Consequências do descumprimento da obrigação ambiental prévia à transação penal |
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Autor: Marcelo Adriano Micheloti Juiz Federal Substituto publicado em 30.06.2009
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Resumo Sumário: Introdução. 1 Procedimento da transação penal. 2 Descumprimento da obrigação de reparar o dano e da transação. Conclusão. Referências bibliográficas. Palavras-chave: Juizado Especial Criminal. Transação. Crimes ambientais. Descumprimento. Consequências. Introdução A diferenciação do que é a obrigação civil de reparação dos danos daquilo que efetivamente é objeto da transação penal é necessária para se chegar às devidas consequências do descumprimento de uma ou de outra. A mistura dessas duas coisas tem levado a tratar o acompanhamento/descumprimento delas da mesma forma. Analisar se existe a apontada distinção e as consequências de adotar uma ou outra posição é o objetivo deste breve texto. 1 Procedimento da transação penal A composição dos danos tem relevância na parte penal quando se tratar de ação penal de iniciativa privada ou pública condicionada à representação, pois o acordo homologado significará renúncia ao direito de queixa ou representação.(3) Quando se tratar de ação penal pública incondicionada, a composição dos danos e a transação são completamente independentes uma da outra. Em outras palavras, se não houver composição dos danos, isso não será impeditivo para a proposta da pena alternativa. Se acontecer a composição, isso, por si só, não será motivo suficiente para obter a transação. Um pouco diferente será a situação quando envolver delitos ambientais. De acordo com o artigo 27 da Lei nº 9.605/1998, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa (disposta no artigo 76 da Lei nº 9.099/1995) somente poderá ser formulada se houver a “prévia composição do dano ambiental”. Essa prévia composição foi entendida pela doutrina especializada como compromisso de recuperação ambiental, e não a efetiva reparação do dano.(4) Portanto, há uma condição anterior ao momento do oferecimento da proposta de transação penal. Assim, se o suposto autor do fato não se comprometer (acordar) a recuperar o ambiente degradado, não se vai para a fase seguinte (transação = aplicação da pena restritiva de direitos ou multa). Firmado o compromisso, então, nos termos do artigo 76 da Lei nº 9.099/1995, o Ministério Público, não sendo caso de arquivamento, poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas. 2 Descumprimento da obrigação de reparar o dano e da transação Se, no entanto, houver descumprimento das penas restritivas de direito ou multas, o Supremo Tribunal Federal entendeu que se deve dar seguimento à persecução penal,(7) no que foi seguido pela Turma de Uniformização Nacional dos Juizados Especiais Federais.(8) Em sentido diverso são as decisões do Superior Tribunal de Justiça.(9) Em se tratando de delito ambiental, o referido compromisso de composição dos danos, se acaso não cumprido, também não gera qualquer interferência na transação penal. Em outras palavras, se a pena não privativa de liberdade aplicada estiver sendo cumprida corretamente (ou já tiver sido cumprida), aquele descumprimento não gerará qualquer consequência aqui. A consequência do descumprimento da obrigação civil (seja ela comum ou ambiental) está disciplinada no artigo 76 da Lei nº 9.099/95: execução de título judicial no juízo cível competente. Não há qualquer alteração pelo fato de o compromisso de composição ambiental ser requisito obrigatório para a proposta de transação penal nos crimes ambientais. O título judicial também será executado no juízo cível competente e, como em geral se trata de obrigação de fazer (recuperação da área degradada), o processo seguirá o rito dos artigos 632 e seguintes do Código de Processo Civil. Por outro lado, se o suposto autor do fato cumprir a obrigação ambiental e não fizer aquela da transação penal, a persecução penal estará aberta (seguindo o posicionamento do STF). Homologado o compromisso de composição dos danos ambientais, encerra-se a prestação jurisdicional do juízo criminal acerca dessa questão. Eventuais providências (tais como apresentação de projetos de recuperação, demolição de construção irregular) que devam ser tomadas pelo suposto autor do fato devem ser fiscalizadas pelo Ministério Público,(10) no âmbito administrativo. E assim deve ser porque a prática tem demonstrado que a análise desse cumprimento (seja na apresentação dos PRAD´s, seja na sua execução) no juizado criminal só tem servido para levar à prescrição dos crimes ambientais, para os quais a maioria das penas ao final aplicadas sujeitam-se ao prazo prescricional de dois anos. Deve-se lembrar que a transação penal não é marco interruptivo da prescrição e que, durante o cumprimento das penas alternativas, ela não é suspensa (diferentemente é a hipótese do artigo 89, § 1º, da Lei nº 9.099/1995).(11) É que os organismos ambientais (IBAMA, autarquias ou órgãos estaduais ou municipais) demoram na análise dos PRADs e muito mais ainda na verificação de sua execução. Por outro lado, por vezes, o próprio autor do fato não apresenta o projeto no prazo especificado. Tudo isso leva o processo a um sem número de atos inúteis, nos quais se determina a intimação das partes e do órgão ambiental para ficar um respondendo ao outro. Portanto, é forçoso concluir que o juizado penal não tem competência para esse tipo de fiscalização e que o contrário tem levado os processos à prescrição penal. Conclusão Quando se trata de crimes ambientais, a composição dos danos (compromisso de recuperação da área degrada) é condição para possibilitar a proposta de transação penal. Sem a aceitação daquela, não é possível esta. No mais, suas características são idênticas à transação de outras espécies de crimes. Assim, o descumprimento da obrigação de reparação do dano ambiental levará seu cumprimento no juízo cível competente, não tendo qualquer interferência na aferição da extinção da punibilidade pelo cumprimento das penas restritivas de direito ou de multas objeto da transação. Referências bibliográficas CAPEZ, Fernando. Legislação Penal Especial.v. 2. 6. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2007. COSTA, Nicolau Dino de Castro e; BELLO FILHO, Ney de Barros; COSTA, Flávio Dino de Castro e. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. FREITAS, Vladimir Passos de; FREITAS, Gilberto Passos de. Crimes contra a natureza. 8. ed. São Paulo: RT, 2006. Notas 1. “Art. 72. Na audiência preliminar, presente o representante do Ministério Público, o autor do fato e a vítima e, se possível, o responsável civil, acompanhados por seus advogados, o Juiz esclarecerá sobre a possibilidade da composição dos danos e da aceitação da proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade.” 2. “Art. 76. Havendo representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.” 3. “Art. 74. [...] Parágrafo único. Tratando-se de ação penal de iniciativa privada ou de ação penal pública condicionada à representação, o acordo homologado acarreta a renúncia ao direito de queixa ou representação.” 4. “Deve-se fazer a distinção, na esteira do pensamento de Cezar Roberto Bitencourt, entre composição do dano e reparação do dano. Compor significa harmonizar, conciliar, acordar. Não induz, portanto, ao entendimento de que necessário seria reparar previamente o dano ambiental causado. Reforça esse entendimento a remissão ao art. 74 da Lei n.º 9.099/95, que confere à composição do dano eficácia de título executivo judicial. Ora, se pode haver execução, no juízo cível, do título que corporificou a composição, não se está a exigir que antecipadamente o responsável promova a restauração do bem lesado.” (Nicolau Dino de Castro e Costa. Crimes e Infrações Administrativas Ambientais. 2. ed. Brasília: Brasília Jurídica, 2001. p. 154) 5. “Art. 74. A composição dos danos civis será reduzida a escrito e, homologada pelo Juiz mediante sentença irrecorrível, terá eficácia de título a ser executado no juízo civil competente.” 6. “[...] em se tratando de ação penal incondicionada, pouco importa tenha ou não ocorrido o acordo civil, pois ele não será considerado causa extintiva; [...]” (Fernando Capez. Legislação Penal Especial. v. 2. 6. ed. São Paulo: Damásio de Jesus, 2007. p. 30) 7. “TRANSAÇÃO - JUIZADOS ESPECIAIS - PENA RESTRITIVA DE DIREITOS - CONVERSÃO - PENA PRIVATIVA DO EXERCÍCIO DA LIBERDADE - DESCABIMENTO. A transformação automática da pena restritiva de direitos, decorrente de transação, em privativa do exercício da liberdade discrepa da garantia constitucional do devido processo legal. Impõe-se, uma vez descumprido o termo de transação, a declaração de insubsistência deste último, retornando-se ao estado anterior, dando-se oportunidade ao Ministério Público de vir a requerer a instauração de inquérito ou propor a ação penal, ofertando denúncia.” (STF, HC 79572-GO, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, j. 29.02.2000, DJ 22.02.2002, p. 34) 8. “PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO. TRANSAÇÃO PREVISTA NO ART. 76 DA LEI nº 9.099/95. NATUREZA JURÍDICA. CONSEQÜÊNCIAS JURÍDICAS DO DESCUMPRIMENTO. A sentença homologatória de transação (art. 76 da Lei nº 9.099/95) tem natureza meramente formal, não gerando qualquer efeito extintivo da punibilidade relativamente ao fato objeto da homologação. Descumprindo o beneficiado o acordo, devidamente homologado, rescinde-se a homologação e abre-se a possibilidade ao Ministério Público de instaurar, por meio de denúncia perante o juizado especial criminal, instância penal. Pedido de uniformização conhecido e desprovido.” (JEF – TNU - PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE INTERPRETAÇÃO DE LEI FEDERAL - Processo: 200361810048660, j. 17.03.2008, DJU 25.04.2008, Rel. Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL) 9. “HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. FURTO TENTADO. TRANSAÇÃO PENAL ACEITA E HOMOLOGADA. REVOGAÇÃO. INCABIMENTO. ORDEM CONCEDIDA. |
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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