Questões atuais do processo civil no âmbito dos Juizados Especiais Federais com competência exclusivamente previdenciária


Autor: Alexandre Moreira Gauté

Juiz Federal Substituto

publicado em 29.10.2010

Resumo

Esta pequena monografia tem o escopo de investigar algumas questões processuais reveladas pela prática judiciária em uma Vara de Juizado Especial Federal com competência exclusiva para o Direito Previdenciário. Tendo como norte os princípios que regem esse rito processual, são analisadas questões relativas ao momento em que deve ser feita a citação do INSS, à possibilidade de que sejam reconhecidos os efeitos de eventual revelia da autarquia, seja por ausência de contestação, seja por apresentação de contestação genérica, bem como à postura adotada por ela em face da jurisprudência consolidada e da possibilidade da solução das lides pela conciliação.

Palavras-chave: Juizado Especial Federal Previdenciário. Princípios. Citação. Revelia. Conciliação.

Sumário: Introdução. 1 Citação do INSS. 2 Revelia do INSS. 3 Conciliação. Conclusão.

Introdução

Dentre os critérios que regem o rito processual no âmbito dos Juizados Especiais Federais Previdenciários, a celeridade tem especial relevo, haja vista a natureza das causas que lhes compõem o acervo e o direito individual expressamente contido na Carta Política (art. 5º, LXXVIII) a partir da “Reforma do Judiciário” (Emenda Constitucional nº 45/2004).

Com efeito, os autores das ações que visam à concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais lutam para obter valores que lhes permitam sobreviver com um mínimo de dignidade, logo a demora no trâmite processual pode lhes trazer consequências dramáticas. Por outro lado, se a todos, nos termos da Constituição, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação, com mais ênfase àqueles que litigam no âmbito dos Juizados Especiais Federais, criados precisamente para o julgamento de causas de menor complexidade (mas não de menor importância), com valor limitado a sessenta salários mínimos e cuja celeridade, embora seja até mesmo um seu corolário, foi reafirmada pela legislação infraconstitucional que lhes criou.(1)

Busca-se aqui apontar algumas questões processuais encontradas no dia a dia de uma Vara de Juizado Especial Federal com competência exclusiva para a matéria previdenciária, inerentes, portanto, à prática do processo civil nesse tipo de unidade jurisdicional, bem como identificar possíveis soluções que primem pela valorização dos critérios que norteiam tal rito processual.

1 Citação do INSS

A despeito da clareza das normas processuais que tratam do tema (CPC, artigos 277 e 285; Lei 10.259/01, artigos 9º e 12), a praxe, em algumas Varas, acabou contrariando as suas disposições, fazendo com que a ordem de citação seja postergada.

Assim, nas ações cujo objeto é a concessão de benefícios oriundos de incapacidade laborativa (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o benefício assistencial de prestação continuada regulamentado pela Lei 8.742/93), algumas Varas de Juizado Especial Federal (JEF) passaram a determinar a citação do INSS apenas após a produção da prova pericial. Distribuído o feito, as duas partes são intimadas da data em que o exame pericial será realizado e, somente depois de juntado aos autos o laudo do perito, é determinada a citação do INSS. A experiência demonstrou que esse procedimento acarretou, além de prejuízo econômico ao autor, no caso da procedência de seu pedido, um atraso significativo no período decorrido entre a data de ajuizamento do feito e a data em que o processo é sentenciado.

Na 2ª Vara do JEF Previdenciário de Curitiba, que adotava essa praxe, a alteração do procedimento, de molde a ser feita a imediata citação do INSS, desde que esteja em termos a petição inicial, fez com que essas ações (concessão de benefícios por incapacidade) tivessem seu trâmite (tempo entre o ajuizamento e a sentença) diminuído, em média, de seis meses para pouco mais de dois meses (antes de ter sido criado o Sicopp – Sistema Conciliatório Pré-Processual). As razões são simples. De fato, se o ato inicial da secretaria do JEF já englobar, uma vez constatado que a petição inicial atende ao que determinam os artigos 282 e 283 do CPC, as ordens de citação do INSS e de intimação de ambas as partes acerca da data da perícia, o prazo para a contestação estará englobado pelo período necessário à realização da perícia, que dificilmente é inferior a trinta dias. Além disso, tal providência evita que a secretaria tenha que praticar outro ato para a ulterior citação do INSS, o que somente ocorria decorridos vários dias da juntada do laudo pericial, tempo necessário para que os servidores voltem a verificar a situação do processo em um dos localizadores existentes no âmbito do processo eletrônico.

Não se sabe como essa praxe começou, mas chegou-se a argumentar que a imediata citação do INSS implicaria a impossibilidade de eventual apresentação de proposta de acordo. Com o devido respeito, o argumento não convence. A uma, porque tal praxe contraria frontalmente o que determina a lei processual, tal como acima destacado. A duas, porque a lógica do sistema é que a instrução seja feita depois de a relação processual ter sido devidamente angularizada, o que pressupõe, evidentemente, a citação do réu. A três, porque a proposta de conciliação não equivale a uma confissão, ou seja, o fato de o INSS contestar o pedido do autor não o impede de ofertar conciliação após a produção das provas (pericial, testemunhal, documental etc). Tanto isso é verdade que propostas de conciliação continuaram a ser ofertadas pelo INSS nos processos em trâmite perante a 2ª Vara do JEF Previdenciário de Curitiba, mesmo após o afastamento da praxe em exame. Aliás, isso jamais foi óbice no rito comum ordinário, logo não haveria mesmo razão para ser óbice no rito do JEF.

Além da desnecessária perda de tempo, que é ainda mais preocupante em processos que visam à concessão de benefícios previdenciários ou assistenciais, a fortiori se a causa de pedir é a incapacidade laborativa, a praxe ora criticada implica evidente prejuízo econômico ao autor no que tange ao termo inicial dos juros de mora, haja vista o comando do art. 219 do CPC.

Em resumo, não há razão, com a devida venia, para que não seja observado o que determina a lei processual, no sentido da imediata citação do INSS, desde que seja apta a petição inicial, tanto porque assim se homenageia a determinação do legislador, como porque isso acarreta a redução do tempo necessário ao trâmite do processo e evita que o autor suporte prejuízo econômico, em caso de procedência de seu pleito, causado pela indevida postergação do ato de citação.

2 Revelia do INSS

Como se sabe, a configuração e os efeitos da revelia são tratados pelos artigos 319 a 322 do CPC.(2) A questão que se coloca é saber se o INSS está protegido pela dicção do art. 320, II, do CPC, mesmo no âmbito do JEF.

É dizer, a ausência de contestação do INSS, ou sua apresentação genérica, ao arrepio do que determina o art. 302 do CPC, em causas cujo valor ultrapassa sessenta salários mínimos e, bem por isso, tramitam necessariamente perante a Vara comum (Lei 10.259/01, artigo 3º), não faz com que sejam reputados verdadeiros os fatos afirmados pelo autor porque o direito em jogo é tido por indisponível. Veja-se, por todos, o seguinte precedente(3) (destaquei):

“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. REVELIA. INOVAÇÃO RECURSAL. RECURSO ADESIVO PARCIALMENTE CONHECIDO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. SÚMULA 260 DO TFR. INAPLICABILIDADE. REAJUSTE CONFORME A LEI. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. DIREITO ADQUIRIDO. LEI 6.950/81. CORREÇÃO MONETÁRIA. Tratando-se a Autarquia Previdenciária de órgão equiparado à Fazenda Pública, cujos interesses são indisponíveis, a ela não se aplicam os efeitos da revelia, previstos no art. 319 do CPC. Não se conhece da apelação que inova em relação ao pedido formulado na petição inicial. Somente aos benefícios concedidos entre a edição do Decreto-Lei 66/66 e a Constituição de 1988 pode ser aplicável a Súmula nº 260 do extinto TFR. A manutenção do valor real do benefício tem de ser feita nos termos da lei, não havendo de se cogitar de vulneração ao art. 201, § 2º (atual § 4º), da Carta Constitucional em face da aplicação dos índices de reajuste adotados pelo INSS. Não há direito adquirido a regime jurídico instituído por lei (STF, RE nº 105.322-RS, rel. Min. Francisco Rezek, RTJ 118/709; MS nº 21.086-DF, rel. Min. Moreira Alves, RTJ 147/96; MENDES, Gilmar Ferreira et alii. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 453-460). Comprovado o exercício de atividade especial, devem os períodos respectivos ser convertidos pelo fator 1,40, o que assegura à parte-autora o direito à revisão da RMI de sua aposentadoria por tempo de serviço, correspondendo a 100% do salário de benefício, com início na data do respectivo requerimento administrativo. Para fins de atualização monetária e juros haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, a contar de 01.07.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009, que alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. No período imediatamente anterior, os indexadores são: ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64), OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86, de 03-86 a 01-89), BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89), INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91), IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92), URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94), IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94), INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95), IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§ 5º e 6º, da Lei nº 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11.08.2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp nº 1.103.122/PR). Os honorários periciais, no caso, devem ser suportados pela parte sucumbente quanto ao objeto do laudo, no caso, o INSS, cabendo a ele ressarcir o valor despendido a esse título à Direção do Foro da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul.”

Mas se impõe a mesma conclusão quando o processo é da competência (absoluta – Lei 10.259/01, art. 3º, § 3º) do JEF? Para Guilherme Bollorini Pereira a resposta é afirmativa(4): Nas causas contra a União, autarquias federais e fundações federais, a contestação genérica não induz a pena de confissão, pois, mesmo havendo a revelia nesses casos, seus efeitos não se produzem. Em nota de rodapé da mesma página, disse o citado autor:

“Conforme art. 320, II, do CPC. Entendemos que, não obstante a regra permissiva do parágrafo único do artigo 10, cabe, exclusivamente, à parte-ré concluir pela transação no processo, não deixando de ser indisponível o direito em discussão pelo fato da não apresentação da resposta no prazo.”

No mesmo sentido é a conclusão de Fernando da Costa Tourinho Neto e Joel Dias Figueira Junior(5) (destaques existentes no original):

“Assim, para efeitos de Juizados Federais, estão excluídos os mencionados efeitos para as demandas de qualquer natureza que envolvam a Fazenda Pública Federal ou em que sejam partes pessoas jurídicas de direito público, e as demandas que envolvam as coisas postas fora do comércio. Diga-se o mesmo sobre os direitos metaindividuais, que se tornam indisponíveis, diante das relações no plano material e dos interesses envolvidos, tais como os coletivos e os difusos. Consideram-se, ainda, nessa categoria, os direitos da personalidade (v.g., nome, honra, imagem).”

Na esteira desse entendimento, cuja origem remonta à jurisprudência que se pacificou há muito tempo no seio do processo comum ordinário,(6) as Turmas Recursais, em corrente amplamente majoritária, não reconhecem a ocorrência desse efeito da revelia em detrimento do erário (no caso em tela, em detrimento do INSS), tal como demonstra, por exemplo, este julgado(7) (destaquei):

“PREVIDÊNCIA SOCIAL. AMPARO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. BENEFICIÁRIO PORTADOR DE TETRAPLEGIA TRAUMÁTICA. CÁLCULO DA RENDA PER CAPITA MÍNIMA. LEGITIMIDADE PASSIVA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA EM SENTENÇA. REVELIA. DESCARACTERIZAÇÃO.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) é o único legitimado a responder ação em que se postula o pagamento do amparo assistencial, pois lhe incumbe suportar, com exclusividade, os ônus decorrentes de seu pagamento. Ilegitimidade passiva da União Federal. Presentes os requisitos da antecipação da tutela, é cabível seu deferimento quando da prolação da sentença. Os efeitos da revelia não se aplicam ao INSS, dada a indisponibilidade dos direitos cuja tutela persegue (CPC, art. 320, II). Sendo o Autor portador de tetraplegia traumática, resta inequívoco não dispor de meios de prover sua própria subsistência. O conceito de família para fins de aferição do requisito da renda mínima abarca grupo de pessoas formado pelos pais do Autor e por seus sobrinhos, desde que demonstrado o fato de viverem sob a dependência econômica daqueles (seus avós). Custas e honorários advocatícios, equivalentes a 10% (dez inteiros por cento) sobre o valor da condenação, devidos pelo Recorrente (Lei n° 9.099/95, art. 55, caput). Recurso a que se nega provimento.”

Com o devido respeito àqueles que integram a corrente majoritária, o comando do parágrafo único do artigo 10 da Lei 10.259/01(8) parece autorizar conclusão diversa. De início é importante consignar que nem todos os direitos da Administração Pública são indisponíveis. Transcreve-se, por oportuno, trecho da doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello acerca do conceito de interesse público(9) (grifos existentes no original):

“[...] Tratando-se de um conceito jurídico, entretanto, é óbvio que a concreta individualização dos diversos interesses qualificáveis como públicos só pode ser encontrada no próprio Direito Positivo.

Com efeito, a estrutura do conceito de interesse público responde a uma categoria lógico-jurídica, que reclama tal identificação. Inversamente, a individuação dos múltiplos interesses públicos responde a conceitos jurídico-positivos.

Esclareçamos o alcance desta afirmativa. Uma coisa é a estrutura do interesse público, e outra é a inclusão e o próprio delineamento, no sistema normativo, de tal ou qual interesse que, perante este mesmo sistema, será reconhecido como dispondo desta qualidade. Vale dizer: não é de interesse público a norma, medida ou providência que tal ou qual pessoa ou grupo de pessoas estime que deva sê-lo – por mais bem fundadas que essas opiniões o sejam do ponto de vista político ou sociológico –, mas aquele interesse que como tal haja sido qualificado em dado sistema normativo.

Com efeito, dita qualificação quem faz é a Constituição e, a partir dela, o Estado, primeiramente por meio dos órgãos legislativos, e depois por via dos órgãos administrativos, nos casos e limites da discricionariedade que a lei lhes haja conferido.”

Assentada a premissa de que cabe ao legislador fazer a concreta individualização dos diversos interesses qualificáveis como públicos, conclui-se que ele – o legislador – afirmou a disponibilidade dos direitos da União, das autarquias e fundações públicas federais nas causas de competência dos Juizados Especiais Federais. Com efeito, se o legislador autorizou os representantes dessas pessoas jurídicas de direito público a transigirem e, até mesmo, a desistirem, afirmou, ipso facto, a disponibilidade do direito em jogo, sendo certo que cabe precisamente a ele, tal como destacado acima, fazer essa distinção.

Essa opção legislativa não foi feita ao acaso, antes levou em consideração os princípios que regem o JEF, que não se coadunam com os privilégios deferidos à Fazenda no processo comum. Lembre-se que a competência do JEF é limitada, além de outras hipóteses, para o julgamento de causas com valor não superior a sessenta salários mínimos, vale dizer, o limite econômico foi imposto justamente porque é intrínseco a esse procedimento um tratamento absolutamente igualitário entre as partes, sem lugar para privilégios de qualquer espécie em favor das pessoas jurídicas de direito público. Em outros termos, não tem incidência no rito do JEF o art. 320, II, do CPC.

Em outros termos, a disponibilidade do direito litigioso no âmbito do JEF é uma opção legislativa que vai ao encontro do espírito dessas unidades jurisdicionais, como sublinhado por Carreira Alvim(10) (destaques existentes no original):

“Promulgada a Emenda Constitucional nº 22/99, diversos simpósios foram realizados no País, para discutir o tema, tendo eu dito, num desses encontros, realizado em Recife, que via esses juizados especiais como ‘uma solução diversa da Justiça tradicional, nos moldes do Código de Processo Civil, ainda apegado ao formalismo, e, sobretudo, uma excelente oportunidade para democratizarmos o processo, tratando as partes paritariamente, sem qualquer privilégio para os entes federais’.

E acrescentei:

‘Vamos acabar com todos os privilégios dos entes públicos, que não se justificam em face das pequenas causas que são objeto dos juizados especiais; vamos pôr fim aos privilégios de prazo em dobro para recurso, prazo em quádruplo para contestar, eliminar o precatório como instrumento de pagamento de débitos judiciais. Vamos utilizar essa ‘cova rasa’ para sepultar esses odiosos e injustificáveis privilégios com que nosso ordenamento jurídico ainda brinda a União Federal e suas autarquias e fundações.

A isso se denomina democratização do processo, que no Brasil do neoliberalismo vem sendo, a todo momento, afrontado por medidas provisórias.’”

Mais a frente, voltou a frisar esse doutrinador(11):

“Os privilégios concedidos ao Poder Público não mais se justificam, na medida em que tais órgãos e entes contam com seletos quadros de advogados ou procuradores, que lhes permitem patrocinar a sua defesa sem qualquer sacrifício para os interesses públicos que defende. Houve época em que tais privilégios tinham algum fundamento, porque a União Federal não possuía uma Advocacia-Geral para fazer a sua defesa, sendo esta patrocinada pelas Procuradorias da República, que faziam também o papel de Ministério Público Federal. Além disso, a modernidade nos meios de comunicação, como a Internete o fac-símile, fez desaparecer os argumentos utilizados para justificar tais privilégios, com o fato de ser a defesa feita num Estado, estando os documentos necessários à sua instrução no outro.”

Admitindo a ocorrência dos efeitos da revelia em desfavor do INSS, colhe-se na jurisprudência o seguinte excerto(12) (destaquei):

TRIBUTÁRIO. ADMINISTRATIVO. APREENSÃO DE BEM. IMPORTAÇÃO PELA INTERNET. REMESSA POR TRANSPORTE EXPRESSO. REVELIA E SEUS EFEITOS. LIBERAÇÃO DA MERCADORIA MEDIANTE O PAGAMENTO DO IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. I. Trata-se de equipamento de informática (microcomputador portátil) importado pela Internet, enviado por intermédio de transporte aéreo expresso, apreendido pela Receita Federal em São Paulo. A União não contestou o feito, sendo aplicados os efeitos da revelia. Em sede de recurso, a União reconhece a ocorrência da apreensão do microcomputador por ato da alfândega, sustentando a inaplicabilidade da revelia e a legitimidade dos atos da administração. II. No âmbito do Juizado Especial Federal há autorização legal expressa aos representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais para conciliar ou transigir (art. 10, parágrafo único da Lei nº 10.259/01), sendo, então, aplicáveis os efeitos da revelia quanto à matéria de fato articulada, em face da relativização da indisponibilidade do direito nesta seara. III. A Instrução Normativa SRF nº 096/99 estabelece o regime de tributação simplificada nos despachos aduaneiros de importações de bens integrantes de remessa postal ou encomenda aérea internacional, cujo valor não exceda U$ 3.000 (três mil dólares americanos), nos termos do seu art. 1º. Consoante informações da própria Secretaria da Receita Federal, veiculadas em sua página na Internet, com base na referida instrução normativa, na Portaria nº 156/99 e no Decreto nº 2.498/98, na hipótese de utilização de empresas de transporte internacional expresso, o pagamento do imposto deve ser efetivado pela empresa, sendo ressarcido pelo contribuinte à mesma quando do recebimento da remessa. Assim, procede o pedido de liberação do bem mediante o respectivo recolhimento do tributo. IV. Sentença mantida. Recurso Improvido. Honorários pelo Recorrente, fixados em R$ 200,00 (art. 55 da Lei nº 9.099/95 c/c § 4 do art. 20/CPC). Acórdão redigido nos termos do art. 46 da Lei nº 9.099/95.”

Ao contrário do que possa parecer, essa conclusão não autoriza, por exemplo, que uma pessoa logre obter a condenação do INSS a lhe conceder aposentadoria por idade apenas em face da revelia da autarquia. Incidem na espécie as seguintes disposições da Lei 9.099/95(13) (destaquei):

“Art. 5º. O Juiz dirigirá o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, para apreciá-las e para dar especial valor às regras de experiência comum ou técnica.

Art. 6º. O Juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.

(...)

Art. 18, § 1º. A citação conterá cópia do pedido inicial, dia e hora para comparecimento do citando e advertência de que, não comparecendo este, considerar-se-ão verdadeiras as alegações iniciais, e será proferido julgamento, de plano.

Art. 20. Não comparecendo o demandado à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, reputar-se-ão verdadeiros os fatos alegados no pedido inicial, salvo se o contrário resultar da convicção do Juiz.”

Note-se que, nos termos do caput do art. 10 da Lei 10.259/01,(14) no âmbito do JEF o réu pode se fazer representar em audiência por preposto, sem que isso enseje a configuração da revelia prevista pelo art. 20 da Lei 9.099/95.

De todo modo, uma vez configurada a revelia do réu, por exemplo, em razão da ausência de contestação ou pela apresentação de contestação genérica, entendida esta como sendo aquela peça que não traz manifestação precisa sobre os fatos narrados na petição inicial (CPC, art. 302), é possível que os documentos que instruem a inicial conduzam o Juiz à convicção de que os fatos nela alegados são verdadeiros, o que o levará a proferir, de imediato, sentença de procedência. Por outro lado, é igualmente possível que os indigitados documentos, ou a sua ausência, convençam o Juiz de que os fatos alegados na inicial não são verdadeiros ou, ainda, o deixem em dúvida sobre essa presunção (relativa) de veracidade. Nesse caso, poderá o Juiz determinar a produção de provas ou, até mesmo, dependendo do que contido na inicial e nos demais documentos já apresentados pelo autor, julgar improcedente o pedido.

Posiciona-se nessa linha Carreira Alvim(15) (destaques existentes no original):

“Como se viu, nos comentários ao § 1º do art. 18 da Lei 9.099/95 e § 2º do art. 22 da Resolução 30/2001,(16) se o juiz, em face da ausência do réu à audiência, e considerando as alegações do autor, reputá-las verdadeiras, terá como verdadeiros também os fatos em que se apoiam, cabendo-lhe proferir, então, julgamento de plano, como resulta do comando emitido por esses preceitos.

Se o juiz, no entanto, nas mesmas circunstâncias, não considerar verdadeiras as alegações do autor, apesar de verdadeiros os fatos, ou mesmo tiver dúvida sobre a veracidade dos fatos, incidem as regras inscritas nos arts. 20 da Lei 9.099/95 e 33 da Resolução 30/2001, cabendo ao autor provar não só a veracidade das alegações como, também, havendo dúvida, dos fatos que lhe emprestam fundamento.”

Em resumo, não há razão para que se obrigue o Juiz a determinar a produção de outras provas (v.g. oitiva de testemunhas para provar tempo de atividade rural) quando o INSS é revel e, por outro lado, a petição inicial foi instruída com documentos suficientes ao seu convencimento, tendo em linha de conta a presunção (relativa) de que os fatos alegados na inicial são verdadeiros (revelia). Não incide na espécie, repise-se, o comando do art. 320, II, do CPC. Não obstante, tal como destacado acima, a revelia não conduz necessariamente a uma sentença de procedência e, por outro lado, verificada a sua ocorrência, abre-se ao Juiz, no rito do JEF, a possibilidade de que ele determine, de ofício, a produção de alguma outra prova, acaso seja duvidosa, a despeito da revelia, a conclusão de que os fatos alegados na inicial são verdadeiros. Frise-se, todavia: trata-se de uma faculdade do Juiz, não de uma obrigação.

Vale dizer, não há lastro jurídico para eventual anulação da sentença na hipótese em que o Juiz, presente a revelia do INSS, profere sentença de mérito (mesmo que contrária aos interesses da Fazenda, aqui representada pela autarquia previdenciária – procedência do pedido do autor) sem determinar a produção de qualquer prova, ou seja, contentando-se com os documentos que instruem a inicial e com a presunção de veracidade dos fatos narrados naquela peça. Caberá à Turma Recursal, em caso de recurso, baixar os autos em diligência para que seja produzida alguma prova que eventualmente o órgão ad quem entenda indispensável para o seu julgamento. Em outros termos, não se configura na hipótese error in procedendo do Juiz de 1º grau, logo não é o caso de anulação de sentença.

A propósito, recentemente foram divulgados os enunciados do VI Fonajef.(17) Embora não tratem especificamente do caso em tela (revelia), os enunciados nº 2, 3 e 4 dispõem (destaquei):

“2 – A Turma Recursal tem poder para complementar os atos de instrução já realizados pelo juiz do JEF, de forma a evitar a anulação da sentença.

3 – Convencendo-se da necessidade de produção de prova documental complementar, a Turma Recursal produzirá ou determinará que seja produzida, sem retorno do processo para o juiz do JEF.

4 – Sempre que julgar indispensável, a Turma Recursal, sem anular a sentença, baixará o processo em diligências para fins de produção de prova testemunhal, pericial ou elaboração de cálculos.”

Como se vê, a ideia é restringir as hipóteses de anulação de sentença àqueles casos clássicos de vícios de atividade. Obviamente, é de grande importância a uniformização desse entendimento no âmbito das Turmas Recursais, haja vista os princípios da celeridade e da segurança jurídica, além do fato de que se trata de matéria processual, ou seja, matéria fora da competência da Turma Nacional de Uniformização.(18)

3 Conciliação

A despeito dos esforços empreendidos em prol do aumento do número de processos extintos pela conciliação, o resultado ainda está longe do ideal. Como esse trabalho cuida dos feitos em que o réu é o INSS, ganha importância a definição do que se deve entender por interesse público. Colhe-se, mais uma vez, a lição de Celso Antônio Bandeira de Mello(19) (destaques existentes no original):

Donde, o interesse público deve ser conceituado como o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o serem.

[...]

Outrossim, a noção de interesse público, tal como a expusemos, impede que se incida no equívoco muito grave de supor que o interesse público é exclusivamente um interesse do Estado, engano este que faz resvalar fácil e naturalmente para a concepção simplista e perigosa de identificá-lo com quaisquer interesses da entidade que representa o todo (isto é, o Estado e demais pessoas de Direito Público interno).

[...]

É que, além de subjetivar esses interesses, o Estado, tal como os demais particulares, é, também ele, uma pessoa jurídica, que, pois, existe e convive no universo jurídico em concorrência com todos os demais sujeitos de direito. Assim, independentemente do fato de ser, por definição, encarregado dos interesses públicos, o Estado pode ter, tanto quanto as demais pessoas, interesses que lhe são particulares, individuais, e que, tal como os interesses delas, concebidas em suas meras individualidades, se encarnam no Estado enquanto pessoa. Esses últimos não são interesses públicos, mas interesses individuais do Estado, similares, pois (sob prisma extrajurídico), aos interesses de qualquer outro sujeito. Similares, mas não iguais. Isso porque a generalidade de tais sujeitos pode defender esses interesses individuais, ao passo que o Estado, concebido que é para a realização de interesses públicos (situação, pois, inteiramente diversa da dos particulares), só poderá defender seus próprios interesses privados quando, sobre não se chocarem com os interesses públicos propriamente ditos, coincidam com a realização deles.

[...]

Assim: ‘Poderíamos acrescentar que seria concebível um interesse da pessoa Estado em recusar administrativamente – e até a questionar em juízo, se convocado aos pretórios – responsabilidade patrimonial por atos lesivos a terceiros, mesmo que os houvesse causado. Teria interesse em pagar valor ínfimo nas desapropriações, isto é, abaixo do justo, não obstante o preceito constitucional. Com todos esses expedientes, muitos dos quais infelizmente (e injustamente) adota, resguardaria ao máximo seu patrimônio, defendendo interesses à moda de qualquer outro sujeito, mas agrediria a ordem normativa. Ocorre que em todas essas hipóteses estará agindo contra o Direito, divorciado do interesse público, do interesse primário que lhe assiste cumprir. Esse proceder, nada obstante seja comum, é fruto de uma falsa compreensão do dever administrativo ou resultado de ignorância jurídica. Os interesses a que se aludiu são todos interesses secundários e que a pessoa governamental tem apenas segundo os termos em que o teria qualquer pessoa. Não são interesses públicos. Não respondem à razão última de existir própria das pessoas governamentais em geral.”

A imensa maioria das conciliações realizadas nas Varas de JEF Previdenciário de Curitiba (e a totalidade daquelas obtidas no âmbito do Sicopp em ações previdenciárias) ocorre em processos cujo escopo é a condenação do INSS a conceder um benefício por incapacidade laborativa (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e benefício assistencial de prestação continuada). Invariavelmente, apenas após produzida a prova pericial em juízo, dando conta da incapacidade laborativa do autor, e verificado pelo INSS que ele ostentava a qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social quando ficou incapaz, a autarquia oferece uma proposta de acordo.

O primeiro problema reside no fato de que o INSS age costumeiramente sem observar o interesse público primário, tal como conceituado acima, antes atua como se fosse um particular. Vale dizer, constatando que o autor da ação faz jus ao benefício pleiteado, ainda assim o INSS não se dispõe a ofertar tudo o que ele tem direito, mas apenas uma parte. O procedimento, quase sempre verificado, resume-se ao oferecimento da imediata implantação do benefício e ao pagamento de cerca de 80% do valor das prestações atrasadas, via requisição judicial e sem a incidência de juros de mora. Segundo o que se verifica na prática, essa parece ser uma postura institucional, embora haja algumas diferenças pontuais dependendo do procurador da autarquia que está a oficiar.

Ocorre que, ao constatar que o autor faz jus ao benefício, o INSS deveria oferecer a ele absolutamente tudo o que ele tem direito, em vez de conciliar à moda de um particular, buscando alguma redução naquilo que sabidamente é devido à outra parte. Agindo como um particular, o INSS deixa de cumprir o interesse público primário para alcançar um interesse secundário que, nas já mencionadas palavras de Celso Antonio Bandeira de Mello, não responde à razão última de existir própria das pessoas governamentais em geral. O exemplo abaixo bem ilustra o quadro(20) (destaquei):

“Alega que o cálculo da renda mensal inicial de seu benefício foi efetuada de forma errônea, uma vez que, aplicando o coeficiente 0,85 no salário de benefício apurado como devido pela Autarquia, totalizaria R$ 1.251,65 (um mil duzentos e cinquenta e um reais e sessenta e cinco centavos), e não R$ 1.206,10 (um mil duzentos e seis reais e dez centavos), como foi concedido o benefício.

Diante dessas alegações, o setor de cálculos do INSS efetuou duas novas simulações do benefício (uma lançando os valores mês a mês e a outra por meio do sistema Plenus) e verificou que efetivamente a RMI deveria ter sido estipulada em R$ 1.251,65 (um mil duzentos e cinquenta e um reais e sessenta e cinco centavos).

Dessa forma, o INSS propõe o seguinte ACORDO:

– revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição do autor, com a correção da RMI para R$ 1.251,65 e da RMA para R$ 1.572,43, com DIP em 01.05.2009;

– pagamento dos valores atrasados referentes ao período de 09/2004 a 04/2009, no valor de R$ 3.073,06 (três mil e setenta e três reais e seis centavos), que equivale a 90% do valor devido, via RPV.”

Ora, se o próprio setor de cálculos do INSS constatou que o benefício foi implantado com renda mensal inferior à correta, por que a autarquia não propôs pagar 100% das prestações devidas? Como já se disse, essa postura é a regra, o que leva à conclusão de que deve se tratar de uma orientação institucional, a qual, contudo, não cumpre os interesses públicos primários subjacentes a essas situações.

Além disso, tal postura acaba fazendo com que alguns autores recusem a proposta de acordo, como ocorreu no caso citado. E o pior é que esse modo de proceder tende a criar um obstáculo à cultura da conciliação, principalmente nos casos de benefícios por incapacidade. É que nesses casos a grande maioria dos juízes, senão todos, uma vez provadas a incapacidade e a qualidade de segurado do autor à época em que se tornou incapaz, concedem a antecipação da tutela no momento da prolação da sentença. Assim, cai por terra a suposta vantagem que o autor teria em aceitar a oferta do INSS, pois o benefício será implantado imediatamente mesmo à míngua de acordo.

Em outras palavras, como o INSS não se dispõe a pagar 100% das prestações atrasadas, mas apenas um montante que varia entre 70% e 90% desse valor e, ainda assim, via requisição judicial, o autor tem pouco estímulo para firmar a conciliação, presente a antecipação de tutela. Poder-se-ia argumentar que, não havendo a conciliação, há a possibilidade de a sentença ser modificada pela Turma Recursal. Contudo, essa possibilidade é muito remota nesses casos, já que a incapacidade foi provada, por definição, por meio da perícia realizada em juízo, até porque, quando essa perícia não é favorável ao autor, o INSS não faz qualquer tipo de proposta de acordo.

O outro problema reside no fato de que as propostas de conciliação precisam ser estendidas a todos os casos, ou seja, a todos os benefícios, em vez de ficarem restritas, com honrosas exceções, aos benefícios por incapacidade e, mesmo assim, depois de provadas a incapacidade do autor e a sua qualidade de segurado, vale dizer, depois de demonstrado que será proferida uma sentença de procedência. Ou seja, atualmente o INSS oferece uma proposta de “conciliação” apenas quando tem certeza de que vai perder a demanda e, então, aproveita para tirar do autor uma parte daquilo que ele tem direito, jogando com a situação de desespero em que ele se encontra.

O objetivo de estender as conciliações a todas as demandas previdenciárias seria mais facilmente alcançado se o INSS seguisse a orientação jurisprudencial já pacificada sobre determinadas matérias, procedimento, aliás, que deveria ser seguido pela cúpula da Administração ao editar seus inúmeros atos normativos, o que evitaria a judicialização da matéria. Afinal, se cabe ao Poder Judiciário dar a correta interpretação da legislação vigente, deveria a Administração segui-la de pronto.

Dando como exemplo o entendimento pacífico dos pretórios sobre a possibilidade de apresentação de documento em nome dos pais como prova do tempo de atividade rural em regime de economia familiar (Lei 8.213/91, art. 11, VII e parágrafo único), José Antonio Savaris afirma(21):

“O passo seguinte da nossa hipótese se opera no âmbito do Poder Judiciário. Porque a Administração recalcitra contra a interpretação da lei definitivamente oferecida pela jurisprudência – no sentido de que é viável a utilização de documentos em nome de terceiros para a satisfação da exigência de prova material – não fosse suficiente o desrespeito que expressa ao que é definido pelo Judiciário, impõe-lhe a atribuição de reafirmar o que sempre afirma – isto é, que reconhece a documentação antes mencionada como prova material – e ainda lhe obriga a produzir prova testemunhal, conhecer originariamente a questão concernente ao exercício da atividade especial (com produção de prova pericial se for o caso), elaborar cálculos para a definição da renda mensal inicial e expedição de requisição de pagamentos.”

Concorda-se com Savaris também quando ele diz(22):

“Percebe-se do cotidiano que ao procurador da autarquia federal não interessa entrar em acordo porque isso constitui postura discricionária com potencialidade de expô-lo à eventual supervisão do ato. Nutre-se a ideia de que, sem uma pauta bem definida para transação, a exposição à auditagem representa um custo excessivo, um risco desproporcional se comparado aos efeitos da postura mecânica de exaurir toda possibilidade de recurso. Aliás, a lógica do mau pagador é ainda o paradigma de atuação do Poder Público em juízo.”

Nota-se que a questão de fundo volta a ter relação com uma atuação administrativa, em juízo e fora dele, que vise, exclusivamente, à realização dos interesses públicos primários, procedimento que reduziria bastante o número de processos judiciais e, em juízo, facilitaria a realização de audiências de conciliação exitosas.

Conclusão

O processo no âmbito dos Juizados Especiais Federais é regido pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Trata-se de um microssistema em que não há lugar para privilégios em favor da Fazenda, até porque as causas têm valor limitado a sessenta salários mínimos. Agreguem-se a essas razões as disposições dos artigos 219, 277 e 285 do CPC, bem como as dos artigos 9º e 12 da Lei 10.259/01, e concluir-se-á que não existe lastro jurídico para que o ato de citação do INSS seja postergado para depois da realização da prova pericial nos feitos cujo escopo é a concessão de um benefício oriundo de incapacidade laborativa (auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e benefício assistencial de prestação continuada instituído pela Lei 8.742/93).

Do mesmo modo, não há que se cogitar da aplicação do art. 320, II, do CPC, na hipótese em que o INSS deixa de ofertar contestação ou o faz de modo genérico, em descompasso com o disposto pelo art. 302 do CPC. Configuram-se aí todos os efeitos da revelia, o que equivale a dizer que o juiz está autorizado a proferir sentença de mérito imediatamente, sem que isso configure error in procedendo, desde que ele esteja convencido de que os documentos que instruem a petição inicial são suficientes, em face da revelia da autarquia, para confirmar (ou negar) a presunção (relativa) de veracidade dos fatos nela articulados. Por outro lado, ausente tal convencimento, num ou noutro sentido (procedência ou improcedência do pedido), poderá o juiz, a seu critério, determinar a produção de provas, tal como preveem os artigos 5º, 6º e 20 da Lei 9.099/95, combinados com o artigo 1º da Lei 10.259/01. Em suma, a configuração da revelia não implica necessariamente a prolação de uma sentença de procedência, todavia, acaso proferida de pronto, não há razão para a sua anulação pela Turma Recursal, que deverá simplesmente baixar os autos em diligência para a produção de alguma prova que entenda necessária ao julgamento de eventual recurso.

Por seu turno, o incremento das conciliações no âmbito dos Juizados Especiais Federais Previdenciários depende principalmente de uma mudança na postura do INSS, no sentido de observar exclusivamente os interesses públicos primários e deixar de lado os interesses meramente econômicos e, portanto, secundários, que não lhe cabe perseguir à moda do que faria um particular.

Referências bibliográficas

BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Juizados especiais federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

______. Revelia nos juizados especiais estaduais e federais. Revista de Processo nº 109. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.

PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados especiais federais cíveis. Questões de processo e de procedimento no contexto do acesso à Justiça. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008.

TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, José Dias. Juizados especiais federais cíveis e criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

Notas

1. Art. 2º da Lei 9.099/95 c/c art. 1º da Lei 10.259/01. O processo orientar-se-á pelos critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que possível, a conciliação ou a transação.

2. Art. 319. Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor.

Art. 320. A revelia não induz, contudo, o efeito mencionado no artigo antecedente:

I – se, havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;

II – se o litígio versar sobre direitos indisponíveis;

III – se a petição inicial não estiver acompanhada do instrumento público, que a lei considere indispensável à prova do ato.

Art. 321. Ainda que ocorra revelia, o autor não poderá alterar o pedido, ou a causa de pedir, nem demandar declaração incidente, salvo promovendo nova citação do réu, a quem será assegurado o direito de responder no prazo de 15 (quinze) dias.

Art. 322. Contra o revel que não tenha patrono nos autos, correrão os prazos independentemente de intimação, a partir da publicação de cada ato decisório.

Parágrafo único. O revel poderá intervir no processo em qualquer fase, recebendo-o no estado em que se encontrar.

3. BRASIL. Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 6ª Turma. APELREEX nº 2003.04.01.012858-0. Relator: Juiz Federal José Francisco Andreotti Spizzirri. DE, 21.10.2009.

4. PEREIRA, Guilherme Bollorini. Juizados Especiais Federais Cíveis. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 170.

5. TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JUNIOR, José Dias. Juizados Especiais Federais Cíveis e Criminais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. p. 313.

6. Eis o teor do verbete nº 256 da jurisprudência do extinto Tribunal Federal de Recursos: A falta de impugnação dos embargos do devedor não produz, em relação à Fazenda Pública, os efeitos da revelia.

7. BRASIL. 1ª Turma Recursal/DF. Processo nº 2002.34.00.705924-3. Relator: Juiz Federal Marcus Vinícius Reis Bastos. DJDF, 26.08.2003.

8. Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.

Parágrafo único. Os representantes judiciais da União, autarquias, fundações e empresas públicas federais, bem como os indicados na forma do caput, ficam autorizados a conciliar, transigir ou desistir, nos processos de competência dos Juizados Especiais Federais.

9. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 65-66.

10. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Juizados Especiais Federais. Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 1 e 2.

11. Ob. cit., p. 85.

12. BRASIL. 1ª Turma Recursal/DF. Processo nº 2004.34.00.701707-9. Relatora: Juíza Federal Lilia Botelho Neiva Brito. DJDF, 16.04.2004.

13. Aplicáveis ao JEF por força do art. 1º da Lei 10.259/01: São instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais da Justiça Federal, aos quais se aplica, no que não conflitar com esta Lei, o disposto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995.

14. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não.

15. CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Revelia nos Juizados Especiais Estaduais e Federais. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, a. 28, n. 109, jan./mar. 2003, p. 57-62.

16. Trata-se de Resolução do Tribunal Regional Federal da 2ª Região.

17. Fórum Nacional dos Juizados Especiais Federais. Disponível na Internet via http://www.ajufe.org.br. Acesso em: 22 nov. 2009.

18. Art. 14, caput, da Lei 10.259/01 (destaquei): Caberá pedido de uniformização de interpretação de lei federal quando houver divergência entre decisões sobre questões de direito material proferidas por Turmas Recursais na interpretação da lei.

19. Ob. cit, p. 59-64.

20. Proposta de acordo oferecida pelo INSS no processo nº 2009.70.50.002496-5, que tramitou perante a 2ª Vara do JEF Previdenciário de Curitiba.

21. SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008. p. 168.

22. Ob. cit., p. 125.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2010. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS