A conciliação entre economia e meio ambiente pelo desenvolvimento sustentável e o controle da biotecnologia moderna


Autor: André Soares Oliveira

Mestrando em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina.

publicado em 30.6.2010

Introdução

Exigências de crescimento econômico e proteção ambiental podem ainda ser vistas de maneira antagônica tanto no cenário internacional quanto no nacional, por meio da resistência de países desenvolvidos a aderir a ultimatos de redução de emissão de gases poluentes e na aversão de determinados setores produtivos a regras de controle sobre determinadas técnicas de produção, levando em consideração a defesa do consumidor.

A partir da década de oitenta, surgem vários tratados ambientais que têm em mente essa preocupação em conciliar economia e proteção ambiental. Em 1987, o relatório da Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, conhecido como “Nosso Futuro Comum” ou “Relatório Brundtland”, evidenciou a imperiosidade de condicionar o crescimento econômico a exigências ambientais mínimas, sob pena de esgotarem-se os recursos naturais e com isso o próprio sistema produtivo.

Dentre as tecnologias de produção que surgiram nas últimas décadas, a que mais insta posicionamentos extremados e calorosas discussões no meio produtivo e acadêmico é a tecnologia do DNA recombinante, simplesmente chamada de biotecnologia moderna. A revolução que essa tecnologia provocou no campo e os benefícios e riscos que lhe são associados demonstram a urgência de que seu marco regulatório leve em consideração uma abordagem própria do direito do desenvolvimento sustentável.

Nesse diapasão, o presente artigo pretende refletir sobre a questão do desenvolvimento sustentável no direito constitucional brasileiro, por meio dos artigos 170 e 225 da Constituição Federal de 1988, argumentando sobre o controle sustentável da biotecnologia moderna, sobretudo a realização de estudos de impacto ambiental nas liberações de organismos geneticamente modificados.

1 Economia e meio ambiente na Constituição Federal de 1988 e o desenvolvimento sustentável

Tomando como referencial as Revoluções Burguesas e o surgimento do Estado Liberal, pode-se afirmar, ainda que em termos gerais, que no plano econômico o Direito estava preocupado em garantir o primado da propriedade privada e da livre iniciativa, desconsiderando qualquer noção ambiental, uma vez que os recursos naturais eram considerados inesgotáveis.

Foi apenas após a II Guerra Mundial que as preocupações ambientais ficaram mais evidentes com os impactos trazidos pela industrialização desordenada. Chuvas ácidas, poluição das águas e do solo, desmatamento e escassez de recursos naturais colocaram em crise a ideia de infinitude desses recursos. Com isso, começam a surgir, principalmente na Europa, legislações preocupadas com a questão ambiental.

De acordo com Varella (2003), as primeiras concreções jurídicas nasceram nos países do Norte (desenvolvidos) e tinham uma visão marcadamente biocêntrica, ou seja, procuravam proteger a natureza pela natureza. Assim, encontraram-se muitas resistências por parte dos países do Sul (em desenvolvimento) que encaravam as normas ambientais como empecilhos ao crescimento econômico, além de reclamarem para si o mesmo “direito” que os países do Norte tiveram de destruir seus ecossistemas em nome do crescimento econômico.

Entretanto, essa situação começa a mudar a partir dos anos oitenta com o advento de teorias neoliberais no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC) e o consequente desmantelamento do chamado direito do desenvolvimento(1) nos acordos multilaterais de comércio. Com isso os países em desenvolvimento deram um novo impulso ao direito internacional do meio ambiente com a inserção de provisões próprias do direito do desenvolvimento. São exemplos contundentes a Convenção sobre Mudanças Climáticas e o Protocolo de Quioto, a Convenção sobre Diversidade Biológica e o Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança.(2)

Essa proposta de crescimento econômico conjugado com a defesa do meio ambiente constitui o núcleo de um modelo de desenvolvimento sustentável. Afastando-se de um modelo de desenvolvimento que tem como único parâmetro a mensuração do crescimento econômico incondicionado, o desenvolvimento sustentável tem como premissa que, se o crescimento econômico não estiver adstrito à preservação do meio ambiente, encarado como recurso e base da produção, o próprio sistema produtivo tenderá a uma exaustão pela falta desses recursos básicos.

A acolhida das exigências do desenvolvimento sustentável reaviva a oposição entre o direito econômico e o direito ambiental, sendo o último visto como um empecilho ao primeiro. Essa visão setorizada do Direito não permite ver que as normas de proteção ambiental estão espalhadas por todo o ordenamento jurídico e que a adoção do desenvolvimento sustentável deixa clara essa transversalidade do direito ambiental (DERANI, 2008).

Sobre a dicotomia entre as normas econômicas e ambientais, a referida autora assinala que, mirando o disposto nos artigos 170 e 225 da CF/88, que tratam respectivamente da ordem econômica e do meio ambiente, pode-se vislumbrar uma comunhão teleológica.

O caput do artigo 170 estabelece como finalidade da ordem econômica “assegurar a todos uma existência digna conforme os ditames da justiça social”, e o caput do artigo 225 assevera como finalidade da proteção ambiental a promoção de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, tido como “essencial à sadia qualidade de vida”. Tendo em vista que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República (art. 1°, III, da CF/88), tanto a ordem econômica quanto a proteção ambiental visam colaborar equitativamente e em harmonia na construção dessa dignidade.

A ampliação do conceito de desenvolvimento, não sendo mais sinônimo de crescimento econômico, não despreza o papel que a economia tem na construção de uma vida digna. Associado ao fator econômico, o desenvolvimento sustentável leva em conta referências outras, como nível de educação, emprego, saúde, expectativa de vida, saneamento básico, etc.

No âmbito internacional, as organizações vinculadas à prevalência do econômico tendem a auferir o desenvolvimento por meio de parâmetros tais como o Produto Interno Bruto (PIB) e os saldos da balança comercial, enquanto outras organizações, notadamente as ligadas às Nações Unidas, se baseiam em índices mais abrangentes, do qual o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é o principal (VARELLA, 2003).

A absorção dos imperativos do desenvolvimento sustentável pelo ordenamento impõe o surgimento de um “direito do desenvolvimento sustentável”, que tem como função presidir a transformação das normas jurídicas para conformar a atividade econômica à defesa do meio ambiente. Assim, o direito do desenvolvimento sustentável, assinala Derani (2008, p. 155-156),

“teria a preocupação primeira de garantir a manutenção das bases vitais da produção e reprodução do homem e de suas atividades, garantindo igualmente uma relação satisfatória entre os homens e destes com o seu ambiente. O direito do desenvolvimento sustentável aporta essencialmente normas capazes de instrumentalizar políticas de desenvolvimento com base no aumento da qualidade das condições existenciais dos cidadãos.”

A Constituição Federal de 1988, ao trazer para seu bojo normas de caráter diretamente econômico, procurou afirmar uma primazia da decisão política fundamental por ela expressa sobre o arranjo dos fatores de produção, ou seja, afastou-se da crença de autorregulação dos mercados e preferiu intervir nos moldes da Constituição.

Tavares (2003) assinala que essa primazia da decisão política fundamental expressa pela Constituição sobre os mercados está apenas no plano formal. Essa é a dificuldade da conceituação do que seria “constituição econômica” no âmbito do Direito Constitucional. Sendo uma expressão equívoca, pode-se entender tanto as relações econômicas como elas são (mundo do ser) quanto as relações econômicas como elas devem ser (mundo do dever-ser), podendo-se indagar sobre a precedência de cada uma. Sendo assim, não se pode precisar, por exemplo, se é a Constituição econômica formal – as normas econômicas contidas no texto magno – que determina a material ou vice-versa.

Esse arquétipo que a Constituição Federal de 1988 confere ao mercado procura enquadrá-lo para a consecução dos objetivos da República (art. 3°, da CF/88) por meio da reafirmação de valores tais como a valorização do trabalho humano, livre iniciativa, existência digna e justiça social. Não satisfeita em apenas afirmar fundamentos e finalidades dessa ordem econômica, a CF/88 fixa nove princípios que devem conformar a atividade econômica. Trata-se de princípios constitucionais impositivos, que impõem ao Estado a observância de determinados valores na orientação de suas ações.

Entre os nove princípios está a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, VI, da CF/88). Grau (2005) observa que se trata de um princípio constitucional impositivo de caráter conformador. Dessarte, continua o autor, a Constituição Federal de 1988 reafirma a defesa do meio ambiente como um limite à atividade econômica, uma vez que os recursos naturais não são mais vistos como infinitos, mas reconhece-se a limitação da Terra em repor os recursos na mesma velocidade em que são consumidos. Para Borges Netto (1995, p. 158):

“o desenvolvimento de toda e qualquer atividade econômica, em nosso país, deve preservar a rigidez do meio ambiente, eis que este é princípio constitucional impositivo da ordem econômica, sendo, ainda, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida.”

2 O controle ambiental sustentável da biotecnologia moderna

A tecnologia de recombinação do ácido desoxirribonucleico (DNA) para a produção de novas espécies teve sua origem com a descoberta do DNA nos anos 50 e evoluiu com a melhor precisão dos mecanismos de hereditariedade. Em 1975, em Asilomar, EUA, reuniram-se cientistas do mundo inteiro para debater questões controvertidas que já pairavam sobre a nova técnica. Nos anos 90, também nos Estados Unidos, os primeiros produtos geneticamente modificados entraram no mercado com uma boa aceitação no público estadunidense. Entretanto, as controvérsias sobre a biotecnologia moderna perduram até hoje e proveem um espaço de acirrado debate científico e, sobretudo, político.

Tratar de um controle para a biotecnologia moderna no prisma do direito do desenvolvimento sustentável implica o condicionamento da atividade econômica relacionada a essa tecnologia aos imperativos de um meio ambiente ecologicamente equilibrado. O direito do desenvolvimento sustentável não tem como meta represar o desenvolvimento de novas tecnologias de produção; ele apenas promove um saneamento desse desenvolvimento tecnológico para que ele sirva aos objetivos da sustentabilidade.

Nesse momento, surge uma dupla dimensão reguladora do direito do desenvolvimento sustentável. Num primeiro momento, ele deve promover o desenvolvimento de novas tecnologias, corroborando para o incremento da produção industrial. Por fim, ele também deve, concomitantemente, sanear essas tecnologias a partir de valores democráticos em respeito aos direitos fundamentais (DERANI, 2008).

Uma legislação destinada ao controle da biotecnologia moderna tem como meta maximizar os benefícios que essa pode trazer e minimizar os possíveis riscos que a mesma possa apresentar. Nesse intuito, essa legislação tem três campos principais para regulamentação (GLOWKA, 2003): a) biossegurança: essa área representa a primeira preocupação de um sistema normativo para a biotecnologia moderna. Volta-se para riscos ambientais de liberações de OGM no meio ambiente, seja para fins de pesquisa, seja para uso comercial, englobando também os usos em contenção; b) segurança alimentar: procura-se controlar os riscos de produtos GM utilizados como alimento humano, ração animal ou ingredientes. Toda a cadeia produtiva que utiliza produtos GM seria rastreada por meio de padrões rígidos de documentação e rotulagem; c) proteção do consumidor: a primeira necessidade é estabelecer a rotulagem de produtos finais, garantindo ao consumidor o direito de escolha e assegurando que os consumidores não estão sendo enganados por práticas comerciais enganosas. Também entra nessa dimensão o acesso à informação e a participação pública nos processos decisórios.

A segurança ambiental da tecnologia do DNA recombinante é a primeira preocupação das legislações em biotecnologia moderna. É um ponto extremamente controvertido dentro do mundo acadêmico a determinação exata dos efeitos adversos que essa tecnologia possa portar.

O desenvolvimento tecnológico se faz indispensável na medida em que ele pode ser utilizado para aprimorar as condições de vida da humanidade como um todo. Aperfeiçoar essas condições de vida e garantir a dignidade humana não está restrito apenas ao provimento de condições econômicas favoráveis, mas contempla obrigatoriamente a segurança de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Para o controle sustentável da biotecnologia moderna no campo da segurança ambiental, preciosas são as orientações conferidas pela Agenda 21 (Conferência das Nações Unidas sobre meio ambiente e desenvolvimento, 1997). O capítulo 16 da referida Agenda, voltado para o manejo ambientalmente saudável da biotecnologia, reconhece que a mesma é uma tecnologia útil para a promoção do desenvolvimento sustentável, desde que seja encarada de maneira responsável e sua utilização esteja condicionada à persecução de fins condizentes com o uso sustentável da diversidade biológica e com o aumento da proteção do meio ambiente.

Ao tratar da defesa do meio ambiente, a Constituição estabelece tanto no art. 170 quanto no art.225 que o Poder Público pode dispensar um tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação (art.170, VI); além de exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade (art. 225, § 1°, IV); e controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1°, V).

O Brasil adota, bem proclama o artigo primeiro da Lei de Biossegurança – Lei n° 11.105, de 24 de março de 2005 –, a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente. Os eventos relacionados à liberação de organismos geneticamente modificados no meio ambiente devem estar adstritos a uma avaliação de riscos com base na precaução.

Do ponto de vista histórico-jurídico, segundo Cezar e Abrantes (2003), o princípio da precaução foi pela primeira vez invocado no direito germânico, por meio do Ato de Poluição do Ar, de 1974. Indo além do direito alemão, logo ele passou a ser utilizado nas legislações europeias ao tratar da preservação ambiental, da chuva ácida e do aquecimento global.

No plano internacional, ele aparece na Declaração Ministerial da Segunda Conferência do Mar do Norte, na Conferência Internacional do Conselho Nórdico sobre Poluição dos Mares, de 1989, e na Convenção de Bamako, de 1991.

Na Declaração do Rio de 1992, da Convenção sobre Diversidade Biológica da Organização das Nações Unidas, está presente no enunciado do princípio 15, estabelecendo que,

“de modo a proteger o meio ambiente, a abordagem precautória deve ser largamente aplicada pelos Estados de acordo com suas capacidades. Onde houver ameaça de dano sério ou irreversível, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como uma razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”

Segundo Cezar e Abrantes (2003, p. 06), a Declaração de Wingspread, de 1996, da Convenção sobre o Princípio da Precaução, define que,

“quando uma atividade gera ameaças de dano à saúde humana ou ao meio ambiente, medidas de precaução devem ser tomadas mesmo se algumas relações de causa e efeito não são completamente estabelecidas cientificamente. Nesse contexto, o proponente de uma atividade, mais do que o público, deve ter o ônus da prova.”

Entre as várias definições há algo de comum a ser identificado. Na esteira das reflexões epistemológicas realizadas pelos citados autores, são quatro esses pontos: a) ameaça de dano; b) inversão do ônus da prova; c) incerteza científica e d) medidas de precaução (CEZAR e ABRANTES, 2003).

O princípio da precaução se aplica quando não há certeza científica suficiente que um agente causará ou não um dano ambiental ou à saúde humana devido a sua conduta. Difere-se do princípio da prevenção, onde há certeza do dano causado. Diante de um contexto de incidência do princípio da precaução, devem ser tomadas medidas eficazes e economicamente viáveis para proteger o meio ambiente.

Isso significa que a ausência ou a insuficiência de dados científicos disponíveis implicam o uso de medidas precautórias para evitar a ameaça e/ou danos ambientais irreversíveis. Nesse sentido, Kinderlerer e Adcock (2005) assinalam que, com base na abordagem precautória, os estudos ambientais sobre os OGM são muitas vezes realizados em ambientes diversos daqueles onde estes serão liberados.

Dessa maneira, as informações disponíveis sobre o comportamento de um OGM em um determinado ambiente não são suficientes para determinar o mesmo em um ambiente diverso. Assim, devido a enorme variabilidade dos sistemas biológicos, os dados disponíveis podem ser considerados como não conhecidos ou insuficientes. Para um marco regulatório que, a exemplo do europeu, adota o princípio da precaução para proteção do meio ambiente é imperiosa a realização de novos estudos num sistema caso a caso e passo a passo, com pequenos experimentos de campo precedendo grandes experimentos, para enfim ocorrer a liberação comercial, sempre acompanhado de um criterioso processo de monitoramento pós-comercial e gerenciamento de riscos ambientais.

De fato, a magnitude territorial e a grande e inexplorada diversidade biológica do Brasil há de ser considerada nessa abordagem precautória para liberações diretas no meio ambiente, inclusive considerando os diversos biomas.

No ordenamento jurídico brasileiro, o instrumento adequado para fazer essa avaliação de riscos nos moldes precautórios é a avaliação de impacto ambiental, provida pela Lei n° 6.938 – Política Nacional do Meio Ambiente. Esse estudo/avaliação de impacto ambiental (EIA/AIA), bem assinala Derani (2008), é a expressão prática do alcance do princípio da precaução, uma vez que será nele que as evidências sobre os riscos/benefícios associados a cada atividade poderão ser mensurados e devidamente debatidos, para que se possa tomar as medidas adequadas para a conformação daquela atividade aos imperativos de proteção ambiental, com vistas ao desenvolvimento sustentável. Esse estudo/avaliação comporta ao final a necessidade de uma escolha diante da relação custo/benefício da atividade proposta. A AIA não tem como finalidade dificultar a atividade econômica, mas procura reorientar essa atividade econômica, fazendo

“com que investimentos empresariais retornem a uma base sólida, estendendo o horizonte de percepção para além dos elementos específicos que envolvem sua produção, procurando uma administração econômica que seja materialmente orientada (atenta aos recursos naturais utilizados) e não apenas monetariamente direcionada (DERANI, 2008, p.158).”

A Lei 6.938/81 considerava como atividade potencialmente causadora de impacto no meio ambiente, exigindo a realização de estudos de impacto ambiental, a biotecnologia moderna. A Resolução n° 237/1997 do Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama lista entre as atividades que reclamam estudos e avaliações de impacto ambiental o uso da diversidade biológica pela biotecnologia moderna. Porém, com o advento da Lei de Biossegurança, a exigibilidade de estudos de impacto ambiental frente à biotecnologia moderna foi relativizada.

De acordo com o inciso VI do art. 6° da Lei de Biossegurança, as liberações no meio ambiente de OGM poderão ser feitas, no âmbito das atividades de pesquisa, apenas com o parecer favorável da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), assim como nos casos de liberação comercial. O licenciamento ambiental, que inclui estudos de impacto ambiental, somente será necessário se a CTNBio considerar aquela atividade como potencialmente causadora de degradação ambiental.

Além do mais, dicção do inciso XX do art.16 da mesma Lei, compete à Comissão identificar atividades e produtos decorrentes de OGM e de seus derivados potencialmente causadores de degradação ambiental. Concluindo, cabe salientar que o parecer técnico da CTNBio vincula os órgãos de registro e fiscalização, e no caso de liberações ambientais, o Ministério do Meio Ambiente não pode exigir estudos de impacto ambiental.

Assim, o Brasil assume um duplo posicionamento frente à biotecnologia moderna no que se refere à proteção do meio ambiente, pois considera que alguns dos seus eventos podem degradar o meio ambiente e outros serem inócuos. Além disso, retira do Ministério do Meio Ambiente a possibilidade de exigir estudos de impacto ambiental.(3)

No âmbito da CTNBio há uma proposta de resolução normativa que fixa critérios para a avaliação ambiental das liberações comerciais de OGM, obrigatória para todas as propostas, mas que mesmo assim não faz referência à realização de estudos de impacto ambiental a cargo do Ministério do Meio Ambiente.

3 Exigibilidade de estudos de impacto ambiental na lei n° 11.105/05

A Lei de Biossegurança adota como diretriz o princípio da precaução. Esse princípio manifesta-se, como já se afirmou, por meio da realização de Estudos de Impacto Ambiental. Porém, a Lei de Biossegurança relativizou essa prática, colocando a juízo da CTNBio a exigência desses estudos que, de fato, raramente são realizados.

Depois da edição da nova Lei de Biossegurança, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região enfrentou essa questão na Apelação em Ação Civil Pública n° 2000.71.01.000445-6/RS, julgada ao dia 29 de agosto de 2005. Entre outros assuntos, esse julgamento teve como foco a exigibilidade de estudos de impacto ambiental para liberação de OGM no meio ambiente, através de um experimento com arroz realizado pela Aventis Seeds, e a possibilidade de dispensa por parte da CTNBio.

O voto vitorioso do Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz trata do tema, considerando que o art. 225 da CF/88 consagra o desenvolvimento sustentável ao garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado em vista das gerações futuras e que o princípio da precaução está implícito no ordenamento constitucional enquanto meio para a realização do direito público subjetivo ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Salienta o desembargador que:

“Tendo como objetivo não obstar o desenvolvimento tecnológico, mas exigir que este ocorra de forma racional, sem prejuízos irreparáveis ao meio ambiente, que é considerado como direito fundamental o princípio da precaução, foi consagrado em nossa Constituição, embora de forma implícita. Ele está presente, pois a Carta Magna traz vários mecanismos preventivos, corroborados na precaução, tais como a exigência do estudo de impacto ambiental. O princípio consiste em um posicionamento preventivo, pois o objetivo é o de evitar danos irreparáveis ao meio ambiente, mesmo porque, na maioria das vezes, é inviável a reposição ao status quo anterior.”

Em comentário aos incisos do parágrafo primeiro do artigo 225 da CF, observa ele que a atividade da biotecnologia moderna:

“Representa atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, mediante a introdução de material genético artificial, de resultados desconhecidos quando em interação com organismos locais. Impõe-se, portanto, a exigência pública de prévio estudo de impacto ambiental (inciso IV). Constitui-se o experimento em emprego de método ou técnica que pode comportar risco para a vida, para a qualidade de vida e para o meio ambiente (inciso V), dada a incerteza e a escassez de estudos consolidados, impondo-se ao Poder Público o exercício do devido controle da atividade.”

Em posicionamento oposto, a Desembargadora Federal Silvia Goraieb tece considerações sobre a questão da incerteza científica – base de aplicação do princípio da precaução – e entra em outras polêmicas. Segundo a desembargadora:

“Ora, certeza científica não há, uma vez que há muito a ser descoberto desse assunto. Aliás, a própria experiência de que se trata caminha nesse sentido, viabilizando inovações no campo científico, a fim de se certificar dos seus benefícios e malefícios. Assim, pela análise dos documentos acostados, constata-se o trabalho atencioso que a empresa tem realizado, observando os critérios previamente estabelecidos pelas entidades competentes. O Ministério Público, por sua vez, funda-se em suposições, teses de que há a possibilidade de dano ao meio ambiente, mas ausente qualquer fato indicativo do risco, considerando as provas dos autos. Por esses motivos, entendo não ser necessário o estudo de impacto ambiental. Na realidade, se todos os requisitos e as licenças tiverem de ser preenchidos, restará inviável realizar qualquer experiência, já que cada uma, nas suas peculiaridades, terá certo inconveniente frente à amplitude de regras existentes no ordenamento jurídico.” (destaque nosso)

Por fim, na redação de ementa do referido acórdão, o mesmo desembargador reforça a presença do princípio da precaução no ordenamento constitucional e reafirma o compromisso do Brasil com um modelo de desenvolvimento sustentável, que longe de representar um óbice à atividade econômica, procura sim conformá-la às exigências racionais para uma correta e sustentável utilização do meio ambiente.

Tendo como premissa que a atividade da biotecnologia moderna, em si desejável, ainda apresenta inúmeras interrogações sobre sua inocuidade ao meio ambiente e à saúde humana e animal, o único instrumento jurídico capaz de averiguar esses riscos para o meio ambiente e desta maneira apontar as medidas a serem tomadas de acordo com os níveis de risco apresentados é o estudo de impacto ambiental, que não pode ser dispensado pela CTNBio sem que com isso ocorra uma frontal violação dos dispositivos constitucionais que governam o meio ambiente. Em síntese, conclui o desembargador que:

“Por todo o exposto, tem-se que a dispensa do Estudo de Impacto Ambiental pela CTNBio configura uma violação ao princípio da precaução, bem como uma afronta ao dispositivo constitucional que exige a elaboração de tal estudo. Ressalta-se, por fim, que tais medidas não consistem num excesso de zelo, conforme sugere a ré, mas numa proteção efetiva ao meio ambiente, o qual é indispensável para a sobrevivência de toda a população, bem como direito fundamental de todos os cidadãos brasileiros.”

No âmbito da CTNBio há um proposta de resolução normativa que fixa critérios para a avaliação ambiental das liberações comerciais de OGM, obrigatória para todas as propostas, mas que mesmo assim não faz referência à realização de estudos de impacto ambiental a cargo do Ministério do Meio Ambiente.

Em 06 de dezembro de 2005 o STJ julgou o Recurso Especial nº 592.682/RS, de um mandado de segurança interposto pela Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias (Embrapa) contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que manteve uma decisão do Governo do Rio Grande do Sul.

Na ocasião foi analisada a pesquisa da Embrapa que instalou no município de Passo Fundo/RS uma estação experimental para pesquisas com soja GM. Para tanto, a empresa recebeu autorização da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, que no uso de suas atribuições dispensou a realização de estudos de impacto ambiental, e conferiu o Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) para a realização da atividade de pesquisa.

Ocorre que o Governo do Rio Grande do Sul, fundamentado na competência concorrente de que dispõem os Estados Membros para legislar sobre questões atinentes ao meio ambiente (art. 24, VIII, da CF/88), entendeu que a simples notificação da Embrapa sobre os experimentos não supria sua legislação estadual e exigiu a realização de estudos de impacto ambiental. Sendo assim, o Departamento de Produção Vegetal, da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, interditou o referido estabelecimento.

A partir desse fato, a Embrapa impetrou mandado de segurança contra o ato do Governo do Estado. O juiz de primeiro grau indeferiu a segurança. Recorreu ao Tribunal Federal da Quarta Região, que confirmou a decisão do juiz de primeiro grau, mantendo a decisão. Entendeu o referido Tribunal que o Rio Grande do Sul estava exercendo sua competência concorrente, de modo que a exigência era feita considerando as peculiaridades do local que, no entender do Estado Membro, demandava a realização de tais estudos.

No Superior Tribunal de Justiça, a Embrapa alega que tal atitude violou ato jurídico perfeito – a aprovação pela CTNBio nos termos da legislação federal – e que a exigência constitucional de EIA deve estar adstrita a uma atividade potencialmente causadora de danos – o que, segundo a Embrapa não ocorre com os OGM – e à observância da lei, que delegou à CTNBio a competência de exigir, quando necessário, o estudo de impacto ambiental.

Em seu voto vitorioso a Ministra Denise Arruda, Relatora do Recurso, conclui:

“Com efeito, não há dúvidas de que todos os entes políticos da federação possuem, nas esferas legislativa e administrativa, competência para exigir os estudos de impacto ambiental para licenciamento de obra/atividade potencialmente causadora de significativa degradação. Entretanto, no sistema normativo infraconstitucional, o EIA e o Rima não constituem documentos obrigatórios para realização de estudos com OGMs, salvo quando, sob o ponto de vista do órgão técnico federal responsável (CTNBio), forem necessários.” (destaque do original)

Essa visão da Ministra Relatora ressalta apenas a questão legal que permeia a discussão, sem considerações mais amplas acerca do tema, quais sejam, a potencialidade danosa dos OGM e a observância do princípio da precaução que, repita-se, se expressa em plenitude por meio da realização de estudos de impacto ambiental.

Nesse mesmo sentido, observa Fiorillo (2007, p. 230), em comento à nova Lei de Biossegurança, que “a Lei n° 11.105/2005 será interpretada no sentido de sempre observar a determinação constitucional contida no artigo 225, § 1º, IV, ou seja, o Estudo Prévio de Impacto Ambiental a que se dará publicidade”.

Varella (2005) chama a atenção para que, diante da incerteza científica que ainda pairam sobre a biotecnologia moderna, a exigência de estudo de impacto ambiental – seja pela CTNBio, seja pelo Ministério do Meio Ambiente – não seja preterida de modo algum, além de ser realizado de maneira totalmente independente, como na Europa, onde os proponentes do projeto pagam ao órgão responsável para que este contrate uma consultoria ambiental independente, diminuindo os riscos de um procedimento de aprovação viciado.

Considerações Finais

Apesar dos esforços teóricos, ainda parece muito difícil que a humanidade consiga condicionar perfeitamente o crescimento econômico às exigências ambientais mínimas, ainda que tenha como função preservar a natureza, base do sistema produtivo e da própria humanidade.

Nesse contexto, a biotecnologia moderna pode apresentar-se como um valioso instrumento para a construção do desenvolvimento sustentável, desde que sua utilização esteja orientada não só por critérios que visem puramente o lucro, mas que também tenham em mente a preocupação ambiental.

O tratamento dispensado à biossegurança dos OGM no Brasil demonstra falhas graves no que toca a uma efetiva proteção do meio ambiente. A questão da inexigibilidade de estudos de impacto ambiental para as liberações no meio ambiente de OGM é algo espantoso e preocupante para um marco regulatório que, bem proclama o artigo da Lei de Biossegurança, tem como diretriz a observância do princípio da precaução. Se inexigível o EIA, como o princípio da precaução pode se manifestar? Como ele pode ser observado?

Esse é um questionamento que perpassa por muitas preocupações e deve tão logo vir à tona na sociedade civil, de modo que esta, por meio do poder que dispõe, possa fazer valer o seu direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, fazendo com que as atividades econômicas estejam orientadas para a promoção da qualidade de vida em sua integralidade, e não apenas no campo financeiro.

Referências

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______. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Terceira Turma Apelação em Ação Civil Pública n° 2000.71.01.000445-6/RS. Ministério Público Federal e Aventis Seeds do Brasil S/A versus União Federal. Relator Carlos Eduardo Thompson Flores. Julgada em 29 de agosto de 2005. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/jurisjud/inteiro_teor.php?orgao=
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Notas

1. Por Direito do Desenvolvimento, que não se confunde com direito ao desenvolvimento, entende-se um conjunto de princípios e normas surgidas na OMC que garantiam aos países em desenvolvimento um tratamento diferenciado nas relações econômicas internacionais frente aos países desenvolvidos. Um exemplo são as metas globais para a diminuição da emissão de poluentes (os países desenvolvidos têm metas maiores do que os em desenvolvimento) e o mercado dos chamados créditos de carbono.

2. Essa inserção do direito do desenvolvimento nos acordos ambientais gera um conflito de regimes no âmbito do direito internacional. Há de se falar no conflito entre os acordos da OMC e do Protocolo de Cartagena sobre Biossegurança, que no fundo tem um caráter marcantemente comercial. Puderam-se notar ainda a resistência de países como os Estados Unidos e a China em se comprometer às metas globais para diminuição da emissão de poluentes.

3. Alguns processos protocolados na Secretaria da CTNBio que pedem liberações ambientais de organismos geneticamente modificados, quando não apresentam nenhum estudo ambiental, apresentam estudos ambientais baseados em testes realizados em outros países, o que realmente é um absurdo diante da enorme variabilidade dos ecossistemas brasileiros.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2010. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS