O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade da lei: a problemática do decisionismo judicial


Autor: Gerson Luiz Rocha

Juiz Federal, Especialista em Direito Processual Público

 publicado em 26.2.2010

Resumo

O reconhecimento doutrinário e jurisprudencial da normatividade dos princípios exige o estabelecimento de uma metodologia apropriada à interpretação da Constituição. Essa exigência mostra-se determinante em especial no controle de constitucionalidade das leis. Nesse contexto, o princípio da proporcionalidade, comumente confundido com razoabilidade, tem servido de fundamento a decisões que adentram sobre a esfera de conformação discricionária do legislador, sem que se mostrem visíveis os fundamentos mínimos necessários ao preenchimento dos requisitos teóricos que conformam a possibilidade de aplicação da proporcionalidade como princípio de interpretação, isto é, não são realizados, consistentemente, os testes de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. No Brasil, os precedentes do Supremo Tribunal Federal acerca do tema mostram que, como regra, não há maior preocupação com a metodologia de aplicação da proporcionalidade, que é normalmente utilizada como argumento retórico sem maiores considerações. Essa forma de interpretação principiológica, de cunho altamente subjetivo, permite a incursão do Judiciário sobre a atividade legislativa, de modo ilimitado, o que contrasta com o Estado Democrático de Direito e conduz ao decisionismo judicial, fato que exige da sociedade a reflexão e a reformulação consciente do papel do Poder Judiciário no século XXI.

Palavras-chave: Constituição. Hermenêutica. Proporcionalidade. Razoabilidade. Ativismo. Decisionismo.

Sumário: Introdução. 1 Proporcionalidade versus Razoabilidade. 2 Fundamentos do princípio da proporcionalidade. 3 Elementos constitutivos do princípio da proporcionalidade. 3.1 Adequação. 3.2 Necessidade. 3.3 Proporcionalidade em sentido estrito. 4 A proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. 5 O decisionismo judicial como consequência da hermenêutica dos princípios e o (novo) papel do Poder Judiciário no Século XXI. Conclusões.

Introdução

O reconhecimento da normatividade dos princípios pela doutrina pós-positivista(1) constitui o fundamento da Nova Hermenêutica,(2) que traz consigo um conjunto próprio de métodos e princípios de interpretação da Constituição. Não obstante reconhecendo a ainda incipiente sistematização dos métodos e princípios de interpretação constitucional, Inocêncio Mártires Coelho(3) explicita-os e classifica-os de modo a oferecer ao aplicador da norma algum grau de racionalidade na escolha dos instrumentos adequados a essa complexa tarefa.

Dentre os diversos métodos e princípios de interpretação da Lei Fundamental mencionados pelo citado autor, interessa-nos, no presente estudo, verificar de que maneira seria possível – se é que seria possível – aplicar racionalmente o “tão decantado e multifuncional princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, essa vara de condão de que se valem as cortes constitucionais – e não apenas elas – para operar milagres que espantariam agnósticos, crentes e ateus [...]”.(4) Esse questionamento mostra-se especialmente pertinente no controle judicial de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, ante a visível abstração com que, em grande parte das vezes, servem-se os aplicadores do postulado referido para, superpondo-se à discricionariedade do legislador, chegar a decisões de fundo eminentemente subjetivo, sem que se possa identificar, com a clareza necessária, as efetivas razões que as determinaram. Ou melhor, o princípio é muitas vezes utilizado pelos tribunais no contexto de uma interpretação tópica, sem que seja acompanhado de uma argumentação com densidade suficiente à demonstração da validade da conclusão, isto é, a simples menção à proporcionalidade/razoabilidade, sem maiores digressões, tem servido, por si só, de argumento retórico para justificar a adoção de uma determinada solução em detrimento de outra, pressupondo-se, assim, abstratamente, que a solução adotada seria a mais justa, de acordo com o senso comum sobre o tema tratado.

Para a análise a que nos propomos, buscaremos delinear, primeiramente, a questão terminológica que cerca o tema, pois sequer se tem ainda estabelecido pela dogmática jurídica um termo que descreva univocamente esse princípio de interpretação, que é, em sentido amplo, voltado para a verificação da legitimidade da correlação entre o meio utilizado e o fim buscado pela norma restritiva de direito fundamental. De regra, é corrente tanto na doutrina quanto na jurisprudência, sem maiores distinções,(5) o uso dos termos proporcionalidade e razoabilidade como sinônimos. Todavia, uma maior precisão da linguagem técnico-jurídica é necessária à definição e à delimitação do alcance e da aplicação dos mencionados institutos, uma vez que, ainda que sejam destinados à mesma finalidade, apresentam origem e conteúdo diversos, que exigem ser compreendidos dentro dos respectivos contextos. Feito isso, passaremos à análise dos fundamentos jurídicos que sustentam a possibilidade de aplicação desse princípio no direito brasileiro, descrevendo os elementos que o compõem. Estabelecidos esses contornos teóricos, faremos breve incursão na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF) acerca do tema e, por fim, passaremos à análise crítica da utilização desse princípio na atualidade e de como, a partir do decisionismo judicial que daí decorre, vem o Poder Judiciário assumindo o papel de superego da sociedade e da questionável legitimidade político-jurídica dessa transformação.

1 Proporcionalidade versus razoabilidade

O princípio da proporcionalidade, ensina Canotilho,(6) “dizia primitivamente respeito ao problema da limitação do poder executivo, sendo considerado como medida para as restrições administrativas da liberdade individual”. Explica o ilustre constitucionalista português que, já no séc. XVIII, admitia-se a sua incidência como norma de caráter suprapositivo. No âmbito do direito administrativo brasileiro, igualmente, o princípio da proporcionalidade vem sendo admitido como instrumento de limitação da atuação administrativa discricionária, sempre que essa atuação implique a restrição de direitos dos administrados. Recentemente, inclusive, o princípio foi positivado, em nível infraconstitucional, no artigo 2º, inc. VI, da Lei nº 9.784/99, ao dispor que a Administração Pública observará, dentre outros, os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e que, nos processos administrativos, deverão ser observados os critérios de “adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias ao atendimento do interesse público”.

Posteriormente a essa fase administrativista, em especial por intermédio das decisões do Tribunal Constitucional alemão(7) que inicialmente serve-se da expressão proibição de excesso –, o princípio da proporcionalidade ultrapassa as fronteiras do Direito Administrativo para alcançar estatura constitucional, o que veio a permitir o desenvolvimento teórico acerca da sua aplicabilidade em um espectro muito mais amplo, concernente, a partir de então, não somente ao controle da atividade administrativa (executiva), mas também ao controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, ou seja, à possibilidade de controle sobre a denominada esfera de liberdade de conformação própria e característica do legislador, o que configura questão muito mais delicada,(8) em especial ante o comprometimento da integridade do princípio da separação das funções do Estado – viga mestra do Estado Democrático de Direito –, que desse controle excepcional sobre a atividade legislativa poderá decorrer.

A conformação do princípio da proporcionalidade, a partir da jurisprudência constitucional alemã, desenvolveu-se mediante a estruturação de elementos específicos, destinados a conferir racionalidade à sua aplicação, como explica Luís Virgílio Afonso da Silva:(9)

“A regra da proporcionalidade no controle das leis restritivas de direitos fundamentais surgiu por desenvolvimento jurisprudencial do Tribunal Constitucional alemão e não é uma simples pauta que, vagamente, sugere que os atos estatais devem ser razoáveis, nem uma simples análise da relação meio-fim. Na forma desenvolvida pela jurisprudência constitucional alemã, tem ela uma estrutura racionalmente definida, com subelementos independentes – a análise da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito –, que são aplicados em uma ordem pré-definida e que conferem à regra da proporcionalidade a individualidade que a diferencia, claramente, da mera exigência de razoabilidade.

A regra da proporcionalidade, portanto, não só não tem a mesma origem que o chamado princípio da razoabilidade, como frequentemente se afirma, mas também deste se diferencia em sua estrutura e em sua forma de aplicação [...].”

Note-se que o citado autor refere-se a regra, e não a princípio da proporcionalidade. A referência é proposital e decorre da crítica por ele formulada quanto à terminologia utilizada pela doutrina e pela jurisprudência quando se referem à proporcionalidade. Entende o autor que procedem as vozes doutrinárias que buscam demonstrar que o instituto não tem a conformação de princípio,(10) mas sim de regra, segundo a concepção traçada por Alexy, no sentido de que os princípios seriam mandados de otimização, aplicáveis em maior ou em menor grau, conforme as possibilidades fática e jurídica do caso examinado, enquanto as regras corresponderiam a comandos definitivos, que seriam válidos ou inválidos, na hipótese concreta. Assim, considerando que a proporcionalidade deve ser aplicada em sua inteireza, conclui que não haveria identidade com o conceito de princípio, configurando-se como verdadeira regra.

Não obstante as ponderações mencionadas, e sem a pretensão de esgotar o tema, nos parece que o termo princípio da proporcionalidade é, ainda, o mais adequado para designar o instituto, uma vez que, mesmo que indiretamente, a sua aplicação implica, em certo aspecto, uma colisão/limitação do princípio da separação dos poderes, uma vez que a medida (intensidade) da sua incidência, em cada caso, deve estar referida a esse parâmetro, ou seja, a proporcionalidade encontra os contornos da sua aplicação na necessária harmonização com o princípio da separação das funções estatais. Essa característica, a nosso ver, permite que seja a proporcionalidade caracterizada como princípio, na perspectiva traçada por Alexy, quando da distinção regra-princípio. Ademais, ainda que assim não fosse, nos parece que o termo princípio, comumente utilizado pela doutrina e pela jurisprudência no trato desse tema, não o é com a conotação proposta por Alexy, mas com um enfoque de cunho ontológico, no sentido pontuado pela Corte Constitucional Italiana:(11)

“Faz-se mister assinalar que se devem considerar como princípios do ordenamento jurídico aquelas orientações e aquelas diretivas de caráter geral e fundamental que se possam deduzir da conexão sistemática, da coordenação e da íntima racionalidade das normas, que concorrem para formar assim, num dado momento histórico, o tecido do ordenamento jurídico.”

De outra parte, diferentemente do que se passou nos países de tradição jurídica romano-germânica, o princípio da razoabilidade surgiu e desenvolveu-se a partir da “garantia do devido processo legal, instituto ancestral do direito anglo-saxão”,(12) que por sua vez tem origem na “cláusula law of the land, inscrita na Magna Charta, de 1215”,(13) tendo seu expoente a partir das 5ª e 14ª emendas à Constituição dos Estados Unidos, e vem influenciando decisivamente a jurisprudência da Suprema Corte daquele país.

Conforme ensina Luís Roberto Barroso,(14) a aplicação do princípio da razoabilidade, como forma de controle do arbítrio dos poderes executivo e legislativo, foi implementada nos Estados Unidos a partir da estruturação do substantive due process, isto é, após ultrapassada a fase inicial de construção do princípio do devido processo legal, ou seja, após vencida a fase do procedural due process, quando não se admitia qualquer espécie de controle sobre o mérito do ato administrativo ou legislativo, restringindo-se o Judiciário a verificar os aspectos de natureza processual relativos à garantia do contraditório e da ampla defesa. Com o desenvolvimento da cláusula do substantive due process, passa o controle judicial a incidir sobre o aspecto da discricionariedade dos atos restritivos de direitos, no intuito de verificar a compatibilidade entre os meios escolhidos e os fins perseguidos, bem como a verificar a legitimidade de tais fins perante o ordenamento constitucional. Trata-se, assim, de examinar a razoabilidade do ato emanado do poder público em confronto com o que é aceito pelo senso comum em determinada época, o que revela desde logo a sua intrínseca subjetividade e a dificuldade de delimitação da sua conceituação e do seu alcance, conforme refere o autor mencionado, ao transcrever a seguinte passagem do pronunciamento do Justice Harlam, da Suprema Corte americana:(15)

“‘Devido processo’ não foi ainda reduzido a nenhuma fórmula: seu conteúdo não pode ser determinado pela referência a qualquer código. O melhor que pode ser dito é que por meio do curso das decisões desta Corte ele representou o equilíbrio que nossa Nação, construída sobre postulados de respeito pela liberdade do indivíduo, oscilou entre essa liberdade e as demandas da sociedade organizada.”

Já na Inglaterra, fala-se em princípio da irrazoabilidade, que teria origem em decisão judicial datada de 1948, conhecida como test Wednesbury, e que consistia tão somente em afastar os atos evidentemente irrazoáveis, segundo a clássica fórmula: “se uma decisão (...) é de tal forma irrazoável que nenhuma autoridade razoável a tomaria, então pode a Corte intervir”.(16)            

Pelo que se pode ver, embora o princípio da razoabilidade tenha subjacente a – não pouco atraente – ideia de justiça, é precisamente daí que decorre a subjetividade a ele inevitavelmente inerente e que levou Luís Roberto Barroso(17) a concluir pela necessidade  de “seguir em busca de terreno mais sólido e de elementos mais objetivos na caracterização da razoabilidade dos atos do Poder Público, especialmente, para os fins aqui considerados, os de cunho normativo”, sob pena de esvaziamento do sentido do princípio, “por excessivamente abstrato, ou que se perverta num critério para julgamento ad hoc”.
 
Por conseguinte, é possível concluir que o que distancia a razoabilidade da proporcionalidade, para além dos distintos contextos em que se originaram, é justamente o grau de subjetividade de cada um dos postulados, nos parecendo correto afirmar que a razoabilidade, pela ausência de parâmetros mais concretos que delimitem a sua incidência, revela-se de aplicação mais restrita, porque se autolimita ante a impossibilidade de rejeitar atos restritivos de direitos que não se mostrem extraordinariamente não razoáveis, enquanto a proporcionalidade, cujos contornos teóricos e cuja aplicação encontram diretrizes em elementos mais palpáveis (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), como veremos mais adiante, embora ainda permita relativo grau de subjetividade do julgador, mostra-se como uma possibilidade de intervenção de maior profundidade no controle da liberdade de conformação do legislador.(18)

Enfim, o princípio da proporcionalidade oferece elementos para que o exame sobre o eventual excesso do legislador se dê em maior extensão do que permite o postulado da razoabilidade.

2 Fundamentos do princípio da proporcionalidade

Não obstante a constatação empírica de que o princípio da proporcionalidade vem sendo aplicado pelos tribunais de diversos países, inclusive o Brasil, como veremos mais adiante, ao tecermos breves considerações sobre a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal acerca do tema, é imprescindível que tal aplicação, ainda que não estabelecida diretamente em texto expresso, encontre seus fundamentos de admissibilidade no ordenamento jurídico, a fim de justificar a eleição desse modelo de controle de constitucionalidade, até porque esta não seria a única forma de controle possível sobre o eventual excesso cometido pelo legislador.(19)

Em Portugal, nos mostra Canotilho(20) – que se refere indistintamente a princípio da proporcionalidade ou princípio da proibição de excesso –, o postulado foi alçado a princípio constitucional, referido expressamente em diversos artigos da Constituição daquele país, como é exemplo o artigo 18º/2, a seguir transcrito, e onde revela-se positivada a possibilidade de atuação jurisdicional efetiva sobre a liberdade de conformação do legislador, quando da elaboração de normas restritivas de direitos fundamentais:

“2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”

Todavia, na maioria das constituições, o princípio não vem expresso. Sustenta a doutrina,(21) de forma geral, ora que o princípio encontra seu fundamento constitucional no Estado de Direito, ora que decorre do próprio sistema de direitos fundamentais; ainda há, todavia, aqueles que o admitem com origem no direito suprapositivo.

Gilmar Ferreira Mendes(22) aponta que a distinção quanto ao fundamento constitucional do princípio da proporcionalidade não é indiferente em suas consequências quanto ao campo de aplicação, assentando:    

“Se se cuida de enfatizar o fundamento nos direitos fundamentais, terá esse princípio aplicação na relação entre cidadão e Estado, aqui contemplados os conflitos entre os entes privados que ao Estado incumbe solver. Se, ao revés, o princípio em apreço assenta-se na ideia do Estado de Direito, tem-se a sua projeção não só para a relação entre o cidadão e o Estado, mas também para a relação entre os poderes.”
 
Ainda, segundo o citado autor, em diversos casos a jurisprudência tem admitido a incidência do princípio da proporcionalidade como princípio geral de direito, como se verifica em decisões da Corte Constitucional alemã – que também o admite como decorrente tanto dos direitos fundamentais quanto do Estado de Direito. No Brasil, em alguns precedentes do Supremo Tribunal Federal, também se tem emprestado à proporcionalidade a conformação de princípio geral de direito.(23)

Para Paulo Bonavides, o princípio da proporcionalidade tem assento no que o prestigiado autor nomina como “segundo Estado de Direito”. Esse segundo Estado de Direito é aquele fundado no princípio da constitucionalidade em contraposição ao Estado de Direito fundado no princípio da legalidade, cujo apogeu deu-se com a Constituição de Weimare que se encontra em declínio. Está no bojo desse novo Estado de Direito, alicerçado na supremacia da constituição, após a Segunda Guerra, o surgimento do princípio da proporcionalidade, que dele seria derivado. Posteriormente, a proporcionalidade evoluiu para princípio geral de direito, prestando-se a servir de princípio de interpretação constitucional destinado ao controle de constitucionalidade da lei, como registra o festejado jurista:(24)

“Aliás, o controle de proporcionalidade é, de natureza, expressão mesma do controle de constitucionalidade. A revolução constitucional que deu origem ao segundo Estado de Direito principiou a partir do momento em que as declarações de direitos, ao invés de ‘declarações político-filosóficas’, se tornaram ‘atos de legislação vinculantes’, conforme demonstra um notável constitucionalista espanhol – atos, portanto, plenos de juridicidade.

A adoção do princípio da proporcionalidade representa talvez a nota mais distintiva do segundo Estado de Direito, o qual, com a aplicação desse princípio, saiu admiravelmente fortalecido. Converteu-se em princípio constitucional por obra da doutrina e da jurisprudência, sobretudo na Alemanha e na Suíça.

Contribui o princípio notavelmente para conciliar o direito formal com o direito material em ordem a prover exigências de transformações sociais extremamente velozes, e doutra parte juridicamente incontroláveis caso faltasse a presteza do novo axioma constitucional.”

Já na ótica de Luís Virgílio Afonso da Silva,(25) a tentativa doutrinária de encontrar uma “fundamentação jurídico-positiva da regra da proporcionalidade”, no direito brasileiro, está destinada ao fracasso, na medida em que tal postulado encontra sua origem na “própria estrutura dos direitos fundamentais”. Propugna o referido autor que, admitindo-se os direitos fundamentais como princípios, segundo a definição de Alexy, então devem eles ser vistos como “mandamentos de otimização”, isto é, como normas que devem ser aplicadas na maior extensão possível, diante da situação fática e da possibilidade jurídica do caso concreto, despontando nesse ponto a proporcionalidade, como princípio que visa a dar a medida da otimização buscada.

Efetivamente, conforme revela Luís Roberto Barroso,(26) na Constituição brasileira de 1988, a intenção do constituinte de introduzir, expressamente, o princípio da razoabilidade, como forma de controle dos atos executivos, estava contemplada no texto final aprovado pela Comissão de Sistematização, ao dispor que a “Administração pública, direta ou indireta, de qualquer dos Poderes obedecerá aos princípios [...], exigindo-se, [...] como requisito de sua legitimidade, a razoabilidade”. Entretanto, a referência expressa à razoabilidade foi suprimida do texto final, de modo que não há norma escrita na Constituição que regule especificamente o instituto entre nós. Não obstante, sustenta o jurista mencionado que o princípio da razoabilidade pode ser extraído da Constituição, como decorrência do Estado de Direito, na esteira da doutrina alemã, ou com fundamento no princípio do devido processo legal, para os adeptos da doutrina norte-americana.

A nosso ver, pensamos que no âmbito do ordenamento pátrio, embora não haja norma expressa cuidando de estabelecer a proporcionalidade como princípio de interpretação constitucional destinado a impor limites à esfera de discricionariedade do legislador, esse princípio deriva, necessariamente, do Estado Democrático de Direito, a que refere Paulo Bonavides, postulado fundamental que emerge do artigo 1º(27) da Carta Política. É que, fundando-se o Estado Democrático de Direito, dentre outros,(28) no princípio da supremacia da Constituição, resulta, obrigatoriamente, que todos os poderes estão absolutamente limitados pelo sistema de garantias fundamentais ali estabelecido. Segue-se daí a imprescindibilidade de que o controle de constitucionalidade alcance os atos emanados do legislativo, sempre que impliquem a restrição a direitos fundamentais, não somente no seu aspecto formal, porquanto tais atos devem estar igualmente em conformidade com a Constituição material, pois, se assim não for, estará o legislador ordinário solapando a supremacia constitucional e, por consequência, vilipendiando o Estado Democrático de Direito, na medida em que desconsidera aquilo que o constituinte originário, revestido da representação a ele outorgada pela soberania popular, deixou assentado no pacto constitucional.

Evidentemente, não se quer dizer com isso que deva o judiciário imiscuir-se, a todo tempo, em questões valorativas, próprias do ambiente congressual, de modo a substituir-se ao legislador no estabelecimento de políticas públicas. Entretanto, sempre que a lei vier para limitar direito fundamental estampado na Constituição, é possível o exame da norma pelo juiz, por intermédio do princípio da proporcionalidade, de modo a verificar, a partir da própria Carta, a legitimidade da correlação entre o meio utilizado e o fim visado pelo legislador, conforme consigna Luís Roberto Barroso:

“Por ser uma competência excepcional, que se exerce em domínio delicado, deve o Judiciário agir com prudência e parcimônia. É preciso ter em linha de conta que, em um Estado democrático, a definição das políticas públicas deve recair sobre os órgãos que têm o batismo da representação popular, o que não é o caso de juízes e tribunais. Mas, quando se trate de preservar a vontade do povo, isto é, do constituinte originário, contra os excessos de maiorias legislativas eventuais, não deve o juiz hesitar. O controle de constitucionalidade se exerce, precisamente, para assegurar a preservação de valores permanentes sobre os ímpetos circunstanciais.”

3 Elementos constitutivos do princípio da proporcionalidade

Conforme dissemos alhures, não se devem tomar proporcionalidade e razoabilidade como sinônimos, tendo em vista que distinguem-se pela origem, pelo conteúdo e pela metodologia de aplicação. Relativamente à proporcionalidade propriamente, a terminologia, por igual, mostrou-se extremamente variável no decorrer do desenvolvimento histórico-doutrinário do princípio, muitas vezes confundindo-se o todo com seus elementos constitutivos, conforme se colhe da lição de Paulo Bonavides:(29)

“Em suma, com respeito à questão terminológica, faz-se mister adotar uma posição cautelosa como preconiza Hirschberg. Tocante ao princípio da proporcionalidade há sempre – conforme ele assevera – o risco de graves mal-entendidos ou ambiguidades derivadas da linguagem nem sempre clara, uniforme ou inequívoca relativamente à definição do conteúdo do princípio, isto é, ao reconhecimento de suas partes constitutivas e das respectivas designações de que tem sido objeto e até mesmo com referência ao ‘princípio geral’ (Gesamtgrundsatz), ou seja, à proporcionalidade numa acepção lata.

Resume Hirschberg os ‘grandes estádios’, a saber, a trajetória temporal do ‘princípio da proporcionalidade’, qual hoje o conhecemos e utilizamos em sua acepção lata, que abrange todos aqueles aspectos ou conteúdos parciais inseridos em sua composição, sob a denominação de Übermassverot. Tem o mesmo significado do princípio da necessidade (Erforderlichkeit) no Direito de Polícia (Polizeirecht), conforme consta da noção conceitual estabelecida por Jellinek. A seguir, biparte-se nos princípios da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, compreendendo ainda um círculo de aplicação relativamente limitado, qual flui dos ensinamentos de Lerche. De último, a par da Übermassverbot, que não foi desterrada do uso terminológico, serve a proporcionalidade para desvendar a ‘trias’ de subprincípios ou conceitos parciais conhecidos por regras de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito (Geeignetheit, Erforderlichkeit e Verhältnismässigkeit i. e. S.).”

De toda sorte, não obstante a errática utilização de termos os mais diversos para a designação do instituto ora examinado, nem sempre precisos quanto a seu conteúdo, confundindo-se, v.g., proporcionalidade (em sentido amplo) com proibição de excesso, termo que na verdade mais diz respeito ao subprincípio da necessidade, é correto afirmar que, na atualidade, segundo a concepção do que se tem por proporcionalidade, em sentido lato, o princípio decompõe-se em três subprincípios, a saber: (1) adequação; (2) necessidade; e (3) proporcionalidade em sentido estrito.

Antes de adentrarmos na análise de cada um deles, é recomendável observar, preliminarmente, em conformidade com o escólio de Luís Virgílio Afonso da Silva,(30) que a aplicação do princípio da proporcionalidade exige que seus subprincípios sejam verificados na ordem acima indicada, ou seja, a necessidade somente será aferida se resolvida favoravelmente a questão da adequação, e a proporcionalidade em sentido estrito, se atendidas as exigências da adequação e necessidade, cumulativamente. Isto é, os elementos que conformam o modelo de aplicação do princípio da proporcionalidade guardam entre si caráter de subsidiariedade, de modo que basta o desatendimento a um deles, segundo a ordem de verificação estabelecida, para que se tenha a inconstitucionalidade da norma examinada.

3.1 Adequação

O primeiro elemento que deve ser tomado em conta para se verificar a proporcionalidade de uma determinada medida restritiva de direitos fundamentais é a adequação entre o meio utilizado e o fim a ser alcançado, isto é, deve ser atendida e exigência de que “as medidas interventivas adotadas se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos.”(31)  A noção de aptidão da medida para a consecução do fim almejado, é bom que se diga, não deve ser tomada em sentido absoluto, de modo a se ter por adequada apenas a restrição que determine, sem sombra de dúvidas, a realização da meta por ela visada. Ou melhor, a adequação não exige – como por vezes dão a entender a doutrina e a jurisprudência – um juízo de certeza de que, com a adoção daquela providência, o fim será, obrigatoriamente, alcançado. Sobre o tema, aliás, oportunas as observações de Luís Virgílio Afonso da Silva:(32)

“Esses conceitos de adequação não são, contudo, os mais corretos. A causa do problema está na tradução imprecisa da decisão. A sentença em alemão seria melhor compreendida se se traduzisse o verbo fördern, usado na decisão, por fomentar, e não por alcançar, como faz Gilmar Ferreira Mendes, porque, de fato, o verbo fördern não pode ser traduzido por alcançar. Fördern significa fomentar, promover. Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. Há uma grande diferença entre ambos os conceitos, que fica clara na definição de Martin Borowski, segundo a qual uma medida estatal é adequada quando o seu emprego faz com que ‘o objetivo legítimo pretendido seja alcançado ou pelo menos fomentado’. Dessa forma, uma medida somente pode ser considerada inadequada se sua utilização não contribuir em nada para fomentar a realização do objetivo pretendido.”

Portanto, a adequação de uma medida restritiva de direitos fundamentais deve ser aferida, objetivamente, tão somente a partir do potencial que nela se contém, no sentido de servir de medida fomentadora da realização do objetivo perseguido, sem que se possa dela exigir a certeza de que o objetivo será alcançado. A delimitação aqui tratada é de grande relevância, porque restringe o espectro do controle jurisdicional sobre a discricionariedade do legislador, evitando que tribunais findem por substituírem-se arbitrariamente aos órgãos de representação popular na escolha entre medidas de cunho notoriamente político. De outro modo, pode-se dizer que a verificação da adequação deve ser efetivada de modo objetivo, tendo-se por inadequada apenas aquelas providências restritivas que, evidentemente, não resultarão em qualquer benefício para a consecução do fim buscado, isto é, tendo a medida restritiva, potencialmente, aptidão para alcançar o resultado pretendido, não cabe ao julgador exercer um juízo prognóstico(33) a fim de, subjetivamente, desautorizá-la.

George Marmelsteisn(34) aponta alguns exemplos para ilustrar o que aqui se está a referir:

“[...] quando o legislador estipulou a obrigatoriedade de uso do cinto de segurança no intuito de diminuir as mortes causadas por acidentes de trânsito, ninguém sabia se a medida seria eficaz. Hoje, já existem dados suficientes que demonstram que o objetivo do legislador foi alcançado, sendo, portanto, adequada a medida. Outros exemplos podem ser dados: proibição de venda e consumo de bebidas alcoólicas a partir de determinados horários ou então nas proximidades de rodovias. É difícil dizer se as referidas medidas conseguirão resolver o problema a que se propõem.”

  Não obstante os exemplos transcritos prestem-se a demonstrar uma situação de incerteza que dá ensejo à prevalência da opção legislativa, ou seja, trata-se de casos em que há de se reconhecer satisfeito o requisito da adequação, observamos, em contraste com o pensamento do autor mencionado, que não há a necessidade nem a possibilidade de verificação da constitucionalidade a posteriori, ou seja, uma espécie de reavaliação, após a verificação dos resultados concretos obtidos com a medida restritiva adotada. É que, conforme assentamos anteriormente, a adequação não está vinculada à consecução efetiva do resultado, bastando que a medida, quando editada,  mostre-se apta a fomentar – “proporcionar os meios para o desenvolvimento de (algo); estimular, promover [...]”(35) – aquilo que se busca com a restrição imposta. Logo, uma vez atendida essa condição, deve-se concluir que a medida é adequada, independentemente de vir a se concretizar ou não o objetivo por ela visado.

Ainda a título exemplificativo, veja-se o recente caso da pandemia da Gripe A (H1N1), vulgarmente conhecida como gripe suína. Uma das medidas sanitárias  consensualmente admitida como preventiva da disseminação da doença pelas autoridades públicas é a recomendação de que se evitem aglomerações de pessoas em locais fechados. Segue daí que qualquer medida administrativa ou legislativa restringindo a reunião de pessoas sob tais circunstâncias mostra-se adequada (fomentadora do) ao fim visado – preservar a saúde da população evitando a propagação da doença –, não havendo aqui espaço para juízo de valor da parte do juiz quanto à adequação da restrição. A avaliação posterior, a partir de dados estatísticos que venham a ser coletados, sobre o resultado relativo das diversas medidas que forem adotadas para evitar as aglomerações de pessoas, isto é, de que modo tais medidas influenciaram, de fato, em maior ou menor extensão, o controle da propagação da doença, pode servir apenas para a administração planejar futuras intervenções, todavia, em nada serve para que o Judiciário venha a reconhecer a inadequação a posteriori desta ou daquela medida. Observo que estamos aqui tratando apenas do requisito relativo à adequação, e não da proporcionalidade de uma determinada medida, que poderá não se verificar, levando à sua inconstitucionalidade, todavia, isso não se dará pela sua inadequação, mas porque poderá não atender aos subprincípios da necessidade ou da proporcionalidade em sentido estrito.

3.2 Necessidade

O segundo elemento a compor a análise da proporcionalidade é o requisito da necessidade da medida restritiva de direito fundamental adotada pelo poder público.

Na dicção de Gilmar Ferreira Mendes,(36) o “subprincípio da necessidade (Notwendigkeit oder Erforderlichkeit) significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos”. Também conhecido como princípio da proibição de excesso ou da menor ingerência possível, traz consigo a “ideia de que o cidadão tem direito à menor desvantagem possível”.(37) O sentido do preceito é objetivamente apreendido por Luís Virgílio Afonso da Silva, nos seguintes termos:(38)

“Suponha-se que, para promover o objetivo O, o Estado adote a medida M1, que limita o direito fundamental D. Se houver uma medida M2 que, tanto quanto M1, seja adequada para promover com igual eficiência o objetivo O, mas limite o direito fundamental D em menor intensidade, então a medida M1, utilizada pelo Estado, não é necessária. A diferença entre o exame da necessidade e o da adequação é clara: o exame da necessidade é um exame imprescindivelmente comparativo, enquanto o da adequação é um exame absoluto.”
 
Como se vê, adequação e necessidade são elementos que não se confundem, apresentando este último maior relevância para o exame da proporcionalidade da medida restritiva de direito.(39) É que o conteúdo intrinsecamente comparativo do exame da necessidade da medida restringente permite ao intérprete um maior grau de subjetividade na sua apreciação do que o exame da adequação, o que leva a doutrina, inclusive, a buscar elementos complementares no sentido de regular a sua aplicação prática, conforme especifica Canotilho:(40)
   
a) a exigibilidade material, pois o meio deve ser o mais ‘poupado’ possível quanto à limitação dos direitos fundamentais; b) a exigibilidade espacial aponta para a necessidade de limitar o âmbito da intervenção; c) a exigibilidade temporal pressupõe a rigorosa delimitação no tempo da medida coactiva do poder público; d) a exigibilidade pessoal significa que a medida se deve limitar à pessoa ou às pessoas cujos interesses devem ser sacrificados.”

Outro aspecto que não deve ser deixado em segundo plano pelo intérprete é o de que as medidas a serem hipoteticamente comparadas, no teste da necessidade, devem ser capazes de conduzir, com igual nível de eficácia, ao resultado perseguido. Ou seja, para se afastar uma determinada medida, tendo-a por desnecessária em comparação com outra, que afetaria em menor extensão o direito fundamental em jogo, é preciso que essa medida alternativa seja apta a realizar o fim pretendido com a mesma intensidade que a medida rejeitada. Não basta, portanto, que a medida alternativa vislumbrada pelo intérprete resulte em menor prejuízo ao direito sacrificado, é preciso que, além disso, mostre-se tão eficaz quanto a medida rechaçada.

Exemplificativamente, vejamos o caso a que nos referimos no item anterior, concernente às medidas sanitárias de controle da pandemia da Gripe A (H1N1). Suponhamos que o legislador federal determinasse que, com o objetivo de evitar aglomerações, seriam suspensas as aulas nas escolas de todo o país, ato que limita o direito à educação das crianças e adolescentes, bem como a autonomia dos estabelecimentos de ensino. A medida seria adequada, pois potencialmente apta à consecução da finalidade almejada, todavia, sabendo-se que existem diversas regiões onde não se instalou a pandemia, isto é, onde não há casos da doença, a medida se mostra desnecessária, por desatender à exigência de limitação espacial da restrição, uma vez que, nessas regiões não afetadas pela enfermidade que se quer combater, a restrição aos direitos mencionados não se justificaria, na medida em que outras medidas, menos restritivas, poderiam ser adotadas, com a mesma ou até maior eficiência. Nesse exemplo, a desnecessidade da medida evidencia-se facilmente; entretanto, na grande maioria dos casos, o descompasso da restrição não se mostra com tal nitidez. Veja-se, na mesma situação, a hipótese em que o poder público determinasse o fechamento das salas de cinema, teatro e demais espetáculos afins, nas cidades com maior incidência da doença. Aqui, do mesmo modo que na hipótese anterior, a adequação da medida é irretorquível, pois a restrição imposta à atividade empresarial é fomentadora do objetivo a ser alcançado – preservar a saúde da população evitando aglomerações de pessoas em ambientes fechados e com isso prevenindo a disseminação da doença. Já a análise da necessidade revela-se mais complexa, na medida em que existem outras medidas que podem ser adotadas nesse sentido, tais como a utilização obrigatória de máscaras de proteção, juntamente com a limitação à metade da lotação das salas de exibição, por exemplo, medidas estas que, sem dúvida, afetariam o direito dos empresários em menor extensão; todavia, resta saber se teriam a mesma eficácia da medida originariamente proposta pelo poder público de fechamento das salas de exibição. Não pretendemos, aqui, apontar a solução, pois isso foge ao escopo deste trabalho, mas apenas ilustrar como, em um caso dessa  natureza, dificilmente se pode afastar o considerável grau de subjetividade da solução que vier a ser adotada. Deixamos, portanto, em aberto a questão central, isto é, em casos assim, tal escolha subjetiva seria própria da atividade do legislador/administrador ou podem os tribunais interferir para determinar a política de saúde pública mais adequada?

Por fim, merece ainda registro que, não obstante o subprincípio da necessidade seja visto, de regra, no sentido da vedação de excesso,(41) tem a doutrina, a partir de manifestações da Corte Constitucional alemã, apontado, também, no sentido da possibilidade do controle de constitucionalidade a partir da proibição da proteção insuficiente (Untermassverbot).(42) As constituições, em especial aquelas de caráter exaustivo, como a brasileira, tendem a impor ao Estado o dever de proteção e promoção de diversos direitos fundamentais por elas expressamente assegurados,(43) de modo que a omissão do poder público, ainda que parcial, deixando de legislar ou de adotar uma providência administrativa determinada pelo constituinte originário, ou, ainda, legislando aquém do que prescreve a Constituição para a concretização do direito fundamental por ela assegurado, ou tomando medidas administrativas parciais, configura omissão passível de censura judicial. Todavia, consoante o escólio de Gilmar Ferreira Mendes,(44) a omissão integral do Estado, isto é, na hipótese em que o poder público deixa de tomar qualquer providência para a proteção/promoção do direito fundamental, não se está propriamente ferindo o princípio da proibição da proteção insuficiente, mas um dever de legislar ou de adotar outra providência protetiva. A insuficiência da proteção, por conseguinte, verificar-se-ia somente quando o Estado adota alguma medida protetiva, todavia, o faz de modo insatisfatório, concluindo que, em verdade, considerados os três elementos que compõem a proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), tal insuficiência “nada mais é, do ponto de vista metodológico, do que considerar referida conduta como desproporcional em sentido estrito (unverhältnismässig im engeren Sinn)”.

No âmbito da jurisprudência brasileira, a ADI 1.458/DF,(45) na qual o Supremo Tribunal Federal apreciou a inconstitucionalidade de norma que fixava o valor do salário mínimo, em contraste com a garantia de valor suficiente prevista no art. 7º, IV, da Constituição Federal, bem ilustra o espectro de aplicação da proibição da proteção insuficiente,(46) deixando a Corte consignado que:

[...] SALÁRIO MÍNIMO. VALOR INSUFICIENTE. SITUAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO PARCIAL.

– A insuficiência do valor correspondente ao salário mínimo, definido em importância que se revele incapaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e dos membros de sua família, configura um claro descumprimento, ainda que parcial, da Constituição da República, pois o legislador, em tal hipótese, longe de atuar como o sujeito concretizante do postulado constitucional que garante à classe trabalhadora um piso geral de remuneração (CF, art. 7º, IV), estará realizando, de modo imperfeito, o programa social assumido pelo Estado na ordem jurídica.

– A omissão do Estado – que deixa de cumprir, em maior ou em menor extensão, a imposição ditada pelo texto constitucional – qualifica-se como comportamento revestido da maior gravidade político-jurídica, uma vez que, mediante inércia, o Poder Público também desrespeita a Constituição, também ofende direitos que nela se fundam e também impede, por ausência de medidas concretizadoras, a própria aplicabilidade dos postulados e princípios da Lei Fundamental.

– As situações configuradoras de omissão inconstitucional – ainda que se cuide de omissão parcial, derivada da insuficiente concretização, pelo Poder Público, do conteúdo material da norma impositiva fundada na Carta Política, de que é destinatário – refletem comportamento estatal que deve ser repelido, pois a inércia do Estado qualifica-se, perigosamente, como um dos processos informais de mudança da Constituição, expondo-se, por isso mesmo, à censura do Poder Judiciário. [...]” (grifo nosso)

A decisão, todavia, não teve maior repercussão prática, pois o Supremo Tribunal Federal entende que, no caso de omissão legislativa, cabe-lhe, tão somente, notificar o legislador omisso para que adote as providências pertinentes a suprir a falta, não sendo lícito à Corte, por si mesma, regular o caso concreto.

Voltando ao exemplo da pandemia da Gripe A (H1N1), que vimos tratando nos itens anteriores, é de se observar que, além das medidas protetivas restritivas que podem ser adotadas pelas autoridades sanitárias, devem igualmente ser adotadas ações protetivas positivas, tais como o atendimento médico especializado pelo Sistema Único de Saúde, com a disponibilização dos meios técnicos necessários e suficientes ao combate da doença. Dentre tais meios, o fornecimento do medicamento específico existente para o tratamento da enfermidade deve ser satisfatório, no sentido do atendimento de todos os casos em que se confirme que o paciente está infectado pelo vírus mencionado, até porque essa é a recomendação da OMS. Por conseguinte, em princípio, qualquer protocolo estabelecido pelas autoridades públicas locais competentes que restrinja o uso da medicação apenas aos casos mais graves ou a determinados grupos de risco, como se verificou ao início da pandemia, mostra-se francamente contrário ao primado da proibição da proteção insuficiente, uma vez que a preservação da saúde da população é obrigação do Estado, nos moldes do art. 196(47) da Carta, devendo se dar de modo universal e igualitário. E nessa hipótese, diferentemente da situação em que a omissão é de natureza legislativa, é possível ao juiz interferir diretamente, determinando à autoridade administrativa que supra a falta concretamente, sob pena de sanção pecuniária ou até mesmo de intervenção.

3.3 Proporcionalidade em sentido estrito

Apesar de reconhecidas a adequação e a necessidade de uma determinada medida coativa de direitos fundamentais, não pode o intérprete furtar-se de avaliar o terceiro elemento da proporcionalidade, qual seja, a proporcionalidade em sentido estrito. Trata-se aqui, como ensina a doutrina,(48) de realizar o “sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a importância da realização do direito fundamental que com ele colide e que fundamenta a adoção da medida restritiva”. Ou, na lição de Canotilho:(49) “Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, com o objectivo de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim”.

Importa ainda registrar que, para a reprovação de uma medida no aspecto da proporcionalidade em sentido estrito, não é necessário que ela atinja o núcleo essencial(50) do direito fundamental restringido, bastando à sua rejeição que “os motivos que fundamentam a adoção da medida não tenham peso suficiente para justificar a restrição ao direito fundamental”.(51)

Trata-se, portanto, de realizar a valoração de dois preceitos constitucionais garantidores de direitos fundamentais, que em determinado momento se entrechocam, de modo a decidir qual deles vale mais, naquele caso concreto. Evidentemente que se cuida de tarefa extremamente complexa, especialmente se se está a valorar uma norma expedida pelo Poder Legislativo, detentor da representação popular e da liberdade de conformação que dela decorre. Consequentemente, tal ponderação axiológica somente pode ter lugar nos tribunais, excepcionalmente, e deve ser realizada sempre a partir dos critérios que estejam indicados na própria Constituição, sob pena de se acabar “incorrendo no risco ou na tentação de substituir a decisão legislativa pela avaliação subjetiva do juiz”,(52) numa total inversão funcional dos poderes do Estado. Há que se observar, ainda, que a dificuldade de substituição da valoração do legislador pela dos tribunais cresce quando se trata de direitos fundamentais sujeitos a reserva legal.(53)

De toda sorte, a ponderação envolve um insuperável juízo subjetivo de valoração por parte do intérprete, o que aponta para a necessidade do estabelecimento de métodos de interpretação que conduzam a uma conclusão cuja motivação reste densamente demonstrada e que encontre amparo consistente no ordenamento constitucional, afastando-se, assim, o quanto possível, as decisões discricionárias baseadas fundamentalmente na experiência e nos valores individuais do julgador. A propósito, oportuna a advertência de Inocêncio Mártires Coelho acerca da necessidade da utilização de critérios racionais de interpretação constitucional:

“Apesar ou por causa desse panorama de vale-tudo e de relativismo banalizador, em que vicejam as imposturas intelectuais – como as que foram denunciadas, em críticas demolidoras, por Sokal e Bricmont –, apesar dessa postura descomprometida com padrões mínimos de racionalidade, não foram poucos os que, remando contra a maré, se preocuparam em sinalizar caminhos para a atividade hermenêutica, em buscar rigor e objetividade para o trabalho interpretativo, num movimento que encontra adeptos no âmbito das ciências do espírito, em geral, e nos domínios da hermenêutica jurídica, em particular, onde aquela preocupação se mostrou ainda mais premente porque, afora os que defendiam a liberdade de interpretação, logo surgiram, também, os pregadores da livre criação do direito, um projeto revolucionário que os seus arquitetos imaginavam executar sobre as ruínas da dogmática jurídica.

Nesse contexto, como anotado acima, deveu-se a Emílio Betti a melhor formulação do já aludido cânone da autonomia hermenêutica ou da imanência do critério hermenêutico, uma fórmula que, sem desprezar o momento ou o fator subjetivo da interpretação – uma pretensão de resto impossível –, mesmo assim pudesse impedir que os críticos do objetivismo mergulhassem a hermenêutica num pântano de relatividade.

Consoante esse paradigma, cumpre ao intérprete procurar extrair o significado inerente às formas representativas, em vez de tentar atribuir-lhes, ab extra e de modo arbitrário, ou até mesmo fraudulentamente, sentidos outros, a elas de todo estranhos ou nem de longe coincidentes com aquilo que imaginaram seus criadores.”

Feitas essas advertências, para o que interessa ao exame da proporcionalidade em sentido estrito, cumpre ao intérprete, ao valer-se da técnica de ponderação, em um primeiro momento, tentar harmonizar os direitos fundamentais em conflito, por meio do princípio da concordância prática, apenas passando ao sopesamento de valores se aquela tentativa restar frustrada.(54)

A concordância prática, criação da Corte Constitucional alemã, “determina que nenhuma das posições jurídicas conflitantes será favorecida ou afirmada em sua plenitude, mas que todas elas, o quanto possível, serão reciprocamente poupadas e compensadas”.(55) Trata-se, por conseguinte, de primado inerente ao princípio da unidade da Constituição, consistindo numa “recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, em se deparando com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles, mas ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum”.(56)

Apenas quando não for possível a operação de harmonização das normas constitucionais colidentes é que poderá o julgador passar ao segundo passo, isto é, ao sopesamento dos valores constitucionais em disputa. E diversos são os casos em que o reconhecimento da prevalência de um dos direitos fundamentais em conflito resultará no total aniquilamento do outro, como quando a lei penal criminalizadora do aborto é excepcionada na hipótese de gravidez resultante de estupro. Nesse caso, a escolha política feita pelo legislador faz com que o direito à dignidade da mãe violada prevaleça, de modo absoluto, sobre o direito à vida do feto, concebido de uma relação espúria. Acaso fosse adotada a posição contrária, a dignidade da mãe seria inteiramente solapada em benefício da preservação do direito à vida do feto. Não há, aqui, portanto, a possibilidade de utilização do princípio da concordância prática para a verificação da concretização da proporcionalidade em sentido estrito. Não há meio termo.

Consequentemente, se fosse o caso de examinar a constitucionalidade da possibilidade de aborto sob tal circunstância – gravidez resultante de estupro –, em face dos direitos fundamentais que se entrechocam, ou seja, a dignidade da pessoa humana e a vida, haveria o julgador de fazer a ponderação de valores, ou seja, teria que, obrigatoriamente, estabelecer, para aquela situação concreta, uma “hierarquia axiológica entre os valores constitucionais”,(57) embora de há muito se reconheça que não existe hierarquia normativa entre direitos fundamentais, na medida em que todos revestem-se da mesma estatura jurídico-constitucional. Essa tarefa valorativa, todavia, é extremamente complexa para os tribunais, afastados no tempo e no espaço da realidade social, de modo que transita no limite entre o exercício legítimo da competência constitucional traduzida no primado da inafastabilidade do controle jurisdicional (art. 5º, inc. XXXV) e a usurpação da função legislativa (artigos 44 e 48). Por conseguinte, a apreciação judicial sobre as escolhas do legislador, em casos como esse, para legitimar-se, exige do julgador uma fundamentação exaustiva, que seja capaz de esgotar todos os ângulos pelos quais o tema possa ser tratado.

4 a proporcionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

Ao se buscar o entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca da aplicação do princípio da proporcionalidade, a primeira observação que se mostra pertinente é a de que a Corte, absolutamente, não trata o tema de modo racionalmente estruturado. Na maioria das vezes não é feita qualquer distinção entre razoabilidade e proporcionalidade, valendo-se dos termos como se sinônimos fossem, além de utilizarem-se os institutos de modo puramente retórico, sem uma maior preocupação com a análise pormenorizada dos elementos que compõem o teste de proporcionalidade. O seguinte comentário de Luís Virgílio Afonso da Silva(58) acerca das decisões do STF bem ilustra o que se está a afirmar:

“A invocação da proporcionalidade é, não raramente, um mero recurso a um tópos, com caráter meramente retórico, e não sistemático. Em inúmeras decisões, sempre que se queira afastar alguma conduta abusiva, recorre-se à fórmula ‘à luz do princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade, o ato deve ser considerado inconstitucional’.”

Decisões com essa conotação, embora possam justificar-se do ponto de vista interno – isto é, do ângulo da existência de uma relação racional entre motivos, meios e fins –, apresentam-se extremamente inconsistentes no aspecto da sua justificação externa, ou seja, da demonstração quanto à compatibilidade desses meios e fins com as ações permitidas pelo ordenamento constitucional.(59)

Enfim, a confusão entre razoabilidade e proporcionalidade e a ausência de uma fundamentação sistematizada quando da menção aos referidos institutos levam à conclusão de que “na jurisprudência do STF não se encontram maiores subsídios para o desenvolvimento da discussão sobre a regra da proporcionalidade no Brasil”.(60)

Isso, todavia, não significa que a Corte não venha utilizando esses institutos em diversos julgados. Um dos primeiros casos noticiados pela doutrina(61) refere-se ao RE 18.331, julgado em 21 de setembro de 1951, da relatoria do Ministro Orosimbo Nonato. Naquela ocasião, sob a égide da Constituição de 1946, a Corte serviu-se da figura do détournement de pouvoir ou do desvio ou excesso de poder, consagrada no direito administrativo francês, para apreciar a constitucionalidade da Lei nº 955/48, do município de Santos, que majorara o imposto de licença sobre cabines de banho. O juiz de primeira instância havia decretado a inconstitucionalidade da norma por entender que “fora excessiva a majoração e desproporcionada à capacidade econômica do contribuinte, capaz de cercear uma atividade lícita”. O Tribunal de Justiça reformou a sentença, argumentando que “os tribunais só fulminam os atos dos outros poderes quando a ilegalidade é flagrante, não deixa margem a dúvida razoável”, e que, naquele caso, o que estava prejudicando a atividade comercial da empresa recorrida era o custo do aluguel mensal que pagava pelo uso de sua sede, que havia sido sensivelmente aumentado naquele ano, e não a majoração do tributo questionado. O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, embora tenha negado provimento ao extraordinário interposto contra o acórdão do Tribunal paulista, deixou assentada a possibilidade, excepcional, de controle de constitucionalidade da lei tributária com fundamento no excesso que inviabilize a própria atividade comercial geradora do tributo. Do voto condutor se extrai o seguinte fragmento:(62)

“Ilimitada não é, segundo Rui de Souza, citado na sentença de primeira instância, a faculdade de determinar a quota do tributo, ‘não sendo lícito à administração pública levá-lo a tal extremo que negue o exercício da atividade que grava’.

O poder de taxar não pode chegar a desmedida do poder de destruir, substituído o conhecido axioma de Marshall pelo ‘the power to tax is the power to keep alive’. [...]

É um poder, em suma, cujo exercício não deve ir até abuso, ao excesso, ao desvio, aplicável, ainda aqui, a doutrina fecunda do ‘detournement de pouvoir’. Nem haveria que estranhar a invocação desta doutrina ao propósito de inconstitucionalidade, quando a Justiça argentina já proclamou que ‘la incompatibilidad puede ser con la letra de la Constitución, o solamente com su espírito, es decidir, com su verdadero significado cuando la letra es obscura o da lugar a diversas interpretaciones’ [...].”

Ainda em matéria tributária, já na vigência da Constituição de 1967, com a redação da EC nº 01/69, a Representação nº 1.077/84, em que se questionava a constitucionalidade da Lei nº 383/80, do Estado do Rio de Janeiro, que havia elevado a taxa judiciária estadual, é exemplo(63) de outro caso no qual a Corte decidiu a partir do que considerou como “equivalência razoável entre o custo real dos serviços e o montante a que pode ser compelido o contribuinte a pagar [...]”(64) (grifo nosso). Com esse fundamento, concluiu-se pela inconstitucionalidade da lei, restando assentado que:(65)

“[...] como tais taxas dizem respeito à remuneração da prestação jurisdicional pelo Estado, podem elas, se excessivas, criar obstáculo, que resulta da lei que determina a fixação de seu valor, capaz de impossibilitar a muitos a obtenção dessa prestação, o que acarreta a inconstitucionalidade dessa lei, por ofensa ao princípio inserido na parte inicial do § 4º do art. 153 da Constituição: ‘A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual’.” (grifo nosso)

Como se vê, o Tribunal examinou a validade da taxa sob o prisma da restrição do direito de acesso ao Judiciário, findando por reconhecer sua inconstitucionalidade, por entender que a taxa judiciária, quando cobrada com base em alíquota invariável, deve, obrigatoriamente, ter uma limitação de valor, “sob pena de se tornar, com relação às causas acima de determinado valor, indiscutivelmente exorbitante em face do custo real de atuação do Estado [...]”.(66) Oportuno observar, também, que a Corte deixou assentado que não poderia estabelecer o limite não fixado pela lei, mas apenas afastar a sua aplicação por inconstitucional.

Sob a Constituição de 1988, é recorrente na doutrina a referência ao caso julgado na ADI-MC 855/93, em que se combatia a Lei nº 10.248/93, do Estado do Paraná, que, visando à proteção dos direitos dos consumidores de GLP, determinava a pesagem dos botijões vendidos e dos recolhidos quando da substituição e o ressarcimento dos consumidores quando verificado peso a menor do que o indicado no botijão vendido ou sobra no botijão retornado. O Tribunal, em um juízo preambular, deferiu a medida cautelar suspendendo a execução da lei, deixando consignado, a partir das informações técnicas prestadas pelo INMETRO, que [tais esclarecimentos]:

“[...] servem, de um lado – como proficientemente explorado na petição –, não só para lastrear o questionamento da proporcionalidade ou da razoabilidade da disciplina legal impugnada, mas também para indicar a conveniência de sustar – ao menos, provisoriamente – as inovações por ela impostas, as quais, onerosas e de duvidosos efeitos úteis, acarretariam danos de incerta reparação para a economia do setor [...].”(67)

Nesse caso, convém observar que, não obstante tenha havido indevida menção à proporcionalidade e à razoabilidade como sinônimos, houve ao menos uma referência, ainda que tímida, às questões da necessidade (“onerosidade”) e da adequação (“duvidosos efeitos úteis”) da medida restritiva examinada.(68)
 
Mais recentemente, um caso que tem despertado polêmica nos meios judiciários diz respeito à edição, pelo Supremo Tribunal Federal, da Súmula Vinculante nº 8, que regula a utilização de algemas, nos termos seguintes:

“Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado.”

Dentre os precedentes que deram azo à súmula transcrita, a análise do HC 91.952,(69) julgado em 07.08.2008, permite verificar que, embora sem que tenha havido menção expressa por parte da Corte, as diversas manifestações dos ministros demonstram que a conclusão do julgamento pautou-se, essencialmente, no princípio da proporcionalidade, com incursões nos aspectos da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito, no caso concreto. Observo que, não obstante aqui não se tratasse de verificar a inconstitucionalidade de norma legal, mas de um caso concreto, em que o réu foi mantido algemado na sessão do júri, pensamos que o exemplo é apropriado para o fim de demonstrar a cada vez mais crescente utilização do princípio da proporcionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, quer no controle concentrado da constitucionalidade, quer no difuso.

Por fim, não poderíamos deixar de referir o recentíssimo caso julgado no RE 511.961, de 17.06.2009, em que o Supremo Tribunal Federal afastou a exigência de diploma universitário para o exercício da profissão de jornalista, contida no Decreto-Lei nº 972/69. Estavam em jogo, no caso, a liberdade de conformação do legislador, para regular o exercício de qualquer profissão, assegurada expressamente na Constituição Federal, mediante reserva legal qualificada, conforme estabelecido no art. 5º, inc. XIII, ao dispor que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” (grifamos), em contraposição à liberdade de expressão e ao direito à informação, também garantidos constitucionalmente, nos incisos IX e XIV do mesmo artigo.(70) Não obstante ainda não estejam disponíveis os conteúdos dos votos expendidos, o exemplo é contundente para a constatação do alcance atual da ingerência do Poder Judiciário na atividade legislativa, uma vez que a decisão praticamente aniquila a prescrição constitucional contida no inc. XIII do art. 5º, referido acima, na medida em que praticamente elimina a possibilidade do exercício do poder de regulamentação conferido pelo constituinte ao legislador infraconstitucional, no sentido de estabelecer as qualificações profissionais que entender pertinentes para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o que pressupõe que tal poder regulamentar possa ser exercido também em relação ao trabalho, ofício ou profissão de jornalista. Evidentemente, deverá a decisão revelar-se densamente fundamentada, uma vez que, no caso, é indubitável que o Tribunal substitui-se ao legislador ordinário, chegando mesmo a modificar a Constituição originária.

É, portanto, imprescindível que a decisão aponte, com extrema clareza, em que medida a exigência de graduação em nível universitário, para o exercício da profissão de jornalista, não é adequada ao fim que com ela se pretende alcançar, ou seja, que essa exigência não é fomentadora de uma melhor qualificação dos profissionais de jornalismo e, consequentemente, de uma melhor qualidade da informação oferecida à sociedade, ou, em outros termos, que essa medida em nada contribui para a melhoria da qualidade dos trabalhos jornalísticos. Se não for possível apontar a inadequação da medida restritiva, então é preciso que se demonstre tratar-se de limitação desnecessária, isto é, de limitação excessiva, porquanto existiria outra medida que produziria os mesmos efeitos, porém, com menor restrição aos direitos fundamentais que se têm por coactados (liberdade de expressão e direito à informação). Por fim, se não se puder demonstrar, consistentemente, a inadequação e a desnecessidade da medida legislativa, será preciso então apresentar sólidos fundamentos para explicar porque a medida afronta a proporcionalidade em sentido estrito, isto é, porque, no caso dos jornalistas, sequer o princípio da concordância prática pode ser observado, havendo, consequentemente, que se reduzir a nada a norma constitucional que autoriza o legislador a estabelecer exigências de qualificação profissional para o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão.

5 O decisionismo judicial como consequência da hermenêutica dos princípios e o (novo) papel do Poder Judiciário no Século XXI

A evolução da jurisprudência, a partir da Nova Hermenêutica, assentada na normatividade dos princípios constitucionais, tanto nos países da common law quanto nos países de tradição jurídica romano-germânica e, em especial, no Brasil, a partir da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, revela, também entre nós, a crescente influência normativa protagonizada pelo Poder Judiciário, quando do controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, trazendo como consequência uma velada desconstrução do ordenamento constitucional originariamente estabelecido e a reordenação dos valores socioculturais, que deixam então de ser regulados pela atividade legislativa e passam a ser determinados pelos juízes.

Esse ativismo judicial está, em certa medida, encoberto sob o manto do princípio da proporcionalidade, embora na maior parte das vezes as decisões sequer façam referência expressa ao citado princípio, que, todavia, finda por revelar-se a partir da linha argumentativa desenvolvida.(71) A utilização desse postulado e o abandono dos princípios e métodos tradicionais de interpretação, por outro lado, são realizados sem a preocupação com o estabelecimento de um novo e consistente arcabouço metodológico, que necessariamente deveria acompanhar a mudança de paradigma interpretativo, especialmente diante da subjetividade que caracteriza, como vimos nos tópicos precedentes, a aplicação da proporcionalidade. A ausência de qualquer formalidade maior na utilização prática desse princípio de interpretação constitucional enseja, obviamente, a discussão sobre o – novo – papel institucional do Poder Judiciário dentro das funcionalidades estatais constitucionalmente estruturadas e a legitimidade dessa inovadora postura jurisdicional.

A importância desse tema, ou seja, dos limites da aplicação do princípio da proporcionalidade no controle da constitucionalidade da lei – e mesmo de atos executivos –, tendo como contraponto o Estado Democrático de Direito, visto da ótica das diferentes funções atribuídas aos poderes constituídos, evidencia-se até mesmo da constatação de que esta questão fundamental não foi adequadamente resolvida sequer nos Estados Unidos, onde a ingerência da Suprema Corte nas políticas públicas, mediante o exame da razoabilidade – lá alicerçada no substantive due process – de medidas legislativas restritivas de direito, tem experimentado sucessivos influxos e refluxos, como esclarece o magistério da doutrina:(72)

“O reconhecimento dessa dimensão substantiva do devido processo legal passou por três fases distintas e de certa forma cíclicas, que incluem (a) sua ascensão e consolidação, do final do século XIX até a década de 30; (b) seu desprestígio e quase abandono no final da década de 30; (c) seu renascimento triunfal na década de 50, no fluxo da revolução progressista promovida pela Suprema Corte sob a presidência de Earl Warren. Presentemente, a Suprema Corte reassumiu um perfil conservador e o ativismo judicial – isto é, a intervenção dos tribunais no mérito de certas valorações legislativas e administrativas –, que se manifestava destacadamente pelo uso substantivo do devido processo legal, vive um momento de refluxo.”

Os retrocessos verificados decorreram, essencialmente, da interferência protagonizada pelo Poder Executivo, que, ao se ver contrariado nas políticas públicas que pretendia implantar e que tinham como pressuposto a restrição de direitos fundamentais, passou a controlar a Suprema Corte por meio da indicação de juízes alinhados com o governo, ou até mesmo pela incursão objetiva sobre a própria composição daquele Tribunal, de que é exemplo o conhecido court-packing plan, proposto por Franklin Roosevelt, com a intenção de obter a maioria do colegiado, e que, não obstante rejeitado pelo Congresso, levou a Corte, ao final dos anos 30, a mudar de orientação, abandonando o exame do mérito das leis de cunho econômico. Apenas mais tarde, já nos anos 50, a Corte retomou a aplicação do devido processo substantivo, mas agora restrito aos direitos fundamentais ditos não econômicos, isto é, aos chamados direitos fundamentais de primeira geração – liberdade de expressão, de religião, privacidade, etc –, que não trazem implicações ao orçamento público. Na atualidade, permanece írrito o esforço do Executivo – especialmente dos republicanos – no sentido de conduzir à Suprema Corte juízes contrários ao ativismo judicial.(73)

Na Alemanha, berço da proporcionalidade, a jurisprudência da Corte Constitucional também não está infensa à crítica da doutrina. Ingeborg Maus, em portentoso artigo, examina as manifestações daquele Tribunal buscando demonstrar que, encobertos pelo propósito de garantir liberdades públicas mediante a aplicação da hermenêutica fundada na normatividade dos princípios, podem ocultar-se “a vontade de domínio, a irracionalidade e o arbítrio cerceador da autonomia dos indivíduos e da soberania popular, constituindo-se como obstáculo a uma política constitucional libertadora”.(74)

A citada autora explica que, na atualidade, o Poder Judiciário, personificado nos seus juízes, está reassumindo o papel paterno de dar forma ao superego(75) da sociedade, papel este que, a partir da década de 60, havia se transferido da figura do pai para o meio social, que passara, então, a determinar a conformação da consciência individual. Em outros termos, a perda da capacidade de crítica individual autônoma à normatividade social leva a sociedade órfã a transferir, passivamente, tal controle normativo aos mecanismos funcionais do Estado. É por esse caminho que a jurisdição constitucional vem assumindo, então, esse papel crítico e definindo os valores socioculturais que deverão prevalecer – em um fenômeno comumente referido como judicialização da política –, atribuição que deveria competir à própria sociedade, por meio do exercício da soberania popular, que nos sistemas de democracia representativa é conferida à esfera do legislador. Enfim, a sociedade transfere à pessoa do juiz a imagem paterna, passando a enaltecer, de modo submisso, a figura do magistrado, cujos predicados pessoais passam a servir de justificativa para as suas decisões, conforme refere a doutrina:(76)

“Não se trata simplesmente da ampliação objetiva das funções do Judiciário, com o aumento do poder da interpretação, a crescente disposição para litigar ou, em especial, a consolidação do controle jurisdicional sobre o legislador, principalmente no continente europeu após as duas guerras mundiais. Acompanha essa evolução uma representação da Justiça por parte da população que ganha contornos de veneração religiosa.

[...]

O retorno mais marcante da imagem do pai parece revelar-se no exame da jurisdição constitucional dos Estados Unidos. Nesse país, que já desenvolvera um modo original de controle da constitucionalidade desde o começo do século XIX, tal retorno é indicado pelo surgimento de uma vasta literatura a respeito de biografias de juízes. Na visão retrospectiva do século XX, a jurisprudência da Suprema Corte norte-americana apresenta-se como obra das marcantes personalidades de juízes que fizeram a sua história constitucional, os quais aparecem como ‘profetas’ ou ‘deuses do Olimpo do direito’.”

Esse comportamento alienado da sociedade conduz, por sua vez, à eliminação do debate público em torno das questões de interesse comum ao corpo social, que assim se afasta da construção política de entendimentos consensuais para, reconhecendo na magistratura uma espécie de reserva moral da sociedade, atribuir-lhe papel que não lhe compete e que pode traduzir-se em perigosa fórmula de tolerância para com a arbitrariedade judicial. Nesse sentido, precisas as seguintes observações:  

“Que a jurisprudência e a administração da moral se aproximem, segundo as modernas teorias de decisão judicial, isso se deixa confirmar também em ambiciosas contrações teóricas da atualidade. Ronald Dworkin é expressão plena do pensamento dominante de que direito e moral não podem ser separados na atividade jurisprudencial. Segundo ele, as perspectivas morais e os princípios são imanentes ao conceito de direito mesmo quando não encontram apoio no texto legal e devem orientar desde o início o trabalho decisório judicial. A razão pela qual tal teoria – a despeito de suas melhores intenções – é capaz de encobrir moralmente um decisionismo judicial situa-se não só na extrema generalidade da ótica da moral, em oposição às normas jurídicas, mas também na relação indeterminada entre a moral atribuída ao direito e as convicções morais empíricas de uma sociedade. Assumindo o pressuposto explícito de que nenhum grupo social possui mais do que os juízes a capacidade moral de argumentação, Dworkin está convencido de que pode resolver o dilema fazendo do próprio entendimento do juiz acerca do que seja o conteúdo objetivo da moral social (‘community morality’) o fator decisivo da interpretação jurídica. Desse modo, porém, a moral que deve dirigir a interpretação do juiz torna-se produto de sua interpretação. A inclusão da moral no direito, segundo esse modelo, imuniza a atividade jurisprudencial perante a crítica à qual originariamente deveria estar sujeita. Ela dispõe sempre de um conceito de direito que é produto da extensão de suas ponderações morais. Quando a Justiça ascende ela própria à condição de mais alta instância moral da sociedade, passa a escapar de qualquer mecanismo de controle social – controle ao qual normalmente se deve subordinar toda a instituição do Estado em uma forma de organização política democrática. No domínio de uma Justiça que contrapõe um direito ‘superior’, dotado de atributos morais, aos simples direitos dos outros poderes do Estado e da sociedade, é notória a regressão a valores pré-democráticos de parâmetros de integração social.”

É pertinente afirmar, portanto, que a incursão da jurisdição constitucional sobre a esfera de conformação do legislador, por intermédio de postulados como o do princípio da proporcionalidade, utilizados de forma retórica e sem maior preocupação metodológica, perante uma sociedade acrítica e passiva, que cada vez mais vê nos juízes a figura paterna, transferindo para o Judiciário a solução de questões puramente políticas, é a porta aberta ao decisionismo [no caso, judicial], teoria tão bem elaborada por Carl Schmitt – conhecido como “jurista de ouro”(77) do nazismo. Suas ideias foram desenvolvidas sob o pálio da Constituição de Weimar, Carta Política tida como referência na constitucionalização dos direitos fundamentais de segunda geração, o que demonstra como podem ser cometidas inomináveis atrocidades mesmo em um regime formalmente constitucional.

O decisionismo de Carl Schmitt veio a lume em contraposição ao normativismo de Krabbe e Kelsen, afirmando aquele pensador alemão que a concepção do direito não poderia estar apenas correlacionada com a norma abstratamente concebida pelo legislador, mas que o direito deve estar sempre associado à sua efetivação, o que remete, necessariamente, à conclusão de que a decisão que aplica a norma no caso concreto é elemento intrínseco ao direito. Nessa medida, decorre, obrigatoriamente, que o poder que decide sobre a aplicação da norma é, igualmente, elemento correlacionado à própria concepção do direito, conforme esclarece Alexandre Franco de Sá:(78)

“Para Schmitt, ao invés do que Krabbe ou Kelsen propunham, a norma constitutiva do direito não pode ser pensada senão a partir da sua efectivação, isto é, a partir da sua aplicação a uma situação existente e, consequentemente, a partir da sua articulação com o poder capaz de decidir essa mesma aplicação. E se, sem a decisão que a efectiva, a norma nada é, se a norma, despojada do elemento decisório, é uma pura e simples abstracção, tal quer dizer que essa mesma norma remete sempre para a decisão de uma autoridade que, nessa medida, não pode ser deslocada para fora do âmbito jurídico. É essa inevitável remissão da norma ao poder, à autoridade que decide a sua aplicação, que Schmitt procura expressar por meio do seu decisionismo.”
 
Nesse contexto, o decisionismo coloca a soberania não mais na norma (na lei), mas no poder que aplica a norma e que, por ser poder soberano, é ilimitado, de modo que além de aplicá-la, pode excepcioná-la, ou seja, suspender a sua aplicação. Essa concepção do direito, como se vê, transcende a própria noção de que a Constituição é constitutiva do Estado, para compreender o Estado como um poder anterior à própria Lei Fundamental, e, por isso, aquele que detém tal autoridade de decidir pode, dentro da racionalidade desse sistema, atuar ilimitadamente.(79) 

Tal concepção do direito, vinculado a um poder ilimitado, que decide sobre a aplicação ou a suspensão da norma legal, transposta para a hipótese que ora examinamos, qual seja, o decisionismo no âmbito do Judiciário, estabelece um verdadeiro paradoxo. Ora, se o Estado Democrático de Direito pressupõe a supremacia da Constituição, isto é, que o Estado deve submeter-se aos limites delineados na Carta Política, o Judiciário, enquanto poder do Estado, deve, tanto quanto os demais poderes, atuar conforme a Lei Fundamental, isto é, o poder de decidir dos juízes é, precisamente, o poder de decidir que lhes foi conferido pela Constituição, nem mais, nem menos. Ocorre que, embora o Judiciário atue como poder moderador, controlando os demais poderes, a fim de que atuem nos limites traçados pela Constituição, sobre as decisões jurisdicionais dos tribunais constitucionais não há qualquer espécie de controle institucional. E não há tal controle justamente porque a sociedade (acrítica) supõe que o Judiciário, enquanto reserva moral social, impor-se-á uma autolimitação, mediante a rígida observância da ordem constitucional posta. É por isso que, quando um tribunal passa a estabelecer, ele mesmo, critérios subjetivos para o julgamento dos atos legislativos e executivos discricionários, atuando como um poder ilimitado, para além do que autoriza a própria Constituição, ultrapassando a fronteira da hermenêutica dos princípios para dar azo ao decisionismo, vê-se abalada a democracia.

Nesse contexto, sobressai a importância do aprofundamento do debate acadêmico sobre a problemática do decisionismo judicial, cujas consequências são imprevisíveis para o regime democrático. Assim, descortina-se, para a sociedade do século XXI, inevitavelmente, a perspectiva de rediscutir, conscientemente, o papel do Poder Judiciário e, em particular, no Brasil, o papel do Supremo Tribunal Federal, tema que, a nosso ver, passa, inexoravelmente, pela clara redefinição das atribuições e da forma de composição daquela Corte.

Conclusões

No âmbito restrito do que aqui foi tratado, podemos apresentar as seguintes conclusões:

(1) Na perspectiva da chamada Nova Hermenêutica, fundada na supremacia da Constituição e na normatividade dos princípios, a proporcionalidade tem sido utilizada pelos tribunais como argumento retórico para o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, com incursões do Judiciário sobre a esfera de conformação do legislador, sem a preocupação com o desenvolvimento sistemático de uma metodologia de aplicação do mencionado postulado.

(2) Para a adequada utilização desse princípio de interpretação, primeiramente, é necessário distinguir entre proporcionalidade e razoabilidade, postulados que não podem ser utilizados indistintamente como se sinônimos fossem, tendo em vista que se diferenciam não só pela origem, mas também pela estrutura teórica e pela metodologia de aplicação ao caso concreto.

(3) A razoabilidade, derivada do substantive due process norte-americano, ante o alto grau de subjetividade que lhe é inerente, apresenta-se com alcance mais limitado no controle de constitucionalidade das leis, pois somente aplica-se aos casos em que a invalidade da norma seja evidente, enquanto a proporcionalidade, concebida pelo Tribunal Constitucional alemão, como decorrência do Estado Democrático de Direito, aplicada a partir dos testes de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito, que devem ser verificados nesta ordem e subsidiariamente, oferece uma fórmula de interpretação que permite adentrar, racionalmente, em maior profundidade na análise da compatibilidade da norma restritiva com o ordenamento constitucional.

(4) Na análise dos elementos ou subprincípios componentes da proporcionalidade, deve-se observar, quanto à adequação, que a medida restritiva de direito fundamental não poderá ser rejeitada se mostrar-se fomentadora do resultado que se pretende com ela obter, isto é, ela será incompatível com o ordenamento constitucional apenas se em nada colaborar para a obtenção do fim almejado, sendo irrelevante para o exame da constitucionalidade a avaliação, a posteriori, do resultado prático efetivamente obtido com a sua implementação.

(5) O subprincípio da necessidade presta-se à averiguação do excesso da medida restritiva, visando assegurar a menor intervenção possível sobre o direito a ser limitado, ou seja, destina-se a verificar, comparativamente, se não há outra medida adequada que interfira em menor grau sobre o direito coatado, cumprindo, para esse efeito, observar que somente podem ser comparadas medidas que proporcionem ao Estado alcançar o resultado pretendido com a mesma eficácia, bem como que para o reconhecimento da desnecessidade da medida restritiva não é preciso que ela atinja o núcleo essencial do direito fundamental constrangido.

(6) A verificação da proporcionalidade em sentido estrito é o último teste a ser realizado e o que apresenta o maior grau de subjetividade, pois visa à ponderação dos valores em jogo, a fim de se estabelecer, dentre os direitos fundamentais em conflito, qual deverá prevalecer. Para isso, deve-se, primeiramente, aplicar o princípio da concordância prática – que busca conciliar o quanto possível os direitos em colisão –, para, somente se isso não for possível, realizar então o sopesamento dos valores constitucionais em jogo, apenas substituindo a opção do legislador, excepcionalmente, mediante fundamentação com densidade suficiente a abordar exaustivamente todos os aspectos envolvidos na questão discutida.       

(7) Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, acerca do controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos, colhem-se precedentes acerca da aplicação da proporcionalidade ou da razoabilidade – por vezes tratados como se fossem sinônimos – desde a década de 50, sendo visível a evolução do pensamento da Corte que, se ao início restringia a incidência desses princípios de interpretação a casos excepcionais, na atualidade, os vem aplicando em sensível número de casos, todavia, sem uma maior preocupação metodológica, o que pode conduzir a decisões com elevado grau de subjetividade.

(8) A crescente utilização da proporcionalidade ou da razoabilidade como vetores de interpretação, despidos de uma metodologia sistematizada, mas apenas como argumentos retóricos, proporciona a intervenção irracional sobre a esfera de conformação do legislador, abrindo as portas ao decisionismo judicial, pelo qual o Judiciário assume uma figura paternal, delimitadora e definidora dos valores da sociedade, que se incompatibiliza com o Estado Democrático de Direito e traz a lume a premente necessidade da redefinição, por essa mesma sociedade, do papel do Poder Judiciário no século XXI.

Referências

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição. São Paulo: Saraiva, 2003.

BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. São Paulo: Malheiros, 2003.

CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. Coimbra: Almedina, 1998.

MARMELSTEIN, George. Controle judicial dos direitos fundamentais. Porto Alegre: TRF – 4ª Região, 2008 (Currículo Permanente. Caderno de Direito Constitucional: módulo 5).

MAUS, Ingeborg. Judiciário como superego da sociedade. Novos Estudos Lebrap, n. 58, p. 183-202, nov. 2000.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.  Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009.

SÁ, Alexandre Franco de. Do decisionismo à teologia política: Carl Schmitt e o conceito de soberania. Covilhã: Lusofia, 2009.  

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 1992.

SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável. RT, São Paulo, a. 91, n. 798, p. 23-50, abr. 2002.

Notas

1. Ao referir as contribuições de Friedrich Müller, na Alemanha, e Ronald Dworkin, nos Estados Unidos e na Inglaterra, para a afirmação da normatividade dos princípios, Paulo Bonavides deixa assentada a impossibilidade de retrocesso, a partir desta concepção do Direito: “Mas aqui fica para trás, já de todo anacrônica, a dualidade, ou, mais precisamente, o confronto princípio versus norma, uma vez que pelo novo discurso metodológico a norma é conceitualmente elevada à categoria de gênero, do qual as espécies vêm a ser o princípio e a regra. Isso já se acha perfeitamente elucidado, definido, reconhecido e difundido [...].” (Curso de direito constitucional, p. 276)

2. Sobre o tema, vide Paulo Bonavides, op. cit., p. 255-295.

3. Diz o referido autor que, “desprovidos de uma teoria que lhes dê sustentação e consistência na seleção dos métodos e princípios que organizem o seu acesso à Constituição – um panorama ‘desolador’, no dizer de Raul Canosa Usera –, os intérpretes/aplicadores acabam escolhendo esses instrumentos ao sabor de sentimentos e intuições, critérios que talvez lhes pacifiquem a consciência, mas certamente nada nos dirão sobre a racionalidade dessas opções. É que, resume Giuseppe Zaccaria, o método não pode explicar a eleição do método.” (Curso de direito constitucional, p. 120)

4. Idem, p. 120.

5. Paulo Bonavides consigna que as “dificuldades terminológicas ainda afligem o princípio da proporcionalidade” (op. cit., p. 402).

6. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição, p. 266.

7. SILVA, Luís Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável, p. 30.

8. Gilmar Ferreira Mendes esclarece que o controle da constitucionalidade em face do “excesso de poder legislativo introduz delicada questão relativa aos limites funcionais da jurisdição constitucional” e que não se trata de instrumento de averiguação dos motivos internos e tampouco da finalidade do ato, em suma, não se trata de perquirir quanto ao mérito da lei, “invadindo seara reservada ao Poder Legislativo”. (Curso de direito constitucional, p. 356)

9. Op. cit., p. 30-31.

10. Idem, p. 24-25.

11. Paulo Bonavides, op. cit., p. 256-257.

12. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e aplicação da constituição, p. 218.

13. Idem, p. 218.

14. Idem, p. 218-246.

15. Idem, p. 220.

16. SILVA, Luís Virgílio Afonso da, op. cit., p. 29.

17. Op. cit., p. 225-226.

18. Luís Virgílio Afonso da Silva, nesse sentido, deixa assentado: “Percebe-se, portanto, que o teste sobre a irrazoabilidade é muito menos intenso do que os testes que a regra da proporcionalidade exige, destinando-se meramente a afastar atos absurdamente irrazoáveis”. (op. cit., p. 29)

19. Conforme assevera Luís Virgílio Afonso da Silva, ao buscar identificar o fundamento do controle do excesso legislativo mediante a utilização da proporcionalidade, o “que resta sem resposta, contudo, é a razão pela qual esse controle deve ser feito por intermédio da regra da proporcionalidade, e não por outro método [...]”, pois existem “diversos outros modelos de controle que poderiam desempenhar a mesma tarefa.” (op. cit., p. 43)

20. Op. cit., p. 266-267.

21. Sobre o tema vejam-se: Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 356-357; Canotilho, op. cit., p. 269; e Luís Virgílio Afonso da Silva, op. cit., p. 42-44.

22. Op. cit., p. 357.

23. Op. cit., p. 356-364.

24. Idem, p. 398-399.

25. Op. cit., p. 43-44.

26. Op. cit., p. 236-237.

27. “Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito [...].”

28. José Afonso da Silva estabelece os seguintes princípios conformadores do Estado Democrático de Direito: (a) da constitucionalidade (supremacia da constituição [rígida e emanada da vontade popular]); (b) democrático (democracia representativa, participativa e pluralista); (c) sistema de direitos fundamentais; (d) da justiça social (arts. 170 e 193 da Constituição, realização da democracia cultural e social); (e) da igualdade; (f) da divisão de poderes e independência do juiz; (g) da legalidade; (h) da segurança jurídica. (op. cit., p. 110-111)

29. Op. cit., p. 406.

30. Op. cit., p. 30.

31. Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 366.

32. Op. cit., p. 36-37.

33. Nos referimos a juízo prognóstico no sentido da concepção de avaliações subjetivas relativas ao acerto ou erro da previsão legislativa, ou seja, da probabilidade de que o esperado evento futuro efetivamente ocorra.

34. Controle judicial dos direitos fundamentais, p. 70-71.

35. Conforme Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, disponível em www.uol.com.br.

36. Op. cit., p. 366.

37. J.J. Gomes Canotilho, op. cit., p. 270.

38. Op. cit., p. 38.

39. Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 366.

40. Op. cit. p. 270.

41. Nesse sentido, Canotilho consigna que o “sentido mais geral da proibição do excesso é, como se acaba de ver, este: evitar cargas coactivas excessivas ou actos de ingerência desmedidos na esfera jurídica dos particulares. Há, porém, um outro lado da protecção que, em vez de salientar o excesso, releva a proibição por defeito (Untermassverbot)” (op. cit., p. 273).

42. Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 367.

43. George Marmelstein, op. cit., p. 74.

44. Op. cit., p. 367.

45. Disponível em www.stf.jus.br.

46. O exemplo é mencionado por George Marmelstein, op. cit., p. 75.

47. “Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.”

48. Luís Virgílio Afonso da Silva, op. cit., p. 40.

49. Op. cit., p. 270.

50. Sobre o tema veja-se Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 348-355.

51. Luís Virgílio Afonso da Silva, op. cit., p. 41.

52. Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 366-367.

53. Dizem-se sujeitos à reserva legal os direitos fundamentais para os quais o constituinte originário outorgou o poder de regulação ao legislador infraconstitucional. Podem ser reconhecidos no texto da Lei Fundamental geralmente pelas expressões nos termos da lei, na forma da lei, a lei estabelecerá, etc. Gilmar Ferreira Mendes distingue, ainda, entre reserva legal simples e reserva legal qualificada. A primeira confere maior liberdade ao legislador, referindo apenas a possibilidade de regulação infraconstitucional, enquanto a segunda diz respeito aos preceitos nos quais, além da necessidade da lei, o constituinte já estabeleceu o conteúdo sobre o qual poderá versar a norma reguladora (op. cit., p. 340-347). Dentre os diversos exemplos de reserva legal qualificada mencionados pelo referido autor, trazemos, a título ilustrativo, a disposição do art. 5º, XII, da Carta, que cuida da possibilidade de violação das comunicações telefônicas, que poderá ocorrer conforme estabelecer a lei, lei esta que, obrigatoriamente, deverá prever que a medida somente poderá realizar-se por ordem judicial e para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

54. George Marmelstein, op. cit., p. 80.

55. Idem, p. 81.

56. Inocêncio Mártires Coelho, op. cit., p. 136.

57. George Marmelstein, op. cit., p. 87-88.

58. Op. cit., p. 31.

59. Luis Roberto Barroso, op. cit., p. 226.

60. Luís Virgílio Afonso da Silva, op. cit., p. 33.

61. Luis Roberto Barroso, op. cit., p. 234-235.

62. Disponível em www.stf.jus.br.

63. Referido por Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 367-368.

64. Extraído do voto do Relator, disponível em www.stf.jus.br.

65. Idem.

66. Idem.

67. Idem.

68. Nesse sentido, Gilmar Ferreira Mendes, op. cit., p. 368.

69. Disponível em www.stf.jus.br.

70. In verbis: “IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;” e “XIV – é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;”

71. Ao discorrer sobre a prática do STF na aplicação do princípio da proporcionalidade, Luís Virgílio Afonso da Silva deixa consignado que: “Vários são os julgados citados como exemplos de aplicação da regra da proporcionalidade entre nós, dos mais recentes até julgados do início da década de 50. Mesmo que não nos ocupemos com o fato de que, na maioria deles, a proporcionalidade nem sequer é citada e concentremos somente naqueles em que, pelo menos nominalmente, faz-se referência a ela, como é o caso das duas decisões já citadas, salta aos olhos um problema de difícil solução: tanto Gilmar Ferreira Mendes como Suzana de Toledo Barros, quando expõem teoricamente a regra da proporcionalidade, referem, como não poderia deixar de ser, os exames da adequação, da necessidade e da proporcionalidade em sentido estrito. Contudo, quando da análise da suposta aplicação da proporcionalidade pelo STF, esses exames simplesmente desaparecem. Sempre citada é a decisão liminar do STF que declarou inconstitucional a exigência de pesagem de botijões de gás na presença dos consumidores, instituída, no Paraná, por lei estadual. Não há como não se perguntar se os dispositivos considerados inconstitucionais – não só nessa, mas em várias outras decisões em que se recorreu à regra da proporcionalidade – foram considerados inadequados, desnecessários ou desproporcionais em sentido estrito. Não se sabe. E não há como se saber, visto que o STF não procedeu a nenhum desses exames de forma concreta e isolada. E, se não os realizou, não foi aplicada a regra da proporcionalidade.” (op. cit., p. 33-34)

72. Luís Roberto Barroso, op. cit., p. 221-222.

73. Idem, p. 220-223.

74. O judiciário como superego da sociedade: o papel da atividade jurisprudencial na sociedade órfã, p. 183.

75. Segundo o Dicionário Houaiss: “de acordo com a segunda teoria freudiana do aparelho psíquico, conjunto das forças morais inibidoras que se desenvolvem sob a influência da educação durante o processo de socialização;” (disponível em www.uol.com.br)

76. Ingeborg Maus, op. cit., p. 185.

77. Ingeborg Maus, op. cit., p. 183.

78. Do decisionismo à teologia política: Carl Schmitt e o conceito de soberania, p. 10-11.

79. Para uma melhor compreensão da teoria do decisionismo, engendrada por Carl Schmitt, apontando como elemento central da concepção do direito, além da norma, a decisão que a aplica ao caso concreto, por intermédio de um poder ilimitado, em contraposição ao normativismo de Krabbe e Kelsen, vejam-se as seguintes considerações: “A confrontação schmittiana quer com o normativismo, na sua exclusão da decisão como elemento jurídico, quer com o catolicismo, na sua proposta de uma potestas indirecta capaz de limitar o poder do Estado, culmina então na defesa da existência de um poder que represente a lei, de um poder que seja a própria lei na sua visibilidade, isto é, na defesa de um poder soberano essencialmente ilimitado. E a definição da soberania como a possibilidade de abertura de um estado de excepção corresponde, em rigor, a esta defesa: se um poder limitado não poderia deixar de ser um poder que encontrava na lei soberana o fundamento dos seus limites, a determinação da soberania como a possibilidade de decidir um estado de excepção corresponde inevitavelmente à defesa de que o poder soberano deve ser essencialmente destituído de quaisquer limites. No entanto, tendo em conta que Schmitt partilha claramente com o normativismo a necessidade de distinguir o direito da pura e simples afirmação de uma vontade arbitrária, desvinculada e tirânica, torna-se manifesto que a defesa schmittiana da ilimitação do poder político não pode ser considerada como a defesa de um poder caracterizado pela sua mera arbitrariedade. É certo que Schmitt defende abertamente, em contraposição ao normativismo, que o poder do Estado não deve encontrar diante de si qualquer poder que o possa limitar. Mas é também certo que uma tal defesa não surge, no pensamento schmittiano, como a defesa de um poder arbitrário, absolutamente desvinculado e, nessa medida, irracional, mas como a defesa de um poder ligado a uma ordem e a uma razão, de um poder cuja existência se manifesta como imprescindível e, consequentemente, como racionalmente justificável. Noutros termos, se Schmitt defende, já desde 1914, que o direito não deriva da pura afirmação de um poder, e que ele é, nessa medida, essencialmente racional, ou seja, se é em nome da racionalidade desse direito que Schmitt recusa a limitação do poder do Estado, isso quer dizer que essa recusa surge em Schmitt como uma conclusão retirada a partir de uma ordem de razões, como uma conclusão que obedece a uma razão de ser e que é, portanto, passível de uma justificação argumentativa e racional. O decisionismo schmittiano, a tese de que a soberania reside não na lei, mas na decisão que efectiva essa mesma lei, ou seja, no sujeito cujo poder tanto decide a lei, como pode decidir um estado de excepção que suspenda a sua aplicação, encontra assim o seu fundamento não num irracionalismo, mas naquilo a que se poderia chamar uma racionalidade alternativa à racionalidade normativista.” (idem, p. 20-21)

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fevereiro. 2010. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS