Anistia - limites e possibilidades para a responsabilização jurídica dos agentes violadores de direitos humanos no Brasil


Autora: Joceli Scremin da Rocha

Servidora do Ministério Público Federal, Pós-Graduanda em Direito Penal e Processual Penal pela Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus

publicado em 30.8.2010

Resumo

O presente artigo destina-se a questionar a incidência do instituto penal da anistia aos agentes estatais que praticaram crimes de tortura, sequestro e homicídio durante a ditadura militar instaurada no país em 1964 diante dos paradigmas internacionais e constitucionais.

Para tanto, torna-se oportuno abordar o conceito e a evolução histórica da anistia e, mormente, trazer à baila a eventual constitucionalidade da Lei nº 6.683/79, responsável pela concessão desse benefício aos agentes de Estado que cometeram os delitos acima mencionados, afastando-se, por conseguinte, o entendimento de que os mesmos possam ser enquadrados como “crimes conexos” às condutas que foram praticadas por opositores políticos e taxativamente codificadas, na legislação pátria, como crimes contra a segurança nacional.

Com efeito, pode-se afirmar que todas as questões e demonstrações apresentadas neste trabalho encontram-se integradas ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, delineado na atual Constituição Federal, e em harmonia com as normas dos tratados internacionais.

Palavras-chave: Anistia. Crimes contra a humanidade. Direitos humanos. Ditadura militar. Tratados internacionais.

Abstract

This article discusses the incidence of the criminal institute of amnesty to the state agents who had perpetrated crimes of torture, kidnapping and murder during the military dictatorship established in the country in 1964, in regard to the international and constitutional paradigms.

Therefore, it is appropriate to approach the concept and the historical evolution of the amnesty and, especially, to bring up the eventual constitutionality of the Law 6.683/79, responsible for the concession of this benefit to the State agents who committed the offences mentioned above, thus standing back the understanding that these can be qualified as “crimes related” to the actions that were carried out by political opponents and exhaustively codified, in the Brazilian legislation, as crimes against national security.

Indeed, it might be stated that all the issues and demonstrations introduced in this work are integrated in the fundamental principle of human dignity described in the current Federal Constitution, and in harmony with the norms of international treaties.

Keywords: Amnesty. Crimes against humanity. Human rights. Military dictatorship. International treaties.

Sumário: 1 Da anistia. 1.1 Conceito. 1.2 Antecedentes históricos. 1.3 Dos efeitos jurídicos. 2 Da Lei nº 6.683/79. 2.1 Da inexistência de conexão com os crimes políticos. 2.2 Da não incidência dos benefícios da anistia aos agentes estatais. 2.3 Leis de Anistia promulgadas em outros países. 3 Da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental-ADPF 153. 4 Concepção política da anistia ampla, geral e irrestrita. 5 Paradigmas constitucionais da anistia. 6 Paradigmas internacionais da anistia: relações com o Direito Interamericano. Considerações finais. Referências.

1 Da anistia

1.1 Conceito

O instituto jurídico da anistia, definido como uma “medida política de natureza excepcional, aplicável a crimes políticos ou de imprensa”,(1) é uma medida de caráter privativo do Poder Legislativo e encontra-se enumerado como uma causa extintiva de punibilidade no artigo 107, inciso I, do Código Penal, nestes termos:

“Art. 107. Extingue-se a punibilidade:

(...)

II – pela anistia, graça ou indulto; (...)”

Como cediço, a prática de um crime dá origem à punibilidade, ensejando a formação de uma relação jurídica integrada no polo ativo pelo Estado, representado pelo jus puniendi, e no polo passivo pelo acusado, materializando-se a obrigação de se impor ao acusado a sanção penal.

No entanto, a legislação penal pátria também admite a ocorrência de causas extintivas da punibilidade, ou, mais especificamente, causas impeditivas do jus puniendi,(2) representadas juridicamente pela eventual concessão da anistia, da graça ou do indulto, todos consubstanciados em atos de perdão do Estado.

Nesse passo, a anistia pode ser considerada um ato de perdão geral, veiculada por lei ordinária federal, de iniciativa privativa do Congresso Nacional e irrevogável, pelo qual o poder público extingue a punibilidade de todos quantos tenham perpetrado determinados delitos. Trata-se de uma medida de caráter coletivo que beneficia pessoas condenadas criminalmente, isentando-as da pena e tornando sem efeito as sanções eventualmente aplicadas.

1.2 Antecedentes históricos

Em relação à sua origem, verifica-se que a anistia encontra-se consubstanciada no instituto jurídico da graça, em sentido amplo. A graça, por sua vez, pode ser definida como uma “prerrogativa soberana que jamais se contestou aos governantes e ainda hoje se reconhece, embora sob restrições, ao poder público”,(3) que foi largamente adotada no Império Romano, variando-se sua extensão e seus efeitos, conforme as conveniências políticas.(4)

No Brasil, durante a vigência das Ordenações Filipinas, nota-se que a concessão da graça encontrava-se fundamentada na interposição jurídica do recurso extraordinário de revista, devidamente enumerada no Livro 3º, exigindo-se que o aludido instituto deveria ser autorizado por especial graça régia.(5) Já na Constituição Imperial de 1824, observa-se que a graça foi mencionada pelo legislador no artigo 101 e que a faculdade de concedê-la era atribuída somente ao monarca, por meio do Poder Moderador.

O direito de graça foi exercido também durante a vigência do Código Criminal de 1830 e permaneceu assegurado na Constituição de 1891, a partir da data de sua promulgação. Frise-se que, a partir de então, o termo anistia passou a serutilizado taxativamente pelo legislador e a atribuição de concedê-la foi repassada ao Poder Legislativo, consoante o disposto no artigo 354, nº 27, do referido diploma legal.

Com apoio nas considerações acima expostas, percebe-se que a graça lato sensu foi exercida sob várias modalidades na antiguidade, englobando inclusive o significado real e jurídico da anistia, muito embora as diferenças entre ambas ainda não estivessem previamente definidas por lei.

Posteriormente, a graça lato sensu subdividiu-se nas três modalidades hodiernamente conhecidas e previstas no ordenamento jurídico brasileiro, representadas respectivamente pela anistia, pelo indulto e pela graça stricto sensu, diferenciando-se, assim, não somente a autoridade responsável pela sua concessão, mas principalmente seus efeitos jurídicos.

Em suma, pode-se afirmar que “o termo ‘graça’ pode ser entendido em dois sentidos. Em sentido amplo, abrange os três casos de indulgência soberana; em sentido estrito, indica a terceira forma da clemência estatal”.(6)

E ainda que

“(...) o fim da anistia é o esquecimento do fato ou dos fatos criminosos que o poder público teve dificuldade de punir ou achou prudente não punir. Juridicamente, os fatos deixam de existir; o Parlamento passa uma esponja sobre eles. Só a história os recolhe. Ora, toda a restrição que subsistir à anistia está ilidindo o fundamento basilar da instituição, que é o olvido.”(7)

Saliente-se que a concessão da anistia já havia sido atribuída ao Poder Legislativo a partir da Constituição de 1891, para servir ao regime republicano, e assim permaneceu até a promulgação da Constituição de 1934.

Por sua vez, a Carta Constitucional de 1937, além de manter a competência estrita da concessão da anistia por ato do Poder Legislativo, como novidade, atribuiu à União a competência privativa de legislar especificamente sobre a matéria.

Observando-se as normas esculpidas na Constituição Federal de 1988, especificamente no artigo 48, inciso VII, verifica-se, de fato, que a competência de concessão de anistia é exclusiva do Congresso Nacional. No entanto, não há dispositivo expresso atribuindo à União competência privativa de legislar sobre a matéria.

Enfim, cumpre destacar as observações e as distinções entre anistia, graça e indulto, colhidas pelos ensinamentos de Aloysio de Carvalho Filho, consagrado autor da ciência penal brasileira:

“As clássicas distinções entre a anistia e a graça ou indulto – quais sejam, anistia, atribuição do Poder Legislativo, indulto, atribuição do Poder Executivo; anistia para processados ou condenados, indulto para condenados; anistia para os crimes políticos e conexos, indulto para os crimes comuns; anistia, favor coletivo, indulto, favor individual, ainda que alcançando um grupo de condenados; anistia, medida eminentemente retroativa, envolvendo o crime em olvido completo, indulto, medida de efeitos somente para o futuro, deixando subsistir o crime –; essas e outras distinções, que tais, não oferecem hoje, nem prática, nem teoricamente, a menor segurança ao estudioso, para a delimitação do conceito e finalidade dos dois institutos, de origem comum e tantas características semelhantes.”(8) (destaque nosso)

1.3 Dos efeitos jurídicos

A anistia promove a extinção da ação ou da condenação, podendo ser concedida antes ou após a sentença imposta pelo Juízo. Possui efeitos retroativos, possibilitando o total desaparecimento das consequências penais.

No mais, poderá ser concedida de forma geral ou plena, atingindo todos os criminosos, bem como de forma parcial ou restrita, excluindo, por conseguinte, determinados fatos ou determinados indivíduos. Frise-se que independentemente da sua modalidade, seja geral, seja parcial, a anistia somente faz cessar os efeitos penais da sentença condenatória com trânsito em julgado, não possibilitando, porém, a extinção da norma penal incriminadora.(9)

2 Da Lei nº 6.683/79

Conforme exposto anteriormente, a anistia, em regra, destina-se a crimes políticos e somente em situações excepcionalíssimas poderá eventualmente incidir sobre delitos comuns.(10) Porém, é vedada sua concessão em se tratando de delitos referentes à prática da tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes, do terrorismo e dos crimes hediondos, atentando-se ao teor do artigo 5º, inciso XLIII, da Constituição Federal, acrescido, ainda, pelo artigo 2º, inciso I, da Lei 8.072/90, ambos transcritos a seguir:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

XLIII – a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; (...)”

“Art. 2º Os crimes hediondos, a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo são insuscetíveis de:
I – anistia, graça e indulto (...).”

A Lei da Anistia entrou em vigor na data de 28 de agosto de 1979, concedendo benefícios aos agentes que cometeram crimes políticos ou conexos com estes e que, por conseguinte, tiveram seus direitos políticos suspensos. É o que exsurge do artigo 1º, §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.683/79, assim redigido:

“Art.1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de Fundações vinculadas ao Poder Público, aos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares (vetado)

§ 1º Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.

§ 2º Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e assalto pessoal (…).”

Como bem salientado pelo legislador, os benefícios da anistia – repita-se – são concedidos aos agentes que cometeram crimes políticos, ou, mais especificamente, atentando-se aos termos da legislação penal extravagante brasileira, crimes contra a segurança nacional, no período mencionado pela referida lei.

Ora, é inquestionável o fato de que os agentes públicos, durante a vigência do período militar, não cometeram crimes políticos ou conexos com estes, mas sim crimes contra a humanidade, devidamente representados no atual Código Penal Brasileiro pelas condutas tipificadas como homicídio, sequestro e lesão corporal, e ainda na legislação extravagante pelas Leis nº 4.898/65 e nº 9.455/97.(11)

Assim, denota-se que os efeitos jurídicos da anistia que foram concedidos aos agentes estatais devem ser afastados de pronto, conforme os argumentos apresentados a seguir.

2.1 Da inexistência de conexão com os crimes políticos

Atentando-se ao teor do artigo 1º, § 1º, da Lei 6.683/79, é incontestável que houve uma interpretação errônea do dispositivo, especificamente no tocante aos crimes conexos, e que infelizmente acabou por beneficiar todos os agentes estatais que sequestraram, torturaram e mataram vários opositores políticos na vigência do regime autoritário.

Veja-se. Crimes conexos são delitos ligados por um liame subjetivo,(12) ou seja, são crimes que contemplam as ações de uma ou mais pessoas, centralizadas na obtenção de um mesmo resultado.

Pois bem.

De início, atentando-se à toda a legislação extravagante acerca dos crimes contra a segurança nacional, e existente na legislação penal pátria, deve-se esclarecer que as condutas dos civis – e, em tese, considerados opositores políticos –encontram-se tipificadas respectivamente no Decreto-Lei nº 314/67, no Decreto-Lei nº 510/69, no Decreto-Lei nº 898/69, na Lei nº 6.620/78 e atualmente na Lei nº 7.170/83.

Isso significa que as condutas supostamente criminosas de vários estudantes, professores, jornalistas, advogados, sacerdotes e tantos outros profissionais mortos, que persistiam no retorno do regime democrático brasileiro, atingiam contrariamente os interesses daqueles que estavam no poder e que eram representantes do Estado, de forma ilegítima.

Isso posto, pergunta-se: os agentes públicos que sequestraram, torturaram e mataram todas essas pessoas possuíam o mesmo objetivo que os opositores políticos almejavam, voltado à alteração do regime político do país? Ora, não eram interesses opostos, ou seja, direcionados a impedi-los de prosseguirem em seu intento?

Onde reside o liame subjetivo ou a conexão consequencial, no sentido de que os agentes públicos, com suas abomináveis condutas, asseguraram a ocultação ou a vantagem – em tese – de crimes contra a segurança nacional praticados por civis?

Como se vê, salta aos olhos a interpretação totalmente equivocada dos dispositivos em destaque. Ora, na ciência penal só resta demonstrada a conexidade quando os vários autores buscam a mesma finalidade na prática do ato delituoso, e não objetivos opostos. Assim, verifica-se que os delitos dos opositores políticos civis e dos agentes públicos são totalmente independentes, inexistindo a conexão.

Mas não é só. À letra fria do artigo 1º da Lei nº 6.683/79, exsurge que os benefícios da anistia foram restritos taxativamente aos crimes políticos ou eleitorais, e que os crimes conexos não perdem tal característica.

Ademais, prima facie, denota-se que crimes de tortura, homicídio e sequestro praticados pelos agentes públicos não possuem qualificação política, visto que o intento do legislador ao elaborar os respectivos decretos e as leis extravagantes de crimes contra a segurança nacional, ou crimes políticos, foi tipificar como criminosos políticos somente os opositores políticos, e não os agentes estatais. Trata-se, portanto, de crimes comuns.(13)

Assim, a conduta criminosa dos agentes estatais nos períodos autoritários que vigoraram no Brasil encontra espeque em dispositivos específicos enumerados no Código Penal Brasileiro, acrescida por normas previstas na legislação extravagante (representadas pela Lei nº 4.898/65, que regula o abuso de autoridade, e pela Lei nº 9.455/97, que define os crimes de tortura).(14)

2.2 Da não incidência dos benefícios da anistia aos agentes estatais

A interpretação de que os delitos praticados por agentes públicos não são equiparados ou conexos aos crimes políticos é uma questão que infelizmente não se encontra pacífica na doutrina e na jurisprudência. No entanto, ainda que tais crimes sejam considerados conexos, é de rigor o afastamento de todos os benefícios concedidos aos agentes, considerando-se a natureza e a extrema gravidade das infrações.(15)

Vale destacar que anteriormente, no Brasil, houve a promulgação do Decreto Legislativo de 27 de setembro de 1916, também concedendo anistia aos delitos políticos. No entanto, no diploma em referência, excetuou-se expressamente que os benefícios da anistia se estendessem aos crimes contra a propriedade, bem como àqueles “que se manifestassem por atos de barbaria, crueldade ou vandalismo, ainda que conexos aos crimes políticos ou praticados por ocasião dos movimentos revolucionários anistiados, e ainda que políticos o móvel e o objeto.”(16)

Dessa forma, com a finalidade de se manter um estrito critério quanto aos delitos abrangidos pela anistia, recomenda-se adotar uma interpretação restritiva da norma enumerada da Lei nº 6.683/79, relacionada à natureza das infrações, e ao mesmo tempo sistemática com os princípios e as normas constitucionais dos direitos fundamentais, expressos na atual Carta Magna, incluindo-se, ainda, os dispositivos mencionados na Lei 8.072/90.

Insta observar que compete ao Poder Judiciário apreciar as normas existentes na Lei da Anistia e, por conseguinte, anular as condições prefixadas em seus dispositivos, ainda que parcialmente. Logo, a Lei da Anistia é passível de exame pelo Judiciário, sendo que

“a interpretação incidirá ora sobre os crimes ou criminosos contemplados, ora sobre as condições ou requisitos estipulados, ora sobre pontos outros, de interesse fundamental para os agraciados (…).

Mas se o Executivo, encarregado de executar a lei da anistia, não o fizer nos devidos termos, é claro que aos beneficiários assiste e ao Judiciário corre o direito de impor a observância rigorosa das prescrições por que a anistia foi concedida.”(17)

2.3 Leis de Anistia promulgada em outros países

Um decreto presidencial que concedeu anistia a todos os opositores políticos foi anunciado inicialmente pelo governo da Grécia, após a derrocada do regime autoritário que vigorou entre 1967 e 1974. No entanto, verificou-se que os termos do referido decreto não mencionavam explicitamente se os benefícios da anistia também deveriam ser estendidos aos membros do regime militar.

Dessa forma, em outubro de 1974, a fim de esclarecer a controvérsia, o governo Karamanlis emitiu um ato constitucional corroborando a punibilidade desses agentes, o qual, por conseguinte, conferiu aos órgãos competentes a responsabilidade para investigar e processar os responsáveis.

Diferentemente do Brasil, também verifica-se que a Guatemala foi um país que respeitou os compromissos firmados no âmbito internacional, relacionados à matéria de Direitos Humanos, uma vez que, ao ter sido elaborada a Lei da Anistia, excluiu-se explicitamente que seus efeitos pudessem beneficiar qualquer agente que tivesse cometido genocídio ou crimes contra a humanidade.(18)

3 Da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 153

Tendo-se em vista o patente sofisma relacionado à interpretação dos dispositivos da Lei nº 6.683/79, foi ajuizada perante o Supremo Tribunal Federal, por intermédio do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 153.

Os autos do instituto jurídico em referência foram distribuídos, em outubro de 2008, para o Ministro Eros Grau, que primeiramente requisitou informações para posteriormente remetê-los à Procuradoria-Geral da República.

No regular trâmite processual, foram juntados aos autos pareceres formulados por membros da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Advocacia-Geral da União, da Casa Civil, do Ministério da Justiça, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Ministério da Defesa e da Procuradoria-Geral da República.

Lado outro, a Associação Juízes para a Democracia requereu seu ingresso como amicus curiae na lide, tendo sido ofertadas as razões pelos ilustres advogados Dr. Dalmo de Abreu Dallari, Dr. Celso Antônio Bandeira de Mello, Dr. Pierpaolo Cruz Bottini e Dr. Igor Tamasaukas.

Assim, a finalidade do ajuizamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 153, cujo julgamento iniciou-se em 28 de abril de 2010, voltou-se ao esclarecimento da interpretação constitucional do artigo 1º e do § 1º da Lei nº 6.683/79 e a infirmar-se, por conseguinte, a questão da abrangência da excludente de punibilidade, que, lamentavelmente, favoreceu os crimes praticados por agentes do Estado contra vários opositores políticos.(19)

No entanto, sete dos nove ministros que participaram do julgamento votaram contra a revogação da anistia para os agentes públicos acusados de cometer crimes comuns durante a ditadura militar. O ministro Eros Grau, relator do processo, votou pela improcedência da ação, sendo acompanhado pelos ministros Carmem Lúcia, Cezar Peluso, Gilmar Mendes, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Já o ministro Ayres Brito consignou que a aludida norma não detém caráter amplo, geral e irrestrito e que os crimes praticados na época dos fatos, hoje taxativamente capitulados como hediondos, não foram anistiados. E, acompanhado pelo ministro Ricardo Lewandowski, asseverou que determinados crimes são absolutamente incompatíveis com o instituto da conexão que foi sugerido pela lei.(20)

Frise-se que, dentre várias argumentações aventadas em seu voto, o ministro Eros Grau assim se pronunciou:

“(…)

A verdade é que a anistia da Lei nº 6.683/79 somente não foi totalmente ampla por conta do que o § 2º do seu artigo 1º definiu, a exclusão, a ela, dos condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal. Não foi ampla plenamente, mas seguramente foi bilateral.

(…)

A Lei nº 6.683 é uma lei-medida, não uma regra para o futuro, dotada de abstração e generalidade. Há de ser interpretada a partir da realidade no momento em que foi conquistada.

(…)

O acompanhamento das mudanças do tempo e da sociedade, se implicar necessária revisão da lei de anistia, deverá ser feito pela lei, vale dizer, pelo Poder Legislativo, não por nós. Como ocorreu e deve ocorrer nos Estados de direito. Ao Supremo Tribunal Federal – repito-o – não incumbe legislar.

(…) a anistia da lei de 1979 foi reafirmada, no texto da EC 26/85, pelo Poder Constituinte da Constituição de 1988.

(…)

O texto da lei ordinária de 1979 resultou substituído pelo texto da emenda constitucional.

(…)

A emenda constitucional nº 26/85 inaugura a nova ordem constitucional. Consubstancia a ruptura da ordem constitucional que decairá plenamente no advento da Constituição de 5 de outubro de 1988.

(…)

Daí que a reafirmação da anistia da lei de 1979 já não pertence à ordem decaída. Está integrada na nova ordem. Compõe-se na origem da nova norma fundamental. (...)”(21)

Assim, o entendimento majoritário que prevaleceu no julgamento em referência foi de que os processos de negociações que resultaram na Lei da Anistia destinaram-se a consagrar a conciliação entre militares e opositores, no contexto da redemocratização do País, e de que desse acordo nasceram a Constituição de 1988 e o nosso modelo democrático atual.(22)

Todavia, permissa venia, ao que consta, não foi lembrado pela Egrégia Corte que tais modalidades de crimes, independentemente de serem taxativamente qualificados como comuns ou políticos, são insuscetíveis de obterem os benefícios da anistia, com supedâneo não somente em princípios e nos direitos e garantias fundamentais ressaltados pelo legislador constituinte, mas principalmente nas normas esculpidas em vários tratados e convenções de Direitos Humanos que foram ratificados pelo Brasil, somados a vários precedentes internacionais proferidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.(23)

Repise-se que os mesmos precedentes internacionais, assim como as mesmas normas internacionais dos tratados, reforçam a qualificação desses crimes como sendo crimes de lesa-humanidade.(24)

4 Concepção política da anistia ampla, geral e irrestrita

De fato, a anistia encontra-se consubstanciada com o perdão. No entanto, perdoar tamanhos atos de crueldade que foram praticados pelos agentes estatais e considerados crimes de lesa-humanidade, entendimento inclusive que se encontra corroborado no parecer técnico elaborado pela Presidência do International Center for Transitional Justice – ICTJ, situado em Nova Iorque, Estados Unidos,(25) significa denegrir o regime democrático – lamentavelmente, ainda em fase de transição em nosso país –, renegar o modelo de constitucionalismo que foi adotado pela atual Carta Magna, violar o direito das vítimas e de seus familiares, além de rejeitar vários compromissos firmados pelo Governo Brasileiro no âmbito internacional.

A respeito, aponte-se o parecer proferido pelo Procurador da República, Dr. Ivan Cláudio Marx, assim posicionado:

“Ao povo brasileiro não foi oportunizado perdoar. Até porque, para tanto, seria imprescindível o direito à verdade, que até hoje lhe é negado. Basta ver a Lei nº 11.111/2005, que prevê ressalvas ao acesso de documentos (...).

No entanto, entendo esse direito exorbitante ao pretender anistiar os crimes cometidos pelos agentes de governo, o que só poderia ser aceito quando exercido por um governo democrático, posterior ao que praticou os crimes (verdadeira anistia), e, de preferência, com a sanção do povo ao perdão, conforme ocorreu no referendo uruguaio em 16 de abril de 1989, à Lei nº 15.848/1986 daquele país. No entanto, mesmo nesse caso, não se poderia falar propriamente em perdão, pois esse só poderia ser concedido, efetivamente, pelas vítimas (ou, talvez, por seus familiares), diretamente aos agressores, ou seja, sem qualquer intermediação jurídica ou política. Afinal, ninguém pode medir o valor da vida, muito menos da do outro.”(26)

No que alude ao parecer técnico sobre a natureza dos crimes de lesa-humanidade, enfatizando-se a proibição de anistias, a Presidência do International Center for Transitional Justice – ICTJ, em atendimento à requisição formulada pelo Ministério Público Federal, representada e subscrita pelo Procurador Regional da República Dr. Marlon Alberto Weichert e pela Procuradora da República Dra. Eugênia Augusta Gonzaga Fávero, assim se posicionou:

“(...) De esta manera, y para concluir este primer punto, puede decirse que los actos de secuestro, homicidio, falsedad ideológica y ocultacíon de cadáver, cometidos por agentes del Estado de Brasil durante el período de la dictadura militar (1964 a 1985), son actos inhumanos que configuran crímenes de lesa humanidad, por su carácter generalizado y sistemático, articulados a una política del Estado y dirigidos contra sectores de la población civil. Su calidad de crímenes de lesa humanidad está fundada en normas de derecho internacional que eran ya vigentes para el ãno de inicio del período de la dictadura.

(...)


Hay, de este modo, una posicíon unificada del sistema universal y del sistema interamericano en considerar que las leyes de amnistía y de auto-amnistía que impiden la investigación y sanción de las graves violaciones de derechos humanos y de los crímenes de lesa humanidad son contrarias a principios de aplicación universal y violan, de iure, tratados internacionales de derechos humanos, entre ellos el Pacto Internacional de Derechos Civiles e Políticos y la Convención Americana sobre Derechos Humanos.(27)

É mister ressaltar que o perdão e a impunidade dos responsáveis por tais crimes jamais estiveram somados ao sentido político da anistia ampla, geral e irrestrita que arduamente foi lutada pelo povo brasileiro, resultando na criação da Lei nº 6.683/79. Ao contrário.

A mais disso, os discursos dos movimentos de anistia lato sensu que foram promovidos por familiares e por entidades representativas dos mortos e desaparecidos políticos, cujas atividades foram mais intensas no ano de 1975, também não se encontravam centralizados meramente em propiciar o regresso de todos os opositores políticos que se encontravam fora de nosso país.

A luta pela anistia ampla, geral e irrestrita detinha como objetivos, além do retorno dos opositores políticos, obviamente, o respeito e o acesso aos direitos e garantias fundamentais – e que foram usurpados covardemente pelo Estado com a entrada em vigor do AI-5(28) –, o retorno ao Estado Democrático de Direito, a promoção da solidariedade social por meio de reparações amplas judiciais pautadas nos sofrimentos das vítimas, incluindo-se, outrossim, a punição dos agentes repressores estatais, violadores de Direitos Humanos.

Dessa forma, atentando-se às considerações acima expendidas e analisando-se o enfoque das medidas adotadas pelo Estado no cenário político brasileiro, pode-se classificar a criação da Lei 6.683/79 como uma espécie de concessão do governo autoritário e apenas um pressuposto para dar-se o início à fase da transição democrática em nosso país (ou, em outras palavras, um elemento precursor da justiça de transição).(29)

5 Paradigmas constitucionais da anistia

No que tange à rejeição do instituto da anistia aos crimes de lesa-humanidade praticados no Brasil em regimes autoritários, merecem destaque outras importantes considerações. Em se tratando desses crimes, pergunta-se: a quem pertence o ius puniendi? A titularidade é conferida ao Estado ou à sociedade? Ora, percebe-se que os crimes contra a humanidade atingem uma dimensão social e coletiva.(30)

Nesse passo, quem seria o sujeito passivo ou a vítima desses crimes? Deve-se qualificar como vítima toda a humanidade ou somente aquela pessoa que foi arbitrariamente sequestrada, torturada e morta pelos agentes nos esquadrões da morte (DOI/CODIs) implantados em vários Estados?(31)

Como cediço, a anistia, essencialmente, produz como efeitos jurídicos o perdão de crimes. No entanto, por acaso, a sociedade brasileira teve acesso à real verdade dosfatos para eventualmente perdoar os responsáveis no âmbito judicial ou extrajudicial?(32)

Por outro lado, o direito de punir é indisponível para o Estado, não é mesmo? Como se vê, as indagações acima expostas devem ser analisadas com rigor pelos operadores de direito no que concerne à incidência deste instituto penal.

Ora, se o direito de punir é indisponível para o Estado, na situação posta, entende-se que o Estado não possui discricionariedade política para perdoar criminosos estatais. Nesse sentido:

“Porém, no Brasil, houve uma verdadeira autoanistia (caso se entenda que o artigo 1º da Lei 6.683/79 se estende aos agentes do governo), onde um governo ilegítimo, após praticados os crimes, se autoimuniza. Ora, não existe perdão em relações interpartes. E como o governo não estava legislando para sua autoconsciência, resta óbvio que tal imunidade é inválida frente ao povo brasileiro e, principalmente frente, às vítimas.”(33)

Não bastante, observa-se que o perdão estendido erroneamente aos agentes repressores estatais e sobrevindo pelos efeitos da Lei 6.683/79 violou, outrossim, o direito à verdade dos fatos que se encontra assegurado como uma garantia fundamental, e não somente às vítimas, mas a toda a sociedade brasileira.

Assim, o direito de punir incumbido ao Estado, bem como o direito à verdade e à informação, conferido a qualquer cidadão, ambos fundamentados no artigo 5º, incisos XLI e XXXIII, da Constituição Federal, são direitos fundamentais que são intocáveis pela anistia brasileira, representada no ordenamento jurídico pátrio por lei ordinária.

Comungando das assertivas acima expostas, merecem destaque os seguintes arestos proferidos pela Corte Interamericana de Direitos Humanos:

“O direito à verdade é um direito de caráter coletivo que permite à sociedade ter acesso a informação essencial para o desenvolvimento dos sistemas democráticos e é, por sua vez, um direito particular para os familiares das vítimas, que permite uma forma de reparação, em particular, nos casos de aplicação de leis de anistia.

A Convenção Americana protege o direito de acessar e receber informação em seu artigo 13.

O direito à verdade se relaciona também com o artigo 25 da Convenção Americana, que estabelece o direito de contar com um recurso simples e rápido para a proteção dos direitos consagrados na Convenção. A existência de impedimentos fáticos ou jurídicos (como a lei da anistia), para acessar informação relevante na relação com os fatos e circunstâncias que caracterizam a violação de um direito fundamental, constitui uma aberta violação do direito estabelecido no mencionado dispositivo e impede contar com recursos da jurisdição interna que permitam a proteção judicial dos direitos fundamentais reconhecidos na Convenção, na Constituição e nas leis.” (CIDH, Caso Ellacuría y otros, §§ 224 e 225)

“Nos casos de graves violações de direitos humanos, as obrigações positivas inerentes ao direito à verdade exigem a adoção dos instrumentos institucionais que permitam que este direito se realize de forma mais idônea, participativa e completa possível e não enfrente obstáculos legais oupráticos que o tornem ilusório.

A Corte ressalta que a satisfação da dimensão coletiva do direito à verdade exige a determinação processual da mais completa verdade histórica possível, a qual inclui a determinação judicial dos padrões de atuação conjunta e de todas as pessoas que de diversas formas participaram dessas violações e suas responsabilidades correspondentes (…).” (Corte IDH, Caso La Rochela v. Colômbia, § 195)

Portanto, pode-se afirmar que a Lei 6.683/79 ou, mais especificamente, a equivocada interpretação de que seus dispositivos conferem a extinção da punibilidade a todos aqueles que sequestraram, torturaram e mataram vários opositores políticos encontra-se eivada de inconstitucionalidade, com espeque nas normas constitucionais e nos julgados supracitados.

6 Paradigmas internacionais da anistia: relações com o Direito Interamericano

Antes de tecer qualquer consideração, há que se ressaltar que, anteriormente à criação da Lei nº 6.683/79, o Brasil já era signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, a qual foi assinada na data de 22 de novembro de 1969.

Saliente-se que a referida convenção reconhece a competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos e da Corte Interamericana de Direitos Humanos para julgar questões relacionadas à matéria, malgrado, de fato, tenha sido somente ratificada no Brasil por meio do Decreto Legislativo nº 27, de 22 de novembro de 1992, e posteriormente promulgada pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.(34)

Neste jaez, levando-se em conta que a Lei da Anistia foi criada em 1979, pode-se alegar que o Brasil não estava obrigado a cumprir os termos da convenção, uma vez que sua ratificação somente ocorreu no ano de 1992 e que a promulgação da atual Constituição Federal deu-se no ano de 1988.

Porém, tal argumento não merece respaldo, eis que a nova ordem constitucional de 1988 não se encontra vinculada aos parâmetros da anistia vigentes em períodos anteriores, mormente em se tratando de direitos fundamentais.(35)

Do contexto acima transcrito, depreende-se que a extinção da punibilidade estendida indevidamente aos agentes públicos, sobrevinda pela equivocada interpretação da Lei 6.683/79, acrescida, obviamente, pela patente inércia estatal direcionada à investigação dos fatos e à punição dos responsáveis, não está e jamais deverá estar atrelada à coisa julgada, ao ato jurídico perfeito(36) ou ao direito adquirido, principalmente, no que concerne – data venia a esta espécie de anistia.

Até mesmo porque os direitos fundamentais expressos na Constituição desenvolveram-se “à sombra das concepções jusnaturalistas dos direitos fundamentais do homem, de onde promana a tese de que tais direitos são inatos, absolutos, invioláveis (intransferíveis) e imprescritíveis”.(37)

Com efeito, em relação à imprescritibilidade no exercício de tais direitos, realce-se que

“Em relação a eles não se verificam requisitos que importem em sua prescrição. Vale dizer, nunca deixam de ser exigíveis. (...) Se são sempre exercíveis e exercidos, não há intercorrência temporal de não exercício que fundamente a perda da exigibilidade pela prescrição.”(38)

Não diferente, os direitos e garantias individuais, juntamente com a obrigação estatal de investigar e punir as violações, encontravam-se também assegurados na Constituição Federal de 1967, em seus artigos 150, § 4º, e 151, assim redigidos:

“Art. 150. A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)

§ 4º A lei não poderá excluir da apreciação do Poder Judiciário qualquer lesão de direito individual. (...)(39) (destaque nosso)

Art. 151. Aquêle (sic) que abusar dos direitos individuais previstos nos §§ 8º, 23, 27 e 28 do artigo anterior e dos direitos políticos, para atentar contra a ordem democrática ou praticar a corrupção, incorrerá na suspensão dêstes (sic) últimos direitos pelo prazo de dois a dez anos, declarada pelo Supremo Tribunal Federal, mediante representação do Procurador-Geral da República, sem prejuízo da ação civil ou penal cabível, assegurada ao paciente a mais ampla defesa.” (destaque nosso)(40)

Também há que se ressaltar que, atentando-se à época dos fatos, o país já se encontrava vinculado juridicamente à Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como à Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada na IX Conferência Internacional Americana, em Bogotá, no ano de 1948, merecendo destacar-se o enunciado do artigo XVIII, assim colacionado:

“Toda pessoa pode recorrer aos tribunais para fazer respeitar seus direitos. Deve poder contar, outrossim, com processo simples e breve, mediante o qual a justiça a proteja contra atos de autoridade que violem, em seu prejuízo, qualquer dos direitos fundamentais consagrados constitucionalmente.” (destaque nosso)

A respeito do controle social e preventivo relacionado aos direitos humanos, asseveram Zaffaroni e Pierangeli:

“A Declaração Universal se complementa com outros instrumentos internacionais que contribuem para o aperfeiçoamento de sua função de limite ideológico: o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos de 16 de dezembro de 1966 (em vigência desde 23 de março de 1976), a Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados de 12 de dezembro de 1974, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem, de Bogotá, 1948, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica de 1969, etc. Estes instrumentos devem ser levados em conta em qualquer interpretação que se faça do direito penal positivo interno, que não pode entrar em contradição com eles. Estes documentos têm criado, mediante base positiva, uma consciência jurídica universal. Pouco importa que alguns países não tenham ratificado todos eles, posto que, de fato, eles atuam universalmente, e nenhum país pode considerar-se desvinculado de seus princípios que, em definitivo, estão sistematizados na Carta das Nações Unidas e na da Organização dos Estados Americanos.”(41) (destaque nosso)

Deve-se atentar ao fato de que todas as leis de anistia promulgadas pelos governos da Argentina, do Chile, do Uruguai e de El Salvador(42) foram repreendidas pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e consideradas totalmente incompatíveis com as normas da Convenção Americana, especialmente nas disposições expressas em seus artigos 1º, 2º, 8º e 25, transcritas a seguir:

“Art. 1º Obrigação de respeitar os direitos

1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social.

(...)

Art. 2º Dever de adotar disposições de direito interno

Se o exercício dos direitos e liberdades mencionados no artigo 1º ainda não estiver garantido por disposições legislativas ou de outra natureza, os Estados-partes comprometem-se a adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.

(...)

Art. 8º Garantias judiciais

1. Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou Tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou na determinação de seus direitos e obrigações de caráter civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza. (...)

Art. 25 Proteção judicial

1. Toda pessoa tem direito a um recurso simples e rápido ou a qualquer outro recurso efetivo, perante os juízes ou tribunais competentes, que a proteja contra atos que violem seus direitos fundamentais reconhecidos pela Constituição, pela lei ou pela presente Convenção, mesmo quando tal violação seja cometida por pessoas que estejam atuando no exercício de suas funções oficiais. (…)” (destaque nosso)

Assentadas essas questões, e interpretando-se sistematicamente os exatos termos do artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, vê-se que todas as normas relativas à promoção de direitos e garantias fundamentais possuem aplicação imediata, não excluindo outros direitos ou garantias decorrentes dos tratados internacionais firmados pelo Brasil, ainda que ratificados posteriormente à Lei da Anistia, e à Emenda Constitucional 26/85.(43)

Não diferente, consoante entendimento majoritário conferido na doutrina pátria, as normas provenientes dos tratados e convenções internacionais sobre Direitos Humanos possuem natureza constitucional material e integram automaticamente o bloco de constitucionalidade pátrio, ainda que não estejam formalmente ou taxativamente expressas na Constituição Federal e dependam da aprovação do Congresso Nacional para tal desiderato.(44)

De fato, a incidência das benesses da anistia aos agentes que praticaram crimes de lesa-humanidade em nosso país, decorrentes da Lei nº 6.683/79, além de demonstrar descompasso com as normas dos direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como se verá adiante, apresenta total incompatibilidade com as normas dos tratados e convenções internacionais de proteção aos Direitos Humanos.

Com efeito, já se encontram ratificados no Brasil praticamente todos os tratados internacionais pertencentes ao sistema global de proteção aos Direitos Humanos, citando-se como exemplo, e especificamente em relação aos crimes contra a humanidade, o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, promulgado pelo Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, a Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, promulgada pelo Decreto nº 40, de 15 de fevereiro de 1991, e o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, com entrada em vigor na data de 1º de julho de 2002.

Por outro lado, integrados ao sistema interamericano de Direitos Humanos, felizmente, encontram-se ratificados a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, promulgada pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, o Estatuto da Corte Interamericana de Direitos Humanos e a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura, ratificada em 20 de julho de 1989.

Em relação às disposições enumeradas no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, adotado pelas Nações Unidas, em Nova York, na data de 16 de dezembro de 1966, aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 226, de 12 de dezembro de 1991, e posteriormente promulgado pelo Decreto nº 592, de 06 de julho de 1992, merecem destaque o teor dos seus artigos 6º, 7º, 9º, 10 e 15, assim redigidos:

“Artigo 6º

1. O direito à vida é inerente à pessoa humana. Este direito deverá ser protegido pela lei. Ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida. (…)

Artigo 7º

Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Será proibido, sobretudo, submeter uma pessoa, sem seu livre consentimento, a experiências médicas ou científicas.

(...)

Artigo 9º

1. Toda pessoa tem direito à liberdade e à segurança pessoais. Ninguém poderá ser preso ou encarcerado arbitrariamente. Ninguém poderá ser privado de sua liberdade, salvo pelos motivos previstos em lei e em conformidade com os procedimentos nela estabelecidos.

(...)

Artigo 10

1. Toda pessoa privada de sua liberdade deverá ser tratada com humanidade e respeito à dignidade inerente à pessoa humana.

(…)

Artigo 15 (…)

2. Nenhuma disposição do Presente pacto impedirá o julgamento ou a condenação de qualquer indivíduo por atos ou omissões que, no momento em que foram cometidos, eram considerados delituosos de acordo com os princípios gerais de direito reconhecidos pela comunidade das nações.” (destaque nosso)

Note-se que a incidência dos institutos jurídicos da anistia e da prescrição penal aos agentes que perpetraram tais delitos contrapõe-se principalmente com a redação do artigo 15, acima referenciada.

Por sua vez, a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, mais denominadamente conhecida como o Pacto de San José da Costa Rica, foi adotada pelo nosso território e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, realizada na data de 22 de novembro de 1969. Posteriormente, foi aprovada pelo Brasil pelo Decreto Legislativo nº 27, de 25 de setembro de 1992, e oficialmente promulgada pelo Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992.

As normas da referida convenção fazem alusão às funções, à competência e ao funcionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, enumerando em seus artigos 29 e 64 as seguintes disposições:

“Artigo 29

Nenhuma disposição da presente Convenção pode ser interpretada no sentido de:

a) permitir a qualquer dos Estados-partes, grupo ou indivíduo, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá-los em maior medida do que a nela prevista;

b) limitar o gozo e exercício de qualquer direito ou liberdade que possam ser reconhecidos e em virtude de leis de qualquer dos Estados-partes ou em virtude de Convenções em que seja parte um dos referidos Estados;

c) excluir outros direitos e garantias que são inerentes ao ser humano ou que decorrem da forma democrática representativa de governo;

d) excluir ou limitar o efeito que possam produzir a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e outros atos internacionais da mesma natureza. (destaque nosso)

(...)

Artigo 64

1. Os Estados-membros da Organização poderão consultar a Corte sobre a interpretação desta Convenção ou de outros tratados concernentes à proteção dos direitos humanos nos Estados Americanos.

(…)

2. A Corte, a pedido de um Estado-membro da Organização, poderá emitir pareceres sobre a compatibilidade entre qualquer de suas leis internas e os mencionados instrumentos internacionais.”

Realce-se que o respeito aos direitos e às garantias fundamentais e a responsabilização criminal dos agentes responsáveis, repudiando-se, portanto, a incidência da prescrição e dos benefícios da anistia, encontram-se destacados pela Convenção Americana, especialmente em seus artigos 1º, 2º, 8º e 25, já citados anteriormente neste trabalho.

Nesse mesmo sentido, acrescente-se que a rejeição da anistia a tais modalidades de crimes também encontra-se amplamente sobejada por várias decisões que já foram proferidas pela Comissão e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, envolvendo outros países.

A respeito, colham-se os seguintes julgados:

“(...) São inadmissíveis os dispositivos de anistia, os dispositivos de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade que pretendam impedir a investigação e sanção dos responsáveis pelas graves violações de direitos humanos tais como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias e os desaparecimentos forçados, todas elas proibidas por violar direitos inderrogáveis reconhecidos pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos.” (Corte IDH, Caso Barrios Altos v. Peru, § 41) (destaque nosso)(45)

“(...) Há ampla evidência para concluir que em 1973, ano da morte (…), a comissão de crimes de lesa-humanidade, incluindo o assassinato contra setores da população civil, era violatória de uma norma imperativa do Direito Internacional. Essa proibição de cometer crimes de lesa-humanidade é uma norma de jus cogens, e a penalização desses crimes é obrigatória conforme o Direito Internacional geral.” (Corte IDH, Caso Almonacid Arellano v. Chile, § 99)(46)

“(...) Em casos de execuções extrajudiciais, desaparecimentos forçados e outras graves violações de direitos humanos, o Estado tem o dever de iniciar, ex officio e sem dilação, uma investigação séria, imparcial e efetiva, que não se resuma a uma simples formalidade condenada de antemão a ser ineficiente. Essa investigação deve ser realizada por todos os meios legais disponíveis e orientada a determinar a verdade e a investigação, persecução, captura, processamento e punição de todos os responsáveis intelectuais e materiais dos fatos, especialmente quando estejam ou possam estar envolvidos agentes estatais.” (Corte IDH, Caso Masacre de Pueblo Bello v. Colômbia, § 143)

“A obrigação, de acordo com o Direito Internacional, de processar e, caso haja condenação, punir os perpetradores de determinados crimes internacionais, entre estes os crimes de lesa-humanidade, depreende-se da obrigação de garantia consagrada no artigo 1.1 da Convenção Americana. Essa obrigação implica o dever dos Estados-parte de organizar todo o aparato governamental e, em geral, todas as estruturas por meio das quais se manifesta o exercício do poder público, de maneira tal que sejam capazes de assegurar juridicamente o livre e pleno exercício dos direitos humanos.” (Corte IDH,Caso Almonacid Arellano v. Chile,§ 110)

Como se observa, restam ilididas pelas normas internacionais dos tratados e das convenções de Direitos Humanos, bem como pelas decisões proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, não somente a prática da tortura, mas também a prática de quaisquer outros crimes em face dos direitos fundamentais do homem, rechaçando-se, mormente, a impunidade dos agentes responsáveis, representadas juridicamente pela anistia e pela prescrição, atentando-se justamente à importância do bem jurídico tutelado, representado respectivamente pela vida, pela liberdade e pela integridade humana física, psíquica e moral das vítimas.(47)

Isso posto, resta claro ser inadmissível a concessão dos benefícios da anistia aos agentes estatais brasileiros violadores de Direitos Humanos, com supedâneo nas considerações acima expendidas, ainda que se entenda que, em razão do artigo 4º, § 1º, da EC 26/85, os efeitos da Lei nº 6.683/79 estariam integrados na nova ordem constitucional.

Por derradeiro, frise-se que os principais tratados e convenções de Direitos Humanos em destaque foram ratificados pelo Brasil, anteriormente ao advento da Emenda Constitucional nº 45/2004. Isso significa que as referidas normas internacionais possuem, de plano, o mesmo status atribuído às demais normas constitucionais, podendo, ainda, serem denominadas como cláusulas pétreas constitucionais.(48)

Considerações finais

Pode-se afirmar que a Lei da Anistia, promulgada em 28 de agosto de 1979, marcou definitivamente para os familiares dos mortos e dos desaparecidos políticos a perda de seus parentes.

Isso porque, malgrado uma das finalidades da anistia, ampla, geral e irrestrita – mas camuflada com a égide da Lei 6.683/79, e indiscutivelmente criada de acordo com os interesses daqueles que estavam, permaneceram e, talvez, ainda permaneçam no poder –, fosse obtemperar o regresso de todos os opositores políticos, a maioria deles não voltou sequer na forma de um atestado de óbito.

Forçoso reconhecer que os efeitos do considerável instituto da anistia, previsto na legislação penal pátria, representados pelo perdão, estenderam-se covardemente aos responsáveis pelas ações repressivas, por meio de uma interpretação política que se sobrepôs ao princípio da dignidade da pessoa humana e à prevalência dos direitos humanos.

Ou melhor, data venia, talvez o mais correto seria esclarecer que os benefícios estenderam-se aos terroristas, aos torturadores e aos grupos de extermínio brasileiros e estatais que vingaram nos governos autoritários, não é verdade?

Contudo, eles não foram anistiados pelo império da lei, mas por uma falsa interpretação de que os crimes de homicídio, sequestro e tortura seriam conexos aos crimes políticos, em tese, praticados pelos opositores políticos. Causa espanto que esse sofisma tenha permanecido por tantos anos na esfera jurídica e que, permissa venia, lamentavelmente não tenha sido rechaçado pela Egrégia Corte.

Sem contar que a concessão de anistia a crimes de tão extrema gravidade significa favorecer não somente a impunidade e a prática da violência policial, mas principalmente expressar a concordância, a conivência, e, quem sabe, possibilitar o regresso do regime autoritário, ferindo de morte o Estado Democrático de Direito, lamentavelmente ainda em fase de transição em nosso país.

De se consignar que a linha jurisprudencial colacionada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos tem sustentado com rigor que as leis de anistia, promulgadas em vários países da América Latina, além de infirmar o esclarecimento da verdade, a investigação dos fatos, a persecução penal dos responsáveis, se contrapõem a vários direitos reconhecidos na Convenção Americana.

Nesse passo, é patente que não existiria opinião diversa, eventualmente sustentada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, em relação aos crimes que foram cometidos no Brasil.

Repise-se que todas as normas do Direito Interamericano relacionadas especificamente à matéria de Direitos Humanos, e que repelem, com precisão, os efeitos da anistia e da prescrição penal a crimes tão horrendos, encontram-se materialmente incorporadas na Constituição Federal.

Demais disso, trata-se de obrigação erga omnes estendida a todos os Estados, independentemente da firmação de qualquer ato convencional, efetivar a persecução criminal dos responsáveis, com supedâneo nos princípios humanitários do direito internacional.

Enfim, todas as normas internacionais encimadas neste trabalho qualificam-se como cláusulas pétreas. Ainda que interpretação diversa encontre-se atualmente e novamente colacionada pelo Supremo Tribunal Federal, sustentando a supralegalidade dos tratados, é patente a suficiência das normas internacionais para afastar-se ocaráter ordinário da anistia e da prescrição penal, atentando-se ao fato de que ambas não são garantias constitucionais.

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Notas

1. CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 125.

2. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. p. 590.

3. CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 103

4. Na França, o instituto jurídico da graça foi inicialmente representando pelas lettres d'abolition générale, constituídas por declarações do rei que concediam perdão a determinadas infrações.

5. CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 112.

6. JESUS, Damásio E. de . Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1995.v. 1. p. 603.

7. CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958.p. 128.

8. Ibidem, p. 125.

9. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. p. 604.

10. Ibidem, p. 603.

11. De início, o conceito de crimes contra a humanidade ou crimes de lesa-humanidade desenvolveu-se na firmação do Estatuto de Nuremberg, em 1945, e foi ratificado pela ONU em 1946, quando a Assembleia Geral confirmou os princípios e as sentenças por ele adotadas, por meio da Resolução nº 95. Posteriormente, o mesmo conceito foi novamente confirmado quando firmaram-se os Estatutos Penais Internacionais para a ex-Iugoslávia em 1993, Ruanda em 1994 e finalmente o Estatuto de Roma, no ano de 1998. A tipificação dos crimes contra a humanidade (e, em especial, aqueles que foram praticados no Brasil) encontra-se expressa no artigo 7º do Estatuto de Roma da seguinte forma:

“Artigo 7º

Crimes contra a humanidade

1. Para os efeitos do presente Estatuto, entende-se por ‘crime contra a humanidade’ qualquer um dos atos seguintes, quando cometido no quadro de um ataque, generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil, havendo conhecimento desse ataque: a) Homicídio; (...) f) tortura; (...) i) desaparecimento forçado de pessoas; (...)”

12. JESUS, Damásio E. de. Direito Penal. São Paulo: Saraiva, 1995. v. 1. p. 189.

13. BICUDO, Hélio. Parecer sobre a anistia. Disponível em: <http://www.torturanuncamais-rj.org.br/sa/artigos.asp?codigo=36>. Acesso em: 07 dez. 2007.

14. Não obstante, em relação à competência, vale mencionar o teor da Súmula 172 do STJ – Superior Tribunal de Justiça: “Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço”.

15. A Constituição de Cuba, por exemplo, prevê que a concessão de anistia para delitos políticos, quando em relação com estes houver a prática de homicídio, deverá ser votada em quorum especial.

16. CARVALHO FILHO, Aloysio de. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense, 1958. p. 142. Importante ressaltar que o entendimento de que os efeitos da anistia não deveriam compreender homicídios tentados ou consumados, nos moldes do artigo 121, IV, do Código Penal, já havia sido defendido anteriormente pelo Ministro Américo Lobo, no ano de 1891, ao especificar que o “assassínio, o roubo, o incêndio e os ataques ao pudor jamais se confundem ou se misturam com os crimes políticos”.

17. Ibidem, p. 130-131.

18. SIKKINK, Kathryn. Ninguém está acima da Lei. Juízes para a Democracia, a. 12, n. 47, dez. 2008 a fev. 2009, p. 09.

19. A Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF 153 foi formalmente protocolada perante o Supremo Tribunal Federal em 21 de outubro de 2008. No despacho proferido em 10 de fevereiro de 2010, consta ter sido deferido o pedido formulado pela Associação Juízes para a Democracia para ingressar na condição de amicus curiae, com supedâneo no artigo 16, § 2º, da Lei nº 9.882/99.

20. Nesse sentido: STF decide pela não revisão da Lei da Anistia. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 12 maio 2010. Esclareça-se que não participaram do julgamento o Ministro Dias Tofolli, uma vez que ainda era Advogado-Geral da União, na época do ajuizamento da ação, e o Ministro Joaquim Barbosa, por licença médica.

21. Disponível em: <http: www.stf.jus.br>. Acesso em: 29 abr. 2010.

22. Cf. STF decide pela não revisão da Lei da Anistia. Instituto Brasileiro de Ciências Criminais. Disponível em: <http://www.ibccrim.org.br>. Acesso em: 12 maio 2010.

23. Cf. Juízes para a Democracia, a. 12, n. 47, dez. 2008 a fev. 2009, p. 11.

24. Repise-se que o Estatuto de Roma, especificamente em seu artigo 7º, tipifica como crimes contra a humanidade a prática da tortura, o desaparecimento forçado de pessoas e o homicídio, desde que cometidos por meio de um ataque generalizado ou sistemático, contra qualquer população civil.

25. Internacional Center for Transitional Justice – ICTJ: qualifica-se como uma organização não governamental que oferece assistência às sociedades que enfrentam legados de violações de direitos humanos, derivadas principalmente de países que superaram regimes repressivos e conflitos armados. No mais, oferece assessoria e apoio a instituições dedicadas à justiça, à busca da verdade, ao desenvolvimento de programas de reparação e à reforma das instituições responsáveis por violações de direitos humanos.

26. MARX, Ivan Cláudio. Operação Condor: crimes impunes? Juízes para a Democracia, a. 12, n. 47, dez. 2008 a fev. 2009, p. 07.

27. Traduzindo: “Desta forma, e para concluir este primeiro ponto, pode-se dizer que os atos de sequestro, homicídio, falsidade ideológica e ocultação de cadáver, cometidos por agentes estatais brasileiros durante o período da ditadura militar (1964 a 1985), são atos inumanos que configuram crimes contra a humanidade, por seu caráter generalizado e sistemático, articulados a uma política estatal e dirigidos contra setores da população civil. Sua qualidade de crimes contra a humanidade está fundada em normas de direito internacional que já eram vigentes desde o início do período da ditadura.

(...)

Há, desta forma, uma posição unificada do sistema universal e do sistema interamericano em considerar que leis de anistia e de autoanistia que impedem a investigação e a sanção de graves violações de direitos humanos e de crimes contra a humanidade são contrárias aos princípios de aplicação universal, além de violarem, de pleno direito, tratados internacionais de Direitos Humanos, entre eles o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana de Direitos Humanos.” Tradução livre da autora. Parecer elaborado em 15 de setembro de 2008 pelo Presidente ICTJ, Dr. Juan Méndez.

28. A Constituição do Brasil de 1967 entrou em vigor em 15.03.67, quando o Marechal Arthur da Costa e Silva assumiu a Presidência da República. Os paradigmas dessa Carta Política conferiram mais poderes à União e ao Chefe do Poder Executivo, preocupando-se fundamentalmente com a segurança nacional. Nota-se que a entrada em vigor do Ato Institucional nº 05, ocorrida em 13 de dezembro de 1968, reduziu a autonomia individual, permitindo a suspensão de direitos políticos, bem como o exercício de outros direitos públicos ou privados, ainda que taxativamente não especificados. É o que se percebe, interpretando-se o artigo 5º, § 1º, do referido Ato Institucional. No entanto, também é certo que todas as restrições ao exercício de certos direitos individuais que foram impostas aos cidadãos não conferiam liberdade às Autoridades Públicas para praticarem crimes, receberem perdão e ficarem impunes. Ora, os crimes de lesões corporais, homicídios e sequestros já estavam previstos pela legislação penal à época dos fatos, sujeitando-se às penas da lei qualquer pessoa que os praticasse.

29. A interpretação concernente à terminologia intitulada justiça de transição diz respeito aos mecanismos sociais, jurídicos e políticos para lidar-se com os legados dos períodos autoritários. Assim, dentre suas principais e diversas abordagens, pode-se destacar a instauração de processos judiciais contra violações de direitos humanos, a revelação da verdade propiciada pela abertura de arquivos sigilosos, a adoção eficaz de medidas de reparação às vítimas, não envolvendo meramente o aspecto financeiro, e a reforma das instituições estatais, afastando-se agentes violadores de direitos humanos de cargos políticos. Cf. MEZAROBBA, Glenda. A Lei da Anistia e a justiça de transição. Juízes para a Democracia, a. 12, n. 47, dez. 2008 a fev. 2009, p. 12.

A relevância dos legados dos períodos autoritários, representados mormente pela impunidade dos responsáveis na esfera penal, leva-nos a concluir de forma cartesiana que a passagem do período autoritário para o regime democrático no Brasil está incompleta. Assim, somente restará demonstrada a real passagem para o Estado Democrático de Direito em nosso país quando todas as medidas necessárias forem adotadas pelos órgãos competentes. Há que se ressaltar a existência da Comissão da Anistia, instalada no Ministério da Justiça em 28 de agosto de 2001, criada pela Medida Provisória nº 2.15, com a finalidade pautada na análise de pedidos de indenizações formulados por familiares de várias vítimas perseguidas e mortas na vigência da ditadura militar. Frise-se, porém, que a denominação correta que deveria incidir no referido instituto seria Comissão de Reparação, e não Comissão de Anistia, visto a anistia ser de caráter penal e consubstanciada no perdão. Isso posto, é patente que a comissão em referência não foi criada para reforçar a autoanistia que foi concedida equivocadamente aos agentes estatais. A alteração dessa denominação já foi inclusive sugerida pelos Procuradores da República Dr. Marlon Weichert e Dra. Eugênia Augusta Fávero e devidamente formalizada em uma moção enviada aos órgãos competentes.

30. Repita-se a suficiência de apenas um ato ilícito no contexto de um ataque generalizado e sistemático contra uma população civil, para restar configurada a existência de crime contra a humanidade.

31. Aponte-se que o DOI/CODI – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Defesa Interna foi um organismo oficial, implantado em escala nacional, para expandir as atividades desenvolvidas pelo SNI – Serviço Nacional de Informações, efetivando a prisão, a tortura e o desaparecimento de opositores políticos. O SNI, criado em 13 de junho de 1964, destinava-se, a princípio, somente à produção de informações de interesse aos aliados da ditadura.

32. Existem vários documentos públicos relacionados ao período da ditadura militar no Brasil em poder do Estado Brasileiro. No entanto, a produção normativa infraconstitucional, representada pelas Leis 8.159/91 e 11.111/05, respalda o caráter sigiloso dos referidos documentos, impedindo, por conseguinte, que o Ministério Público e todos os cidadãos tenham acesso a todas as informações e que eventualmente os criminosos sejam punidos na esfera penal, haja vista a impossibilidade de se lograr êxito nas investigações. A título de esclarecimento, aponte-se a existência da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3987, ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e subscrita pelo Presidente Cezar Britto, com fulcro no artigo 103, inciso VII, da Constituição Federal, em face das leis acima enumeradas. A ADIN em referência foi remetida ao Supremo Tribunal Federal na data de 19 de novembro de 2007, distribuída ao Ministro Relator Gilmar Mendes e ainda aguarda julgamento. Esclareça-se, outrossim, que houve o ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4077, subscrita pelo Procurador-Geral da República, com supedâneo nas leis abordadas e distribuída ao gabinete da Ministra Ellen Gracie, na data de 20 de maio de 2008. Por derradeiro, e felizmente, na data de 13 de maio de 2009, foi enviado ao Congresso Nacional o projeto de lei intitulado Memórias Reveladas,com a finalidade de tornar público todos os documentos concernentes ao período da ditadura militar no Brasil. A aprovação do referido projeto possibilitará a criação de um portal na Internet para que qualquer interessado possa acessar os documentos disponíveis.

33. MARX, Ivan Cláudio. Operação Condor: crimes impunes? Juízes para a Democracia, a. 12, n. 47, dez. 2008 a fev. 2009, p. 07.

34. A Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica) estabelece a função precípua de defesa dos Direitos Humanos, mais precisamente no artigo 41, alínea b, nestes termos:

“Art. 41. A Comissão tem a função principal de promover a observância e a defesa dos direitos humanos e, no exercício de seu mandato, tem as seguintes funções e atribuições:

(...)

b) formular recomendações aos governos dos Estados-membros, quando considerar conveniente, no sentido de que adotem medidas progressivas em prol dos direitos humanos no âmbito de suas leis internas e seus preceitos constitucionais, bem como disposições apropriadas para promover o devido respeito a esses direitos.”

35. Conforme apontado pelo Ministro Eros Grau em seu voto, o art. 4º, § 1º, da EC 26/85 preceitua que:

“Art. 4º É concedida anistia a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos com atos de exceção, institucionais ou complementares.

§ 1º É concedida, igualmente, anistia aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e estudantis, bem como aos servidores civis ou empregados que hajam sido demitidos ou dispensados por motivação exclusivamente política, com base em outros diplomas legais.”

É certo que a Carta Magna de 1988 foi elaborada pela Assembleia Nacional Constituinte, mas que esta, todavia, se encontrava representada pelo Poder Constituinte Derivado. E a Assembleia Nacional Constituinte foi convocada por meio da EC 26/85, para promover modificações nas normas constitucionais anteriores e possibilitar a criação da Constituição Cidadã. Assim, historicamente e juridicamente pode-se dizer que a Constituição Federal de 1988, embora tenha revogado a Constituição Federal de 1967, foi fruto da EC 26/85, a qual, por sua vez, se encontra atrelada à Constituição Federal de 1967.

No entanto, entende esta signatária que o teor do art. 4º, § 1º, da EC 26/85, que, segundo o ministro, somente poderia ser considerado incompatível com os liames constitucionais se a Nova Constituição o tivesse afastado expressamente, é algo indiferente para trazer a lume a discrepância da concessão de anistia aos crimes praticados pelos agentes estatais, e como já mencionado, de tão extrema gravidade.

Demais disso, é regra que o intérprete do Direito deve partir sempre do exame do texto legal, perquirindo o sentido das palavras empregadas pelo legislador (na chamada interpretação literal), mas harmonizá-las com o sistema normativo no qual ela se insere (na chamada interpretação sistemática). Assim, vê-se que o apoio à incidência da anistia a tais modalidades de crimes, e com espeque no art. 4º, § 1º, da EC 26/85, não apresenta coerência normativa com várias outras disposições expressas no ordenamento jurídico brasileiro e, em especial, no teor do art. 5º, § 2º, da atual Carta Política, devendo, portanto, os julgadores aplicar as disposições constitucionais de forma sistemática e de forma teleológica. E em se tratando de violação de direitos humanos, torna-se desarrazoado rechaçar a hierarquia valorativa da aplicabilidade do teor do artigo 5º, § 2º, ao caso concreto, como se verá adiante.

36. A Lei de Introdução do Código Civil dispõe no artigo 6º, § 1º, que:
“Art. 6º (...) § 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo que se consumou.”

37. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005. p. 181.

38. Ibidem, p. 181.

39. Frise-se que o enunciado do artigo 150 da Constituição de 1967 é igual ao artigo 141 da Constituição de 1946. Cf. SARASATE, Paulo. A Constituição do Brasil ao Alcance de Todos.p. 491.

40. Op. cit., p. 489-490. A Constituição do Brasil de 1967 entrou em vigor em 15.03.67, quando o Marechal Arthur da Costa e Silva assumiu a Presidência da República. Os paradigmas dessa Carta Política conferiram mais poderes à União e ao Chefe do Poder Executivo, preocupando-se fundamentalmente com a segurança nacional. Destaque-se que os direitos individuais enumerados nos §§ 8º, 23, 27 e 28 do artigo 150 da Constituição de 1967 correspondem à liberdade de manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica sem sujeição à censura, à liberdade de exercício de qualquer trabalho ou profissão, à liberdade de reunião e à liberdade de associação.

41. ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique. Manual de Direito Penal Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 68.

42. CIDH, Consuelo et al. v. Argentina, cases 10.147, 10.181, 10.240, 10.262, 10.309, 10.311, report nº 28/92, OEA/Serv. L/II.83, doc. 14, 1993; CIDH, Mendoza et. al. v. Uruguay, cases 10.029, 10.036, 10.145, 10.305, 10.372, 10.373, 10.374, 10.375, report nº 29/92, OEA/Serv.L/V/II.83, doc. 14, 1993; CIDH, Garay Hermosilla et. al. v. Chile, case 10.843, report nº 39/96, OEA/Serv. L.V/II.95, 1997; CIDH, Monseñor Oscar Arnulfo Romero and Galdamez v. El Salvador, case 11.481, report nº 37/00, OEA/Serv. L.V/II.106, doc. 3, 1999. NUNES, Raquel Portugal. América Latina: Nunca Mais! A Reação Contra as Leis de Anistia.Disponível em: <htpp://www.revistaeletronicardfd.unibrasil.com.br>. Acesso em: 27 jun. 2008.

43. “Art. 5º

(...)

§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.

§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. (...)”

44. Nesse sentido: SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros, 2005.p. 178-179. A presente assertiva faz alusão à interpretação do artigo 5º, § 3º, da Constituição Federal, assim redigido:

“Art. 5º

(...)

§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. (...)”

Em relação ao teor do dispositivo em destaque, fruto da Emenda Constitucional nº 45/2004, deve-se ressaltar que o quorum de aprovação mencionado pelo legislador constituinte foi criado meramente para adicionar um aspecto constitucional formal aos tratados já ratificados e aos que eventualmente ainda serão. Assim, em ambas as hipóteses, mesmo que não sejam submetidos ao quorum qualificado do Congresso Nacional, écorreto afirmar-se que todas as normas dos tratados e das convenções de Direitos Humanos, ratificados, seja no passado, seja no presente ou no futuro, possuem a mesma força normativa das normas constitucionais. A novidade trazida pela Emenda Constitucional nº 45/2004, portanto, foi fornecer somente a possibilidade das referidas normas serem também acrescidas ao texto constitucional no âmbito formal. Cf. PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 329.

45. No caso Barrios Alto, constam dos autos que membros do exército Peruano estiveram nessa região, localizada em Lima, no Peru, no ano de 1991, e obrigaram vários moradores do local a se deitarem no chão. Ato contínuo, começaram a atirar indiscriminadamente por aproximadamente dois minutos, matando quinze pessoas e deixando outras quatro gravemente feridas. Para justificar a operação sangrenta, foi alegado pelo governo peruano que a operação teria consistido em uma represália contra supostos membros do Sendero Luminoso.

46. O caso Almonacid Arellanofoi apreciado pela Corte em 2006, uma vez ter sido ele assassinado por militares em 1973, em frente a sua residência, fato, inclusive, presenciado por sua família. A sentença acima referenciada contém as declarações fornecidas por sua esposa, Elvira Gómez Olivares, perante o Tribunal. Em seu depoimento, ela menciona que no dia 16 de setembro de 1973, às 11h, seu esposo compareceu à residência do casal para vê-la, eis que se encontrava escondido em outro local, por razões de segurança. Aproximadamente às 11h30min, acostou uma patrulha defronte à residência para buscá-lo. Posteriormente, ao conduzi-lo, os militares dispararam tiros de metralhadora em seu corpo. Nesse exato instante, ela, que estava grávida de oito meses, sentiu que sua placenta se desprendia, e, por conseguinte, a criança que estava em seu ventre nasceu morta. Seu esposo chegou a ser levado ao hospital para ser operado, no entanto, não resistiu aos ferimentos e faleceu no dia seguinte. O fato foi visto ainda pelos outros dois filhos do casal, de dois e nove anos de idade, respectivamente.

47. Malgrado o Brasil não tenha ratificado a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes contra a Guerra e dos Crimes contra a Humanidade, a jurisprudência da Corte Interamericana reconhece que a imprescritibilidade, nesses crimes, é norma de direito internacional geral e não nasce com os termos dessa convenção, mas somente se encontra reconhecida nela.

48. Conforme mencionado anteriormente, o entendimento de que as normas dos tratados e convenções de Direitos Humanos ratificados anteriormente à Emenda Constitucional nº 45/04 possuem a mesma hierarquia das normas constitucionais e se encontram materialmente incorporadas à Carta Política, com fulcro no artigo 5º, § 2º, da Constituição Federal, é questão pactuada pelos doutrinadores. No Supremo Tribunal Federal, inclusive, o mesmo entendimento foi partilhado e ganhou reforço com a posição do Min. Celso de Mello (HC 87.585-TO). No entanto, no histórico julgamento ocorrido em 03.12.08, ganhou a tese da supralegalidade dos tratados, embasadas no entendimento de que as referidas normas encontram-se acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição. Todavia, independentemente do atual entendimento apresentado em sede jurisprudencial, é certo que as normas possuem o condão de afastar o caráter ordinário da anistia. Cf. GOMES, Luiz Flávio. Valor dos DireitosHumanos no sistema jurídico brasileiro. Carta Forense, mar. 2009, p. 8.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., ago. 2010. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS