Humano, demasiadamente eletrônico. Eletrônico, demasiadamente humano: a informatização judicial e o fator humano(1) |
||
Autor: José Carlos de Araújo Almeida Filho Advogado, Mestre em Direito, Professor da EMERJ e da Rede LFG de Ensino publicado em 30.4.2010
|
||
ResumoO presente trabalho pretende, a partir de premissas filosóficas e sociológicas, elaborar um pensamento para que a ideia de desumanização não seja um fator determinante para a inexistência de implantação da informatização judicial. O Brasil possui um dos melhores procedimentos eletrônicos do mundo e devemos ampliar esta ideia. A proposta do trabalho é demonstrar como a informatização é benéfica ao sistema processual. AbstractThe present work intends, from philosophical and sociological premises, to elaborate a thought so that the no human idea is not a determinative factor for the inexistence of implantation of judicial computerization. Brazil has one of the best electronic procedures of the world and must extend this idea. The proposal of the work is to demonstrate as computerization is beneficial to the procedural system. Keywords: Civil procedure. Electronic law. Sociology. Résumé Sumário: Introdução. 1 A humanização pelos meios cibernéticos. Necessidade de conscientização. 2 Efetividade do processo através dos canais informáticos. Ampliação da humanização do processo. 2.1 Por uma política internacional de conscientização. Conclusões. Bibliografia. IntroduçãoO objeto de estudo do presente trabalho, intitulado Humano, demasiadamente eletrônico, parafraseando Nietzsche, nos traz reflexões de extrema importância para a realidade da informatização judicial no Brasil, e um aporte para o nosso país irmão, o Peru, analisando reflexos através de pontos de vista filosóficos, sociológicos e psicológicos. A principal reflexão a ser inserida no presente trabalho tem como provocação o texto do Prof. Tulio Lima Vianna, Do rastreamento eletrônico como alternativa à pena de prisão,(2) tendo em vista o mesmo discorrer como a eletrônica pode favorecer a aplicação de medidas punitivas, mas sem que com tal haja qualquer prisão. Afinal de contas, sabemos, todos, que a prisão não cura o condenado, e, contrariamente, transforma-o em elemento de maior periculosidade. Contudo, o foco de nossa análise é a humanização do Judiciário diante do procedimento eletrônico, com o advento da Lei 11.419/2006. Para a realidade Peruana, pretendemos, com este trabalho, apresentar a realidade Brasileira e como a informatização pode ampliar os campos no Mercosul. Contrariamente a pensamentos negativos, seja pela academia, seja pelos aplicadores e operadores(3) do Direito, a informática e demais meios eletrônicos somente tendem a ampliar a humanização no seio da informatização. A maioria das pessoas entende que as audiências não serão mais realizadas, e os atos presenciais serão refutados. Enfim, no mundo eletrônico haverá o total afastamento do ser humano. Esta a concepção de quem não percebeu a humanização! Como estamos lidando com matéria processual, nada mais pertinente a fazer – ou, pelo menos, tentar – do que conscientizar os nossos profissionais de como os meios eletrônicos podem ampliar, em muito, a missão pacificadora do processo. O uso dos meios eletrônicos em audiência, como a gravação de voz e vídeo, podem contribuir para inibir uma série de desgastes. E, neste ponto, identificamos, pelo menos, por enquanto: a) com a adoção das audiências gravadas, o procedimento eletrônico refletirá, para o julgador de 2º grau, a exata noção do ocorrido na audiência. Não podemos dispensar a emoção, que é de suma importância para o livre convencimento do magistrado, mas que, ao ser transcrito na frieza do papel, nada representa do Colegiado (e, no Brasil, a gravação é autorizada tanto pelo Processo Civil quanto pelo Processo Penal). Neste aspecto, em particular, o Código de Processo Civil Peruano pode conter a ideia da informatização, especialmente quando trata: “Artículo VI.- Principio de Socialización del proceso.- El Juez debe evitar que la desigualdad entre las personas por razones de sexo, raza, religión, idioma o condición social, política o económica, afecte el desarrollo o resultado del proceso”. Quanto ao texto do CPC Peruano, entendemos ser de maior alcance que nosso princípio da igualdade, contido no art. 125 do CPC. A ideia de um julgamento justo tem como principal ponto a imparcialidade do juiz. E, ao afirmarmos que as gravações humanizam o processo, temos a exata noção de como as desigualdades podem ser reduzidas; b) a gravação impedirá abuso de poder por parte do magistrado ou do órgão do Ministério Público. E, no âmbito do processo penal, é de suma importância que as respostas das testemunhas e depoentes sejam transcritas na íntegra. A gravação impede o abuso de poder, seja no momento de indeferimento da questão posta, seja na insistência do magistrado em não transcrever o dito pela testemunha ou depoente; c) impedirá atitudes antiéticas por parte de advogados, inclusive evitando pedidos protelatórios em recursos, no que tange ao cerceamento de defesa. Seja para o magistrado, seja para as partes ou para o advogado, o sistema de gravação das audiências é salutar e amplia os princípios da publicidade(4) e da oralidade. Ainda que defendamos uma mitigação ou relativização do princípio da publicidade,(5) quando se está diante de feitos eletrônicos, não se olvida que para os atores do processo será de grande importância a análise do humano, demasiadamente eletrônico. Sob outro viés, reduz as desigualdades, tal qual expostas no CPC Peruano, inibindo iniquidades que somente a oralidade permite serem percebidas. A concepção de processo enquanto ciência teve por escopo atingirmos a atual fase de processo como meio de pacificação – e aqui temos a sua finalidade –, atingindo uma etapa de proporções antes não imaginadas, como a informatização. E se a informatização deve ser guiada pelo procedimento, a utilização de meios eletrônicos conduzirá para que o humano sobressaia. A ideia central do texto é a de apresentar, dessa forma, a ampliação do fator humano em procedimentos totalmente eletrônicos, ainda que no processo civil admitamos a possibilidade de vídeo-conferência. Em matérias de direito penal e de família, o sistema impedirá a necessidade de humano, demasiadamente humano. Ou seja, em muitos casos, e a prática forense nos demonstra o fato, muitos casais se reconciliam em audiência, seja pela emoção da perda, seja pelo cheiro, pela saudade, pela atitude do magistrado no intuito de conciliar. Contudo, distantes em salas monitoradas por vídeo e som, as partes não terão esse contato humano, imprescindível. Em matéria penal, a ausência do magistrado e do órgão ministerial impedirá o contato do preso com o sistema judicial. E, ainda que sempre tenhamos defendido a violação constitucional do dispositivo, o certo é que um fator ainda não debatido pode ser repensado: – muitos presos confessam o delito na presença do magistrado, inclusive com o fim de minimizar a sua pena. Mas assim o faz o autor do crime porque, na presença de um magistrado equilibrado e do representante do Ministério Público, sentir-se-á mais à vontade para que se livre do peso do crime praticado. Isolado, em uma sala fria em um presídio, a negativa será sempre a alternativa do preso, porque o pensamento humano – pelo menos o meu assim seria – conduz ao seguinte questionamento: – Se estou preso e o magistrado não quer sequer me ver, por que vou confessar? procedimento possui grandes vantagens e grandes malefícios. Deve ser adotado como exceção, mas, jamais, como regra. A jurisprudência deve conduzir-se no sentido de somente admitir o uso do procedimento em questão para presos de alta periculosidade, e, sempre, impedir que ocorra no interrogatório (a não ser em caso de reincidentes). Analisaremos os pontos em questão através dos princípios processuais e processuais constitucionais, à luz dos direitos fundamentais, e entremeando os pensamentos com ideias sociofilosóficas. Humano, demasiadamente humano, é o espírito livre preconizado por Nietzsche, mas que, em determinado momento, será preso pelos espíritos cativos. Não podemos nos prender em momento de grande relevância para a sistemática processual moderna. 1 A humanização pelos meios cibernéticos. Necessidade de conscientização Ao ampliarmos a adoção de meios tecnológicos no Direito, e com relevante expressão na sistemática processual, estaremos efetivando a ideia de eficácia do processo. Hodiernamente a eficácia vem sendo sinônimo de decisões alheias ao cenário jurídico. Com a informatização, pela experiência vivenciada em pesquisas realizadas desde o ano de 2002, ao invés de perdermos o humano, ampliamos o processamento dos feitos e teremos mais tempo para que os autos sejam analisados. Em outras palavras: o fator humano será privilegiado, porque as cansativas rotinas de trabalho serão reduzidas consideravelmente. Vivenciamos um paradoxo: eficácia x decisões juridicamente inseguras; informatização x humanização. Para Nietzsche,(6) “a humanidade gosta de afastar da mente as questões acerca da origem e dos primórdios: não é preciso estar quase desumanizado para sentir dentro de si a tendência contrária?” E este nos parece o principal ponto: não é necessário vivenciarmos o eletrônico para podermos estar dentro do humano? Em 1939, com o advento do Código de Processo Civil Brasileiro, adotado indistintamente e em âmbito federal, excluindo-se os Códigos Estaduais de Processo, os juristas da época criticaram a adoção da datilografia, porque geraria uma insegurança no processamento. Na década de 90 do Séc. XX, quando os primeiros computadores chegaram ao Brasil, juízes indeferiam iniciais porque as mesmas não eram datilografadas. Mas o meio eletrônico veio, ainda que timidamente, sendo inserido na realidade nacional: Lei do Inquilinato (art. 58 e uso do fac-símile); art. 154 do CPC, em seu parágrafo único, que, além desse, após o advento da Lei 11.419/2006, conta com um parágrafo segundo; e art. 543 do CPC. Enfim, diversos meios foram inseridos, sem contar com a Lei do Fax. Contudo, a partir do momento em que se cria um procedimento totalmente eletrônico, surgem as críticas e a apologia à desumanização. Sem dúvida, vivenciamos uma quebra de paradigmas. E a necessidade de quebra de paradigmas é de extrema importância para o ser humano. Em recentes estudos psicológicos, a ideia de adoção de redes neurais adotando-se a computação, e de modelos a serem trabalhados com emoções, gerou o texto produzido por Magda Bercht, professora do Instituto de Informática – Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS(7): “A Computação Afetiva é uma área recente, mas traz o benefício de trazer os estudos da afetividade como função de adaptação de um sistema computacional ao homem, principalmente se considerarmos as aplicações educacionais. Mas inferir emoções dos alunos é complexo e exige um modelo psicológico que fundamente. Apresentamos o modelo OCC que é adequado à implementação computacional, mas não traz exatidão nem é completo. Abre-se aqui um caminho de pesquisas interessante para a Psicologia. A ideia de adoção da inteligência artificial é a negação da humanização no procedimento eletrônico. Ao revés, a computação afetiva pode ser muito bem aplicada ao direito. A inteligência artificial deve ser fruto de análise pelos filósofos do direito, porque devemos estar atentos à possibilidade de um computador processar, por meio da nanotecnologia, sentenças perfeitas, mas sem qualquer análise humana. O artificialismo não poderá ingressar no cenário jurídico, apesar de termos relatos experimentais de sentenças prolatadas por computador, como o Juiz Proteus. Em sua obra sobre filosofia do direito,(8) Cláudia Sevilha Monteiro trata da questão com maior profundidade, ou seja, se deixarmos de lado a argumentação jurídica, poderemos adotar modelos computacionais – e a remissão é ao Juiz Proteus – para prolação de sentenças. Poesis é criação. E, a partir do momento em que nos encontramos diante de uma ciência tendente a pacificar os conflitos societários – o processo –, a humanização amplia-se na mesma proporção em que se automatizam os sistemas processuais. Quanto menos tempo gasto em burocracias desgastantes, mais tempo para pensar o processo, e, com isso, uma valorização do sistema como um todo: computação emocional. Os serventuários, em nossa experiência, são os atores do processo, enquanto auxiliares, que mais criticam a funcionalidade do procedimento eletrônico. Não precisam, contudo, se preocupar com a informatização. Ao contrário, a partir do momento em que um sistema computacional forense esteja totalmente integrado, o fator humano será amplamente utilizado. Em vez de carimbar, juntar peças e outras rotinas que na psicologia são tratadas como stress no ambiente de trabalho, terão mais tempo para serem, verdadeiramente, auxiliares do Juízo. Hoje, não passam de burocratas. Ao tratarmos da questão sob este prisma, podemos começar a pensar em uma maior humanização do Poder Judiciário, notadamente em termos de emoções vivenciadas em audiências que não são traduzidas ao órgão de segundo grau. A frieza do processo cede lugar ao verdadeiro e ao autêntico. Humanização por meio de canais cibernéticos é a alternativa para rompermos o preconceito em relação à informatização judicial do processo. Por outro lado, não podemos admitir que a informatização se banalize, e a discussão acadêmica entre os países do Mercosul deve ser ampliada. Países que vêm se destacando na ideia de uma informatização plena, como o Brasil e o Peru, devem unir-se para que o intercâmbio cultural se concretize. Por intermédio de meios eletrônicos de comunicação, como o e-mail, a videoconferência e os chats, podemos participar de reuniões acadêmicas entre países integrantes do Mercosul. O Código de Processo Civil para a América Latina apenas foi aplicado no Uruguai, mas, neste momento, devemos utilizar o humano x eletrônico – eletrônico x humano, para repensarmos, reconstruirmos e adotarmos um CPC Modelo para o Mercosul, com sistemas de intercâmbio e comunicação dos atos processuais, como as rogatórias, de forma dinâmica e efetiva. A informatização faz com que saiamos do submundo para o Ocidente, deixando de sermos considerados pequenos países do 3º Mundo, para ascendermos à grande cadeia de pacificação mundial: um processo pacificador, eletrônico e eficaz para nós e nossos irmãos latinos. 2 Efetividade do processo por meio dos canais informáticos. Ampliação da humanização do processo Comumente questiona-se acerca da desumanização do processo. A ciência processual é de tamanha importância ao ponto de questões como esta serem suscitadas. Em raras disciplinas a questão da informática provoca tanta sensação quanto no processo. Ao assinar o Pacto Republicano, agora editado na sua 2ª edição, os Três Poderes do Brasil decidiram intensificar a informatização judicial. Em 2006 a Lei 11.419 passa a tratar do tema de forma ampla, mas ainda com alguns defeitos legislativos a merecerem correção. Contudo, estamos dentre os cinco países do mundo em termos de informatização. E, com a ressalva do autor, desejamos que o Peru ingresse neste cenário, ao lado do Brasil, tendo como meta a primeira rogatória (ofícios al exterior, como se denomina no Peru) a ser cumprida por meio eletrônico. Pelo artigo 5º do CPC Peruano, podemos admitir que a partir de tratados internacionais, o cumprimento de decisões judiciais se processe por meio do intercâmbio eletrônico. Ou seja, as cartas rogatórias (ofícios al exterior). Do Pacto Republicano nasceu a Lei 11.419/2006, e, antes, a Emenda Constitucional 45/2004, traduzindo a necessidade de um Judiciário mais célere e eficaz. Como admitimos em textos anteriores, não é a informatização a panaceia para o Judiciário, mas um grande passo para a celeridade. Conciliar celeridade com eficácia e decisões justas é extremamente complexo. Uma decisão tomada no afogadilho nem sempre é uma decisão coerente, e o princípio da celeridade se perde em decisões, no mínimo, medíocres. Nietzsche nos afirma: “a cultura diminui porque a pressa se torna maior”! O processo – civil, penal, do trabalho – tem, como dito, uma função pacificadora. Mais do que função, podemos afirmar tratar-se de uma missão. E, a partir do momento em que admitimos ser o processo o meio pelo qual o cidadão fortifica a sua cidadania – e, com o texto processual peruano podemos avançar mais na questão da eliminação das desigualdades –, estamos tratando do humano. E a dicotomia entre humano e eletrônico nos provoca questões filosóficas, sociológicas e psicológicas a serem enfrentadas. Sociologicamente, admitir que o eletrônico seja uma condução para a desinformação, como alguns autores afirmam, porque, segundo eles, quanto mais informação na rede, menos informação de qualidade possuímos, não é a premissa correta no Direito. Admitir o intercâmbio entre países vizinhos e, em uma segunda etapa, alavancar para uma ampliação mundial provocará mudanças sociais relevantes: o processo é efetivo, porque a decisão prolatada em determinado país é cumprida em outro, quase imediatamente. Vivenciamos, principalmente na era da sociedade da informação tecnológica, a possibilidade de decisões sem qualquer eficácia. E assim afirmamos porque em determinado país se comete um ilícito, por meio de comunicação baseada em sistema alocado em outro país, e, não raras vezes, sequer se consegue o cumprimento da decisão. A humanização do processo tem por escopo a pacificação societária. A sociedade, dessa forma, com o uso da eletrônica, se humaniza a partir do momento em que passa a acreditar em um Judiciário eficaz e célere. A sociedade que acredita no poder que lhe garantirá a concretização da cidadania é uma sociedade que caminha para a plenitude da humanização! Utopia ou não, a ideia de afirmarmos que a eletrônica humaniza, ao invés de o humano se robotizar, é o grande desafio para os sociólogos. Filosoficamente, misturamos a ideia de socialização. A maior garantia de um povo é a sua independência, a mantença de sua soberania e a possibilidade de assegurarmos que os direitos fundamentais – Direitos Humanos lato sensu – sejam ampliados. Estamos no território virtual, com quebras de barreiras geofísicas (pelo uso da informática) e comunicações velozes, quase que imediatas. Um território sem ideia de poder central, mas com hierarquia em sua estrutura: trata-se do poder geral da Internet, ou ICANN.(9) Pierre Lèvy,(10) no ano de 1998, pretendendo criar em uma de suas obras uma cultura para o século XXI, afirmava que: “O mais alto grau do tempo real concerne às organizações. Ateliês flexíveis aos groupwares, as redes digitais permitem, de pouco tempo para cá, uma relativa desmaterialização das estruturas organizacionais. Última desterritorialização: os organogramas, os procedimentos de produção, as arquiteturas administrativas são transferidos para os softwares e, assim, mobilizados e flexibilizados. A empresa virtual adapta-se em tempo real às transformações do mercado. Aproximamo-nos aqui das paragens do Espaço do saber. Mas não o atingiremos acelerando mais ainda. É preciso um salto qualitativo. Outras velocidades, outras intensidades animam os intelectuais coletivos.” Enfrentamos, diante dessa concepção, uma questão entre legalidade e legitimidade. Se por um lado temos uma estrutura mundial, com hierarquia, governabilidade (no sentido lato) e ideias afins, admitimos que possui uma legitimidade. Mas poderíamos adotar o pensamento de haver legalidade nesse sistema? Norberto Bobbio(11) nos traz a ideia de que o Estado como sistema político é um subsistema quando o analisamos sob o aspecto social. E esta é a teoria de Niklas Luhmann, quando trata o direito como sistema autopoiético.(12) Para Luhmann,(13) “o sistema da sociedade é composto por comunicações dotadas de significado, apenas por comunicações e por todas as comunicações”. Luhman assevera: “Ele forma suas unidades elementares graças à síntese das informações das mensagens e das compreensões, isto é, graças à síntese de três tipos de seleções que o sistema pode, em parte (apenas em parte), controlar. Como a formação de tais elementos pressupõe, sempre, a sociedade, e sempre a perpetua, não existe comunicação fora da sociedade e, portanto, tampouco existe comunicação da sociedade com seu ambiente. Ninguém pode se comunicar (no sentido de uma comunicação completa) sem estar compreendido na sociedade; mas o sistema da sociedade propriamente dito não é capaz de se comunicar: ele não pode encontrar fora de si próprio nenhum destinatário para quem pudesse comunicar uma mensagem qualquer.” A ideia de Luhmann está intimamente ligada à teoria do direito como sistema autopoiético, concebida após experiência de dois biólogos, Maturana e Varela, não admitindo inputs e outputs(14) no sistema. A ideia foi concebida no direito por Gunther Teubner.(15) Ele é autorreferencial e por esta razão não se pode admitir entradas ou saídas do sistema. O sistema jurídico é visto como um todo: a partir dos movimentos sociais, analisados sociologicamente, o direito é capaz de resolver todas as situações, porque ele é autorreferencial. Em outras palavras, o direito existe e se alimenta da própria relação social. Essa a ideia, em síntese apertada, do que se possa conceber como um sistema autopoiético. Em suma: o eletrônico, sob nossa visão, humaniza o Direito, ao passo que o Direito não se torna eletrônico pela informatização. Eletrônico e humano convivem, no sistema processual, diversamente de outros ramos do Direito, como forma de integração: a autopoiesis! Finalmente, temos a concepção psicológica no que diz respeito à informatização e esta nos parece a de maior importância para o avanço de uma teoria que possibilite a humanização numa cadeia de sistemas imposta por bits, bytes, redes e sub-redes. A humanização do processo é a base de uma concepção pacificadora. Contudo, o fator humano, nesta autopoiesis jurídica, pode trazer grandes problemas porque o ser ainda não consegue conviver com a ideia das máquinas. A filosofia, através da ética, nos possibilitará que façamos por onde as máquinas não profiram decisões. As questões envolvendo a inteligência artificial merecem atenção em outro estudo. A fim de concluirmos pela efetividade do processo, com a informatização, podemos afirmar que ao invés de uma desumanização que se prega, teremos uma ampliação do ser humano. Contudo, o interrogatório do acusado, no processo penal, deve ser visto com grandes ressalvas. 2.1 Por uma política internacional de conscientização Como analisamos no capítulo anterior, a idealização de todo o processo por meio eletrônico, com a possibilidade de intercâmbio na comunicação dos atos processuais, garante eficácia e segurança na relação jurídico-processual. Temos, em determinadas situações, a desterritorialização. Mas, em havendo uma política internacional, afastando os preconceitos no que tange a informatização, temos a ideia de construir uma política internacional de conscientização, e, a partir de então, com o Código de Processo Modelo para a América Latina, partirmos para uma norma processual por meios eletrônicos a fim de ser adotada no Mercosul. Eliminando o temor humano pelo acesso eletrônico, os processualistas deste milênio têm como grande desafio a ideia de ser a informatização um caminho para o verdadeiro direito de ação e o acesso à justiça. O intercâmbio que ora se opera, trazendo ao Peru ideias de um processo eletrônico no Brasil, deve ser ampliado, inclusive com a redação de tratados para que as rogatórias (ofícios al exterior) sejam cumpridas de forma eficaz. O 3º Mundo deixará de assim o ser a partir do momento em que houver uma unificação de seus países para adotarem um procedimento informatizado. Modelo para o mundo, o intercâmbio da sistemática processual e a ideia de, pelo menos em termos informáticos judiciais, modificarmos e unificarmos conceitos e institutos processuais para os povos da América Latina será a grande meta a ser desenvolvida pelos estudiosos nesta década que se finda e, pelo menos, na próxima década. ConclusõesApós a ideia trazida neste texto, procurando desfazer o mito de o eletrônico poder superar o humano e, ao revés, o humano ser mais humano (cidadania, justiça, efetividade, respeito aos atores do processo e menos poder concentrado) com a eletrônica, não desejamos apresentar conclusões. Desejamos, diversamente, inquietar os estudiosos e fazer com que pensem uma nova política processual, uma nova teorização judicial e a implementação eficaz e segura do processo informatizado. Enquanto cientistas do processo, não podemos deixar de analisar, sob o aspecto filosófico, ideias (já alardeadas por alguns) de que as máquinas pensem pelo homem. O homem deve pensar e utilizar a máquina como um instrumento a mais para a concretização da cidadania. Pensar o processo sob um novo prisma, revisitar conceitos e teorias, adotar a ideia de que a dicotomia homem x máquina pode deixar de ser uma oposição e, ao contrário, transformar-se em união deve ser a meta para a nova década. Unificar os povos do Mercosul por meio do intercâmbio possível com o eletrônico, demasiadamente humano. Bibliografia ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. ______. O Direito como sistema autopoiético. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/ BOBBIO, Norberto. Estado, Governo, Sociedade. 10. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2003. BERCHT, Magda. Computação Afetiva: Vínculos com a psicologia e aplicações na educação. In: Psicologia & Informática – Produções do III PSICOINFO e II JORNADA do NPPI, p. 106 e ss. MONTEIRO, Cláudia Sevilha. Decisão Judicial e Teoria da Argumentação Jurídica. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=V6-T_EFrCRUC&pg= NIETZSCHE, Friedrich. Humano, demasiadamente humano. São Paulo: Companhia de Bolso, 2000. LÈVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberspaço. São Paulo: Loyola, 1998. LUHMANN, Niklas. L´unité du système juridique. In: Archives de philosophie du Droit. n. 31. Paris: Sirey, 1986 (trad. Jacques Dragoy). TEUBNER, Gunther. O Direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989. VIANNA, Tulio Lima. Do rastreamento eletrônico como alternativa à pena de prisão. Disponível em: <http://www.tuliovianna.org/index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid= Notas 1. Texto em homenagem a uma das maiores processualistas do mundo: a eterna – e eternizada pelos seus estudantes – Prof.ª Ada Pellegrini Grinover. 2. VIANNA, Tulio Lima. Do rastreamento eletrônico como alternativa à pena de prisão. Disponível em : <http://www.tuliovianna.org/index.php? 3. O termo pensadores do Direito é muito mais apropriado. Adotados, no texto, a terminologia utilizada pela maioria, apesar de entendermos não ser a mais condizente com o momento em que vivemos e diante de uma sociedade tecnológica da informação. 4. E tal já é possível: 5. ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. Processo Eletrônico e Teoria Geral do Processo Eletrônico. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008. 7. BERCHT, Magda. Computação Afetiva: Vínculos com a psicologia e aplicações na educação. In: Psicologia & Informática – Produções do III PSICOINFO e II JORNADA do NPPI, p. 106 e ss. 8. MONTEIRO, Cláudia Sevilha. Decisão Judicial e Teoria da Argumentação Jurídica. Disponível em: <http://books.google.com.br/books?id=V6-T_EFrCRUC&pg=PA173&lpg=PA173&dq=%22Juiz+
Proteus%22&source=bl&ots=
pngLsb5i76&sig=v421FqsMgkrHQSQX-8jAP-cqY70&hl=
pt-BR&ei=MybhSYmaC5TWlQf3_5ngDg&sa=X&oi= 9. “A ICANN – Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (órgão mundial responsável por estabelecer regras do uso da Internet) é uma entidade sem fins lucrativos e de âmbito internacional, responsável pela distribuição de números de ‘Protocolo de Internet’ (IP), pela designação de identificações de protocolo, pelo controle do sistema de nomes de domínios de primeiro nível com códigos genéricos (gTLD) e de países (ccTLD) e com funções de administração central da rede de servidores. Esses serviços eram originalmente prestados mediante contrato com o governo dos EUA, pela Internet Assigned Numbers Authority (IANA) e outras entidades. A ICANN hoje cumpre a função da IANA.” Disponível em: <http://www.icann.org/tr/portuguese.html>. Acesso em: 26 set. 2006. 10. LÈVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do ciberspaço. São Paulo: Loyola, 1998. 12. Vide ALMEIDA FILHO, José Carlos de Araújo. O Direito como sistema autopoiético. Disponível em: <http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/ 13. LUHMANN, Niklas. L´unité du système juridique. In: Archives de philosophie du Droit. n. 31. Paris: Sirey, 1986 (trad. Jacques Dragoy). |
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
||
|