Direito fundamental à duração razoável do processo (fundamental right and the reasonable duration of the process)


Autor: Clóvis Fedrizzi Rodrigues

Doutorando em Direito pela Universidade de Granada – Espanha. Professor de Processo Civil. Advogado.

 publicado em 16.12.2009

Resumo: A chamada Reforma do Poder Judiciário preocupou-se com a morosidade da prestação jurisdicional. Após longos debates, as Casas Legislativas incluíram no rol dos direitos fundamentais a garantia da razoável duração do processo (art. 5º, inciso LXXVIII), determinando, ainda, que os processos devam ser distribuídos de forma imediata (art. 93, inciso XV). Embora tenham ocorrido as alterações constitucionais, não há critério apriorístico para se definir o que seja “razoável duração do processo”, mas certamente a garantia da tempestividade da tutela jurisdicional já encontrava suporte na previsão constitucional do devido processo legal (art. 5º, inciso LV), do acesso à justiça (art. 5º, inciso XXXV) e do princípio da eficiência (art. 37).  

Palavras-chave: Duração razoável do processo. Devido processo legal. Acesso ao judiciário. Princípio da eficiência. 

Abstract: The Reformation of the Judiciary Power concerned about the slowness of the judgements. After long discussion, the Legislative Houses had included in the roll of the basic rights the guarantee of the reasonable duration of the lawsuits (art. 5, proposition LXXVIII), determining that they must be distributed immediately (art. 93, proposition XV). Although the constitutional alterations have occurred, there is not an aprioristic criterion to define what it is "reasonable duration of the lawsuit”. But, certainly, the guarantee of the high speed of the jurisdictional guardianship had been protected in the constitutional forecast of the due process of law (art. 5. proposition LV), guarantee of access to the judiciary power (art. 5. proposition XXXV), and the principle of the efficiency (art. 37).

Sumário: Introdução. 1 Origem da disposição de tempo razoável do processo. 2 Definição de prazo razoável. 3 Reformas processuais. 4 Devido processo legal. 5 Acesso ao judiciário. 6 Princípio da eficiência. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

Introdução

Depois de mais de uma década de acirrados debates, foi promulgada a Emenda Constitucional nº 45, de 8 de dezembro de 2004, a qual se convencionou chamar de emenda constitucional da Reforma do Poder Judiciário.

A referida emenda constitucional acrescentou no rol dos direitos fundamentais o inciso LXXVIII ao art. 5º, que determina de forma cogente: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.

Ainda em busca da tão sonhada celeridade da prestação jurisdicional, agora o art. 93, inciso XV, prevê que: “a distribuição de processos será imediata, em todos os graus de jurisdição”.

A emenda constitucional tenta, com os novos dispositivos, acabar com a malfadada morosidade do judiciário. Claramente nota-se que, caso à emenda constitucional não se seguir uma reforma das leis processuais e da administração do Poder Judiciário, bem como de uma profunda reflexão do Poder Executivo e Legislativo quanto a sua responsabilidade na atual morosidade da prestação jurisdicional, as referidas disposições terão tão-somente caráter principiológico, nada de novo trazendo ao jurisdicionado.
  
Os dispositivos, segundo entendemos, de mera disposição programática, pressupõem que se adote posturas no sentido de que a prestação jurisdicional seja efetivada dentro de uma margem temporal adequada.

O sistema processual atual é extremamente rigoroso em relação aos prazos referentes às partes, e soberbamente permissivo em relação aos prazos que se referem ao órgão judicial.
 
Atualmente é incomum os Tribunais reconhecerem tanto a possibilidade de avocação, pelo Tribunal, dos autos indevidamente retidos (art. 198, CPC), quanto a responsabilidade civil do Estado pela tutela jurisdicional intempestiva (art. 37, § 6º, CF).

Com o presente estudo, tentaremos mostrar, sem a veleidade de esgotar o tema, que as garantias do devido processo legal, do acesso ao judiciário, e do princípio da eficiência já asseguravam a garantia de prazo razoável da prestação jurisdicional.

Antes, entretanto, de adentrarmos no tema, importante relatar, ainda que sumariamente, as origens das positivações preocupadas com a questão temporal da prestação jurisdicional.

1 Origem da disposição de tempo razoável do processo

Poderíamos, no presente capítulo, fazer toda uma digressão histórica montada aos idos das primeiras positivações,(1) mas não é o objetivo do presente estudo. Contemporaneamente, os fluidos das idéias preocupadas com a questão do tempo no direito levaram a Convenção Européia para Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais a reconhecer, de modo explícito, no texto do art. 6º, § 1º, que a Justiça deve ser posta dentro de um prazo razoável.
 
Segundo informa Guerra, a Convenção Européia para salvaguardar os Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, assinada em Roma no dia 4 de novembro de 1950, serviu de fonte para a positivação posterior da exigência da duração razoável do processo.(2)

Naquela convenção restou estabelecido no art. 6º, 1, que:

“Toda a pessoa tem direito a que sua causa seja examinada eqüitativa e publicamente num prazo razoável, por um tribunal independente e imparcial instituído por lei, que decidirá sobre seus direitos e obrigações civis ou sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal contra ela dirigida”.   

Mais tarde a Convenção Americana de Direitos Humanos, assinada em 22 de novembro de 1969, dispunha que: “Toda pessoa terá direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável (...)”.

A Constituição espanhola de 1978, em seu art. 24.2, previa que: “Asinismo todos tienen derecho al juez ordinario predeterminado por la ley, la defensa y a la assistencia de letrado, a ser informado de la acusación formulada contra ellos, a um processo público sin delaciones indebidas y com todas lãs garantias (...)”(3)

Ou seja, já em 1978 previa a Constituição espanhola que: “todos têm direito ao juiz ordinário previamente determinado por lei, à defesa e à assistência de advogado, a ser informado da acusação contra si deduzida, a um processo público sem dilação indevida e com todas as garantias”.

No ano de 1999, a Constituição italiana acrescentou dois parágrafos ao artigo 111, positivando a exigência da duração do tempo razoável do processo, dispondo que:

“La giurisdizione si attua mediante il giusto processo regolato dalla legge. Ogni processo si svolge nel contraddittorio tra le parti, in condizioni di parità, davanti a giudice terzo e imparziale. La legge se assicura la regionevole durata”.

Em Portugal, a garantia foi consignada na Constituição, em seu art. 20. Está igualmente contemplada no CPC lusitano no artigo 2º:

“A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar".(4)

A Constituição do Canadá, em seu artigo 11.b, também tem como foco de mira a celeridade da resolução judicial, prevendo que a prestação jurisdicional deve ser resolvida em um prazo razoável: "Toda pessoa demandada tem o direito de ser julgada dentro de um prazo razoável".

No Brasil, desde 26.05.1992, o Congresso Nacional, mediante o Decreto 27, aprovou o texto da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos denominado de Pacto de São José da Costa Rica e, com o Decreto 678 de 09.11.1992, a convenção foi promulgada, prescrevendo no art. 8º que:

“Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.”

A partir de então, dúvidas surgiram se os compromissos assumidos pelo Brasil em tratado internacional de que seja parte, conforme prevê o § 2º do art. 5º da Constituição, teriam hierarquia de norma constitucional ou de simples lei ordinária. O STF, quando provocado para se manifestar sobre qual prevalecia, declarou que os tratados entram no País com força de lei ordinária, logo, não podem ser superiores a normas constitucionais, em face do princípio da soberania.(5)

Entretanto, a Emenda Constitucional nº 45 acrescentou ao art. 5º o § 3º, estabelecendo que:

“Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais.”

Com isso, a reforma do Judiciário respeitou a posição originária do STF de forma que, de regra, os tratados internacionais têm natureza jurídica de lei ordinária, porém, quando forem aprovados pelo Congresso Nacional, nas duas Casas, em dois turnos e com quorum de 3/5, passam a ter natureza jurídica de norma constitucional (status de emenda constitucional).

Com efeito, sendo os Pactos Internacionais assinados pelo Brasil e aprovados pelo Congresso Nacional, nas duas Casas, em dois turnos e com quorum de 3/5, será duplamente garantido o direito fundamental da duração de tempo razoável da prestação jurisdicional, resta saber, entretanto, o que significa exatamente a referida garantia.

2 Definição de prazo razoável

Não é de fácil apreensão a noção do que realmente se entende por duração razoável do processo, ou até mesmoo que seja prazo razoável a uma prestação jurisdicional.

Sem veleidade alguma, é o adjetivo “razoável” que nos faz refletir agora. Porque sabemos que o processo tem seu tempo próprio, o qual não corresponde ao do mundo.

Hoje vivemos em uma sociedade dominada pela lógica do tempo curto e regida pela velocidade. O fato de as demandas durarem mais do que as pessoas desejam é explicável: tanto o réu como o autor, num feito civil ou criminal, esperam uma decisão de que depende algo importante: a liberdade, um ganho patrimonial ou outro valor qualquer.

Efetivamente para quem espera, o tempo subjetivo é sempre maior. Em termos de mensuração física, o desenrolar de uma hora, um mês, ou um ano continua a representar para a humanidade a mesma fração do tempo que a Terra leva para rodar em torno de si mesma e do Sol. Para a nossa percepção subjetiva, de pessoas que vivem no início do século XXI, a questão do tempo não é a mesma das pessoas que viveram no século XVI, no século XVIII e assim sucessivamente.

Hoje, sem dúvida, o tempo é menor em termos subjetivos. E, também, o demorado é muito mais demorado. Desse modo, o tempo razoável de algumas décadas atrás deixa de ser razoável e passa a ser excessivo.

A percepção atual do tempo subjetivo é medida por vários fatores da vida de cada pessoa. Assim, cada indivíduo quer decisões de acordo com sua noção de tempo.

A noção de tempo na vida contemporânea é fundamental, portanto, para definição do que realmente possa se entender por prazo razoável. Hoje certamente ninguém sustentaria que o prazo de 15 dias para contestar uma ação não seria razoável para o amplo contraditório e a ampla defesa, mas certamente não poderíamos sustentar o mesmo se o legislador ordinário, com fundamento no novo preceito constitucional, reduzisse o prazo de defesa para 24 horas. O legislador ao mensurar prazos há que ponderar todos os fatores.  Não há que se olvidar que o tempo fundamental para a garantia da segurança jurídica é, ao mesmo tempo, incompatível com a efetividade jurisdicional. O mestre Carnelutti já dizia:

“O slogan da justiça rápida e segura, que anda na boca dos políticos inexperientes, contém, lamentavelmente, uma contradição in adjecto: se a justiça é segura, não é rápida; se é rápida, não é segura”.(6) Já tivemos oportunidade de refletir que:

“Celeridade e segurança jurídica são forças antagônicas que têm de conviver. Como operadores do direito, o papel é mediar esse constante conflito, fazer com que essas forças se conciliem, da melhor maneira possível.”(7)

Portanto, há que se ter muita cautela em não confundir os objetivos de ser assegurado como direito fundamental a duração de tempo razoável do processo. Não resta dúvida que o princípio da nova norma constitucional não é a pura celeridade processual, até porque prestação jurisdicional em prazo razoável não é o mesmo que prestação jurisdicional célere.(8)

No que tange à agilização da prestação jurisdicional, por certo que ideal seria, como já disse Calamandrei,

"... un ordinamiento procesal puramente ideal, en el que la providencia definitiva pudiese ser siempre instantânea, de modo que, en el mismo momento en que el titular del derecho presentase la demanda se le pudiera immediatamente otorgar justicia de modo pleno y adecuado al caso, no habria lugar para las providencias cautelares"
.(9)

Canotilho ressalta que: "A protecção jurídica através dos tribunais implica a garantia de uma proteção eficaz e temporalmente adequada.”(10)

Também já nos ensinou Chiovenda que: "la necessità di servirsi del processo per ottener ragione non deve tornar a danno di chi ha la ragione",(11) o que também conduz à necessidade de oferecer remédios contra os males do tempo, porque o decurso deste poderia trazer danos ao litigante que tenha o direito ao bem que pretende.(12)

Pois bem. O Tribunal de Estrasburgo, onde o preceito já vem sendo discutido de longa data, leva em consideração os seguintes critérios para definir prazo razoável: a) a complexidade da causa; b) o comportamento das partes; e c) a atuação dos órgãos estatais, não só dos órgãos jurisdicionais, mas dos demais da esfera do poder.(13) 

Resumindo o ponto de vista da jurisprudência da Corte Européia, Tarzia se manifesta:

“La garanzia della ragionevole durata investe anzitutti l’oarganizzazione giudiziaria, nella sua più ampia accezione; impone al legislatore – sai esso il legislatore ordinario o il legislatore delegato – com al Governo nell’esercizio del potere regolamentare, um côngrua allocazzione di oumini (magistrati, altri componeti dell`ufficio giudiziario, ausiliari), di risorse e di mezzi per la funzionalità della giutizia.”
(14)  

Entretanto, entendemos ser razoável a duração do processo, o tempo indispensável para serem respeitadas as garantias fundamentais, sobretudo as normas processuais.

3 Reformas processuais

O processo civil brasileiro experimentou nos últimos tempos significativa evolução, objetivando a celeridade na prestação jurisdicional, a economia processual e a efetividade do processo.(15)

Nesse sentido, foi introduzida em nosso sistema processual a ação monitória, a consignação extrajudicial, a nova sistemática do agravo de instrumento, a antecipação de tutela, a abolição dos cálculos pelo contador judicial, a audiência preliminar, dentre outras inovações. Tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 3.253/2004, que altera o Código de Processo Civil, possibilitando que a execução da sentença ocorra no próprio processo de conhecimento.(16)

Algumas alterações processuais trouxeram soluções. A ação monitória é exemplo disso. Trata-se de um procedimento marcado pela celeridade, mas que em momento algum coloca em crise as garantias constitucionais do devido processo legal.

As reformas, sem dúvida, contribuem para a celeridade processual. Algumas delas, recentemente realizadas, terão imediatas conseqüências práticas, com inquestionável benefício para a celeridade processual: v.g., nova disciplina do reexame necessário e dos embargos infringentes (art. 498 do CPC), julgamento imediato do mérito pelo tribunal quando afastada a extinção (art. 515 do CPC), dispensa de autenticação de cópias e de pagamento de custas e despesas postais, etc.

Outras, entretanto, como o novo regime do agravo (art. 527 do CPC) e as sanções pelo descumprimento de provimentos mandamentais (art. 14 do CPC), só poderão ser avaliadas com o passar do tempo, mas representam, também, tentativas de aprimoramento do processo em busca da efetividade da jurisdição.
 
Certamente, o grande desafio do processo civil contemporâneo reside no equacionamento desses dois valores: tempo e segurança. A decisão judicial tem que compor o litígio no menor tempo possível, mas deve respeitar também as garantias da defesa (due process of law), sem as quais não haverá decisão segura. Celeridade não pode ser confundida com precipitação. Segurança não pode ser confundida com eternização.

4 Devido Processo Legal

Na cláusula do devido processo legal, independente da previsão posta pela Emenda Constitucional nº 45, já encontraríamos suporte à garantia constitucional de uma tutela jurisdicional em prazo razoável.(17) Comoglio afirma que, no caminho para se alcançar as garantias do devido processo e de efetiva tutela jurídica, é preciso considerar-se que o direito ao processo abrange a garantia de um processo de duração razoável:

“anzitutto, si riaffermano i poteri monopolistici delle parti, nel provimento del giudizio e nella disponibità della res litigiosa, nonchè il loro fondamentale derecho al proceso, comprensivo della prestesa ad un proceso de duración razonable.”
(18)

Na mesma linha é o escólio de Tucci e Tucci, ao sustentar que:

"(...) também em nosso País o direito ao processo sem dilações indevidas, como corolário do devido processo legal, vem assegurando ao membro da comunhão social por norma de aplicação imediata".(19)

Ao comentar o art. 6º da Convenção européia, Cruz e Tucci relata:

“Aduza-se que essa importante regra supranacional é considerada a fonte motriz de toda a dogmática atinente às garantias do devido processo legal então disseminadas de modo praticamente análogo entre os países europeus, na certeza de que não basta assegurar o acesso aos tribunais, e, conseqüentemente, o direito ao processo. Delineia-se inafastável, também, a absoluta regularidade deste (direito no processo), com a verificação efetiva de todas as garantias e formalidades em lei previstas.”(20)

Assim, é válido afirmar que o devido processo legal (due process of law), constante do art. 5º, inciso LIV, da CF/88, é inafastável a uma prestação jurisdicional em prazo razoável. Conseqüentemente, todos os operadores do direito – Poder Judiciário, Ministério Público, Poder Legislativo, Poder Executivo, advogados e partes – têm o dever indeclinável de zelar e contribuir para que o processo não contenha dilações indevidas, ou seja, revela-se importante justamente para favorecer a implementação de um devido processo legal.

Portanto, é inegável o paralelo existente entre o tempo razoável do processo e o princípio constitucional do devido processo legal. Enfim, todo o direito processual, como ramo do direito público, tem suas linhas fundamentais traçadas pelo direito constitucional, que, além de prever os princípios processuais, fixa a estrutura dos órgãos jurisdicionais e garante a distribuição da justiça, o que implica a efetivação do direito subjetivo de forma tempestiva.

5 Acesso ao judiciário

Segundo entendemos a acessibilidade de que trata o inc. XXXV do art. 5º da CF, é aquela que garante não só o ingresso no Judiciário, mas, sobretudo, a utilização de meios colocados à disposição do jurisdicionado capaz de encurtar o caminho da tramitação.

A tônica da nova ciência processual centrou-se na idéia de acesso à justiça. O direito de ação passou a ser visto não mais apenas como o direito ao processo, mas como a garantia de justiça. O direito processual assumiu, por isso, a missão de assegurar resultados práticos e efetivos que não só permitissem a realização da vontade da lei, mas que dessem a essa vontade o melhor sentido, aquele que pudesse se aproximar ao máximo da aspiração de justiça.(21)

O progresso do direito processual civil, comandado pela meta política e social de dar à função jurisdicional o encargo de cumprir a garantia constitucional de acesso efetivo à justiça, exigiu do intérprete e aplicador das normas do processo a atenção necessária e compatível com o sentido de ordem pública predominante em tudo que diga respeito à composição dos litígios deduzidos em juízo.

Segundo Kazuo Watanabe, o acesso à justiça não mais se limita ao mero acesso aos Tribunais. Para o autor:

“não se trata apenas e somente de possibilitar o acesso à Justiça como instituição estatal, mas de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Dados elementares do direito à ordem jurídica justa são: a) o direito à informação; b) o direito à adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país; c) o direito ao acesso a uma Justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa; d) o direito a preordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a objetiva tutela dos direitos; e, e) o direito à remoção dos obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo a uma Justiça que tenha tais características.”(22)

Lúcida é a observação de Luiz Guilherme Marinoni, para quem

“o direito à defesa, assim como o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, são direitos constitucionalmente tutelados. Todos sabem, de fato, que o direito de acesso à justiça, garantido pelo artigo 5º, XXXV, da Constituição da República, não quer dizer apenas que todos têm direito de ir a juízo, mas também quer significar que todos têm direito à adequada tutela jurisdicional ou à tutela jurisdicional efetiva, adequada e tempestiva”.(23)

O acesso à Justiça deve ser garantido através da modernização do processo e da criação de institutos e procedimentos que atendam às expectativas da sociedade, possibilitando uma modernização da legislação para proporcionar uma prestação jurisdicional de forma mais célere e, conseqüentemente, mais justa.

Nos dizeres de Mauro Capelletti, para se remover os obstáculos de acesso à Justiça, seria necessário, em primeiro lugar, a remoção dos obstáculos econômicos e, em segundo lugar, a simplificação dos procedimentos, pois a duração excessiva do processo é fonte de injustiça social.(24)

Em suma: a acesso à justiça não é só o direito de provocar a atuação do Estado, mas também, e principalmente, de obter, em prazo adequado, uma decisão justa e eficaz. Não resta dúvida, portanto, que o direito fundamental de acesso à justiça tem, dentre outros princípios, o da tutela jurisdicional em prazo razoável.

6 Princípio da eficiência

O Judiciário, no exercício de sua função, também está vinculado à administração, e, consequentemente, aos seus objetivos e princípios. Daí porque igualmente o Poder Judiciário deve estar submetido aos princípios insculpidos no art. 37 da CF e, em especial, ao princípio da eficiência.

Nesse aspecto, é importante notar que a administração do Poder Judiciário também está sujeita aos princípios da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, sendo esse último, o que maior significado traz ao debate que ora se propõe.

Partindo do princípio de que a administração do Poder Judiciário deve pautar sua atuação por aqueles princípios, em especial pelo da eficiência, logo torna-se claro que a coisa pública deve ser gerida de acordo com as técnicas de administração que permitam acabar com os crônicos males de que sofre, isto é, com a morosidade, ineficiência e desconformidade da prestação jurisdicional com a realidade concreta.

Com efeito, se estamos falando de um princípio constitucional, dirigido a toda Administração Pública, não vemos como excluir o Poder Judiciário de seu alcance, mesmo porque inexiste no dispositivo qualquer ressalva quanto a sua aplicabilidade. Portanto, não só na parte administrativa do Judiciário deve ser observado o princípio da eficiência, como também na atividade jurisdicional, já que esta passou a constituir um direito do jurisdicionado em invocá-la e um dever do Estado prestá-la.

Portanto, o direito à efetividade da jurisdição nada mais é do que o direito de exigir do Estado a prolação de justa decisão, em prazo adequado, de forma a atuar eficazmente no plano dos fatos.

Entretanto, é preciso constatar que nenhuma reforma legislativa poderá ter algum sucesso sem que antes os integrantes do Judiciário enxerguem tal Poder como uma estrutura a ser organizada e administrada com eficiência nos moldes já delineados no art. 37 da Constituição Federal. Ou seja, antes de qualquer reforma do Judiciário no plano legal, é preciso que haja uma reforma ampla e geral, com o fito de adequar os materiais de que dispõe o Poder Judiciário aos resultados buscados por aqueles que dele se utilizam.

Considerações finais

A duração do processo dentro de um prazo razoável já encontrava suporte nas normas constitucionais do devido processo legal, do acesso à justiça e do princípio da eficiência, portanto, não havia necessidade de que as Casas Legislativas dilatassem na dita reforma do Poder Judiciário garantias já asseguradas.(25)

De todo o modo, com o novo preceito constitucional, a ciência processual deve continuar lutando para implantar no Judiciário um processo barato, eficaz, apto a defender e realizar o direito subjetivo com plena eficiência e dentro de um prazo razoável. É claro que um programa como este não se torna factível somente com alterações na Constituição Federal e nas leis processuais.

Entretanto, por melhor que sejam as normas, pequenos são os resultados práticos se sua aplicação permanece confiada a agentes despreparados e a organismos carentes de recursos e meios materiais incompatíveis com a complexidade do encargo.

Muito mais urgente, pois, do que positivação de normas programáticas é, sem dúvida, a modernização dos serviços judiciários, para que, afinal, sejam colocados sob gerência e técnicas de administração consentâneas com os atuais programas científicos de busca da qualidade do serviço público posto à disposição da sociedade. Isto, no entanto, ultrapassa alterações constitucionais, no seu mais profundo sentido.

Em suma, a garantia da tutela jurisdicional tempestiva já era consagrada como direito fundamental; difícil, entretanto, é efetivar tal garantia. No dizer de Bobbio: “o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos do homem, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los”.(26)

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Notas

1. Excelente obra sobre o diagnóstico das origens e evolução do processo como caminho da jurisdição e respectiva análise da reforma constitucional do Poder Judiciário. Ver MACEDO, Elaine Harzheim. Jurisdição e processo: crítica histórica e perspectivas para o terceiro milênio. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

2. GUERRA, Marcelo de Lima. Direitos Fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 106.

3. O imperativo de evitar a realização de atos processuais absolutamente inúteis foi também o declarado propósito perseguido pela nova Ley de Enjuiciamiento Civil da Espanha (Lei 1/2000, de 7-1). Trata-se de um diploma processual moderno e ambicioso, com 827 artigos, que entrou em vigor para substituir a secular legislação de 1881, no dia 8 de janeiro de 2001. CRUZ e TUCCI, José Rogério. Horizontes da nova audiência preliminar, Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil, n. 20, nov.-dez./2002, p. 141.

4. Segundo Freitas, a legislação processual de Portugal, encetada pelos Decretos-Leis 329-A, de 12.12.1995, e 180, de 25.09.1996, deu um importante passo ao consagrar o direito "a obter, em prazo razoável, uma decisão de mérito e a respectiva execução". FREITAS, Jose Lebre. Revisão do processo civil. Revista da Ordem dos Advogados. Lisboa, 1995, p. 55.

5. Nesse sentido, decisão do Supremo Tribunal Federal – HC 77.942-1-RJ, 2ª T., Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA --  DJU de 11.12.1998.

6.  CARNELUTTI, Francesco. Diritto processo. Napoles: Morano, 1958. p. 154.

7. RODRIGUES, Clovis Fedrizzi. Celeridade Processual Versus Segurança Jurídica. Revista de Processo, ano 30, n. 120, fev./2005, p. 290.

8. CANOTILHO explica que " a exigência de um processo sem dilações indevidas, ou seja, de uma proteção judicial em tempo adequado não significa necessariamente 'justiça acelerada'. A aceleração da proteção jurídica que se traduza em diminuição de garantias processuais e materiais (prazo de recurso, supressão de instâncias excessivas) pode conduzir a uma justiça pronta mas materialmente injusta. Noutros casos, a existência de processos céleres, expeditos e eficazes – de especial importância no âmbito penal mas extensiva a outros domínios (cf. art. 20/5, aditado pela LC 1/97) – é condição indispensável de uma proteção jurídica adequada (ex: prazos em caso de HC, apreciação de prisão preventiva dentro do prazo de 48 horas, suspensão da eficácia de actos administrativos, procedimentos cautelares)". CANOTILHO, JJ Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 2002. p. 493.

9. CALAMANDREI, Piero. Introduzione allo studio sistematico dei provvedimenti cautelari. Padova: CEDAM, 1936. p. 44.

10. CANOTILHO, J. J. Gomes. op cit. , p. 466-467.

11. CHIOVENDA, Giuseppe. Istituzioni di diritto processuale civile. Nápoles: Jovene, 1933. p. 147.

12. Para Egas Dirceu Moniz de Aragão, "entre dois ideais, o de rapidez e o de certeza, oscila o processo" (Com. ao CPC. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, v. 2, 1976, p. 100). Cf., também, Cândido Rangel Dinamarco. A instrumentalidade do processo. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1996. p. 232.

13. GUERRA, Marcelo de Lima. Direitos Fundamentais e a proteção do credor na execução civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003. p. 107

14. TARZIA, Giuseppe. L'art 111 cost. e le garanzie europee del processo civile. Revista de Processo, n. 103, São Paulo, jul./set. 2001, p. 174.

15. Sobre o escopo social do processo de pacificação com justiça, v. DINAMARCO, A instrumentalidade do processo. São Paulo: RT, 1987, n. 21-23, p. 159-167. Sobre o tempo e o processo e a questão da celeridade e segurança, v. CRUZ e TUCCI, Garantia da prestação jurisdicional sem dilações indevidas como corolário do devido processo legal,Revista de Processo. São Paulo : RT, n. 66, abr./jun. 1992, p. 99 e ss.; e do mesmo autor, Tempo e processo. São Paulo: RT, 1997, p. 63-88.

16. RODRIGUES, Clovis Fedrizzi. Celeridade Processual Versus Segurança Jurídica. Revista de Processo, ano 30, n. 120, fev./2005. p. 289.

17. Ressaltando a importância do devido processo legal, Nelson Nery Junior chega a dizer que: "bastaria a CF/88 ter enunciado o princípio do devido processo legal no caput e a maioria dos incisos do art. 5º seriam absolutamente despiciendos. De todo o modo, a explicitação das garantias fundamentais derivadas do devido processo legal, com preceitos desdobrados nos incisos do art. 5º, CF, é uma forma de enfatizar a importância dessas garantias, norteando a Administração Pública, o Legislativo e o Judiciário para que possam aplicar a cláusula sem maiores indagações". (Princípios do processo civil na Constituição Federal. 7. ed. São Paulo: RT, 2002, p. 42).

18. COMOGLIO, Luigo Paolo. Garanzie costituzionali e “giusto processo” (modelli a confronto), Revista de Processo, n. 90, São Paulo, abr./jun. 1998, p. 138.

19. TUCCI, Rogério Lauria, CRUZ e TUCCI, José Rogério, Devido Processo Legal e Tutela Jurisdicional. São Paulo: RT, 1993. p.107.

20. CRUZ e TUCCI, José Rogério. Horizontes da nova audiência preliminar. Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. N. 20 – nov./dez. 2002, p. 141

21. Mauro Cappelletti, na metade do século XX, encabeçou a alteração do pensamento processual para reclamar uma correção de objetivos e métodos do processo civil: “O acesso formal, mas não efetivo à justiça, correspondia à igualdade, apenas formal, mas não efetiva". CAPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryan.  Acesso à justiça. Trad. Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 9.

22. WATANABE, Kazuo. Participação e Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1988. p 128.

23. MARINONI, Luiz Guilherme. A antecipação da tutela. 5. ed., São Paulo: Malheiros, 1999. p. 18).

24. CAPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1988.

25. Diz Robert Alexy: “se algumas normas da constituição não são levadas a sério, é difícil fundamentar por que outras normas também, então, devem ser levadas a sério, se isso uma vez causa dificuldades. Ameaça a dissolução da constituição” (ALEXY, Robert. Direitos Fundamentais no Estado Constitucional Democrático: para a relação entre direitos do homem, direitos fundamentais, democracia e jurisdição constitucional. In: Revista de Direito Administrativo. Trad. Dr. Luís Afonso Heck, vol. I, Rio de Janeiro: Renovar, jul./set. 1999. p. 74.

26. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduzido por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 25.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dezembro. 2009. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS