Anotações acerca do art. 349-A do Código Penal


Autor: Rafael Wolff

Juiz Federal Substituto, Especialista em Processo Civil pela UFRGS

 publicado em 26.2.2010

Resumo

Este trabalho objetiva sinalar pontos relevantes acerca de recente inovação legislativa, qual seja, a criação de um novo tipo penal (art. 349-A do CP), que traz a vedação do ingresso de dispositivo de telecomunicação móvel em estabelecimentos penais.

Palavras-chave: Celular. Ingresso. Estabelecimento prisional. Sujeito ativo. Sujeito passivo. Consumação. Tentativa. Competência.

Sumário: Introdução. 1 Histórico. 2 Bem jurídico tutelado. 3 Objeto. 4 Sujeito ativo. 5 Sujeito passivo. 6 Elemento subjetivo. 7 Consumação/tentativa. 8 Crime impossível. 9 Culpabilidade – coação moral irresistível e resistível. 10 Juizado Especial Criminal, Estadual e Federal. 11 Transação e sursis processual. 12 Pena – circunstâncias do crime que devem elevar a pena base. Conclusão.

Introdução

A pena privativa de liberdade, hoje tão criticada, constituiu-se em uma notável evolução na forma com que a sociedade punia aqueles que não exerciam uma conduta social adequada. Após o iluminismo, os castigos físicos foram paulatinamente substituídos pela restrição de liberdade, o que modificou a visão do Estado acerca dos estabelecimentos prisionais.

De local onde o apenado aguardava sua pena a estabelecimento onde o isolamento representaria uma forma de reprimenda e reeducação, os presídios alcançaram o status de protagonistas de uma execução penal mais humana e eficiente, que possibilitaria o reingresso do cidadão no convívio social.

Muitos anos se passaram, mas os resultados obtidos ficaram distantes do esperado. A superlotação carcerária colocou em xeque o caráter humanitário das penas restritivas de liberdade e criou condições para que verdadeiras organizações criminosas se desenvolvessem no seio do próprio sistema punitivo. Em pouco tempo, atividades criminosas estavam sendo comandadas de dentro dos estabelecimentos prisionais, outrora idealizados para garantir, mediante o isolamento dos indivíduos mais perigosos, a ordem pública.

Diante disso, as autoridades perceberam a necessidade de impedir a irrestrita comunicabilidade do preso com o mundo exterior, não só como forma de fazê-lo sentir o caráter de isolamento da pena, mas também como uma forma de resguardar a sociedade da periculosidade que justificou a restrição de sua liberdade.

 O tipo penal que agora se passa a estudar é fruto desse contexto.

1 Histórico

No período anterior à Lei 11.466/07, prevaleceu o entendimento de que não havia base legal para considerar falta grave a posse de celular por detento.(1) A citada norma, todavia, forneceu ao ordenamento tal subsídio, adicionando ao art. 50 da Lei de Execuções Penais (LEP) o inciso VII, que atribuía falta grave a quem “tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo”.

A evolução legislativa foi sensível, pois, como bem pontuou Fernando Capez, ocasionou aos infratores severas consequências, como a perda dos dias remidos, a impossibilidade de concessão do livramento condicional, bem como a regressão do regime (além da constituição de novo óbice à progressão).(2)

A Lei 11.466/07, ao mesmo tempo em que sancionou a conduta do preso como falta grave, optou por punir a conduta do agente público como crime de menor potencial ofensivo. É o que se dessume do art. 2º da citada norma, que adicionou o art. 319-A ao Código Penal, abaixo transcrito:

“Art. 319-A. Deixar o Diretor de Penitenciária e/ou agente público de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo:

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.”

Segundo tal tipo penal, será punido o diretor ou agente público (e.g., agente penitenciário) que deixe dolosamente de cumprir seu dever de vedar ao preso o acesso a aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros detentos ou com o exterior.

Trata-se, por certo, de norma especial em relação ao delito de prevaricação. As principais diferenças são que o novo delito é específico para o Diretor de Penitenciária e/ou agente público e que imprescinde da satisfação de interesse ou sentimento pessoal para sua incidência.

É inegável, contudo, que a edição da Lei 11.466/07 não ocasionou o resultado esperado, como bem frisou Fernando Capez,(3) in verbis:

“Com efeito, segundo notícia veiculada no jornal O Estado de S. Paulo, em 7 de janeiro de 2008, todos os meses são apreendidos, nas prisões paulistas, de 800 a 900 telefones celulares, dado esse revelado pelo próprio Secretário da Administração Penitenciária, Antonio Ferreira Pinto. Apurou-se, ainda, que há, aproximadamente, dois preços para um celular entrar num presídio: R$ 500,00 (quinhentos reais), se for por meio de agente penitenciário, e R$ 200,00 (duzentos reais), se for por meio de visita.

A persistência de tal situação, obviamente, deve-se a inúmeros fatores, os quais não poderão ser combatidos apenas com a ação repressiva do Estado. Na realidade, tais dados apenas refletem a crise atual do sistema prisional e que antecede à promulgação da Lei n. 11.466/2007. Para exemplificar, cite-se a existência de uma estrutura administrativa deficiente, com reduzido número de agentes penitenciários, os quais são remunerados de maneira inadequada, constituindo, assim, a corrupção um problema endêmico nos presídios e um grave obstáculo ao perfeito funcionamento dos sistemas que dificultam a entrada de telefones celulares no interior dos presídios.”

Nesse contexto, tivemos a edição da Lei 12.012/09, que acrescentou o art. 349-A ao Código Penal, em uma nova investida contra o ingresso irregular de dispositivos móveis de comunicação nos presídios. Tal tipo possui a seguinte redação:

“Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, em estabelecimento prisional.

Pena: detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano.”

Saliente-se que obrou bem o Legislador ao criminalizar tais condutas. De fato, o ingresso de aparelhos de comunicação em presídios é um problema mundial, cuja periculosidade é suficientemente alta para justificar a criação do tipo penal, já tendo ocasionado fugas de prisões de segurança máxima, atentados contra membros da comunidade e realização de crimes. Frise-se, também, que o telefone móvel pode ser utilizado para ameaçar testemunhas, para transações bancárias ou mesmo para detonar bombas, como ocorrido nos atentados de Bali, em 2002, e Madri, em 2004.

Em virtude desses fatos, a criminalização dessa conduta foi uma das conclusões de dossiê temático do CEDI – Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados sobre o uso ilícito de celulares em prisões de Canadá, Cingapura, França, Israel, Reino Unido e Nova Zelândia,(4) o que demonstra a ausência de ofensa ao princípio da intervenção mínima.

Passa-se, portanto, à análise do novo tipo penal.

2 Bem jurídico tutelado

O bem jurídico tutelado pelo tipo em debate é a Administração da Justiça, que resta desabonada pela conduta daqueles que colaboram com a frustração da pena privativa de liberdade, tanto no seu viés educativo, como na sua função protetiva da sociedade, que assiste estupefata à realização de atos criminosos coordenados de dentro dos estabelecimentos prisionais.

A conclusão é confirmada pela localização topográfica do novo tipo penal, situado no capítulo destinado aos Crimes contra a Administração da Justiça.

3 Objeto

A redação do art. 349-A fala em “aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar”.

Logo, foi criminalizado não só o ingresso doloso em estabelecimento penal do telefone celular ou de rádio, mas de qualquer equipamento de telecomunicação hábil a viabilizar a comunicação entre os detentos e o mundo exterior (e.g., pager). De fato, o surpreendente e rápido avanço das novas tecnologias não permite uma discriminação sequer dos dispositivos atualmente disponíveis no mercado, sendo impossível fazer uma previsão razoável das novas tecnologias que estão por vir. Assim, o uso do termo “ou similar” encontra-se justificado, não vulnerando a obrigação do Estado de descrever minuciosamente todas as condutas que serão punidas como crime, até porque o tipo é claro no sentido de advertir as pessoas acerca da criminalização do ingresso ilegal de qualquer aparelho móvel de telecomunicação em estabelecimento prisional.

Convém, todavia, que seja feita uma pergunta: o ingresso de um chip de celular ou cartão de telefonia pré-pago constitui crime? Infelizmente, a resposta a ambas as perguntas é negativa. O chip é um componente, e não um aparelho. Portanto, em respeito ao dever de interpretação estrita dos tipos penais, não seria possível entender que o art. 349-A abrange tal objeto. A mesma conclusão serve para o cartão telefônico, o qual, assim como o chip, é muito útil aos detentos que pretendem quebrar a incomunicabilidade dos estabelecimentos prisionais.

Como bem salientou Luís Paulo Sirvinskas, o princípio da taxatividade ou determinação dos tipos penais “é uma garantia penal do cidadão, que precisa saber exatamente o crime e a pena que lhe é imputada para se defender”.(5) Assim, caso o intento do Legislador fosse punir o ingresso de chips ou cartões telefônicos, deveria ter editado uma lei cuja redação abrangesse exatamente tais objetos.

Por certo, não há fundamento para punir o ingresso de um celular e não o fazer no caso de um chip. Pode-se também adicionar que a mens legis em nenhum momento pretendeu excluir o cartão telefônico da abrangência do tipo penal. Todavia, na seara penal, em virtude da necessidade de resguardo da segurança jurídica, em virtude do princípio da taxatividade ou determinação dos tipos penais, não é permitido basear-se em tais presunções. Assim, tem-se que uma mudança legislativa para incluir expressamente tais objetos no tipo penal é inexorável.

4 Sujeito ativo

Primeiramente, há que se salientar que estamos tratando de crime comum, isto é, que pode ser praticado por qualquer pessoa que introduza no estabelecimento um aparelho móvel de telecomunicação. Assim, incidiriam no tipo penal tanto o parente que introduza um celular dentro do presídio quanto um advogado que entregue um pager a seu cliente, durante os momentos de aconselhamento.

O preso também pode praticar o delito, como bem ressalta Renato Marcão,(6) abaixo citado:

“A despeito de a Lei nº 12.012, de 6 de agosto de 2009, não ter tipificado as condutas consistentes em possuir, portar ou utilizar aparelho de telefonia celular no interior de estabelecimento penal, impende anotar que as modalidades típicas que estão previstas também podem alcançar a pessoa do preso que estiver em estabelecimento penal, seja ele o destinatário ou não do aparelho de telefonia celular, ao contrário do que pode sugerir uma primeira e apressada leitura do novo tipo penal.

Não se pode excluir a possibilidade de algum preso, por exemplo, quando do gozo de permissão de saída (art. 120 da LEP) ou de saída temporária (art. 122 da LEP), ao retornar praticar uma das condutas reguladas.

Mesmo estando preso, dentro dos limites de estabelecimento prisional fechado, é possível que o agente venha a promover, intermediar ou auxiliar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, sem autorização legal, naquele estabelecimento prisional em que estiver ou em outro.”

Por fim, tenho que o delito em debate não pode ser praticado por Diretor da Penitenciária ou agente público que lá trabalhe, pois para estes existe um tipo específico, isto é, o art. 319-A do Código Penal.

Portanto, ainda que Renato Marcão(7) entenda que o funcionário público possa ingressar, promover ou intermediar a entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel em estabelecimento prisional, entendo que, nesse caso, deve prevalecer o art. 319-A do CP, porquanto se trata de crime contra a Administração Pública praticado por funcionário público, o qual é delito especial em relação ao art. 349-A do diploma penal. A pena, todavia, é a mesma, o que talvez retire a utilidade da presente discussão.

5 Sujeito passivo

O sujeito passivo é a União ou os Estados, dependendo de quem seja o responsável pelo estabelecimento carcerário onde o dispositivo de comunicação móvel esteja sendo introduzido. Veja-se que o fato de se tratar de sistema carcerário federal ou estadual influenciará na fixação da competência para julgamento desse delito, como se verá adiante.

Frise-se que estabelecimento prisional é um gênero que contém, segundo a Lei de Execuções Penais (Título IV), as seguintes espécies: a) penitenciária, b) colônia agrícola, industrial ou similar, c) casa de albergado, d) centro de observação, e) hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e f) cadeia pública. Logo, considera-se estabelecimento prisional toda estrutura pública destinada à custódia de presos provisórios ou definitivos.

Até o presente momento, o Sistema Penitenciário Federal é composto de quatro penitenciárias nas cidades de Catanduvas (PR), Campo Grande (MS), Mossoró (RN) e Porto Velho (RO), as quais são responsáveis por isolar os indivíduos mais perigosos, “quando a medida se justifique no interesse da segurança pública ou do próprio condenado” (art. 86, § 1°, da Lei de Execuções Penais – LEP). Isso porque o art. 8° da Lei 10.792/03 preceitua que a União priorizará a construção de estabelecimentos destinados ao encarceramento de presos provisórios e definitivos sujeitos ao Regime Disciplinar Diferenciado.

Os Sistemas Penitenciários Estaduais, todavia, são mais amplos e contêm (ou ao menos deveriam conter) todas as demais espécies de estabelecimentos prisionais, o que faz com que os Estados sejam usualmente os principais sujeitos passivos dessa espécie delitiva.

6 Elemento subjetivo

Como é cediço, apenas as condutas dolosas ou culposas, quando a lei assim prevê, são puníveis na seara criminal, na qual é inadmissível a responsabilidade objetiva.

No caso em tela, o tipo em debate exige o dolo por parte do agente, não havendo previsão da modalidade culposa, o que visivelmente serve para preservar o “incauto”, como bem salientou Renato Marcão.(8)

Por certo, não basta apenas o ingresso de aparelho de telefonia móvel em um presídio, por exemplo, para que se concretize o tipo. É imprescindível que o agente tenha o intuito de viabilizar a comunicação do preso com o mundo exterior, não devendo ser penalizado aquele que tenta ingressar com celular em unidade carcerária por esquecimento.

Assim, o dolo do tipo em debate é específico,(9) pois deve haver a intenção livre e consciente de viabilizar a um detento a comunicação com o mundo exterior. Frise-se, por sinal, que, caso o agente tenha ciência de que o ingresso do aparelho de comunicação no estabelecimento penal viabilizará, por exemplo, a prática do crime de extorsão, será ele partícipe desse delito. O tipo do art. 349-A, todavia, imprescinde de tal ciência. Para que se configure o dolo, basta a noção de que aquele dispositivo permitirá o contato do detento com pessoas fora da penitenciária.

O dolo deve igualmente abranger o elemento normativo do tipo, representado pela locução “sem autorização legal”. Assim, para que o fato seja típico, o ingresso de aparelho de comunicação móvel deve se dar sem autorização legal, e a parte deve ter a vontade livre e consciente de praticar o ato, mesmo ciente da ausência de permissivo.

Importante salientar, todavia, que, como bem frisado por Renato Marcão, “jamais poderá haver autorização legal, e menos ainda judicial ou administrativa, para o ingresso de aparelho telefônico de comunicação móvel, de rádio ou similar, em estabelecimento prisional, para dar em mãos de presos”,(10) o que ressalta a desnecessidade da ressalva incluída no tipo penal.

7 Consumação/tentativa

Em que pese se entenda que o dolo, no caso, seja específico, isto é, deve haver vontade livre e consciente de viabilizar a comunicação do acusado com o mundo exterior, a sua concretização é irrelevante para a consumação do tipo. Logo, trata-se de crime formal, consumando-se com a simples entrada do citado objeto no estabelecimento prisional. A não concretização do intento do agente, por motivos alheios à sua vontade (busca pessoal, por exemplo), implica a incidência do instituto da tentativa, previsto no art. 14 do Código Penal.

Veja-se que não se trata de crime de mera conduta, o qual não admitiria tentativa, como sustenta respeitabilíssima doutrina,(11) porquanto a modalidade ingressar pode ser frustrada por ato alheio à vontade do agente. É o que irá ocorrer, por exemplo, quando o ingresso de um celular em um presídio for obstado pela revista íntima na entrada do estabelecimento penal. Nesse caso, o intento do agente, de ingressar no presídio com um dispositivo de telefonia móvel, será frustrado por fato alheio à sua vontade, o que faz incidir o art. 14 do Código Penal.

Trata-se, ainda, de crime instantâneo de efeitos permanentes. Isto é, a consumação se dá com o ingresso do aparelho de telecomunicação no estabelecimento, momento em que começa a correr o lapso prescricional para tal delito. Caso o detento seja localizado na posse do celular, ainda que já tenha consumado o delito, é possível a realização do flagrante com base no art. 302, IV, do Código de Processo Penal, porquanto o agente foi encontrado com o objeto do delito, o que faz presumir a sua autoria.

O delito em tela pode ser igualmente caracterizado como de ação múltipla,(12) porquanto, se a pessoa que promove a entrada do aparelho é a mesma que ingressa com o dispositivo no estabelecimento prisional, temos apenas um fato típico, à semelhança do que ocorre no art. 33 da Lei 11.343/06. Por óbvio, se o agente promove a entrada de um rádio e ingressa com um celular, fora do mesmo contexto, temos dois delitos.

8 Crime impossível

A existência de aparelhos bloqueadores ou de rigorosos sistemas de revistas nos presídios não torna o ingresso de um aparelho celular um crime impossível.

Primeiramente, porque se trata de um crime formal, de sorte que sua consumação ocorreu, como antes dito, com o ingresso do equipamento no estabelecimento penal, sendo que o bloqueador serve apenas para minimizar os efeitos da conduta criminosa.

De outra banda, a existência de revistas ou de aparelhos detectores na entrada dos presídios não torna a tentativa de ingresso de um desses dispositivos um crime impossível, porquanto, como é cediço, estes não são infalíveis, mormente diante da intensa criatividade daqueles que pretendem trazer para dentro dos presídios equipamentos de telecomunicação.

Exemplo disso são as notícias frequentemente veiculadas na imprensa acerca de pessoas tentando ingressar em presídios com dispositivos escondidos em alimentos, roupas ou mesmo nas suas cavidades íntimas.

Experiências advindas de outros países, inclusive, comprovam que os bloqueadores não são uma garantia infalível contra o uso de celulares em presídios, sendo que já restou comprovada a existência de meios de burlar o sistema.(13) No Reino Unido, onde são utilizados detectores, e não bloqueadores, restou igualmente verificado que a eficácia desse sistema é relativa, porquanto o alcance dos modelos testados pelo governo não foi satisfatório.(14)

O exemplo britânico, outrossim, foi igualmente ilustrativo quanto ao uso da criatividade dos delinquentes para burlar o sistema de raio X e viabilizar o ingresso de celulares nos presídios. Consta no relatório que foi registrado o uso de papel carbono como cobertura protetora dos dispositivos, de sorte a evitar sua visualização no aparelho.(15)

Assim, a menos que a evolução tecnológica supere o que vem demonstrando o cotidiano, afigura-se difícil vislumbrar uma hipótese em que o ingresso de celular em presídio possa ser considerado efetivamente um crime impossível.

9 Culpabilidade – coação moral irresistível e resistível

Consoante demonstra o cotidiano carcerário, situação interessante é a da pessoa que, pressionada pelas ameaças sofridas por um ente querido, por parte de outros delinquentes encarcerados no mesmo estabelecimento em que este se encontra recluso, acaba por introduzir um celular, por exemplo, dentro de um estabelecimento penal de segurança máxima.

No caso, tem-se que não seria a hipótese de se sustentar a ocorrência de coação moral irresistível, apta a excluir a sua culpabilidade (art. 22 do CP), porquanto se trata de circunstâncias a que o agente deveria resistir, sendo exigível que tivesse conduta diversa e entrasse em contato com as autoridades.

Contudo, é inegável que a coação deverá ser considerada por ocasião da fixação da pena, porquanto se trata de circunstância atenuante genérica, nos termos do art. 65, III, c, do Código Penal (coação moral resistível).

10 Competência – Juizado Especial Criminal, estadual ou federal

A competência para julgamento desse delito é da Justiça Comum, federal ou estadual, de acordo com o ente federativo responsável pelo estabelecimento. Se a instituição for federal, a competência será do Juiz Federal com jurisdição sobre o local. Por outro lado, se for estadual, será competente o correspondente Juiz de Direito.

Em qualquer das hipóteses, o feito será submetido ao Juizado Especial Criminal, na forma dos artigos 61 da Lei 9.099/95, 2° da Lei 10.269/01 e 394, § 1°, III, do Código de Processo Penal.

11 Transação e sursis processual

Tratando-se de delito submetido aos Juizados Especiais Criminais, afigura-se cabível a aplicação da transação penal ou, na hipótese de descabimento desta, da suspensão condicional do processo.

Nessas hipóteses, afigura-se recomendável que o Ministério Público vislumbre a possibilidade de incluir, dentre as condições da transação penal, ou da suspensão condicional do processo, medidas que possuam caráter fortemente educativo, como a prestação de serviços à comunidade e a restrição do direito de visitação ao estabelecimento prisional por um determinado período de tempo.

A existência de medidas despenalizadoras, apesar de beneficiarem, e muito, os acusados, não pode ser encarada como uma forma de abrandamento do sistema penal, mas como a sinalização de que a pena privativa de liberdade não é mais o único caminho para a ressocialização daqueles que cometem crimes. Contudo, as medidas alternativas à privação de liberdade devem conter uma clara mensagem ao acusado, no sentido de que não deve voltar a delinquir.

Lembre-se que, na hipótese de suspensão condicional do processo, o Juiz poderá adicionar condições ao acordo de suspensão, desde que adequadas ao fato e à condição pessoal do acusado (art. 89, § 2º, da Lei 9.099/95), o que, contudo, é descabido na transação penal, cujas condições são estipuladas exclusivamente pelo Ministério Público.

12 Pena – circunstâncias do crime devem elevar a pena base

Na remota hipótese de prosseguimento da ação penal, e no caso de condenação, tenho que algumas circunstâncias podem e devem ser utilizadas para a exasperação da pena base, com base no art. 59 do CP.

Por exemplo, aquele que possibilita a entrega de celular a indivíduo que, por sua periculosidade, se encontra submetido a regime disciplinar diferenciado (RDD), nos termos do art. 52 da Lei de Execuções Penais, deve ser punido mais rigorosamente, em virtude das consequências de seus atos, do que aquele que auxilia um preso comum a obter um telefone móvel.

Da mesma forma, o fato do agente esconder o dispositivo em cavidade íntima, por exemplo, deve ser valorado negativamente, pois as circunstâncias do crime demonstram que optou por meio que dificulta extremamente a sua localização, em face da excepcionalidade da revista íntima. Enfim, contou com o fato do ordenamento prezar seu direito à intimidade, justamente para agredi-lo frontalmente, viabilizando o contato de detento com aparelho de telecomunicação móvel.

Por fim, o procurador do detento que se utilize de sua prerrogativa de advogado para entregar-lhe um dispositivo móvel também deve ser punido mais rigorosamente. Afinal, trata-se de profissional indispensável à realização da Justiça, que, por tal fato, possui ampla possibilidade de contato com seu cliente, em virtude do múnus social que exerce. Portanto, aquele que frustra a maior confiança que a sociedade lhe deposita deve ser punido de forma mais vigorosa.

Conclusão

A pena de prisão, atualmente, é objeto de grande crítica por parte de vários setores da doutrina e da jurisprudência, fazendo parte do senso comum a conclusão de que se aplica apenas às condutas mais graves e aos criminosos mais perigosos, cujo contato com o meio social implica severos riscos à coletividade.

Nesse contexto, a efetiva sustação da atividade criminosa é algo que minimamente se espera da segregação. Como visto acima, todavia, isso não é uma realidade, sendo comum que as organizações criminosas se utilizem dos estabelecimentos prisionais como verdadeiros quartéis generais e, por que não, como álibis da inocência de seus líderes, que se encontravam reclusos no momento da ocorrência dos delitos.

Assim, a criminalização da conduta daqueles que viabilizam o amplo acesso do segregado ao mundo exterior é medida altamente elogiável. O tipo penal, contudo, merece aprimoramentos, como acima mencionado, de sorte a viabilizar a punição daqueles que ingressam com chips ou cartões de telefonia móvel em estabelecimento prisional.

Da mesma forma, o Poder Público deve investir no uso de toda e qualquer tecnologia para obstar a livre comunicação dos detentos com o mundo exterior. Afinal, a prevenção tem a possibilidade de gerar mais frutos para a sociedade que o tipo penal, que, no caso, terá um caráter mais repressivo que preventivo.

Bibliografia

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______. Utilização de telefone celular pelo preso e a Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, maio 2008. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

GOMES, Luiz Flávio; CUNHA, Rogério Sanchez; MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.

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SISTEMAS penitenciários em outros países: uso de aparelhos celulares em prisões e revista de pessoas em estabelecimentos penais [manuscrito], 2006.

SIRVINSKAS, Luís Paulo. Introdução ao Estudo do Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 2003.

Notas

1. MARCÃO, Renato. Lei n. 12.012, de 6 de agosto de 2009: ingresso de aparelho de telefonia celular em estabelecimento penal. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2009. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

2. CAPEZ, Fernando. Utilização de telefone celular pelo preso e a Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, maio 2008. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

3. CAPEZ, Fernando. Utilização de telefone celular pelo preso e a Lei n. 11.466, de 28 de março de 2007. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, maio 2008. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

4. SISTEMAS penitenciários em outros países: uso de aparelhos celulares em prisões e revista de pessoas em estabelecimentos penais [manuscrito], 2006.

5. Introdução ao Estudo do Direito Penal, p. 109.

6. MARCÃO, Renato. Lei n. 12.012, de 6 de agosto de 2009: ingresso de aparelho de telefonia celular em estabelecimento penal. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2009. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

7. Idem.

8. Lei n. 12.012, de 6 de agosto de 2009: o ingresso de aparelho de telefonia celular em estabelecimento penal. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, set. 2009. Disponível em: <www.damasio.com.br>.

9. Idem.

10. Idem.

11. CUNHA, Rogério Sanches. Comentários à Reforma Criminal de 2009 e à Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, p. 32.

12. CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral, p. 72.

13. SISTEMAS penitenciários em outros países: uso de aparelhos celulares em prisões e revista de pessoas em estabelecimentos penais [manuscrito], 2006. O relatório ainda cita o caso da França, que igualmente se utiliza de bloqueadores de sinal. Ainda que as autoridades francesas não tenham registrado nenhum método de burlar tal sistema, a experiência israelense não nos permite assegurar a infalibilidade do sistema de bloqueio, o que impede que se fale em crime impossível.

14. Idem.

15. Idem.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., fevereiro. 2010. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS