a conduta dilatória das partes, as dificuldades técnicas de comunicação dos atos processuais, por exemplo, são ocorrências que podem conduzir à inviabilidade prática de fiel cumprimento dos prazos legais.”(23)
Conclui-se, portanto, que a duração razoável do processo constitui direito constitucional fundamental garantido a todo cidadão, e sua inobservância pode, verificado o caso concreto, servir de fundamento a pedido de indenização ao Estado.
No plano infraconstitucional também encontramos dispositivos que fundamentam a responsabilidade dos magistrados por ação ou omissão.
O Código de Processo Civil, artigo 133, dispõe:
“art. 133. Responderá por perdas e danos o Juiz quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo e fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte;”
A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Lei Complementar 35/79), art. 49, prescreve:
“Art. 49. Responderá por perdas e danos o magistrado quando:
I – no exercício de suas funções, proceder com dolo e fraude;
II – recusar, omitir ou retardar, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício, ou a requerimento da parte;”
Os referidos dispositivos tratam da responsabilidade do juiz por danos causados aos jurisdicionados nas hipóteses em que restar configurado o dolo ou a fraude no exercício de suas funções, bem como nos casos em que, sem justificativa, recusar, omitir ou retardar providência que deveria ser realizada de ofício ou a requerimento da parte.
Em princípio, nas hipóteses dos incisos I, a responsabilidade dependerá de reconhecimento do dolo ou fraude do juiz em ação rescisória. Enquanto nas situações do inciso II exigem a satisfação das exigências do disposto no parágrafo único dos referidos artigos: “Reputar-se-ão verificadas as hipóteses previstas no nº II só depois que a parte, por intermédio do escrivão, requerer ao juiz que determine a providência e este não atender o pedido dentro de 10 (dez) dias.”
Cabe questionar se o prejudicado pode escolher entre ingressar com ação contra o Estado, com fulcro no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, hipótese em que não existe a necessidade de prova de culpa ou dolo, vez que a responsabilidade do Estado é objetiva, ou se pode acionar diretamente o juiz com fundamento nos aludidos dispositivos legais.
O Código de Processo Civil e a Lei Orgânica da Magistratura nada referem quanto à imediatidade da responsabilidade do magistrado. Creio que a interpretação mais adequada, considerando o texto constitucional, é no sentido de que o Estado responde primária e diretamente ao lesado; o magistrado tem responsabilidade regressiva diante do Estado nos casos figurados no art.133 do Código de Processo Civil, para a jurisdição civil, e o disposto no artigo 49 da LOMAN aplica-se às demais jurisdições, isso em consonância com o princípio da responsabilidade direta do Estado pelos atos dos seus agentes.
Nesse sentido são os ensinamentos de Ruy Rosado de Aguiar Junior:
“...c) nos casos do art. 133, I, do CPC, o Estado responde diretamente e tem ação regressiva contra o juiz; nas hipóteses do art. 133, II, trata-se de responsabilidade pessoal do juiz, com nítida feição correicional.
Para solver o impasse, é preciso considerar, em primeiro lugar, que tanto o Código de Processo Civil quanto a Lei Orgânica da Magistratura nada inferem quanto à imediatidade da responsabilidade atribuída ao juiz, pelo que se deve interpretar tais regras em consonância com o texto constitucional, isto é, o Estado responde primária e diretamente frente ao lesado; o Juiz responde regressivamente frente ao Estado nos casos figurados no artigo 133, para a jurisdição civil, e no artigo 49 da LOMAN, para as demais jurisdições. Isso significa respeitar o princípio geral da responsabilidade direta do Estado pelos atos dos seus agentes e a limitação do direito de regresso, em se tratando de ato judicial, às hipóteses dos artigos mencionados.
O princípio da responsabilidade objetiva, que se satisfaz com a causação do dano, não pode ser aceito no âmbito dos atos judiciais porque sempre, ou quase sempre, da atuação do juiz na jurisdição conscienciosa resultará alguma perda para uma das partes. Se esse dano fosse indenizável, transferir-se-ia para o Estado, na mais absoluta socialização dos prejuízos, todos os efeitos das contendas entre os particulares. É por isso que a regra ampla do artigo 37, § 6º, da Constituição deve ser trazida para os limites indicados no seu artigo 5º, LXXX, que admite a indenização quando o ato é falho (erro na sentença) ou quando falha o serviço (excesso de prisão). A partir daí, a legislação ordinária e complementar vale para delinear com mais precisão os contornos dessa responsabilidade. O Estado responde quando o juiz age com dolo, fraude (art. 133, I, do CPC; art. 49, I, da LOMAM) ou culpa grave, esta revelada por negligência manifesta (art. 133, II, do CPC; artigo 49, II, e 56, I, da LOMAN) ou pela incapacitação para o trabalho (art. 56, III, da LOMAN). (...)”(24)
Assim, o que se conclui é que primeiro responde o Estado frente ao jurisdicionado lesado, podendo o juiz responder em ação regressiva.
O Supremo Tribunal Federal (RE 228.977, informativo nº 263), firmou entendimento neste sentido:
"Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado [perante o jurisdicionado]. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil [direta] pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual – responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições –, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente [perante o jurisdicionado] em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6°, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido."
O art. 1.744, do Código Civil, prevê a responsabilidade pessoal do juiz que deixar de nomear tutor, e a responsabilidade subsidiária do juiz quando nomear tutor sem a exigência de garantia legal:
“Art. 1.744. A responsabilidade do juiz será:
I – direta e pessoal, quando não tiver nomeado o tutor, ou não o houver feito oportunamente;
II – subsidiária, quando não tiver exigido garantia legal do tutor, nem o removido, tanto que se tornou suspeito.”
Apesar do disposto em tais dispositivos, o Supremo Tribunal Federal não tem admitido a responsabilização pessoal do juiz perante o jurisdicionado em hipótese alguma.
7 Os precedentes existentes. A jurisprudência pátria
A jurisprudência, ainda que tímida em volume, tem francamente admitido a responsabilidade do Estado por ato jurisdicional. Várias manifestações da jurisprudência têm sustentando a tese da responsabilidade do Estado pela atividade jurisdicional:
"Direito constitucional e administrativo. Responsabilidade objetiva. Prisão ilegal. Danos morais. 1. O Estado está obrigado a indenizar o particular quando, por atuação dos seus agentes, pratica contra o mesmo prisão ilegal. 2. Em caso de prisão indevida, o fundamento indenizatório da responsabilidade do Estado deve ser enfocado sob o prisma de que a entidade estatal assume o dever de respeitar, integralmente, os direitos subjetivos constitucionais assegurados ao cidadão, especialmente, o de ir e vir. 3. O Estado, ao prender indevidamente o indivíduo, atenta contra os direitos humanos e provoca dano moral ao paciente, com reflexos em suas atividades profissionais e sociais. 4. A indenização por danos morais é uma recompensa pelo sofrimento vivenciado pelo cidadão, ao ver, publicamente, a sua honra atingida e o seu direito de locomoção sacrificado. 5. A responsabilidade pública por prisão indevida, no Direito brasileiro, está fundamentada na expressão contida no art. 5º, LXXV, da CF. 6. Recurso especial provido." (REsp 2209821RS,, Min. José Delgado)
“REVISÃO CRIMINAL - Inexistência de prova de ter o autor concorrido para infração penal. Erro judiciário. Absolvição. 1. É de se declarar a absolvição do réu com fulcro no inciso III do artigo 621 do CPP, se, diante dos laudos papiloscópico e grafotécnico, restar demonstrado que o verdadeiro agente da ação delituosa processada na ação penal não é o que ora oferece a revisão criminal. 2. Manifesto o erro judiciário, impõe-se a indenização ex vi art. 5º, inciso LXXV, da Constituição Federal e art. 630 do CPP. (TJDF - RVC 20050020003521 - C. Crim. - Rel. Des. Edson Alfredo Smaniotto - DJU 08.02.2007- p. 104) JCPP.621 JCPP.621.111 JCF.5 JCF.5.LXXV JCPP.630 227250 - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ATUAÇÃO DE MAGISTRADO - REPARAÇÃO DE DANOS - INDENIZAÇÃO - 1. A ausência de prequestionamento dos arts. 49, inciso 1, da Lei Orgânica da Magistratura e 131 do Código de Processo Civil atrai o óbice das Súmulas 282 e 356/STF. 2. Como o valor da indenização por dano moral é de difícil aferição, o quantum declinado pelo autor na inicial, a título de dano moral, é sempre feito por estimativa, sem que isso desfigure a certeza do pedido. 3. Afastada a indenização por danos materiais, mas concluindo-se pela existência do dano moral, pode o Tribunal fixá-la por estimativa, independentemente do pedido formulado pelo autor, podendo vir a ser fixada em quantum inferior ao requerido, inclusive, sem que isso represente sucumbência parcial. Precedentes. 4. É possível majorar ou reduzir o valor fixado como indenização, em sede de recurso especial, quando entender irrisório ou exagerado, por se tratar de discussão acerca de matéria de direito, e não de reexame do conjunto fático-probatório. Precedentes. 5. Estando a indenização fixada em valor excessivo, deve ser reduzida para o valor certo de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), importância que está em harmonia com o entendimento pacífico desta Corte. 6. Recurso especial conhecido em parte e parcialmente provido.” (STJ - REsp 299.833/RJ - (2001/0004193-0) - 28 T. - Rel. Min. Castro Meira - DJU 15.12.2006)
“ADMINISTRATIVO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO ATO JURISDICIONAL - ADJUDICAÇÃO DE IMÓVEL DECLARADA NULA - DENUNCIAÇÃO DA LIDE DOS AGENTES - CORREÇÃO MONETÁRIA NA FORMA DA ORIENTAÇÃO DADA PELO CJF.
1- A tese que mais se harmoniza com a orientação jurisprudencial firmada no Eg. Superior Tribunal de Justiça sufraga o entendimento segundo o qual não se reveste de obrigatoriedade a denunciação da lide de servidor público nas ações de indenização fundadas na responsabilidade civil objetiva do Estado (Precedente: REsp n° 237180, DJ de 22.08.2005, p. 184).
II - Nessa medida, inegável se mostra que indigitados atos tidos como ilegais – e que provocaram a nulidade da adjudicação judicial – caracterizam-se como atos judiciais, posto que praticados em processo judicial e mediante atividade jurisdicional exclusiva do Judiciário (adjudicação de bem imóvel em execução judicial, v.g.). Dessa forma, a averiguação da responsabilidade do Estado, no caso sob epígrafe, deve partir do regime jurídico conferido pela lei às questões atinentes à responsabilidade do Estado por danos decorrentes de atos judiciais. Sobre o tema, há precedente jurisprudencial, que reflete o entendimento prevalente nos tribunais pátrios, afirmando que a responsabilidade civil do Estado pela prática de ato judicial só ocorre quando há inequívoca demonstração de que o dano produzido decorreu de decisão teratológica, provocada por vontade dolosa do julgador (por todos, AC n° 22535, TRF-43 Região, DJ de 27.09.1993).
III - Como cediço, a jurisprudência pátria não admite, em regra, a responsabilidade civil do Estado em face de atos jurisdicionais praticados pelos magistrados. Dessarte, da mesma forma como se dá quanto aos atos praticados no exercício do Poder Legiferante, a regra é a irresponsabilidade do Estado em relação aos atos jurisdicionais praticados pelo juiz no exercício da função jurisdicional.
IV - Relativamente à correção monetária do valor a ser pago a título de indenização, a orientação jurisprudencial firmada neste Eg. Tribunal Regional determina seja observado o Manual de Procedimentos para os cálculos determinado pelo Conselho da Justiça Federal (CL AG n° 103103, 43 T., DJ de 2503-2004, pág. 179). Sendo assim, desarmoniza-se com os precedentes desta Corte Regional a tese segundo a qual se deva aplicar, nos casos de correção monetária de quantias indenizatórias reconhecidas judicialmente, os critérios utilizados pela Fazenda Nacional na atualização de seus créditos tributários. V- Apelação dos Autores e agravo retido desprovidos. Remessa oficial e apelação da União providas.” (AC nº 338597-RJ,TRF 2. Rel. Theophilo Miguel. Dju 28.06.2007 p. 258.)
“PROCESSO PENAL - REVISÃO CRIMINAL - PROCEDÊNCIA ABSOLVIÇÃO POR ATIPIA DA CONDUTA – INDENIZAÇÃO. O condenado que, em sede de revisão criminal, é absolvido por atipicidade dos fatos que lhe foram imputados na ação penal em que exarada a sentença revisanda, faz jus, nos moldes do art. 630 do CPP e do art. 5°, LXXV, da CF, a uma justa indenização pelos danos materiais e morais decorrentes do erro judiciário.”(TRF 48 R. - EDc/-RvCr 2005.04.01.006340-5- 41 S. - Rel. Des. Fed. Paulo Afonso Brum Vaz - DJU 28.03.2007) .
“CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - CIVIL RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - PRISÃO ILEGAL INOCORRÊNCIA - DANOS MORAIS - AUSÊNCIA DO DEVER DE INDENIZAR. A responsabilidade objetiva independe da comprovação de culpa ou dolo, ou seja, basta estar configurada a existência do dano, da ação e do nexo de causalidade entre ambos (art. 37, § 6° da CF/88). Demonstrado o nexo causal entre o fato lesivo imputável à administração e o dano, exsurge para o ente público o dever de indenizar o particular, mediante o restabelecimento do patrimônio lesado por meio de uma compensação pecuniária compatível com o prejuízo. A indenização por atos do poder judiciário exige ainda a demonstração da ocorrência de erro nos termos do artigo 5°, inciso LXXV da Constituição Federal. Não comprovada a ilegalidade do ato que determinou a prisão da autora, não há que se falar em obrigação de indenizar. Sucumbência mantida, por ausência de impugnação. Prequestionamento quanto à legislação invocada estabelecido pelas razões de decidir. Apelação improvida.” (TRF 41 R- AC 2003.04.01.040306-2 - 3a T. - Rel. Des. Fed. Fernando Quadros da Silva - DJU 06.12.2006)
“CIVIL - AÇÃO PENAL CUJA DENÚNCIA NÃO FOI RECEBIDA PELO JUIZ FEDERAL - RESPONSABILIDADE CIVIL POR ERRO JUDICIÁRIO NÃO CONFIGURAÇÃO - HIPÓTESE DE RESPONSABILIZAÇÃO SUBJETIVA. Situação em que o Ministério Público Federal recebeu ofício da Justiça do Trabalho informando sobre a retenção de autos processuais, por parte do ora apelante, e o MPF, ante a ausência de elementos para que fosse interposta a denúncia, requisitou a instauração de inquérito policial para a investigação do caso, e, após ter sido concluído, foi oferecida denúncia e encaminhada para a Justiça Federal, onde o MM. Juiz Federal concluiu por não acolher a denúncia em virtude da atipicidade da conduta do acusado. - O ato contra o qual se insurge o apelante não pode se encaixar na hipótese do art. 50, LXXV, da CF, que fala expressamente em indenização do ‘condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença.’ Ao falar-se expressamente em ‘condenação’ por erro judiciário, a Constituição se reporta especificamente a ato do magistrado que, tendo condenado um inocente, é modificado em sede de revisão criminal. - A responsabilidade do Estado (excluída a hipótese de condenação por erro judiciário) é de cunho subjetivo, sendo necessária a aferição de culpa para sua caracterização. - O Ministério Público, ao oferecer denúncia contra o autor, atuou nos estritos limites de sua competência e de acordo com as suas atribuições funcionais. - Apelação improvida.” (TRF 58 R. - AC 2002.81.00.008930-1 - 11 T. - CE - Rel. Des. Fed. Francisco Wildo Lacerda Dantas - DJU 15.12.2005 - p. 572)
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO - ERRO JUDICIÁRIO DANO MORAL - EXISTÊNCIA - PEDIDO DE INDENIZAÇÃO ADMISSIBILIDADE. – ‘Constitucional. Responsabilidade objetiva do Estado. Atos do Poder Judiciário. Dano moral. Existência. Indenização devida. 1. No âmbito do direito público, o ordenamento jurídico pátrio adota a tese da responsabilidade objetiva do Estado por erro judiciário, sendo o direito à indenização por dano moral uma garantia constitucional (art. 51, V e LXXV, CF/88). 2. Hipótese em que o demandante, advogado criminalista, permaneceu recolhido indevidamente em presídio, quando a pretensão executória do Estado já se encontrava prescrita. 3. Redução do quantum indenizatório para evitar enriquecimento sem causa, em homenagem ao entendimento consolidado no eg. STJ. Vencido o relator nesse aspecto, prevalecendo o voto médio, mantendo o valor fixado na sentença. 4. Remessa oficial e apelação parcialmente providas. Apelo do particular prejudicado." (TRF 51 R. - AC 287.787 - PE - 41 T. - Rel. Des. Fed. Luiz Alberto Gurgel de Faria - DJU 21.07.2003 - p. 325)
O Supremo Tribunal Federal tem poucos julgados sobre a matéria. Provavelmente em razão de que a Corte Suprema tem assentado sua jurisprudência na irresponsabilização do Poder Público por atos jurisdicionais, sob o fundamento de que não existe disposição legal específica para tanto.
Seguem algumas ementas neste sentido:
"CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - CIVIL - RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: ATOS DOS JUÍZES - CF, ART. 37, § 6°. 1 - A responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. il. Decreto judicial de prisão preventiva não se confunde com o erro judiciário, CF, art. 5°, LXXV, mesmo que o réu, ao final da ação penal, venha a ser absolvido. III. - Negativa de trânsito ao RE. Agravo não provido." (STF, RE 429518 AgRg/SC, 21 T., Rel. Min. Carlos Velloso, DJU 1 28.10.2004)
"RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - ATO DO PODER JUDICIÁRIO - O princípio da responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, salvo os casos expressamente declarados em lei. Orientação assentada na Jurisprudência do STF. Recurso conhecido e provido." (STF, RE 219117/PR, 11 T., Rel. Min. limar Galvão, DJU 1 29.10.1999)
"Responsabilidade objetiva do Estado. Ato do Poder Judiciário. A orientação que veio a predominar nesta Corte, em face das Constituições anteriores a de 1988, foi a de que a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos do Poder Judiciário, a não ser nos casos expressamente declarados em lei. Precedentes do STF. Recurso extraordinário não conhecido." (STF, RE 111609/AM, 11 T., Rei. Min. Moreira Alves, DJ 19.03.1993)
Assim, da análise das decisões acima referidas, extrai-se que, apesar do entendimento da doutrina de que no artigo 37, § 6º, da Constituição Federal estão inclusos também os atos dos magistrados, a jurisprudência, notadamente o Supremo Tribunal Federal, ainda resiste em acolher em sua plenitude a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.
Conclusão
1. O Estado inicialmente era tido como irresponsável. Com o passar do tempo, tal entendimento foi superado, passando-se por várias teorias até chegar-se à teoria do risco, a qual serviu de base para a responsabilidade objetiva.
2. No Brasil, os textos constitucionais adotam a teoria da responsabilidade objetiva do Estado desde a Constituição Federal de 1946, com previsão na atual Constituição no art. 37, § 6º.
3. Em relação à responsabilidade do Estado por atos do Poder Judiciário, necessário distinguir os atos judiciais administrativos e os propriamente jurisdicionais, uma vez que se admite o dever de indenizar quanto aos primeiros, sendo que quanto aos jurisdicionais há diversas objeções.
4. A atividade jurisdicional pode causar danos, patrimoniais ou morais, aos particulares.
5. A questão da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais típicos é tema por demais controvertido. Há entendimentos doutrinários diversos. Parte da doutrina defende a irresponsabilidade do Estado. Para esse grupo, o Estado não responde por prejuízos decorrentes de sentença, em razão dos seguintes fundamentos: soberania do poder judiciário; independência dos juízes; o juiz não é servidor público; imutabilidade da coisa julgada.
6. A corrente que defende a responsabilidade do Estado afasta todos os argumentos acima elencados, invocando o disposto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, excluindo porém, a hipótese de mera interpretação de lei.
7. A responsabilidade por atos jurisdicionais, perante terceiros, deve ser do Estado, e não do juiz, visto que este é um agente que exerce a sua atividade jurisdicional em nome do Estado. O Estado responde perante o lesado, nos termos do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal.
8. A responsabilidade pessoal do juiz pode restar configurada em ação de regresso promovida pelo Estado, desde que demonstrado o comportamento doloso ou culposo do juiz.
9. A indenização pelo erro judiciário é assegurada pelos arts. 5º, LXXV, da Constituição Federal e 630 do Código de Processo Penal, devendo abranger não apenas o erro judiciário ocorrido na esfera penal, mas também aquele ocorrido no âmbito cível.
10. A prisão ilegal também serve como fundamento a pedido de indenização ao Estado.
11. Existem entendimentos na doutrina e na jurisprudência defendendo uma ampliação da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.
12. A jurisprudência ainda é reticente em admitir a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais típicos, havendo posicionamentos de que a responsabilidade do Estado-juiz somente ocorre nos casos previstos expressamente. Porém, existem decisões acolhendo a tese da responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, sinalizando assim com uma tendência de superação da ideia de irresponsabilidade.
13. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que o Estado não é civilmente responsável pelos atos dos juízes praticados no exercício da atividade jurisdicional, a não ser nos casos expressamente declarados em lei.
14. Creio que deve ser acolhida a responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, visto que na atualidade é a posição mais consentânea com o Estado de direito. Concluímos que a regra do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal aplica-se à responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais.
Referências Bibliográficas
AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado de. Revista Faculdade de Direito UFRGS, Porto Alegre, nov. 1993, p. 16.
CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Administrativo, 1986, p. 101.
______. O Estado e a obrigação de indenizar. Forense, 1998, p. 240.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. v. VII. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 443-444.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
FIGUEIRA JUNIOR, J. D. Responsabilidade Civil do Estado-juiz; doutrina e jurisprudência, Curitiba: Juruá, 1995.
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994.
FILHO, Artur Marques da Silva, Juízes irresponsáveis? Uma indagação sempre presente. São Paulo: RT, ano 80, v. 674, dez. 1991.
FREITAS, Sérgio Henrique Zandona. Responsabilidade patrimonial do Estado. In: MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Curso prático de direito administrativo. 2. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
GASPARINI, Diógenes. Curso Direito Administrativo, 1992, p. 617.
JUCOVSKY, Vera Lúcia R. S. Responsabilidade civil do Estado pela demora na prestação jurisdicional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
LAZZARINI, Álvaro. Estudos de direito administrativo. São Paulo: R. dos Tribunais, 1995.
LENZ, Carlos Eduardo Thompson Flores. Responsabilidade do Estado por atos judiciais. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro, v. 210, out/dez. 1997.
LOUREIRO FILHO, Lair da Silva. Responsabilidade pública por atividade judiciária. Revista dos Tribunais, 2005.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2000.
MODESTO, Paulo. Responsabilidade do Estado pela demora na prestação jurisdicional. In LEÃO, Adroaldo; FILHO, R. M. V. Pamplona (coord.). Responsabilidade civil, Rio de Janeiro: Forense, 2001.
OLIVEIRA, Josivaldo Félix de. A responsabilidade do Estado por ato ilícito. São Paulo.
PACHECO, José da Silva. A nova constituição e o problema da responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público e privado prestadoras de serviço público. São Paulo: RT, 1988.
PORTO, Mário Moacyr. Responsabilidade do Estado pelos atos dos seus juízes. RT, nº 563, p. 9-10.
SERRANO JUNIOR, Odoné. Responsabilidade Civil do Estado pelo mau funcionamento dos serviços judiciários. São Paulo: RT, v. 746, 1997.
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996.
SOUZA MENDONÇA, Fabiano André. Revista Jurídica, XLVI, nº 244, 1998, p. 132-133.
STOCCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial; doutrina e jurisprudência, 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
______. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 6 – nº 21, 1998, p. 90.
VENTURA LEITE, Rosimeire. Responsabilidade do Estado por atos jurisdicionais, p. 111.
Notas
1. CRETELLA JUNIOR, José. Curso de Direito Administrativo, 1986, p. 101.
2. GASPARINI, Diógenes. Curso Direito Administrativo, 1992, p. 617.
3. CRETELLA JUNIOR, José. O Estado e a Obrigação de Indenizar. Forense, 1998, p. 240.
4. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, 12, Forense, 1996, v. 1.
5. FREITAS, Sergio Henrique Zandona. Responsabilidade patrimonial do Estado. In MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Curso prático de Direito administrativo. Del Rey, 2004.
6. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, 2003, p. 534-535.
7. LOUREIRO FILHO, Lair da Silva. Responsabilidade pública por atividade judiciária. Revista dos
Tribunais, 2005, p. 117.
8. VENTURA LEITE. Responsabilidade do Estado por Atos Jurisdicionais. p. 111.
9. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Atlas, 2003, p. 511.
10. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. Atlas, 2003, p. 511.
11. VENTURA LEITE. Responsabilidade do Estado por Atos Jurisdicionais. p. 111.
12. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil brasileiro. v. VII. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 443-444.
13. SERRANO JUNIOR. Odoné. Responsabilidade civil do Estado pelo mau funcionamento dos serviços judiciário. RT, São Paulo, p. 135.
14. PORTO, Mário Moacyr. Responsabilidade do Estado pelos atos dos seus juízes. São Paulo: RT, nº 563, p. 9-10.
15. SOUZA MENDONÇA, Fabiano André. Revista Jurídica. a. XLVI, nº 244, 1998, p. 132-133.
16. FIGUEIREDO, Lúcia Valle, Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 181.
17. FREITAS. Responsabilidade Patrimonial do Estado.
18. STOCCO, Rui. Responsabilidade Civil e sua interpretação jurisprudencial; doutrina e jurisprudência. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.
19. SERRANO JUNIOR, Odoné. Responsabilidade Civil do Estado pelo mau funcionamento dos serviços judiciários. São Paulo: RT. a. 86, v. 746, 1997, p. 129.
20. STOCCO, Ruy. Revista Brasileira de Ciências Criminais, a. 6 – nº 21, 1998, p. 90.
21. SERRANO JUNIOR, Odoné. Responsabilidade Civil do Estado pelo mau funcionamento dos serviços judiciários. São Paulo: RT, a. 86, v. 746, 1997, p. 130.
22. JUCOVSKY, Vera Lúcia R. S. Responsabilidade Civil do Estado pela demora na Prestação Jurisdicional. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999, p. 70-71.
23. MODESTO, Paulo. Responsabilidade do Estado pela demora na prestação jurisdicional. 2001, p. 224.
24. AGUIAR JUNIOR, Ruy Rosado de. Revista Faculdade de Direito UFRGS. Porto Alegre, 9, 1993, p. 16.
|