Breve histórico da Justiça Federal


Autor: Rafael Soares Souza

Juiz Federal Substituto, especialista em Direito Processual Civil

publicado em 29.10.2010

Resumo: Aduz que a Justiça Federal não nasceu e se consolidou de pronto, e sim que foi objeto de uma lenta e gradual evolução, cercada de polêmicas e repetidas tentativas de sua extinção. Divide a história da Justiça Federal em três momentos: (a) da República Velha até o Estado Novo, com sua extinção em 1937; (b) sua recriação pelo Ato Institucional nº 2/1965, em pleno Regime Militar; (c) o período após a Constituição de 1988. Conclui que só com a Constituição de 1988 que a Justiça Federal efetivamente integrou-se à realidade brasileira e aproximou-se do jurisdicionado.

Palavras-chave: Direito Constitucional. Justiça Federal. História.

Sumário: Introdução. 1 Primeira fase: da República Velha até o Estado Novo. 1.1 As bases da criação da Justiça Federal – 1890 até a Constituição de 1934. 1.2 A jurisdição na prática durante a Primeira Fase. 1.3 A Constituição de 1934 e a extinção da Justiça Federal. 2 Segunda fase: do ressurgimento no Regime Militar aos trabalhos na Constituinte. 2.1 O ressurgimento da primeira instância. 2.2 Os trabalhos durante a Constituinte e a “cria da ditadura”. 3 O período após a Constituição de 1988 até os dias de hoje. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Não é exagero dizer que litigar na Justiça Federal é uma trivialidade. Pessoalmente, no caso do Juizado, ou sob o patrocínio de um advogado nos demais casos, o interessado vai até a vara federal e apresenta seu pedido. Tratando-se de unidade com processo virtual, o comparecimento pessoal é substituído por um “click” na Internet. Na sequência, aguarda o resultado, alimentando a esperança de um julgamento justo (fair trial), feito por um juiz regularmente investido, cuja conclusão será explicada numa decisão fundamentada.

Entrementes, nem sempre foi assim. Houve um tempo em que acionar um ente federal era um risco para a parte, seu advogado e até para o magistrado, a depender do teor da decisão proferida.

O escopo deste trabalho é justamente apresentar um breve histórico da Justiça Federal dos idos de 1890 até hoje. Privilegiar-se-á sua repercussão concreta na instituição na sociedade civil e na história do Brasil, em detrimento da exclusiva – e tediosa – crítica das mutações legais. Sempre que possível, lançar-se-á mão de casos julgados cujos registros chegaram até os nossos dias.

Para fins didáticos, a história da Justiça Federal será fracionada em três fases. A primeira vai de sua criação em 1890 até sua extinção na Era Vargas, em 1937. A segunda, de sua reinstalação em 1965, pelo Governo Militar, até a Constituição de 1988. A derradeira, o período posterior à Carta de Outubro até os dias atuais.

1 Primeira fase: da República Velha até o Estado Novo

1.1 As bases da criação da Justiça Federal – 1890 até a Constituição de 1934

O Poder Judiciário em geral, e o Federal em específico, somente se fez político com a República. A partir desta cresceram as suas atribuições, passando a fazer o controle de constitucionalidade das leis, controle difuso, segundo o modelo norte-americano, e o controle da Administração Pública.(1)

Como sabido, a República Provisória,(2) assim como a independência, foi fruto de um golpe, e não do anseio popular. Literalmente, do dia para a noite, o país declarou-se independente e, posteriormente, republicano. Não convém distinguir as incontáveis causas da queda da monarquia, sendo bastante a menção de que a parcela mais abastada da sociedade ansiava por mais liberdade, passando a questionar certas escolhas, como a malfadada Guerra do Paraguai – que arruinou as finanças da nação(3) –, o fim do sistema escravocrata – sem indenização pela perda da propriedade dos escravos – e, finalmente, a participação na luta pelo poder – ambição acomodada no coração da oligarquia cafeicultura ascendente. Eis aí, também, as raízes do coronelismo.

Foi marcante a influência dos Estados Unidos da América com o famoso Judiciary Act of 1789, sobretudo no concernente à importação de instituições que naquele país nasceram de pelejas políticas, mas que no Brasil receberam o tratamento inverso, da pena do legislador para o mundo real. Não é a toa que uma das alcunhas pejorativas da época identificava o novo regime como a “República dos Bacharéis”: boas intenções iluminadas pelos valores liberais e por construções teóricas que não sobreviveriam à práxis política. Por exemplo, veja-se o sistema difuso de constitucionalidade, no Brasil, criado pela via legislativa; nos Estados Unidos, fruto do precedente do famoso “Marbury v. Madison”, de 1803.

As razões que justificaram a criação da Justiça Federal estão descritas na Exposição de Motivos do Decreto nº 848, de 11.10.1890, da lavra de Manuel Ferraz de Campos Salles, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios da Justiça:

“O principal, senão o único intuito do Congresso na sua primeira reunião, consiste sem dúvida em colocar o poder publico dentro da legalidade. Mas esta missão ficaria certamente incompleta se, adotando a Constituição e elegendo os depositários do poder executivo, não estivesse todavia previamente organizada a Justiça Federal, pois que só assim poderão ficar a um tempo e em definitiva constituídos os três principais órgãos da soberania nacional. [...] Mas o que principalmente deve caracterizar a necessidade da imediata organização da Justiça Federal é o papel de alta preponderância que ela se destina a representar, como um órgão do poder no corpo social.
Não se trata de tribunais ordinários de justiça, com uma jurisdicção pura e simplesmente restricta à aplicação das leis nas múltiplas relações do direito privado. A magistratura que agora se instala no país, graças ao regime republicano; não é um instrumento cego ou mero interprete na execução dos actos do poder legislativo. Antes de aplicar a lei, cabe-lhe o direito de exame, podendo dar-lhe ou recusar-lhe sancção se ela lhe parecer conforme ou contrária à lei orgânica.

O poder de interpretar as leis, disse o honesto e sábio juiz americano, envolve necessariamente o direito de verificar se elas são conformes ou não à constituição, e neste último caso cabe-lhe declarar que elas são nulas e sem efeito. Por esse engenhoso mecanismo consegue-se evitar que o legislador, reservando-se a faculdade da interpretação, venha a colocar-se na absurda situação de juiz em sua própria causa.(4)

[...] De resto, perante a justiça federal dirimem-se não só as contendas que resultam do direito civil, como aquelas que mais possam avultar na elevada esfera do direito público.

Isto basta para assinalar o papel importantíssimo que a constituição reservou ao poder judiciário no governo da República. Nele reside essencialmente o princípio federal; e da sua boa organização, portanto, é que devem decorrer os fecundos resultados que se esperam do novo regime, precisamente porque a República, segundo a máxima americana, deve ser o governo da lei.”(5)

Em suma, a ideia por trás do Decreto nº 848 era a limitação do poder do Estado, colocando-o dentro da legalidade e dos ditames da futura Constituição Republicana. Partindo da premissa segundo a qual a concentração de poderes é inversamente proporcional à possibilidade real de controle, criou-se a dualidade entre União e Estados-membros, com os correlatos poderes, inclusive o Judiciário. O controle dos poderes Executivo e Legislativo se daria pelo Judiciário, conceitualmente, no primeiro caso, pelas demandas que a jurisdição seria provocada a decidir e, no segundo caso, pelo recém criado controle de constitucionalidade difuso, de raiz estadunidense.

A toda evidência, tratava-se de uma ideia inovadora, posto que o Poder Judiciário do Império não tinha nenhuma expressão política, limitando-se a dirimir controvérsias de direito privado. Conferir à Justiça Federal o poder de ser fiadora da própria Lei Suprema, em face de atos legislativos ou administrativos que a afetavam, faria o Judiciário preservar as próprias instituições republicanas, pela contenção dos demais poderes nas suas órbitas estritas de ação e pela garantia ao indivíduo da sobrevivência dos seus direitos, fossem quais fossem as prevenções contra eles armadas.(6)

Mas a instituição de todo um novo ramo do Judiciário era tecnicamente controversa, tendo em vista que o modelo de justiça unificada, a cargo dos estados-membros, tinha diversos e ardorosos defensores. Dizia-se na época:

“Que tantas e tão importantes atribuições são as dos juízes federais – perguntava-se o Senador Tavares Bastos – que não possam ser acumuladas pelos juízes de direito? Que litígios são esses entre um Estado e o cidadão [...] que não mais de cinquenta anos nunca se deram no país, capazes de entreter a atividade de um juiz federal, e que justifique a sua criação especial e a enorme despesa que com essa magistratura se fará.”(7)

A Constituição de 1891 inovou pouco diante do já desenhado no Decreto nº 848. Concentrou-se a jurisdição nas mãos do Poder Judiciário, extinguindo o contencioso administrativo e o Conselho de Estado.(8) Porém, o exame dos elementos do ato administrativo foi tímido a princípio, até culminar com a verificação da existência e da legalidade dos motivos, da validade da prova e da legitimidade dos fins realmente colimados pela Administração.

A primeira Constituição Republicana seguia formulação semelhante à da atual no que tange à delimitação da competência da Justiça Federal, especificando-a casuisticamente. O restante, por exclusão, competiria à Justiça Estadual.

Cabia à Justiça Federal processar e julgar as causas: (a) em que alguma das partes fundasse a ação ou defesa em disposição da Constituição Federal; (b) todas as causas propostas contra a União ou Fazenda Nacional, fundadas em disposições da Constituição, leis ou regulamentos do Poder Executivo, ou em contratos celebrados com o mesmo governo; (c) provenientes de compensações, reivindicações, indenização de prejuízos ou quaisquer outras, propostas pelo governo da União contra particulares ou vice-versa; (d) os litígios entre um Estado e cidadãos, ou entre cidadãos estrangeiros e cidadãos brasileiros; (e) a ação movida por estrangeiros e fundada quer em contratos com o governo da União, quer em convenções ou tratados da União com outras nações; (f) as questões de direito marítimo e navegação, tanto no oceano como nos rios e lagos do país; (g) as questões de direito criminal ou civil internacional; (h) os crimes políticos.(9) O Supremo Tribunal Federal funcionava como segunda instância da Justiça Federal [art. 59, II, da Constituição de 1891].

Colimando evitar conflitos e invasões de competência entre as Justiças Estadual e Federal, o art. 62 da Constituição de 1891 foi expresso no sentido de que as justiças dos Estados não poderiam intervir em questões submetidas aos juízes e tribunais federais, nem anular, alterar ou suspender as suas sentenças ou ordens.

A organização da primeira instância, cuja consolidação normativa foi feita pelo Decreto nº 3.048/1898 era assim dividida: (a) juízes seccionais, um para cada Estado-membro e dois para o Distrito Federal, assim como respectivos substitutos; (b) juízes suplentes, em número de três, nas sedes dos juízes seccionais; (c) Tribunais do Júri Federal, cuja competência era bastante dilatada,(10) bem diversa da atual, limitada que é para os crimes contra vida, tentados ou consumados.

1.2 A jurisdição na prática durante a primeira fase

Em que pese o otimismo inicial da intelectualidade da época, os ideais teóricos foram sendo subjugados pouco a pouco, com a inevitável concentração de poder em torno do Chefe do Executivo. Vivia-se num contexto historicamente turbulento, com revoltas populares e sob influxo de ideias revolucionárias trazida por estrangeiros [comunismo, anarquismo, etc.]. Não é a toa que uma das designações deste tempo inicial era o de “República da Espada.”

Temia-se também que a novel Justiça Federal viesse a ser um mero capacho do regime, temor robustecido pela forma de recrutamento dos magistrados: indicação pelo Supremo Tribunal Federal e escolha pelo Presidente da República [art. 6º das Disposições Transitórias da Constituição de 1891], ou seja, moeda de troca política. Também não havia um mínimo de estrutura para funcionamento da mesma, e já em 1921, havia a intenção de sua precoce ampliação. O Decreto-Lei nº 4.381 de 1921, por exemplo, criou três tribunais federais, que jamais foram instalados.

O juiz seccional constituía um dos elementos de tensão da Política dos Governadores, pois as garantias constitucionais do seu cargo [vitaliciedade e inamovibilidade] excluíam a possibilidade de demissão do ocupante do cargo de juiz seccional após a derrubada de uma oligarquia. O juiz seccional permaneceria no seu cargo e poderia, por exemplo, conceder uma ordem de habeas corpus para a oligarquia destituída, cujo desrespeito seria um pretexto para a requisição da intervenção federal. Porém, a concessão ao juiz seccional das forças federais requisitadas só ocorreria se o Presidente da República apoiasse a oligarquia destituída. Caso contrário, o Presidente da República respondia ao juiz seccional que requisitasse ao presidente do estado a força militar, quando era precisamente este quem estava desobedecendo a sentença. Outras vezes, era concedida força federal insuficiente, ou esta recebia ordens para dirigir-se lentamente ao local dos conflitos, etc. Quando o governo federal tinha por objetivo derrubar a oligarquia dominante no estado, ocorria exatamente o oposto.(11)

O controle das nomeações pelas oligarquias estaduais, como parte da Política dos Governadores, somava-se à organização bastante precária dos juízes seccionais e às restrições impostas legalmente ao seu papel de servirem de garantia aos direitos políticos, enquanto intérpretes da Constituição. Assim, se algum juiz seccional tivesse a veleidade de afrontar alguma das oligarquias estaduais sem o apoio de outra, ou do governo federal, sua ação seria inútil, devido à ausência de meios materiais com que pudesse contar para efetivá-la. Além disso, os seus suplentes, leigos e sem remuneração, eram nomeados pelo presidente, a partir da indicação das próprias oligarquias, o que garantia a ineficácia da ação da Justiça Federal no interior do país.(12) Data deste período o assassinato do juiz federal Lucrécio Dantas Avelino, supostamente em ato de vingança pelo fato desse magistrado ter condenado pessoas influentes em Teresinha/PI.(13)

Para os padrões da época, demanda, sem dúvida, existia, pois a tendência dita judiciarista para a solução de conflitos do brasileiro há muito é sentida e se manifestou na Primeira República.(14)

As principais fontes de pesquisa deste período derivam dos arquivos do Supremo Tribunal Federal, a segunda instância federal, que serviram de matéria-prima para o trabalho da historiadora Lêda Boechat Rodrigues.(15) Há poucos registros quanto à primeira instância, exceção feita a estudo nos arquivos da Justiça Federal do Rio de Janeiro feito em convênio com a Universidade Federal Fluminense – UFF, que analisou, catalogou e tabulou dados de milhares de processos do período de 1890 a 1937.

O estudo da UFF concluiu que a demanda pela prestação jurisdicional era intensa no início da República, rareando conforme o Século XX ia avançando e as tendências ditatoriais se avolumando. Dentre o catálogo das causas da época podem ser citadas: (a) a insurgência contra a cobrança de elevadas taxas para pilotos de barcas exercerem seu mister no Rio de Janeiro; (b) a exigência de multas e o exercício do poder de polícia com intuito persecutório, em face dos puxadores de carrinho de mão [numa espécie de primitiva tutela jurisdicional coletiva]; (c) uma pretensão de um brasileiro que, por motivos ideológicos, objetivava ver declarado seu direito de, ao preencher ficha de imigração nos Estados Unidos, declarar-se de cor branca, muito embora fosse um cidadão negro,(16) etc.

Uma das contribuições mais notáveis do período foi a consolidação da doutrina do habeas corpus. Apesar de evidente desvio de sua finalidade original(17) – mesclada com ações possessórias e mandado de segurança – teve-se o bom senso de, numa liberdade quase poética, alargar o citado remédio, em nome da garantia de uma tutela jurisdicional adequada em face da Administração Pública. Mencionada garantia, num tempo em que não existia o mandado de segurança era impetrada para os mais diversos fins, como para assegurar o direito ao voto; obstar a censura a publicações diárias, inclusive pornográficas; a manutenção de cargo público por força de participação na Revolta da Armada e da Chibata; e, notadamente, para obstar a expulsão de estrangeiros, principalmente russos e alemães, considerados nocivos – subversivos – aos interesses nacionais e à ordem pública,(18) algo banal no início do século passado, dado o pavor de que as ideias marxistas granjeassem algum apelo no Brasil.

Falando em perseguições, o início do Século XX coincide com a preocupação sanitarista no município do Rio de Janeiro. Imbuídos pelas ideias de Oswaldo Cruz, inúmeras obras de saneamento e reurbanização foram levadas a cabo, assim como intensificada a fiscalização da vigilância sanitária. Data desta época as primeiras vacinações em massa, fatos que causaram a Revolta da Vacina [1904]. Havia pouca ou nenhuma informação, bem como truculência por parte do Poder Público, que cobrava taxas sanitárias extorsivas [consignadas em juízo via ação de depósito], para não falar de atos administrativos com evidente desvio de poder, praticados sob o pretexto declarado de promover melhorias sociais e reurbanização da então Capital Federal. Sobre o tema, escreveu um advogado da época, em peça processual:

“[...] Dessa forma, o inconstitucional Regulamento Sanitário em vez de consultar os interesses da higiene em benefício da coletividade, transformou-se, nas mãos dos Inspetores Sanitários e de outros funcionários da Saúde Pública, numa arma de despeito e de vingança. Em contraste com as vexatórias exigências nos prédios regularmente construídos, os representantes da Saúde Pública olvidam completamente os casebres e barracões de tábuas e folhas de flandres, que puluam sem luz, sem estética e sem higiene nos Morros e Favelas de S. Antonio (vide fotografia).

Embora a Constituição assegure em toda a sua plenitude o direito de propriedade, pretende-se prejudicar o suplicante por meio de um falso pretexto.(19)

As demandas pedindo indenização em face do Estado também eram recorrentes. Precedentemente à consolidação da doutrina da responsabilidade civil do Estado no estrangeiro, no Brasil, já por influência da Escola Francesa, admitia-se tal doutrina, contrariando a máxima de irresponsabilidade materializada no adágio The King can do no wrong. A jurisprudência precedeu a previsão legislativa e, aparentemente, a inspirou. Para se ter ciência de quão moderna para época era tal doutrina, suficiente trazer a lume que, por exemplo, os Estados Unidos da América e a Inglaterra só passaram a admitir a responsabilidade civil estatal muito depois, na década de quarenta, por meio do Federal Tort Claim Act, de 1946 e do Crown Proceeding Act, de 1947, respectivamente.

Na esfera criminal a persecução detinha-se no mais das vezes contra crimes de falsidade ideológica, moeda falsa, contrabando e descaminho, os quais eram julgados pelo Júri Federal [art. 40 do Decreto 848/1890 e art. 82 do Decreto 3.084/1898].

Porém, não se pode ter ilusões quanto à [in]dependência do Judiciário e à [falta] de autonomia dos magistrados federais. O Decreto 848 previa a garantia de vitaliciedade e inamovibilidade dos magistrados [art. 2º], mas a Constituição de 1891 afastou a inamovibilidade [art. 57]. Ou seja, a qualquer momento um juiz poderia ser transferido para qualquer ponto do país, sem poder opor resistência alguma, algo bastante assustador, dada a imensa extensão territorial do Brasil. Era a época do “Marechal de Ferro” Floriano Peixoto, das prisões políticas, das revoltas populares, dos massacres, como os de Anhatomirim, em Santa Catarina. Processar a União poderia representar um perigo concreto tanto para a parte demandante como para o magistrado envolvido. Ademais, é altamente questionável que um governo instituído e mantido pela força das armas houvesse de respeitar uma determinação de um juiz, numa ordem que nada mais era que um papel assinado. Se hodiernamente, num Estado de Direito consolidado ainda existe muita recalcitrância, o que dizer daqueles tempos?

Em suma, após alguma procura inicial, a Justiça Federal teve sua demanda paulatinamente reduzida, tanto pelo endurecimento do regime político como por seus próprios defeitos internos, como estrutura insuficiente, falta de pessoal e a demora daí decorrente. Serviu ao propósito de alguns, mas a universalidade da jurisdição era um princípio inatingível e a prestação jurisdicional, uma mera eventualidade, um acidente ao sabor das circunstâncias. Tanto era assim que, ao criticar essa lamentável inoperância institucional, Aliomar Baleeiro afirmou que o órgão que, de 1892 a 1937, mais faltou à República foi o Supremo Tribunal Federal(20) [e, de arrasto, o Judiciário Federal], posto que a enunciação de direitos fundamentais na Carta de 1891 foi convertida em pura retórica.

1.3 Na Constituição de 1934 e a extinção da Justiça Federal

Na Constituição de 1934, a competência da Justiça Federal estava prevista no art. 81, o qual previa as seguintes hipóteses: (a) as causas em que a União for interessada como autora ou ré, assistente ou oponente; (b) os pleitos em que alguma das partes fundar a ação ou a defesa, direta e exclusivamente em dispositivo da Constituição; (c) as causas fundadas em concessão federal ou em contrato celebrado com a União; (d) as questões entre um Estado e habitantes de outro, ou domiciliados em país estrangeiro, ou contra autoridade administrativa federal, quando fundadas em lesão de direito individual, por ato ou decisão da mesma autoridade; (e) as causas entre Estado estrangeiro e pessoa domiciliada no Brasil; (f) as causas movidas com fundamento em contrato ou tratado do Brasil com outras nações; (g) as questões de Direito marítimo e navegação no oceano ou nos rios e lagos do País, e de navegação aérea; (h) as questões de Direito Internacional Privado ou Penal; (i) os crimes políticos e os praticados em prejuízo de serviço ou interesses da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral ou Militar; (j) os habeas corpus, quando se tratar de crime de competência da Justiça federal, ou quando a coação provier de autoridades federais, não subordinadas imediatamente à Corte Suprema; (k) os mandados de segurança contra atos de autoridades federais; (l) os crimes praticados contra a ordem social, inclusive o de regresso ao Brasil, de estrangeiro expulso.

Em contrapartida, a Constituição de 1937 menciona a Justiça Federal apenas duas vezes, nas Disposições Transitórias Finais, para extingui-la,(21) o que foi operacionalizado pelo Decreto-Lei nº 2.139, de 16 de novembro de 1937. Os funcionários foram aposentados ou postos em disponibilidade e os processos, remanejados à Justiça Estadual, com suspensão da prescrição para as ações penais neste período transitório [art. 13 do Decreto-Lei nº 2.139/37].

A razão da extinção não é facilmente compreensível, afinal, se o Judiciário Federal da época era institucionalmente fraco, subserviente e praticamente decorativo, qual a razão para se dar ao trabalho de modificar de forma tão ampla toda sua estrutura? A explicação mais tradicional tem em mira a lógica natural de concentração de poder num regime ditatorial. Nesse sentido, veja-se discurso proferido pelo Ministro Aldir Passarinho:

“É de se consignar que ao ensejo da Revolução de 1930 tentativa foi feita no sentido de supressão daquele dualismo, o que entretanto não chegou a ser acolhido na Constituição de 34 de nossa parte, data venia. Fomos inclinados a entender que a nova ordem política implantada em 1937 julgava incômoda a permanência de uma tal Justiça, a qual, segundo Ruy, era ‘a justiça posta de guarda à Constituição contra as usurpações do Presidente e as invasões das maiorias legislativas’.”(22)

E conclui:

“Seria, assim, preferível deixar que assuntos intimamente ligados ao interesse da União fossem processados e julgados na Justiça Estadual, procurando-se, desse modo, detergir quaisquer embaraços ao sistema que então se impunha à Nação Brasileira. E não é de esquecer que logo se seguiram as nomeações dos Interventores para os Governos dos Estados, meros delegados, portanto, do Poder Central. Mas não surtiu por certo tal medida o desejado efeito, pela dignidade e elevação com que se comportaram os juízes brasileiros na alta compreensão do inigualável sentido do seu nobilitante ofício.”(23)

Outra opinião vem do Juiz José Castro Meira, ao tingir a Justiça Federal da época com as seguintes cores:

“É oportuno observar que a Justiça Federal não sucumbiu apenas por mero capricho ou como resultado de uma decisão do Estado Autoritário que se instalava, sua extinção foi consequência de suas próprias deficiências. Dela tudo se criticava. Sua estrutura era imprestável. Era excessivamente lenta. As custas cobradas eram exorbitantes. Tudo isso dificultava em muito o acesso do cidadão ao Judiciário Federal. Além disso, os processualistas acentuavam que sua existência acarretava incerteza no ajuizamento das ações e contínuo aparecimento de conflitos. Disso se aproveitavam muitos advogados que conseguiam retardar o julgamento de feitos mediante a arguição de conflitos que deviam ser submetidos a julgamento pela Suprema Corte, logrando obter um retardamento na decisão dos processos, com sensível desgaste para o prestígio.”(24)

Praticamente não há registros da repercussão da extinção da Justiça Federal. Em artigo publicado logo após a outorga da Carta de 1937, Pontes de Miranda atribui as drásticas modificações, notadamente no Judiciário, às necessidades do realismo político impostos pelo momento então delicado.(25) A extinção também foi comemorada sob o ponto de vista da redução do gasto público.(26)

Polêmicas à parte, a jurisdição federal só foi parcialmente restabelecida com a Constituição de 1946, que criou o Tribunal Federal de Recursos [art. 94, II, da Constituição], removendo a competência recursal do Supremo Tribunal Federal.

2 Segunda fase: do ressurgimento no Regime Militar aos trabalhos na Constituinte

2.1 O ressurgimento da primeira instância


Ao vir à luz o Ato Institucional nº 2/1965, o Governo Revolucionário recriou a Justiça Federal, medida aplaudida por alguns por ser restabelecedora do equilíbrio federativo, “[...] numa clara determinação do Governo Revolucionário do eminente Marechal Castelo Branco, de manter a independência e harmonia dos Poderes, dentro das respectivas órbitas da nossa divisão política”(27) e vista com ceticismo pela esmagadora maioria, uma vez que temia-se a instituição de uma “Justiça do Rei”, “cria da ditadura”. À semelhança de 1891, os primeiros magistrados foram recrutados a critério do Presidente da República, dentre brasileiros de saber jurídico e reputação ilibada [art. 20 do Ato Institucional nº 2/65], ou, por outras palavras, sem critérios objetivos.
Ao mesmo tempo em que o Judiciário Federal era reinstalado na primeira instância, com uma competência bem semelhante à atual, as garantias da magistratura foram suspensas [então, vitaliciedade, inamovibilidade e estabilidade], bem como a exclusão da apreciação jurisdicional de atos praticados pelo Comando Supremo da Revolução e pelo governo, com sustentáculo no Ato Institucional nº 9, tudo nos termos dos artigos 105, 14 e 19 do Ato Institucional nº 2. Data desta época a Lei 5.010/66, ainda em vigor, que estrutura a Justiça Federal, dentre outras providências.

Como é perceptível, afora a restauração formal, os militares não desejavam intromissões nos temas mais relevantes, daí a falta de garantias para permitir o afastamento dos insurgentes e os inúmeros limites formais e materiais ao controle jurisdicional. Os formais já foram acima aduzidos e derivavam do arcabouço legal de então. Já os materiais eram a precária estrutura, a ausência de quadros, de magistrados, de equipamento, de colaboração do Executivo, etc. A proximidade do Judiciário Federal com o Regime Militar assustava muitos, que temiam sua extinção com a inevitável redemocratização.(28)

O movimento forense versava principalmente sobre matéria previdenciária, tributária e criminal, à exceção dos crimes políticos e dos que atentassem contra a Segurança Nacional, que eram objeto de apreciação da Justiça Militar.

De constante lembrança daquela época era a censura imposta aos meios de comunicação. Dizia o § 8º do art. 153 da Constituição de 1967, com redação conferida pela Emenda nº 1/69:

“§ 8º É livre a manifestação de pensamento, de convicção política ou filosófica, bem como a prestação de informação independentemente de censura, salvo quanto a diversões e espetáculos públicos, respondendo cada um, nos termos da lei, pelos abusos que cometer. É assegurado o direito de resposta. A publicação de livros, jornais e periódicos não depende de licença da autoridade. Não serão, porém, toleradas a propaganda de guerra, de subversão a ordem ou preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes.”

Não com certa hesitação inicial, prevaleceu o entendimento pela licitude da censura prévia, uma vez que fundada em ato cuja apreciação era excluída da alçada do Judiciário [Ato Institucional nº 2/65, art. 19]. A ementa fala por si, consoante se vê pela seguinte ementa oriunda do Supremo Tribunal Federal:

MANDADO DE SEGURANÇA. PRETENSÃO FUNDADA NO ART. 153, § 8º DA CONSTITUIÇÃO, VISANDO OBSTAR CENSURA À IMPRENSA, REVISTA ‘ARGUMENTO’. II. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA APRECIAR O WRIT, EM FACE DO DISPOSTO NO ART. 119, I, i DAQUELA CARTA, UMA VEZ QUE O ATO IMPUGNADO EMANOU DE ORDEM EXPRESSA DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA, PUBLICADA NO ÓRGÃO OFICIAL E RATIFICADA NAS INFORMACÕES III. FUNDADA A DETERMINAÇÃO PRESIDENCIAL NO ART. 9º DO ATO INSTITUCIONAL Nº 5/68, OCORRE OBSTÁCULO IRREMOVÍVEL A SUA APRECIAÇÃO JUDICIAL, POR FORÇA DE SEU ART. 11, C.C. OS ARTS. 182 E 181, I, DA CONSTITUIÇÃO. PEDIDO DE SEGURANÇA NÃO CONHECIDO.”(29)

Como se percebe, os assuntos mais relevantes para a sociedade da época estavam à margem do Judiciário como um todo, com algumas poucas exceções dignas de nota.

Um dos mais notáveis casos da época, pela relevância e pela coragem e, além disso, o primeiro reconhecimento oficial da tortura advém da morte de Vladimir Herzog, jornalista que veio a óbito em prisão do DOI/CODI, no ano de 1978. Versão oficial da causa mortis: suicídio. A família, inconformada, moveu ação de indenização em face da União, a fim de ter reconhecida a responsabilidade do Estado pelo óbito, sendo a mesma julgada procedente. Narra Vladimir Passos de Freitas:

“A sentença, noticiada pelos principais jornais do país, teve uma intensa e surda repercussão. Intensa porque era um gesto de ousadia condenar a União pela prática de um fato decorrente de investigações políticas. Afinal, jamais havia sido proferida sentença reconhecendo a responsabilidade do regime. Ademais, vivia-se sob a vigência do Ato Institucional nº 5 e, sem motivação, poderia o magistrado ser cassado. A repercussão foi de generalizado número de delações e represálias. O Juiz Márcio Moraes foi de coragem ímpar e discrição absoluta, recusando-se a dar entrevistas ou a ser fotografado.”(30)

Sem ilusões, a oposição ao regime era exceção, e não regra, a exemplo do que acontecia nos tempos da República Velha. A autonomia crescente, conforme a redemocratização se aproximava, incomodou certos setores do governo, e o debate sobre a [nova] extinção da Justiça Federal renasceu. Vale citar o testemunho de José Delgado:

“É realidade presente em todas as instituições: quando elas alcançam o seu patamar mais alto de credibilidade, só lhe resta suportar as investidas para diminuição dos efeitos produzidos pelas suas ações. A tentativa de esvaziamento da Justiça Federal foi uma consequência do seu crescimento. Começou com a Constituição de 1967, Emenda Constitucional nº 01 de 1969, quando foram criados, porém não instalados, os ‘contenciosos administrativos’. Os vários setores do Estado, aqueles não adeptos da aplicação do princípio da legalidade, começaram a verificar que a Justiça Federal estava impondo o cumprimento da lei pelos agentes públicos. Verificara, então, que por ela não se encontrar servindo aos seus interesses, necessário se fazia criar o ‘contencioso administrativo’, de origem francesa, que nada mais seria do que um tribunal administrativo composto por servidores públicos, sem as garantias dos membros do Poder Judiciário, para julgar os litígios dos servidores e dos contribuintes com o Estado. Era o próprio Poder Executivo julgando as causas do seu próprio interesse.”(31)

Havia queixas generalizadas de que a Justiça Federal era ainda cara e elitista e que os juízes federais abusavam do poder, alcunhados pelos desafetos de “nobres de pijama.”(32)

Conclui-se, portanto, que no Regime Militar, o Judiciário Federal esteve à margem das questões nacionais mais importantes, gozando de relativa autonomia somente no que não interessava ao Regime. Havia a pecha de se tratar de um serviço jurisdicional caro, pouco eficiente e destinado a poucos, com precariedade das instalações, do pessoal e sem interiorização, cujos resultados eram poucos e de pouca repercussão.

2.2 Os trabalhos durante a Constituinte: o fim da “cria da ditadura”?

Muito embora pareça pouco crível hoje, a extinção da Justiça Federal chegou a ser proposta na Assembleia Constituinte, tendo em vista principalmente: (a) que sua estrutura era claramente inadequada e inacessível ao jurisdicionado; (b) sua vinculação estreita com o Regime Militar e sua incompatibilidade com a democracia, do que adveio a alcunha de “cria da ditadura”; (c) que não havia independência.(33) Paulo Lúcio Nogueira listou os seguintes “pecados” da Justiça Federal:

“Já os pecados veniais ou perdoáveis da Justiça Federal de 1ª Instância são comuns às outras formas de justiça, pois todas padecem de defeitos estruturais; são morosas nas suas decisões e inacessíveis aos mais necessitados (por que os juizados de pequenas causas, chamados justiça do pobre?); são complacentes com os poderosos e rigorosas com os humildes; são formalistas nos seus procedimentos e controvertidas na sua aplicação; reclamam autonomia financeira, mas são parcimoniosas no emprego de recursos quando se trata de dinamizar a máquina judiciária, embora os esbanjem quando desfrutam de certas mordomias; alegam sempre volume excessivo de trabalho ou processos, mas se esquecem realmente de trabalhar, deixando o serviço acumular, porque entre uma distribuição equânime, há sempre aqueles que trazem o trabalho em dia (e justiça seja feita a essa minoria), enquanto o número sempre crescente não quer saber de trabalhar, mas de usufruir das funções.

[...]

No entanto, a Justiça Federal de lª Instância padece de um pecado capital ou mortal, que não existe nas demais Justiças, a não ser nas Juntas Trabalhistas Regionais, que é justamente sua centralização e seu distanciamento do povo, que deve ser o destinatário-mor da Justiça e que não tem merecido a devida atenção, pois nem mesmo os integrantes da Justiça Federal, nas suas manifestações públicas, têm tido a coragem de confessar publicamente esse pecado, embora tenham reconhecido os demais.”(34)

Sob o ponto de vista teórico, justificava-se que a jurisdição deveria ser una e indivisível, que sua fragmentação seria fonte interminável de atritos. Finalmente, que os casos de falta de independência dos magistrados estaduais eram pontuais, não havendo justificativa, sob o ponto de vista da isonomia ou da igualdade entre a magistratura federal e estadual, que a União mantivesse um Judiciário exclusivamente para si.(35)

Contudo, a ideia vencedora foi no sentido de que a lentidão, em alguns casos, da ordem de quinze anos, na primeira instância(36) e a falta de independência da Justiça Federal deveriam ser corrigidas com sua ampliação, profissionalização e autonomia orçamentária, tendo em vista que a demanda era superior à capacidade instalada.(37)

3 O período após a Constituição de 1988 até os dias de hoje

Feita a opção pela manutenção da Justiça Federal, esta foi totalmente reformulada.(38) Cada Estado-membro e Distrito Federal foi convertido em seção judiciária, com instalação de cinco Tribunais Regionais Federais no lugar do já exaurido Tribunal Federal de Recursos, que foi extinto. A competência jurisdicional foi estatuída no art. 109 da Constituição e, em linhas gerais, fixada em razão da pessoa [entes federais como a União, autarquias, empresas públicas, etc.] e da matéria. A competência para julgamento de crimes políticos voltou para a Justiça Federal de primeira instância, com recurso ordinário para o STF [art. 109, IV e 102, II, b]. Instituiu-se, finalmente, um órgão central, o Conselho da Justiça Federal, com atribuições administrativas e correcionais.

No princípio da década de noventa ainda restava quem insistisse na extinção da Justiça Federal,(39) que seguia desconhecida do grande público e da imprensa, de acordo com estudo encomendado pelo Conselho da Justiça Federal.(40) Tal estado das coisas só se modificou definitivamente com a progressiva interiorização e o início da era das demandas de massa, inicialmente previdenciárias e, depois, com o bloqueio dos cruzados novos, a atualização do FGTS e a devolução dos empréstimos compulsórios. Inéditas filas surgiram diante dos balcões das varas federais e, justamente por essa maciça procura, a Justiça Federal tomou um lugar só seu no sistema judiciário, deixando definitivamente para trás seus detratores.

Atualmente, tramitam seis milhões de processos na primeira instância, composta por pouco menos de mil varas federais.(41) A litigiosidade excessiva ainda não mostra sinais significativos de estabilização ou redução em curto prazo e tampouco a Administração Federal tem contribuído para a redução de demandas judiciais, por sua predileção litigiosa.

Conclusão

Há poucos registros sobre a história das instituições judiciárias ou dos homens por trás das mesmas. Não é tradição no Brasil a produção de estudos sobre a evolução do Judiciário ou das personalidades por trás de sua gestão, ou ainda sobre a contextualização da atuação jurisdicional ao longo da história do Brasil.

Indubitavelmente, a participação do Judiciário Federal ao longo do Século XX foi discreta, pela prevalência do Executivo nas relações de poder e pela quebra da legalidade em diversos momentos. Em verdade, só se pode falar em efetiva Justiça Federal após a Constituição de 1988, ou seja, há menos de vinte e dois anos.

Hoje, definitivamente, a Justiça Federal integra a vida diária do brasileiro. A interiorização, a informatização e a atualização processual, aliadas à evolução das doutrinas publicistas e à tutela coletiva de direitos, conduzem a uma mudança de paradigma cujas repercussões ainda não são vislumbráveis. Já as preocupações com a independência jurisdicional do “novo” ramo judiciário se dissiparam.

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Notas

1. NEQUETE, Lenine. O Poder Judiciário a partir da Independência. Brasília: Supremo Tribunal Federal, v. 3 2000, p. 4.

2. Falamos de um provisório de cento e quatro anos. É que a legitimação popular da forma de governo [república ou monarquia] só se deu com o plebiscito de 1989 [art. 2º do ADCT].

3. DORATIOTO, Francisco Fernando Monteoliva. Maldita guerra: nova história da Guerra do Paraguai. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 23.

4. BRASIL. Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890. Justiça Federal: legislação, Brasília, DF, 1993. p. 13-14.

5. BRASIL. Decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890, op. cit., 1993. p. 13-14.

6. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: organização e competência. Revista de Direito Administrativo, n. 200, p. 5, abr./jun. 1995.

7. NEQUETE, Lenine. Op. cit., p. 51.

8. “Ante os arts. 59 e 60 da nova Carta Política, é impossível achar-se acomodação no direito brasileiro para o contencioso administrativo.” BARBOSA, Rui. Comentários à Constituição Federal Brasileira. Rio de Janeiro, 1933, v. IV, p. 429.

9. Art. 60, letras a a i da Constituição de 1891.

10. Lei nº 221, de 30 de novembro de 1894. Art. 20. Compete ao Júri Federal o julgamento:

I. Dos crimes definidos pelo Código Penal, no Livro 2º, – tit. I e seus capítulos, e tit. II, Capítulo I;

II. De sedição contra funcionário federal ou contra a execução de atos e ordens emanadas de legítima autoridade federal, conforme a definição do art. 118 do Cód. Penal;

III. De resistência, desacato e desobediência à autoridade federal e tirada de presos do poder da justiça federal, segundo as definições dos capítulos 3º a 5º do tit. II do citado Livro do Cód. Penal;

IV. Dos crimes de responsabilidade dos funcionários federais que não tiverem foro privilegiado (tit. V do citado Livro);

V. Dos crimes contra a fazenda e propriedade nacional, compreendidos no capítulo único do tit. VII e no capítulo 1º do tit. XII do mesmo Livro;

VI. Dos crimes de moeda falsa, definidos no Capítulo 1º do tit. VI do mesmo Livro;

VII. De falsificação de atos das autoridades federais, de títulos da dívida nacional, de papéis de crédito e valores da nação ou de banco autorizado pelo Governo Federal;

VIII. Interceptação ou subtração de correspondência postal ou telegráfica do Governo Federal (Capítulo IV do tit. IV do mesmo Livro);

IX. Dos crimes contra o livre exercício dos direitos políticos, nas eleições federais ou por ocasião de atos a elas relativos (Capítulo 1º do tit. IV do mesmo Livro);

X. De falsidade de depoimento ou de outro gênero de prova em juízo federal (Secção IV do Cap. II do tit. VI do mesmo Livro);

XI. De contrabando definido no art. 265 do Código Penal;

XII. Os crimes definidos no titulo terceiro, primeira parte, da lei nº 35 de 26 de janeiro de 1892.

11. KOERNER, Andrei. O Poder Judiciário no sistema político da Primeira República. Revista da USP, n. 21, p. 58-69, mar/maio 1994.

12. KOERNER, Andrei. Op cit., p. 58-69.

13. TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO. Resgate histórico da Justiça Federal 1890 – 1937. Brasília, 2010, p.117-118.

14. VELLOSO, Carlos Mário da Silva. Do Poder Judiciário: organização e competência. Belo Horizonte: Del Rey, 1995. p. 219.

15. RODRIGUES, Lêda Boechat. História do Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1991. v. 4.

16. SAMPAIO, Maria da Penha Franco; BRANCO, Maria do Socorro; LONGHI, Patrícia. Autos da memória: a história brasileira no arquivo da Justiça Federal. Rio de Janeiro: UFF, 2006. p. 164-166.

17. Tutela da liberdade ambulatória, de ir e vir, repressiva ou preventivamente.

18. Era muito comum a acusação, de modo a desmoralizar o estrangeiro, de ser este praticante de lenocínio [explorador da prostituição].

19. SAMPAIO, Maria da Penha Franco; BRANCO, Maria do Socorro; LONGHI, Patrícia. Op. cit., p. 196.

20. BALEEIRO. O Supremo Tribunal Federal: esse outro desconhecido. Rio de Janeiro: Forense, 1968. p. 69.

21. Art 182. Os funcionários da Justiça Federal não admitidos na nova organização judiciária e que gozavam da garantia da vitaliciedade serão aposentados com todos os vencimentos se contarem mais de trinta anos de serviço, e se contarem menos ficarão em disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço até serem aproveitados em cargos de vantagens equivalentes.

Art 185. O julgamento das causas em curso na extinta Justiça Federal e no atual Supremo Tribunal Federal será regulado por decreto especial que prescreverá, do modo mais conveniente ao rápido andamento dos processos, o regime transitório entre a antiga e a nova organização judiciária estabelecida nesta Constituição.

22. PASSARINHO JÚNIOR, Aldir Guimarães. Seria incômoda em 1937 a Justiça Federal. Revista do Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Brasília, v. 19, n. 5, mai. 2007.

23. Idem.

24. MEIRA, José de Castro. Criação dos TRFs: estrutura e sua representação hoje. Revista CEJRN, v. 1, n. 1, jul. 1994. p. 154.

25. MIRANDA, Pontes de. A nova Constituição. Jornal do Brasil, Brasília, 26 nov. 1937. p. 7.

26. Com a supressão da Justiça Federal e Eleitoral e das Câmaras Legislativas, a economia que resulta para os cofres públicos. Jornal do Brasil, Brasília, p. 8, 18 nov. 1937.

27. PASSARINHO JÚNIOR, Aldir Guimarães, op. cit.

28. FREITAS, Vladimir Passos de. Justiça Federal: histórico e evolução no Brasil. Curitiba: Juruá, 2003. p. 51.

29. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de segurança nº 20.146. Relator: Ministro Cordeiro Guerra. Brasília, 17 de Maio de 1978. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 2010.

30. FREITAS, Vladimir Passos de. Op. cit., p. 82.

31. DELGADO, José Augusto. A justiça federal no Brasil: evolução histórica, crises e soluções para o futuro. Parahyba Judiciária. João Pessoa: SJPB, 1998, p. 19-20.

32. DELGADO, José Augusto, op. cit., p. 20.

33. DARÓS, Vilson. A justiça federal e o acesso à jurisdição. Revista AJUFERGS. Porto Alegre: ESMAFE, 2007, p. 32.

34. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Os pecados da Justiça Federal. O Estado de São Paulo. São Paulo, 11 jan. 1987, p. 45.

35. SOBRINHO, Joaquim Lustosa. A unificação da Justiça Brasileira. Revista de Informação Legislativa, Brasília, a. 19, n. 73, jan./mar. 1982, p. 127-146.

36. TAVARES, Rita. Justiça Federal deve ser agilizada com a Constituinte. Folha de São Paulo. São Paulo, 1 dez. 1985, p. 8.

37. MARTINS, Ives Gandra Silva. Por que é necessário preservar a Justiça Federal. Gazeta Mercantil. São Paulo, 31 mar. 1987, p. 94.

38. RIBEIRO, Antônio de Pádua. A modernização da justiça federal no Brasil: o seu grande alcance social. São Paulo: SJSP, 1989.

39. LIMA, Sebastião de Oliveira. A extinção ou esvaziamento da justiça federal. Cadernos de Direito Tributário e Finanças Públicas. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 1, n. 2, jan. 1993, p. 25-26.

40. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. A imagem da justiça federal na imprensa escrita. Brasília: CJF, 1995. Disponível em: <http://www.daleth.cjf.gov.br/revista/seriepesq02.htm>. Acesso em: 18 mar. 2008.

41. CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. Estatísticas da Justiça Federal. Disponível em: <http://www.daleth.cjf.gov.br>. Acesso em: 25 jun. 2010.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2010. Disponível em:
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Acesso em: .


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PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS