Edição e revisão de textos na perspectiva do juiz e de seus auxiliares: as relações entre o juiz e seus auxiliares na produção de textos judiciários


Autor: Cândido Alfredo Silva Leal Júnior

Juiz Federal

 publicado em 29.04.2011

Resumo

Este artigo aborda as relações entre o juiz e seus auxiliares na produção de textos judiciários. Examina a figura do juiz e a delegação de tarefas aos seus auxiliares imediatos (gabinete). Identifica algumas características do texto judiciário que interessam ao exame dessas relações. Examina a experiência dos law clerks da Suprema Corte norte-americana como modelo de cooperação textual, identificando a evolução do clerkship e as tarefas desenvolvidas pelos clerks quanto à pesquisa jurídica, ao exame de processos e à redação de decisões. Apresenta então considerações sobre o auxílio prestado ao juiz brasileiro pelos integrantes de seu gabinete, destacando métodos de trabalho (o que oferecer aos auxiliares do juiz) e habilidades desses funcionários (o que exigir deles). Conclui apontando a urgência de estudos sobre as reais condições de trabalho dos juízes (divisão das tarefas e gerenciamento nos gabinetes), buscando soluções para evitar que a jurisdição acabe terceirizada ou banalizada pelo emprego inconsequente de técnicas empresariais baseadas apenas na produção numérica e na redução de processos.

Palavras-chave: Juiz. Organização e tarefas do gabinete. Auxiliares do juiz (law clerks). Produção do texto judiciário.

Sumário: Introdução. 1 Juízes e seus auxiliares. 2 Texto judiciário. 3 A experiência dos law clerks como modelo de cooperação textual. 4 A evolução do clerkship na Suprema Corte dos Estados Unidos. 5 Utilização dos law clerks em pesquisa, análise e redação. 6 Semelhanças e distinção com caso brasileiro. 7 O que oferecer aos auxiliares (métodos de trabalho). 8 O que exigir dos auxiliares (habilidades). Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Existia uma época em que se exigia que a sentença fosse manuscrita pelo juiz para comprovar que era fruto autêntico do seu trabalho. Depois, permitiu-se que a sentença fosse datilografada: “A sentença poderá ser datilografada e neste caso o juiz a rubricará em todas as folhas” (art 388 do CPP). Ainda hoje a lei processual determina que “os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes” (art 164 do CPC).

Interpretada literalmente essa norma processual, parece que o legislador quer que o juiz faça todo seu trabalho, elaborando e redigindo de próprio punho todas suas decisões.(1) Essa atuação direta do juiz no processo de redação garantiria que a decisão fosse fruto de reflexão e entendimento pessoal, independente e imparcial do juiz. Não haveria espaço para aquela prática cotidiana em gabinetes de juízes e desembargadores, em que grande parcela dos textos judiciários não é fruto de trabalho solitário e manuscrito do juiz, mas resulta de redação feita por funcionários que estão diretamente vinculados ao juiz, agindo sob sua orientação, seu acompanhamento e sua revisão.

Embora poucos admitam, é inegável que o juiz não consegue mais fazer sozinho todo seu trabalho. Os processos são complexos. A carga de trabalho é cada vez mais volumosa. O juiz tem cada vez mais processos para decidir. A sociedade cobra celeridade. Os órgãos de controle estabelecem metas a serem cumpridas e impõem métodos de gestão empresarial aos gabinetes. As escolas judiciais ensinam administração da justiça e técnicas gerenciais. A jurisdição deixa de ser trabalho artesanal de reflexão pessoal na construção solitária da decisão para se transformar em produto padronizado, resultado da montagem de decisões em massa que resolvem a mesma questão em muitos processos. O juiz e seus funcionários são cobrados como se fossem operários numa linha de montagem, com metas a serem alcançadas e contas a serem prestadas.

A situação é tão flagrante que os tribunais convocam juízes para atuar como verdadeiros auxiliares nas tarefas decisórias e textuais (convocações pelo STF para que juízes atuem como verdadeiros assessores nos respectivos gabinetes). No primeiro grau, temos funcionários fazendo o trabalho de juízes. Nos tribunais superiores, temos juízes fazendo o trabalho de funcionários. 

Mas a lei processual continua estabelecendo que as decisões devam ser redigidas e assinadas pelos juízes (art 164 do CPC). E continuamos fazendo de conta que todo trabalho é feito pelos juízes. Nada é mencionado na lei processual sobre essa importante função de auxílio aos juízes no exame dos processos e na redação das decisões. Nada é mencionado no código de ética da magistratura nacional sobre as relações entre juiz e seus auxiliares diretos, aqueles que trabalham ao seu lado dentro do gabinete.

A prática existe e é adotada na maioria dos gabinetes do primeiro grau até tribunais superiores. Mas nada é dito sobre ela. Juízes e tribunais tratam dessas relações como se não existissem. Como se o juiz fizesse sozinho todo o serviço, sem auxilio de ninguém. Por exemplo, no recente Código de Ética da Magistratura Nacional (Conselho Nacional de Justiça), nada foi dito nem disciplinado quanto às relações entre o juiz e seus funcionários. É como se o juiz não mantivesse relacionamento com seus servidores, como se as relações internas aos gabinetes não existissem. Essas relações são tratadas como assuntos privados, que interessassem apenas ao magistrado, fora do alcance dos princípios da administração pública (art 37, caput, da CF)(2).

Mas o juiz precisa de ajuda porque sozinho não dá mais conta de seus processos. A independência do juiz não significa que deva redigir todas suas decisões ou que não possa aceitar auxílio daqueles funcionários que atuam em seu gabinete para auxiliá-lo na condução e na solução dos processos. Por isso, não devemos ter medo de identificar e discutir os métodos de trabalho que os juízes adotam em seus gabinetes para ler processos, valorar argumentos e redigir decisões. Os processualistas precisam urgentemente se atualizar em gerenciamento de processos e administração da justiça, deixando de fazer vistas grossas a uma realidade cada vez mais frequente no Judiciário: o juiz se relaciona intensamente com os funcionários do seu gabinete, e essas relações são cada vez mais essenciais à celeridade dos processos e à administração da justiça.

Claro que o juiz deve continuar independente ao conduzir seus processos e proferir suas decisões. Deve desempenhar suas atribuições sem receber nem aceitar influências, interferências ou pressões na condução ou na solução dos casos que lhe cabem.(3) Essa independência vale não apenas em relação aos demais agentes políticos, mas alcança também aqueles que estão próximos ou subordinados ao juiz. O ônus e a responsabilidade pela decisão são do juiz, apenas dele, ainda que às vezes busque auxílio.

Mas isso não significa que deva, possa ou consiga agir isoladamente, fazendo seu trabalho sem auxílio de outras pessoas. Ao contrário, sozinho o juiz não consegue dar conta das tarefas judiciárias com a necessária celeridade. Precisa de auxílio para o trabalho judiciário, o que justifica existir corpo funcional com atribuições específicas para lhe prestar assistência e assessoramento na condução dos processos e na decisão das causas.

Esses auxiliares diretos do juiz(4) não desempenham apenas tarefas burocráticas ou cartorárias, mas são chamados cada vez mais a participar de momentos relevantes do processo decisório, auxiliando na pesquisa jurídica, na análise dos processos, na discussão dos casos e na redação das decisões.

Para alcançar seu objetivo – examinar as relações entre juiz e seus auxiliares imediatos na produção dos textos judiciários –, este texto pretende: (a) examinar as distintas perspectivas do juiz em relação aos textos que produz, que revisa e que consome, destacando as particularidades daqueles textos que são produzidos pelos auxiliares e revisados pelo juiz; (b) identificar as tarefas que o juiz delega aos seus auxiliares para não fazer sozinho todo seu trabalho; (c) selecionar algumas rotinas e requisitos para que essas relações entre juízes e seus auxiliares diretos sejam eficientes, produtivas e não comprometam a pessoalidade, a imparcialidade e a independência da função jurisdicional.

1 Juízes e seus auxiliares

O juiz decide as questões, materializando essas decisões em textos judiciários (despachos, decisões, sentenças, acórdãos). Esses textos tornam públicas as decisões e apresentam aos outros os fundamentos das decisões do juiz. Por isso, os textos são tão importantes para o juiz: “the link between courts and the public is the written word" (Federal Judicial Center, 1991, p. vii).(5)

Em relação aos textos com que diariamente convive, o juiz pode ser considerado em três distintas perspectivas: (a) como produtor dos próprios textos (decisões que ele próprio redige); (b) como editor e revisor dos textos de seus auxiliares (minutas que seus auxiliares elaboram e submetem à sua correção); (c) como consumidor de textos produzidos por advogados (petições), pela secretaria (certidões, atos cartorários), pelas partes (documentos, depoimentos), etc.

Embora a primeira e a última dessas perspectivas também sejam interessantes, nossa proposta neste artigo é abordar a perspectiva intermediária: o juiz enquanto editor e revisor de textos produzidos pelos seus auxiliares (minutas).(6)

É nesse gênero textual (minutas) que poderão surgir tensões e constrangimentos se a divisão das tarefas não for adequadamente trabalhada ou se algum dos envolvidos não entender exatamente seu papel no sistema judiciário e na organização do gabinete. Por exemplo, poderá parecer que o juiz não está fazendo corretamente seu trabalho decisório ao delegar tarefas de leitura de processos e redação de minutas aos seus auxiliares. Poderá parecer que o trabalho do juiz está sendo feito por auxiliares não investidos de jurisdição e muitos servidores poderão pensar que atuam como verdadeiros juízes informais, sem receber o mérito ou crédito pela autoria de seu trabalho.(7)

Essas distorções podem ocorrer quando não percebemos a natureza e os limites da delegação feita ou não estamos conscientes dos necessários mecanismos de controle que o juiz deve reservar para si quanto à responsabilidade de decidir. Cada vez mais somos levados à mudança de paradigma quanto ao trabalho do juiz: o trabalho aumenta, fica mais especializado e mais complexo. O juiz precisa recorrer a técnicas e instrumentos de gestão empresarial para administrar a justiça, para buscar a melhor decisão, para analisar seus processos, para redigir suas decisões. Seria ingenuidade acreditar que os modelos de gestão empresarial que se buscam para a administração da justiça não acabassem também atingindo diretamente aquelas tarefas nucleares da jurisdição (exame dos processos e redação das decisões).

Entretanto, precisamos estar conscientes dos limites dessas ferramentas de trabalho e assim conseguir manter o controle do juiz sobre o processo decisório (resultado final da decisão), ainda que muitas vezes não seja o juiz quem tenha em primeira mão examinado o processo ou redigido a minuta da decisão. O que importa é que ele tenha treinado as pessoas que o auxiliam, que essas pessoas ajam por estrita delegação do juiz, que trabalhem exatamente como foi determinado e escolhido pelo juiz, que façam as escolhas determinadas pelo juiz e, principalmente, que estejam sempre sobre estrito controle e fiscalização do juiz. Também é fundamental que esses funcionários integrem um corpo profissional com deveres específicos, submetidos aos princípios da administração pública (art 37, caput, da CF) e, principalmente, devendo obediência a código ético específico e peculiar que dê conta das implicações de sua proximidade ao juiz e do fato de partilharem com o juiz muitas das etapas do processo decisório.

Em suma, o juiz continua legitimado e responsável pela decisão que assina, ainda que em sua produção tenha havido participação de funcionários do gabinete. A questão é como delegar sem perder a identidade e o controle sobre o que foi delegado?(8)

A resposta a isso passa pela identificação e pela sistematização das relações entre juiz e seus auxiliares imediatos. É preciso examinar e explicitar como tem de funcionar o trabalho judiciário para dar conta do volume de processos. É preciso identificar o papel de cada um dos envolvidos nessas relações internas do gabinete (juiz e seus funcionários). É preciso que cada juiz encontre sua forma de trabalhar e faça isso de forma consciente. É preciso que essa forma de trabalhar consiga manter a identidade do juiz e o controle sobre as decisões produzidas.

Seja como for, o juiz precisa orientar antes, fiscalizar durante e sentir-se responsável depois. Seja como for, a decisão tem de continuar sendo judicial, isto é, decisão feita por um juiz.

2 Texto judiciário

Texto judiciário é aquele produzido por juízes e seus auxiliares para materializar atos processuais jurisdicionais, como despachos, decisões, sentenças, acórdãos. É texto técnico e não literário, que pertence ao gênero jurídico e veicula atos processuais ou jurisdicionais praticados pelo juiz. Pode ser despacho de expediente, decisão interlocutória ou sentença em se tratando de juízes de primeiro grau, e acórdão ou decisão monocrática em se tratando de tribunais.

O texto é elemento de proteção do juiz e dos envolvidos no processo. Ele não só dá forma à decisão, mas também a torna definitiva: publicada a sentença, não pode ser mais modificada por quem a redigiu.(9) Deixa de pertencer àquele que a escreveu e se torna decisão judicial e impessoal no processo, somente passível de alteração por meio dos recursos previstos no devido processo legal.

A materialização da decisão em texto escrito também é fator de distanciamento do juiz em relação às pessoas: o uso das palavras, contido num documento, chama atenção para as palavras, dá-lhes importância por si próprias e permite separá-las do autor do documento. A decisão é tratada como existindo independentemente do juiz e tendo vida por si própria. O juiz se oculta no documento como se guarda dentro da toga que (simbolicamente) veste.(10)

Entretanto, sozinho o juiz não conseguirá escrever todas as suas decisões. Não terá tempo suficiente se quiser atender a todos os seus processos. Precisará de ajuda e será auxiliado pelos funcionários de seu gabinete que, seguindo orientação direta do juiz, também produzirão textos que serão revisados, corrigidos e talvez aprovados pelo respectivo juiz. Portanto, temos duas espécies de texto judiciário quanto à forma como são produzidos: (a) aqueles escritos e revisados pelo próprio juiz, sem participação dos auxiliares (o juiz escreve sozinho, produz o próprio texto); (b) aqueles escritos pelos auxiliares (seja a partir de orientação, rascunho ou esquema apresentado pelo juiz; seja a partir de modelos anteriores do juiz) e revisados posteriormente pelo juiz (o auxiliar elabora uma minuta que é revisada pelo juiz, isto é, ele atua editando, revisando, corrigindo texto alheio).

Nosso objetivo neste trabalho não é tratar dos textos feitos pelo próprio juiz, mas daqueles que são produzidos pelos auxiliares do juiz e submetidos à sua revisão. Nosso objetivo é identificar essa divisão de tarefas feita dentro do gabinete, quando os auxiliares participam da produção de textos e da adaptação daqueles já existentes.

Nesse caso, elaboram minutas de textos que são submetidas à correção e à revisão do juiz.(11) Se houvesse tempo e não fossem tantos os processos, provavelmente esse processo de construção do texto envolveria a troca de informações e orientações entre juiz e auxiliares por meio de memorandos escritos. O auxiliar faria análise do processo, apresentando suas conclusões por escrito ao juiz. O juiz examinaria o memorando, faria as correções e daria as orientações que entendesse. E assim prosseguiriam até que a questão estivesse suficientemente amadurecida para que então fosse redigida a minuta da decisão. Redigida essa minuta, já no formato de texto judiciário (decisão, sentença, acórdão), o juiz faria as revisões e correções finais, aprovando o texto que, assinado, se tornaria a decisão judicial.

Entretanto, as condições de trabalho dificilmente permitem esse detalhamento na produção textual. Geralmente, as orientações e informações são trocadas (quando o são!) em conversa direta e informal entre juiz e seu auxiliar. Este então redige a minuta que será posteriormente revisada e corrigida por aquele.(12)

Seja como for, os auxiliares devem seguir os parâmetros, as convenções e as orientações estabelecidas pelo juiz para a produção textual. A minuta feita pelo auxiliar deve ser escrita pensando no juiz a quem se destina. Ele é quem vai revisar e aprovar o texto. O juiz escreve para os procuradores, para as partes, para os cidadãos (obrigatoriedade de fundamentação da decisão – artigos 5º, XIII, e 93, IX, da CF). Mas o auxiliar escreve e se dirige ao juiz. O juiz é o destinatário dos textos produzidos pelos auxiliares. Então o auxiliar deve escrever pensando nisto: em facilitar o trabalho de edição (revisão e correção) do juiz, ainda que a decisão vá endereçada às partes e aos procuradores.

Pensando no juiz como editor de seu texto, o auxiliar deve procurar um texto claro (que diga exatamente o que é preciso), conciso (que não sobrecarregue o leitor com informações desnecessárias) e objetivo (que se atenha às informações relevantes).(13)

3 A experiência dos law clerks como modelo de cooperação textual

Embora seja frequente (e indispensável) na experiência judiciária brasileira o trabalho cooperativo entre juiz e auxiliares na elaboração de textos judiciários, essas relações são pouco examinadas pela literatura nacional especializada. Em outros países, como os Estados Unidos, essas relações são discutidas em abundante literatura, reconhecendo a importância e investigando a influência de seus law clerks no sistema judiciário, especialmente em Cortes Federais e na Suprema Corte. Considerando a abundância de literatura sobre os law clerks norte-americanos e a escassez quanto aos auxiliares brasileiros, parece conveniente examinar o modelo norte-americano de clerkship e, a partir daí, procurar soluções que possam ser adaptadas à nossa realidade.

Law clerks
são aqueles auxiliares diretos do juiz, que atuam no seu gabinete realizando tarefas de pesquisa jurídica, de análise de processos e de redação de decisões.(14)

Suas tarefas não são definidas em lei. Há discricionariedade e autonomia para cada juiz decidir como empregará seus auxiliares e dividirá entre e com eles as tarefas do gabinete. Isso não impede que a função tenha suas atribuições sistematizadas(15) e seja reconhecida a importância de sua colaboração ao trabalho judiciário:

Modern American judging in all courts of national significance – the federal courts and the more prominent state appellate courts – staggers along despite the burden of bloated caseloads and the shortcomings of distinctly human judges only by the delegation of a great deal of the labor of judging to law clerks: subordinate, anonymous, but often quite powerful lawyers who function as the non-commissioned officers in the army of the judiciary.” (John Bilyeu Oakley & Robert S. Thompson, Law Clerks and the Judicial Process 2 (1980), apud Garner, 2009, p. 288)

Como os law clerks atuam junto ao topo da estrutura judiciária norte-americana, junto aos integrantes da Suprema Corte, muito tem sido escrito e discutido a seu respeito. Dois livros causaram bastante polêmica, trazendo ao debate público questões que ficavam guardadas no segredo que caracteriza as questões internas da Suprema Corte norte-americana,(16) contribuindo assim para tornar pública a discussão sobre a função dos law clerks e sua possível influência no processo decisório: Por detrás da Suprema Corte,(17) publicado em 1979, e The closed chamber,(18) publicado em 1998.

Recentemente, outros dois livros sistematizaram a evolução do clerkship, procurando identificar sua influência no processo decisório da Suprema Corte norte-americana: Sorcerers’ apprentices: 100 years of law clerks at the United States Supreme Court(19) e Courtiers of the Marble Palace: the rise and influence of the Supreme Court law clerk.(20) Os títulos pomposos dão conta da importância atribuída à função, que a faz merecedora de escrutínio minucioso pela literatura especializada, gera curiosidade no público em geral e suscita controvérsia nos meios jurídicos.(21)

Começando pelos Courtiers of the Marble Palace (Peppers, 2006, p. 1-16), aprendemos que os law clerks são escolhidos entre os melhores estudantes das melhores faculdades norte-americanas e muitos deles vão se destacar posteriormente em suas carreiras.

A ideia desse livro é que ocorre relação institucional entre juiz (principal, chefe) e seus clerks (agent, subordinado): os law clerks não são atores autônomos, mas estão submetidos hierarquicamente aos respectivos juízes e ao corpo institucionalizado de regras, escritas e não escritas, que ditam as expectativas em torno de suas atribuições. O “chefe” se protege, monitorando o subordinado e criando incentivos contratuais e não contratuais para que este não viole a confiança nele depositada. A questão central passa a ser como motivar o subordinado a agir como o chefe deseja, considerando a dificuldade em monitorar as atividades daquele. Surge a questão da influência que o subordinado pode ter sobre o trabalho do chefe, podendo-se imaginar dois tipos: (a) influência estilística, quando o juiz redige suas decisões sem assistência prévia, deixando ao clerk apenas a tarefa de revisão ortográfica e gramatical; e (b) influência substantiva, quando o juiz deixa o law clerk decidir quem ganha ou perde a causa. Numa versão intermediária, o juiz decide o resultado, mas deixa ao clerk fundamentar a decisão.

As relações entre juiz (chefe) e seus clerks (subordinados) variam conforme os deveres atribuídos aos clerks. Se o clerk se limita a checar citações e revisar o texto, então existe pouca relevância de que suas preferências políticas sejam diferentes daquelas do juiz, e eventuais deslizes do clerk não teriam maiores consequências. Nesse cenário, não se espera que o juiz dedique tempo nem energia para selecionar e monitorar seus clerks ou criar sanções para seus desvios. Mas se o juiz é forçado a lhes delegar tarefas substantivas, aumenta o risco de que divergências ideológicas ou políticas entre eles possam gerar desvios. Aqui o juiz terá que se esforçar para reduzir as divergências, monitorar o trabalho dos clerks e programar incentivos.

Esse autor (Peppers, 2006, p. 206-212) conclui que, embora exista debate nos últimos 50 anos sobre o papel dos law clerks na Suprema Corte, raramente existiu influência decisiva sobre os juízes:

to affect judicial decision making, law clerks must have more than simply the opportunity to exercise discretionary authority to determine the winners and losers. They must also possess preferences or goals that differ from those of their justices; if law clerks and justices share the same policy preferences or ideological positions, then any influence over decision making is not troubling because the clerks are pursuing the same policy goals as the justice.” (Peppers, 2006, p. 206)

Mas é certo que a atribuição de tarefas relevantes aos clerks (mais responsabilidade) gera mais riscos e exige mais controles. Enquanto os law clerks eram estenógrafos e assistentes pessoais, os riscos eram pequenos e as consequências de má conduta eram insignificantes. Eventuais abusos se limitavam a questões de acesso à informação: “clerks were Court insiders who possessed advanced knowledge as to the timing and content of upcoming decisions. If a law clerk is simply taking dictation, maintaining files, and answering the justice’s mail, there is no concern about influence” (Peppers, 2006, p. 207).

Entretanto, no período entre 1930 e 1960 os juízes delegaram mais tarefas aos seus clerks, pedindo que analisassem petições de admissibilidade de recursos e redigissem memorandos resumindo esses recursos. Porém, esses law clerks não eram os tomadores de decisões: “law clerks were not decision makers. They were legal assistants charged with providing their justices with the information and case law relevant to the justices’ decision-making process” (Peppers, 2006, p. 208). Nada especial era exigido para controlar os clerks além da forma de trabalho (vinculação pessoal; revisão do trabalho; rodízio anual).

Mas na Corte de Warren (Peppers, 2006, p. 208-209) houve revolução na forma como eram selecionados e empregados esses clerks na Suprema Corte. Passou-se a adotar o law firm associate clerkship model, isto é, o juiz mantém a autoridade de decidir o resultado do processo, mas exerce essa autoridade baseado na informação (fatos do caso, precedentes relevantes, etc) fornecida por seus law clerks. Além disso, os law clerks passam a redigir as decisões. As escolhas finais são dos juízes, mas muitos deles deixam aos law clerks a tarefa de escolher argumentos para justificar a decisão. Os controles também foram reforçados, sujeitando os law clerks a regras gerais de confidencialidade, a um código de ética e às regras de cada juiz (por exemplo, uns revisam o trabalho dos outros; um senior clerk revisa o trabalho antes de apresentar ao juiz). Entretanto, há menos vínculos pessoais, há menos lealdade, e existem mais riscos daí decorrentes.

O outro livro examinado, o Sorcerers’ apprentices (Ward e Weiden, 2006), examina diversas fontes (lista de law clerks, pesquisas e entrevistas pessoais, biografias, livros e artigos), com intenção de que a pesquisa sirva para fortalecer a Suprema Corte lançando luzes sobre as formas pelas quais a Corte conduz suas questões internas.

Na visão tradicional, a Suprema Corte adotou law clerks para dar conta de sua crescente carga de trabalho. Entretanto, Ward e Weiden (2006, p. 21-53) refutam essa afirmação a partir da análise da história da corte. Para eles, a origem do clerkship não estaria atrelada apenas ao aumento da carga de trabalho na corte, mas seria resquício do modelo educacional inglês de formação legal a partir da relação de aprendiz:

we suggest that clerks were an outgrowth of the apprentice model of legal education, where learning the law took place at the feet of a practitioner rather than in a classroom. But the institution was transformed on a number of occasions as both the numbers of clerks allotted to each justice and the responsibility delegated to them by their justices increased.” (Ward e Weiden, 2006, p. 22)

Em diferentes épocas, diferentes estruturas caracterizaram os law clerks. Mapeando essa evolução histórica, Ward e Weiden (2006, p. 237-250) concluem que com o crescimento em número e responsabilidades, os law clerks tornaram-se mais do que simplesmente integrantes do staff da Corte. Passaram a ter papel crucial no certiorari process (na admissão dos recursos), na tomada de decisões e na redação das decisões, e isso pode trazer para a Corte, para seus juízes e para os próprios law clerks problemas graves quanto à crença da sociedade no sistema judiciário e à legitimação da função judicial. Embora esses autores ressalvem que “judges, and only judges, have the constitutional authority to do the work of judging” (Ward e Weiden, 2006, p. 249), concluem que:

the institution of the law clerk has been transformed into a permanent bureaucracy of influential legal decision makers, scarcely resembling its original incarnation. Today, voting and editing largely defines the role of a Supreme Court justice. Clerks are now responsible for the raw material that goes into the Court’s opinions. And while the outcomes in cases – who wins and who loses – are important to litigants and the general public, for the legal world, the legal support for the outcome is just as crucial. Attorneys, lower court judges, and even future Supreme Courts scrutinize the reasoning, language, and general details of opinions. It is these details that clerks have tremendous discretion over. As one clerk put it, you go back to your office, you stare at your computer screen, and you go, ‘holy shit, I’m going to write the law of the land’.”(Ward e Weiden, 2006, pp. 248-249)

4 A evolução do clerkship na Suprema Corte dos Estados Unidos

Independentemente de opinião sobre a origem e a natureza das funções dos law clerks, é possível identificar como evoluiu o emprego desses funcionários nas rotinas judiciárias da Suprema Corte norte-americana.

Para Peppers (2006), os law clerks inicialmente eram simples estenógrafos. Depois passaram a ser utilizados como assistentes legais até que, finalmente, ganharam status semelhante ao de sócio-júnior de um pequeno – mas prestigiado – escritório de advocacia. Em seus primórdios (Peppers, 2006, p. 38-70), a Suprema Corte tinha poucos funcionários, e os juízes não contavam com nenhum auxílio. Era corrente que os juízes não deviam ter auxílio porque eles próprios deveriam fazer seu trabalho, isto é, escrever suas decisões. E existiam críticas contrárias a propostas de contratar auxiliares para os juízes. Entretanto, com o aumento da carga de trabalho cada juiz pôde contratar um auxiliar para atuar como estenógrafo (isto é, para anotar as decisões do juiz). Justice Horace Gray foi o primeiro juiz a contratar um law clerk (no verão de 1875), pagando ele próprio o salário e o utilizando muito além das funções de simples estenografia.(22) Entre 1886 e 1919, os juízes estavam autorizados a contratar um estenógrafo. A maioria dos juízes fazia isso (utilizava o clerk como estenógrafo, usando-o para ditados e mensagens), mas alguns poucos utilizavam excepcionalmente esses jovens como assistentes legais, realizando pesquisas.(23)

Em 1919, o Congresso autorizou a contratação de um law clerk para cada juiz (além do estenógrafo já autorizado), e foi aqui que começou a se desenvolver o clerkship. Entre 1920 e 1940, law clerks atuavam como assistentes legais:

a legal assistant or paralegal is a person, qualified by education, training or experience who is employed or retained by a lawyer, law office, corporation, or governmental agency or other entity and who performs specifically delegated substantive legal work for which a lawyer is responsible.” (Peppers, 2006, p. 84)

Esses jovens auxiliavam os juízes na elaboração e na revisão de decisões, conferiam citações, acompanhavam precedentes, faziam pesquisa legal e resumiam petições de admissibilidade. Salvo exceções, eles não faziam análise legal mais sofisticada dos casos e não aconselhavam sobre as decisões nem sugeriam encaminhamentos. Mas alguns juízes não queriam um yes-man, mas alguém que lesse criticamente as decisões, questionando redação e estilo e também apresentando objeções e sugestões.

Pelos idos de 1940, os law clerks não eram mais apenas estenógrafos. A carga de trabalho da corte tinha triplicado, e a instituição do clerkship evoluiu até permitir que dois jovens brilhantes selecionados nas melhores faculdades do país assistissem cada juiz na revisão de petições de admissibilidade, na realização de pesquisas legais e na melhoria da redação das decisões (Peppers, 2006, p. 83-144).

Entre 1950 e 1970, os law clerks se transformam em junior justices, envolvidos em todos os aspectos do trabalho do gabinete. O law clerk assume as mesmas responsabilidades de um advogado associado numa pequena mas prestigiada firma:

The Justices had become accustomed to working within the Court as if they ran, as Justice Powell put, nine small law firms, with one senior partner and several junior associates, the law clerks. Senior partners in law firms draft little of their office’s work and the analogy holds for the Supreme Court as well. If the chambers are thought of as law firms and the Justice as senior partner, we must immediately think about the different ways lawyers organize their offices. The possibilities range from the senior partner who micromanages the office work to the senior partner who sets the office’s direction and motivates his subordinates to produce the very best work the office can.” (Peppers, 2006, p. 145)

Na corte de Warren (1953-1969), havia dois modelos de clerkship: (a) o antigo (assistente legal), em que os clerks analisavam petições de admissibilidade, preparavam memorandos, editavam votos, faziam pesquisas e discutiam informalmente com o juiz sobre casos pendentes; (b) o novo, em que os clerks mantinham essas tarefas, mas assumiam também as de preparar bench memoranda e redigir as decisões. No modelo antigo, havia distinção entre o trabalho do juiz e do clerk, dizendo-se que os juízes faziam (redigiam) seu próprio trabalho. Com Warren, esse conceito de “fazer o próprio trabalho” foi alterado. Os novos juízes achavam apropriado delegar essas tarefas aos seus law clerks: “justices were still the ultimate decision makers, but they no longer did the tedious legwork of reviewing briefs, gathering information, and drafting opinions. That role was reserved for the law clerk” (Peppers, 2006, p. 152).

Nos anos 1970, os juízes puderam contratar um segundo secretário e um quarto law clerk. Surge o cert pool, integrado pela maioria dos juízes que partilham os memorandos sobre admissibilidade de recursos elaborados por seus law clerks. Isso permite que as petições de admissibilidade de recursos sejam distribuídas para exame entre os law clerks, liberando estes do exame individual de todas as petições. Cada gabinete examina algumas das petições de admissibilidade e apresenta seu cert memo, que é partilhado com os outros gabinetes, reduzindo o número de petições a serem resumidas. Resta mais tempo para os law clerks participarem ativamente da redação das decisões.(24)
É difícil obter informações sobre a Corte de Rehnquist (1986-2004) porque muitos juízes ainda estão na ativa e os law clerks tendem a manter o silêncio. Mesmo assim, com as informações que obteve, Peppers (2006, p. 190-205) refere que todos os juízes utilizam os law clerks para examinarem as petições de admissibilidade e elaborarem cert memos (sobre a admissibilidade dos recursos) e que 8 dos 9 juízes (exceto John Paul Stevens) participam do cert pool, compartilhando esses memorandos sobre a admissibilidade dos recursos. Também constatou que todos os juízes, exceto Justice Stevens,(25) rotineiramente atribuem aos law clerks tarefas relacionadas à redação do primeiro rascunho das decisões, e a maioria dos juízes se baseia nos memorandos elaborados pelos clerks (bench memos) para se prepararem para as arguições orais. Em conclusão, atualmente os law clerks rotineiramente editam, redigem e revisam as decisões; resenham, analisam e resumem petições de admissibilidade de recursos; e preparam bench memoranda para os juízes utilizarem nas arguições orais. Ainda é adotado o cert pool, que analisa e recomenda a admissibilidade dos recursos, distribuindo o trabalho entre os law clerks de vários gabinetes e compartilhando o resultado desse trabalho (cert memos) com todos os juízes.

Para Ward e Weiden (2006, p. 21-53), a evolução do clerkship envolve quatro fases, que assim são resumidas:

Clique aqui para visualizar as fases da evolução do clerkship

Para Ward e Weiden (2006, p. 21-53), com a criação do cert pool em 1972, o trabalho na admissão dos recursos foi racionalizado e sobrou mais tempo para os law clerks se dedicarem a outras tarefas. Eles então passam a participar mais do processo decisório, influindo e redigindo as decisões. Mas esse é um dos pontos que gera mais debate e polêmica porque os law clerks não foram indicados nem eleitos para atuar no processo decisório. A influência não é necessariamente direta, mas é inegável que o juiz pode permitir que o law clerk discuta com ele as questões da causa, sendo que muitos juízes apreciam independência de pensamento do law clerk.(26) Embora os juízes muitas vezes outorguem poderes para o law clerk atuar em questões relevantes, o papel destes no processo decisório permanece invisível para o público: “Do clerks make decisions, or are they simply research assistants that carry out the instructions of the decision makers – the justices?” é questão que fica sem resposta porque os procedimentos são internos e os envolvidos juram guardar e, salvo casos muito raros, efetivamente guardam confidencialidade a respeito deles. Se law clerks podem ou não ter esse poder, é questão para ser discutida. Ward e Weiden (2006, p. 21-53) acreditam que exista grande risco dos law clerks usarem sua posição para influenciar indevidamente o processo decisório, o que justificaria adoção de limites à sua atuação para corrigir distorções e evitar abusos.

5 Utilização de law clerks em pesquisa, análise e redação

Nosso objetivo não é discutir eventual ou indevida influência dos law clerks sobre o processo decisório. O que pretendemos é identificar as tarefas que são atribuídas ao law clerk e como eles as desempenham, procurando extrair ensinamentos que possam ser adaptados às necessidades e possibilidades do juiz brasileiro e de seus auxiliares.

Ward e Weiden (2006, p. 1-20) mostram que as tarefas dos law clerks são variáveis conforme o gabinete em que atuam, essencialmente envolvendo pesquisa e redação e também abrangendo: (a) exame da admissibilidade de petições de recursos que poderão entrar na corte, atuando como espécie de gatekeepers e elaborando memorandos para os outros juízes decidirem sobre a admissibilidade daqueles recursos; (b) redação de bench memos para os juízes usarem nas arguições orais e na decisão dos casos (contendo detalhes de fato, analisando o caso e frequentemente recomendando decisão sobre o mérito); (c) discussão do mérito do caso com o juiz; (d) participação na clerk network, atuando como verdadeiros embaixadores informais entre os gabinetes; e (e) redação de minutas de decisões.

Assim, as principais tarefas dos law clerks vão gravitar em torno do auxílio direto ao juiz na prestação jurisdicional, muitas vezes realizando tarefas que se esperava fossem feitas pelo próprio juiz por envolverem exame de petições (argumentos) e documentos (provas) e redação de decisões. Vejamos cada uma dessas tarefas na perspectiva do law clerk.
Em relação à pesquisa, esta sempre foi uma das principais atribuições dos law clerks, inclusive tendo sido aí que se iniciou o auxílio que prestam aos juízes (quando deixaram de ser simples estenógrafos e passaram a agir como assistentes legais). Como não envolve propriamente jurisdição nem decisão, não gera controvérsia sobre seu desempenho pelos law clerks, especialmente nos tempos atuais, quando existem tantas fontes de informação disponíveis.

Em relação a petições dos processos
, o juiz pode pedir ao law clerk para: (a) manter registro e acompanhar o andamento dos processos e questões pendentes de decisão; (b) ler, analisar e resumir uma petição e sua resposta, bem como respectivas provas e documentos; (c) fazer pesquisa independente daquilo que as petições das partes contenham ou aleguem; (d) preparar memorandos para uso do juiz quanto a questões de fato e de direito contidas na petição, inclusive acompanhando e preparando as audiências; (e) discutir a petição com o juiz; (f) elaborar minuta de decisão (Sobel, 2007, p. 16-18).

Em relação à elaboração de memorandos
, os law clerks podem elaborar diversos tipos de memorandos a pedido dos respectivos juízes. Embora esses memorandos não estejam limitados aos cert memos, é conveniente examinar como funciona essa forma de comunicação interna usada no exame da admissibilidade das petições de recursos para então compreender as demais formas de memorandos.

Quanto à admissão dos recursos, inicialmente cada juiz examinava individualmente cada petição de recurso que vinha à Corte.(27) Mas o número de petições aumentou muito, e os juízes substituíram esse exame individual pelo trabalho de seus law clerks, lendo as petições, sintetizando-as para indicar o que é e o que não é relevante e preparando memorandos (cert memos)(28) em que sumarizavam fatos e questões para facilitar o trabalho do juiz.

Em 1972, foi criado o cert pool para tornar mais ágil o processamento das petitions for certiorari.(29) A ideia era eliminar a necessidade de um clerk de cada gabinete examinar todas as petições. Ao contrário, as petições eram distribuídas aleatoriamente entre os clerks que participam do pool (um por gabinete). Esse clerk preparava um pool memo, sumarizando as questões e os fatos do caso e recomendando aceitar ou recusar o recurso (em média, cada pool clerk redige 5 memorandos por semana). Esses memorandos são distribuídos a todos os juízes do pool. A partir daí, o procedimento variava em cada gabinete: alguns juízes tinham um clerk para examinar preliminarmente esse pool memo, enquanto outros preferiam examiná-lo diretamente. A vantagem para o juiz é que pode ler apenas o pool memo, não precisando examinar toda petição. O cert pool economizava tempo do clerk, não do juiz, que continuava examinando o mesmo número de memorandos. Depois de preparados os memos, o Chief Justice preparava a discuss list, que continha os casos cuja admissibilidade pretendia discutir. Os outros juízes podiam incluir recursos na lista simplesmente informando sua intenção. Posteriormente (on conference day), os juízes discutiam as petições que constavam da discuss list e votavam informalmente: qualquer caso que recebesse 4 votos era admitido (is granted certiorari), sendo arguido e julgado no mérito.

A importância do law clerk no cert pool é evidente porque os juízes baseiam-se nos memorandos feitos por aqueles para decidir se um caso merece ser conhecido: the law clerks are the initial gatekeepers for acess to the Court in the cert process (Ward e Weiden, 2006, p. 128).(30) Os clerks se esforçam nesse trabalho no cert pool porque mostra sua competência e lhes dá reputação junto aos outros juízes e gabinetes, o que é importante no clima de competição que existe. Eles vão se esforçar na redação de pool memos porque estes serão distribuídos e lidos por todos os juízes e por outros clerks.(31)

Ward e Weiden (2006, p. 109-149) defendem que a criação de um cert pool reduziu o tempo que cada clerk dispensa às petições de admissibilidade (to review cert petitions and to write cert memos) e reduziu sua influência individual no certiorari process. Em consequência, os clerks podem usar mais tempo nos casos que examinam e na redação das minutas de decisões.

Em relação à participação na redação das decisões
, essa é uma das tarefas mais importantes dos law clerks. Pode ser difícil diferenciar entre o processo de decidir e aquele de redigir a decisão. Os dois chegam a se confundir, não sendo de estranhar então que a participação dos law clerks na redação das decisões seja fonte de tantas controvérsias. Por exemplo, Ward e Weiden (2006, p. 200-236) procuram mostrar que os law clerks passaram de assistentes de pesquisa a junior justices, agindo quase como se fossem os juízes na redação dos votos. Como os juízes admitem a prática de delegar a redação dos votos aos seus law clerks, aqueles autores perguntam: “Are the clerks deciding cases, interpreting the Constitution, and constructing their own jurisprudence? Or, are the justices merely using the clerks as instruments to construct the opinions that they would write if they were to do it themselves?” (Ward e Weiden, 2006, p. 201).

Sem responder àquela pergunta, cabe reconhecer que existem variações entre os gabinetes e juízes quanto à edição dos textos e à redação de minutas das decisões. Alguns dão mais ou menos responsabilidade ao law clerk na redação do produto final. Alguns juízes escrevem seus textos, exigindo dos law clerks apenas memorandos de pesquisa. Outros esperam que o law clerk redija minutas das decisões, reservando para si apenas a revisão e a aprovação final.(32)

Ward e Weiden (2006, p. 200-236) mostram que o processo de redação das decisões pode ocorrer de diferentes formas, com os juízes dando mais ou menos responsabilidades aos seus clerks na elaboração do produto final.(33) Isso mudou ao longo do tempo. Inicialmente o juiz fazia seu próprio trabalho: não cedia espaço para redação pelo clerk. Em alguns casos, os law clerks apenas redigiam notas de rodapés (embora algumas dessas notas de rodapé tenham ficado famosas e gerado controvérsias). Cada vez foram dadas mais responsabilidades aos clerks até chegar aos dias atuais, em que é frequente que juiz e clerks atuem como equipe na redação da decisão,(34) dando os juízes mais responsabilidades aos seus law clerks quanto à redação das decisões finais. Seja qual for o método utilizado, “decision making remains exclusively the judge’s responsibility” (Sobel, 2007, p. 86).

Em relação à discussão e à troca de informações entre clerk e justice
, enquanto desempenha suas tarefas não é de estranhar que o juiz converse com seu law clerk, orientando sobre o que espera dele e ouvindo os resultados já obtidos em leitura ou pesquisa feitas. Aliás, considerando que ambos buscam um resultado comum (a decisão do juiz), é desejável que exista essa troca de informações durante as etapas de pesquisa, leitura do processo e redação da minuta. Conforme entenda o juiz necessário ou conveniente, é possível que ambos aproveitem aquele relacionamento para discutir questões do processo e para o juiz buscar auxílio do clerk para testar argumentos, identificar pontos obscuros da decisão ou verificar questões que devam ser aprofundadas na redação. Em suma,

law clerks can provide substantial assistance to the judge faced with writing an opinion. Especially in a time of burgeoning dockets, their help is crucial. Discussions with law clerks are helpful in planning the opinion and developing the outline. The opportunity to test one’s thoughts in vigorous exchanges with the clerks is invaluable. This will continue to be a useful exercise throughout the writing process as the judge and the law clerks discuss and criticize the opinion as it develops, ferreting out error and ambiguity, striving for precision, and polishing the final product.” (Federal Judicial Center, 1991, p. 10)

Em relação à influência dos law clerks sobre as decisões dos juízes
, Ward e Weiden (2006, p. 1-20 e 150-199) examinam se os law clerks influenciaram as decisões que os juízes tomam, sugerindo que eles não são mais influentes que outros fatores que também interferem no processo de tomada das decisões pelos juízes. Embora não seja comum, podem ter existido situações em que alguns clerks foram bem-sucedidos em persuadir os juízes. Mas é uma estratégia imperfeita de pesquisa pedir para os clerks comentarem sobre sua influência sobre as decisões de seus juízes porque apenas os próprios juízes podem conhecer com exatidão o quanto os clerks influenciam a decisão, além dos próprios clerks poderem subestimar ou supervalorizar sua influência.

Seria ingenuidade pensar que os juízes não percebam eventuais manobras ou tentativas de influência pelos law clerks¸ sendo homens experientes que conhecem seu trabalho e a relevância do cargo que ocupam. Além disso, no momento da decisão os juízes estão sozinhos na Conference Room, e isso é um controle importante sobre eventual influência dos clerks: “since they are on their own, the justices themselves must know the issues and arguments before deliberating and taking votes. Though there are many such procedural checks on clerk influence, it is ultimately up to the justices to decide how much leeway to give their clerks. Entretanto, os clerks fazem longos bench memos para auxiliar os juízes, e esses documentos estarão com os juízes no momento de votar e decidir, muitas vezes servindo de guia para suas decisões. Então, talvez os juízes não estejam então tão sozinhos como poderiam pensar.

Seja como for, é certo que os clerks ocupam papel importante (muitas vezes oculto) no processo decisório. São mais influentes no certiorari process (quanto à admissão dos recursos, considerando a adoção do cert pool e a elaboração de cert memos), embora também interfiram quanto a conteúdo e estilo das decisões (o que não surpreende, já que são seus principais redatores).

Em relação à participação na clerk network
, ainda dizendo respeito à influência dos law clerks no processo decisório, cabe destacar o papel ativo que têm na formação de coalizões entre juízes e como usam seus contatos com outros gabinetes para fazer observações de conteúdo e estratégia para auxiliar as ações de seus juízes. Inicialmente, os clerks trabalhavam na casa dos juízes e não mantinham contato com outros gabinetes. Mas, quando todos passaram a ocupar o mesmo prédio, passou a existir uma clerk network, já que integrantes de gabinetes diferentes se encontravam e conviviam regularmente. Foi inclusive estabelecido espaço próprio para refeições, exclusivo para os law clerks, permitindo que conversassem longe do público, mas fora dos gabinetes (Ward e Weiden, 2006, p. 159-170).

Considerando as peculiaridades do funcionamento da Suprema Corte norte-americana, com a polarização política dos juízes e maiorias apertadas (5x4) em questões polêmicas, não há dúvida de que exista espaço para os clerks atuarem nesse processo de construção de maiorias e redação de votos concorrentes ou dissidentes. Como as negociações entre gabinetes são questões delicadas, os juízes usam a clerk network para obter informações sobre as posições dos outros juízes e sobre a formação de coalizões. A maioria dos juízes não apenas tolera, mas também incentiva a participação de seus clerks nessa network porque isso permite: (a) trocar experiência e auxílio entre os clerks; (b) obter informações sobre as posições de seus colegas e a formação de coalizões; (c) conhecer outros clerks. Entretanto, geralmente são dadas instruções explícitas sobre o que pode e o que não pode ser discutido fora do gabinete, ainda que com outros clerks. Essa rede de contatos tem permitido que depois da proposta de decisão ser escrita e circular entre os gabinetes os clerks deixem de ser redatores e passem a ser negociadores, atuando como embaixadores informais de seus juízes no processo de negociação, compromisso e coalizão que resulta no texto final da decisão (Ward e Weiden, 2006, p. 159-170).

6 Semelhanças e distinção com caso brasileiro

A experiência norte-americana não poderia simplesmente ser transposta para o caso brasileiro porque: (a) não caberia comparar gabinetes de juízes de primeiro grau com a Suprema Corte; (b) o volume de processos e o escopo da jurisdição é muito diferente nos dois casos.(35)

Mas isso não impede que tomemos de empréstimo alguns dos mecanismos utilizados na experiência norte-americana para entender e melhorar as relações entre juiz (brasileiro) e seus auxiliares quanto ao trabalho judiciário e aos textos que produzem.

A partir daqui, nossa intenção será identificar a relação entre o juiz de primeiro grau e seus auxiliares, considerando os métodos de trabalho (o que pode ser oferecido aos auxiliares) e as habilidades para desempenhar a função (o que deve ser exigido dos auxiliares).

7 O que oferecer aos auxiliares (métodos de trabalho)

O juiz é o responsável pela organização e pelo fluxo de trabalho em seu gabinete. Os servidores lotados no gabinete estão ali para auxiliar o trabalho do juiz, e o trabalho do juiz é a atividade-fim do gabinete. O juiz deve direcionar suas energias para prestar adequadamente jurisdição às partes, aos procuradores e aos cidadãos. Os demais recursos da justiça são e devem ser vistos como atividade-meio para atingimento desse fim jurisdicional. Como não existe forma única de organização do gabinete e como a prestação jurisdicional é atividade-fim do juiz e do gabinete, esta é a regra geral: os auxiliares do juiz devem observar aquelas regras de organização e funcionamento ditadas pelo respectivo juiz.

A partir dessa regra geral de que o juiz é quem dita as regras de organização e funcionamento de seu gabinete, queremos destacar alguns procedimentos e mecanismos que podem contribuir para que as relações entre juiz e seus auxiliares alcancem grau satisfatório de cooperação, permitindo atingir com celeridade a atividade-fim do juiz e do gabinete.

7.1 Planejamento estratégico

A primeira dessas ferramentas que o juiz pode dispor é o planejamento estratégico das ações de seu gabinete. Essa ferramenta é importante para organização do trabalho no gabinete, permitindo normatizar o que se espera do trabalho de cada um e estabelecer compromisso com valores e metas comuns.

Num primeiro momento, convém que o juiz formule o planejamento, deixando claro para atuais e futuros auxiliares qual a missão do gabinete (a razão de existência daquela organização, como por exemplo “propiciar serviço judiciário de qualidade em tempo razoável às partes e aos advogados”), a visão de futuro (explicitação do que se visualiza para a organização, como por exemplo “trabalho eficiente e vida feliz, para todos”), princípios (balizamentos para o processo decisório e o comportamento da organização no cumprimento da sua missão), oportunidades (pontos positivos no ambiente externo), ameaças (pontos negativos no ambiente externo), pontos fortes (pontos positivos no ambiente interno) e pontos fracos (pontos negativos no ambiente interno).

Identificados esses pontos, numa segunda etapa são estabelecidas metas e diretrizes (o que a organização decide fazer e não fazer, considerando o ambiente, para concretizar a visão e atingir os objetivos, respeitando os princípios, visando cumprir a missão dentro do negócio) e são elaboradas as metas e os indicadores do planejamento (valores quantificados dos resultados que a organização precisa alcançar em prazo determinado para concretizar os objetivos estratégicos), que serão então desenvolvidos pela equipe de trabalho.
Se o juiz souber usar do instrumental do planejamento estratégico para se organizar e mapear suas condições e intenções de trabalho (sem se escravizar a elas), terá quadro preciso dos objetivos que pretende atingir e daqueles recursos que dispõe para alcançá-los.

A exata noção das intenções e possibilidades do juiz será muito importante para aqueles que atuam no gabinete porque: (a) contém síntese de regras e princípios que os auxiliares podem utilizar para as escolhas que fazem em auxílio ao juiz, examinando processos e elaborando minutas de decisões; (b) auxilia no controle do trabalho dos auxiliares porque permite ao juiz que imponha no gabinete seus parâmetros de trabalho e suas orientações; (c) permite que os valores e princípios estabelecidos pelo juiz para organização de seu gabinete sejam compartilhados e observados pelos que auxiliam no gabinete.

7.2 Rotinas de trabalho

O trabalho judiciário nem sempre é uniforme. Algumas questões exigem um trabalho artesanal do juiz, examinando caso singular que raramente vai se repetir e alcançará situação específica que deve ser resolvida pelo juiz (caso típico de matéria que envolve questões de fato provadas em instrução processual, em que a decisão deve ser adequada ao caso concreto). Outras questões podem se contentar com tratamento mais abstrato e genérico (quase normativo), examinando questões que se repetem em vários processos e envolvem discussões que não se limitam a única situação (caso típico de matéria de direito, em demandas que envolvem situações semelhantes como condição de segurado, reajuste de contrato bancário, remuneração de servidor público, etc).(36)

Seja como for, é importante que as rotinas de trabalho sejam definidas previamente, ficando estabelecido como se dá o fluxo dos processos no gabinete, como as tarefas são distribuídas, como cada participante deve agir (examinar, pesquisar, redigir) e como o trabalho é encaminhado ao juiz.

7.3 Convenções e padrões

Também contribui para o trabalho a existência de linguagem comum entre juiz e auxiliares, seja quanto às convenções e padrões que utilizam, seja quanto ao estilo de redação, às opções de linguagem e ao vocabulário utilizado.

Não existem regras predeterminadas quanto aos critérios a serem utilizados,(37) desde que sejam preservadas autoridade e responsabilidade do juiz quanto aos textos produzidos (o juiz é responsável pelos textos que assina) e sejam alcançadas eficiência e celeridade no trabalho (empregar da melhor forma possível os recursos disponíveis aos objetivos da administração da justiça).

O juiz também deve estabelecer formato de decisão que lhe dê segurança e que permita revisar com facilidade o trabalho alheio. A confiança no trabalho do auxiliar é algo que só com o tempo poderá ser adquirido, sendo relação personalíssima que não pode ser ensinada, que só o tempo sedimenta. Enquanto isso não acontece, ajuda muito o trabalho do juiz que as minutas observem aqueles padrões formais estabelecidos pelo juiz, limitadas ao que é essencial, porque isso facilita o trabalho de revisão pelo juiz. É mais fácil revisar texto enxuto do que ler longas exposições, estruturadas de forma diferente do pensamento do juiz.

7.4 Orientação prévia

É importante que o juiz estabeleça mecanismos para orientação prévia aos seus auxiliares quanto à análise de processos e redação de minutas. É contraproducente que o auxiliar examine o processo e apresente minuta de decisão sem ter ideia do que passa pela cabeça do juiz ou do que ele espera do trabalho do auxiliar. O juiz é o responsável pela decisão. Se ele não pode redigir sozinho todo seu trabalho, não significa que ele deixe de ser responsável pelo que será feito e proposto pelos auxiliares.

Além de regras claras e objetivas quanto aos objetivos e intenções do gabinete (planejamento estratégico), e na impossibilidade prática (pelo volume de trabalho) de adotar o modelo de memorandos como fazem os law clerks, parece razoável uma solução intermediária que exija do auxiliar um prévio exame do processo (feito de forma neutra e imparcial), identificando as questões controversas, os argumentos das partes e as provas produzidas, a partir do que o juiz orienta seu auxiliar sobre forma e conteúdo da decisão que espera seja minutada.
Esse momento de orientação também pode servir para o juiz trocar ideias com seu auxiliar sobre o processo:

Law clerks can provide substantial assistance to the judge faced with writing an opinion. Especially in a time of burgeoning dockets, their help is crucial. Discussions with law clerks are helpful in planning the opinion and developing the outline. The opportunity to test one’s thoughts in vigorous exchanges with the clerks is invaluable. This will continue to be a useful exercise throughout the writing process as the judge and the law clerks discuss and criticize the opinion as it develops, ferreting out error and ambiguity, striving for precision, and polishing the final product.” (Federal Judicial Center, 1991, p. 10)

Seja como for, é o juiz quem decide. Ele não pode abrir mão disso. Ele pode delegar tarefas ao auxiliar, seja quanto ao exame do processo ou redação da minuta, mas ele deve manter o controle sobre todas as fases do processo decisório, inclusive sobre a produção do texto que materializa sua decisão. Assim, embora exista delegação, ninguém poderá negar que a autoridade sobre a decisão continua com o juiz.

7.5 Feedback

É importante que o juiz olhe o passado para estabelecer correções de rumos para o futuro. Isso é feito estabelecendo formas de dar retorno do trabalho ao auxiliar, orientando não apenas antes, mas também depois do trabalho. Isso pode ser feito por conversa informal ou fazendo anotações à margem da minuta revisada, mostrando ao auxiliar o que foi aproveitado e o que foi alterado, com os respectivos motivos. A ideia aqui não é justificar as opções feitas pelo juiz ao alterar o texto proposto nem discutir se a decisão do juiz (aproveitando ou rejeitando a minuta proposta pelo auxiliar) foi acertada ou melhor. O que se quer é tão somente mostrar ao auxiliar como o juiz pensa e como entende que o trabalho deva ser feito para auxiliar aquele juiz. O juiz não só corrige as minutas, mas também aponta o que pode ser feito nas próximas para que elas mais se aproximem do que ele deseja e necessitem menos correção.

7.6 Valorização do relatório e elaboração de roteiro da fundamentação

Em nossa prática judiciária, não existe possibilidade do juiz e seus auxiliares adotarem como regra a troca de memorandos sobre os processos, nos moldes dos law clerks norte-americanos. Mas os memorandos podem ser substituídos por relatórios das decisões, aproveitando o exame do processo para elaborar o relatório que integrará a decisão.

A vantagem do relatório é que ele será aproveitado posteriormente na própria decisão (independentemente da decisão – acolhendo ou rejeitando o pedido – que o juiz adotar) e é instrumento importante para análise do processo e identificação dos pontos controversos e argumentos das partes.

Esse relatório, integrando a minuta da decisão, fornece ao juiz panorama das questões a serem decididas e dos acontecimentos relevantes do processo. Deve ser neutro, sem ainda escolher nem indicar quem vencerá o processo, limitando-se a apresentar as informações relevantes do processo.

O auxiliar elabora um relatório (imparcial, por definição), narrando todo o processo que examinou, contendo as ocorrências processuais e os elementos fáticos relevantes para a decisão. Esse relatório é submetido ao juiz, dando ideia objetiva do que está em questão naquela decisão. O juiz não perde tempo ordenando os fatos do processo ou examinando peças/atos que não são relevantes. Esse trabalho já foi feito previamente pelo auxiliar e pode ser facilmente fiscalizado pelo juiz, conferindo nos autos o que foi selecionado pelo funcionário. 

Logo após o exame do processo, mas ainda antes de submeter o relatório ao juiz, o auxiliar pode elaborar roteiro preliminar com as questões que deverão ser tratadas na decisão (esqueleto da fundamentação). As questões controvertidas são enumeradas, selecionadas, ordenadas, sugerindo ao juiz as possibilidades de decisão sem ainda iniciar o processo de redação da minuta propriamente dita. A vantagem disso é que fica mais fácil para o juiz revisar e controlar a proposta do auxiliar, orientando-o quanto aos pontos que deverão ser abordados ou argumentos que poderão ser utilizados antes do trabalho de redação ser iniciado. Se o juiz alterar o que foi proposto, não se terá perdido tempo na redação (desperdício). O juiz pode fazer as alterações que entender na proposta de fundamentação, devolvendo o texto para que então o auxiliar inicie a redação propriamente dita da minuta. Será mais fácil para o juiz corrigir os rumos da decisão nesse esqueleto de fundamentação do que se tiver de trabalhar sobre texto já redigido.

7.7 Redação em blocos autônomos

Quanto à redação propriamente dita, é interessante que o auxiliar trabalhe com blocos independentes de redação, que possam ser alterados/suprimidos pela correção/revisão feita pelo juiz sem prejudicar ou alterar o restante do texto. Cada pedido e cada argumento são apresentados separadamente, permitindo que o juiz escolha exatamente os pontos/questões que irão constar na sua decisão. Se não concordar com alguma das propostas do auxiliar, bastará suprimi-la sem prejuízo ao restante do texto ou sem necessitar de maiores revisões.

7.8 Reservatório de boa vontade

Nas relações entre juiz e auxiliares, é importante que todos estejam comprometidos com os mesmos valores. Mas é importante também que todos atuem de forma cooperativa, com boa vontade, compreendendo que todos têm altos e baixos e que é importante mantermos nossas relações boas na média. Podemos ter um dia ruim, mas é importante que sempre tenhamos uma reserva de dias bons guardada para compensar esses nossos maus dias.(38)

Se a prestação jurisdicional e a produção textual são atividades desgastantes, é importante estar consciente de que nem todos os textos serão bons nem todos os dias serão prazerosos. É importante que na média os textos sejam bons e que os dias sejam prazerosos. Pequenos gestos e pequenas atitudes, às vezes, contribuem muito para melhorar essas relações cotidianas entre pessoas. Isso se aplica também aos juízes e aos seus auxiliares. É importante que ambos cultivem seus reservatórios de boa vontade, deles se socorram em dias ruins e os recarreguem naqueles dias bons.

8 O que exigir dos auxiliares (habilidades)

Não existe previsão legal específica quanto às funções que os auxiliares diretos do juiz podem desempenhar. O que existe é regramento em cada órgão do Poder Judiciário, distribuindo as atribuições entre os diversos cargos. Na Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, por exemplo, o Manual de Atribuições das Varas Federais estabelece para a função de “oficial de gabinete” as seguintes atribuições:

 “(a) efetuar relatórios de processos conclusos para sentença e de decisões para o Juiz, no prazo legal; (b) elaborar minutas de despachos, decisões, informações e demais documentos do Gabinete, no âmbito definido pelo Juiz, inclusive conversões em diligências, quando necessário, submetendo-os à apreciação do mesmo; (c) marcar as audiências do juízo e controlar as pautas de julgamento e audiências; (d) datilografar e digitar sentenças e decisões do Gabinete, mantendo-as arquivadas; (e) examinar as petições iniciais, verificando a sua regularidade processual, analisando a documentação que a acompanha e fundamentos jurídicos do pedido, sugerindo as providências pertinentes; (f) controlar as fases dos feitos conclusos para sentença e sentenças recebidas; (g) organizar os processos conclusos para sentença no Gabinete; (h) examinar, preparar, controlar e encaminhar a correspondência do Gabinete; (i) organizar e manter a legislação de uso frequente; (j) organizar e manter o arquivo de jurisprudência selecionado pelo Juiz; (k) efetuar pesquisa de jurisprudência atinente aos processos em andamento na Vara; (l) recepcionar visitantes, atender às partes, controlar a agenda e fazer contatos telefônicos atinentes ao Gabinete; (m) receber, controlar, guardar e distribuir material necessário ao desenvolvimento das atividades do Gabinete; (n) executar os serviços de apoio às viagens do Juiz; (o) atualizar fases; (p) exercer as atribuições gerais das funções.” (Secretaria de Organização & Métodos do TRF4, s/d)

Entretanto, as tarefas dos auxiliares do juiz variam porque também varia a forma de trabalho dos respectivos juízes.(39) A forma como essas atribuições serão desempenhadas vai depender do que for estabelecido entre juiz e auxiliar. Será o juiz quem ditará as regras e convenções que devem ser seguidas nesse trabalho cooperativo de gestão do gabinete e distribuição das tarefas entre os participantes.

Vai ser difícil generalizar todas as tarefas porque cada juiz tem suas próprias expectativas e necessidades quanto ao funcionamento de seu gabinete. Os auxiliares devem observar as instruções do juiz com quem trabalham, sendo que compreender e acomodar as preferências do juiz é a chave para manter um gabinete eficiente. Suas tarefas típicas envolvem realizar pesquisa jurídica; analisar e resumir processos; minutar decisões e sentenças; editar e revisar textos do juiz; conferir citações; prestar esclarecimentos e manter contatos com partes e advogados em nome do juiz. Alguns juízes discutem com eles casos pendentes.

8.1 Observância de regras éticas

No caso dos law clerks de cortes federais norte-americanas, existe um código de ética próprio aplicável a eles (específico em relação aos demais funcionários), considerando que desempenham importante papel no processo judicial e devem manter sua integridade.

Devido à proximidade entre law clerk e juiz, as ações pessoais e profissionais daquele refletem-se no juiz e no judiciário. Além disso, o law clerk tem acesso a muitas informações privilegiadas do juiz, seu processo decisório e as decisões que vai proferir.

Antes de tudo, é preciso que os auxiliares observem regras éticas e de conduta, especialmente guardando a confidencialidade das informações que recebem e atendendo àquelas regras estabelecidas pelo juiz.

Embora não tenhamos um código de ética aplicável especificamente aos auxiliares diretos do juiz, muitas questões éticas são resolvidas com senso comum e a partir daquelas regras estabelecidas por cada juiz.

Merece destaque o dever de confidencialidade e de lealdade que deve existir em relação ao juiz porque a proximidade do auxiliar em relação ao juiz, discutindo com ele muitas questões envolvidas no processo decisório (antes da decisão tornar-se pública e definitiva) e participando do processo de construção das decisões, aumenta a responsabilidade do auxiliar quanto aos deveres de confidencialidade e lealdade para com o juiz. Fora do gabinete, o auxiliar não pode falar sobre caso ou informação que não sejam públicos. As instruções recebidas do juiz e questões com ele discutidas devem ser mantidas confidenciais, salvo se o contrário for determinado pelo juiz. O juiz é a única pessoa que pode ou deve comunicar qualquer opinião pessoal que ele queira tornar pública. O auxiliar não deve comentar nem tentar explicar as decisões publicadas, nem deve tornar públicas ou divulgar publicamente minutas elaboradas para ou pelo juiz. Também não é prudente que discuta casos pendentes com amigos, familiares ou terceiros.

8.2 Tarefas de pesquisa

Numa época em que as informações são abundantes, que a doutrina é variada e que os precedentes de jurisprudência contam-se aos milhares, não resta opção ao juiz senão delegar aos seus auxiliares esse trabalho. A pesquisa jurídica é uma das principais tarefas de auxílio ao juiz. Ela poupa ao juiz dirigir-se pessoalmente à biblioteca e buscar ele próprio fontes e informações que necessita.

Ao pesquisar (Sobel, 2007, p. 83-85), é importante: (a) entender o propósito da pesquisa; (b) entender os fatos do processo onde a pesquisa será utilizada; (c) entender a questão legal controvertida; (d) fazer pesquisa preliminar utilizando fontes secundárias (tratados, comentários) se a pesquisa for em área em que não se esteja familiarizado; (e) conhecer e usar todos os recursos das ferramentas de pesquisa disponíveis; (f) ler os precedentes na íntegra, inclusive votos vencidos e votos concorrentes, e verificar se ainda estão vigentes; (g) esgotar as fontes disponíveis e, caso demore pesquisando sem sucesso, buscar ajuda com os funcionários encarregados da biblioteca; (h) usar os arquivos do juiz, onde constem suas decisões anteriores.

Também é conveniente que o auxiliar conheça os processos em tramitação para que se mantenha atualizado, acompanhando mudanças legislativas, novos precedentes e estudos doutrinários, imediatamente chamando atenção do juiz quanto a alterações relevantes que digam respeito a casos pendentes.

8.3 Tarefas de análise de processos

Outra tarefa que é relevante diz respeito à preparação do juiz para decidir questões pendentes. Antes de decidir, o juiz precisa conhecer o processo, a controvérsia que o motiva, os argumentos das partes e as provas produzidas. Para tanto, precisa ler e analisar os autos do processo. Aqui seu auxiliar pode prestar grande ajuda: lendo, analisando, resumindo questões ou processos pendentes de decisão; sugerindo encaminhamentos para o caso ou apresentando memorando para uso do juiz quanto a questões de fato e de direito envolvidas na decisão (por exemplo, para o juiz utilizar na audiência de instrução); discutindo com o juiz as questões do processo; elaborando relatórios e identificando tópicos a serem abordados na decisão.

(A) Elaboração de relatórios

O processo não é algo que se organize naturalmente, os interesses das partes são antagônicos, as petições se sucedem e se contradizem (como é próprio ao contraditório), novos materiais (petições, argumentos, provas, documentos) são produzidos e trazidos ao processo. O processo se organiza de forma cronológica, mas essa ordem cronológica nem sempre é suficiente para exata compreensão do que está sendo discutido nem para orientar o juiz na busca da melhor decisão. Aqui entra o trabalho de relatório, que não se limita apenas a expor cronologicamente os acontecimentos do processo, mas deve ir além, organizando logicamente e apresentando coerentemente todas as peças e materiais do processo.

O juiz pode solicitar que seu auxiliar elabore relatórios confiáveis, organizados e objetivos. O juiz pode delegar ao auxiliar o exame, análise e resumo do processo ou de peças do processo. Essa é uma tarefa importante de auxílio porque reduz o trabalho do juiz quanto à leitura de todas as peças e atos do processo. Nesse caso, o juiz vai conferir posteriormente o trabalho que foi feito, orientando antes e deixando ao auxiliar a tarefa de esmiuçar as petições, resumir argumentos das partes e identificar materiais relevantes contidos no processo.

Um relatório bem feito economizará tempo de todos porque será feito apenas uma vez, mas auxiliará na compreensão das questões litigiosas (argumentos e controvérsia), na identificação do material disponível para decisão (documentos e provas). Fornecerá roteiro seguro para a decisão a ser tomada, assegurando que os argumentos das partes sejam examinados e a questão seja decidida de forma clara, objetiva e precisa.

O relatório também é importante para o juiz porque: (a) permite controlar o trabalho feito pelo auxiliar, permitindo conferir o andamento do processo e os pontos que foram destacados/resumidos pelo auxiliar; (b) é ponto de partida seguro, ordenado e lógico para a decisão; (c) coloca o mundo em ordem, isto é, aquele material argumentativo e probatório produzido antes da decisão (contraditório), que está ordenado cronologicamente nos autos é transformado num todo coerente e ordenado, logicamente, permitindo ao juiz conhecer as questões debatidas, separar os argumentos favoráveis e contrários, e então escolher a melhor decisão para aquela questão; (d) não só permite um bom relatório escolher a melhor decisão, mas também apresentá-la de forma ordenada, lógica e coerente, sabendo o que vai decidir, o que deve decidir, os argumentos que deve examinar, acolher ou rebater.

O relatório eficiente atende a estes requisitos: (a) deve abranger as questões relevantes discutidas e aquelas que deverão ser decididas; (b) não deve apresentar tudo o que ocorreu, mas apenas o que é relevante; (c) não deve apresentar a íntegra dos acontecimentos, mas um resumo do que é importante para a decisão; (d) não precisa seguir necessariamente a ordem cronológica, mas deve apresentar as questões e acontecimentos em ordem lógica, agrupando questões e argumentos para que o juiz compreenda o litígio e a controvérsia; (e) deve indicar as peças do processo onde os argumentos e acontecimentos estão tratados, inclusive utilizando forma sintética de localização nos autos do processo de modo a permitir que o juiz possa (com facilidade) controlar e conferir o que foi resumido no relatório (por exemplo, indicando as fls. dos autos onde está o argumento, a prova, o documento, a alegação); (f) deve ser escrito em linguagem direta, fluente, fácil de ler, usando convenções que permitam ao juiz identificar com facilidade as fls. dos autos; (g) dentro do possível, o relatório deve ordenar as questões, fazendo o “trabalho pesado” de interpretação do processo. O trabalho pesado deve ser feito pelo auxiliar, não pode ser deixado para depois ou para o juiz. O momento de entender o que está sendo pedido ou os motivos do pedido é o momento de elaboração do relatório. O relatório é momento de análise e de síntese, apresentando versão final e completa do que está sendo discutido e (apenas) do que será relevante à fundamentação e ao dispositivo (o que o juiz tem que examinar); (h) as dúvidas do auxiliar quanto ao que deve ser incluído ou não no relatório, ou como deve ou não ser interpretada dada pretensão, argumento ou prova, não devem ser postas no relatório, mas fora dele (num memorando ao juiz, por exemplo), chamando sua atenção – fora do relatório – para aquela questão (que pode ser relevante) pertinente à identificação de pedidos ou causas de pedir; (i) o relatório deve auxiliar o juiz, deve servir não apenas para que as partes vejam atendidas suas expectativas quanto ao “relatório” da decisão, mas também que o juiz possa ter no relatório roteiro seguro e ordenado do que tem a decidir pela frente; (j) o relatório tem que poupar trabalho do juiz (custo x benefício), escrito em linguagem direta, acessível, objetiva, clara, ordenada.

Geralmente não atribuímos ao relatório essa importância que ele poderia ter (guia para o juiz decidir e controlar o trabalho que delegou ao auxiliar). Mas, se compreendermos e utilizarmos todas as potencialidades do relatório, teremos importante ferramenta para colaborar na relação entre juiz e auxiliar (o relatório não servirá apenas para as partes e os procuradores, mas também cumprirá a função de memorando entre auxiliar e juiz, retirando do juiz o trabalho de leitura e ordenação de todo o material do processo e dando ao juiz oportunidade para controlar e fiscalizar o trabalho de síntese feito pelo auxiliar).

É importante então que o juiz ensine a relatar, mostrando ao auxiliar como ordenar as questões, como identificar o que é relevante ou irrelevante. Esse trabalho é tão (ou até mais) importante quanto é ensinar o estilo de redação ao auxiliar porque a redação é algo que salta aos olhos (tudo está explicitado na minuta elaborada), enquanto o relatório pode omitir questões (que seriam relevantes) ou destacar o que não seria relevante, obrigando ao juiz refazer todo o trabalho de análise e leitura do processo caso não tenha sido bem feito. É mais fácil corrigir a redação defeituosa do que um relatório malfeito.

O juiz não pode confiar cegamente na acuidade do relatório, ao menos enquanto não tiver certeza de que seu auxiliar compreendeu perfeitamente a técnica de relatar e o que o juiz precisa que seja identificado nos processos. É preciso um demorado processo de aprendizado e interação entre auxiliar e juiz para que aquele saiba o que este espera do relatório e para que este confie no trabalho daquele (trabalho cooperativo).

Em suma, os auxiliares colaboram na análise e no resumo dos processos, sintetizando peças e atos processuais e apresentando ao juiz fatos provados, a controvérsia havida, as pretensões e defesas das partes.

(B) Sugestão de fundamentação

Além de elaborar o relatório, o auxiliar do juiz pode contribuir apresentando sugestões lógicas e coerentes de fundamentação da decisão. Antes de redigir o texto da fundamentação, o juiz pode solicitar ao auxiliar que apresente roteiro (esqueleto, esquema) das questões que deverão constar na fundamentação, apontando os argumentos que serão examinados ou utilizados. Na prática dos law clerks, isso poderia ser feito por meio de memorando elaborado pelo auxiliar e dirigido internamente ao juiz. Aqui, entretanto, isso geralmente será feito por meio de “bilhete”, com um roteiro esquematizado das questões a serem decididas e argumentos (favoráveis e contrários) a serem abordados.

Seja como for, é importante que essa sugestão de fundamentação seja apresentada de forma lógica, coerente, ordenada, permitindo ao juiz acrescentar ao texto as correções e alterações que entender quanto aos pontos controvertidos e aos argumentos.

8.4 Tarefas de redação

As tarefas relacionadas à redação de textos são as mais importantes desempenhadas pelos auxiliares porque envolvem a produção de textos que serão submetidos ao juiz e, corrigidas ou revisadas pelo juiz, poderão se tornar decisões judiciais.

Deixando de lado a redação de correspondência oficial, abordaremos os memorandos e as minutas que o auxiliar pode elaborar em auxílio ao juiz.

(A) Elaboração de memorandos

Utilizamos pouco o memorando como forma de comunicação entre juiz e auxiliares, provavelmente pela quantidade de trabalho e o pouco tempo disponível para se dedicar a cada processo. Isso faz com que os contatos entre juiz e auxiliar se limitem à troca de bilhetes, às anotações à margem da minuta ou à simples conversa informal, e que a parte escrita seja transferida diretamente para a redação do relatório ou da própria minuta. Isso diferencia o auxiliar do juiz brasileiro do law clerk. Aqui o volume de trabalho nem sempre permite prévia troca escrita de informações e elaboração de memorandos.

Mesmo assim, convém examinarmos o memorando como ferramenta interna de comunicação entre juiz e auxiliar porque essa técnica poderia ser melhor utilizada nessas relações.

O memorando é documento informal destinado a comunicar os resultados de uma pesquisa ou o resumo de um processo (Sobel, 2007, p. 90-95). Seu objetivo é economizar o tempo do juiz, permitindo-lhe perceber rapidamente os elementos de um caso sem precisar ler cada palavra nas petições – muitas vezes mal escritas – das partes. O objetivo não é apenas dar a opinião do clerk sobre o caso, mas apresentar ao juiz todos os seus elementos.

Por isso, os memorandos devem ser internamente completos, isto é, devem ser compreensíveis sem necessidade de consulta às petições das partes. Os fatos relevantes devem ser indicados, as questões devem ser identificadas, e os argumentos jurídicos das partes devem ser brevemente analisados. A concisão é importante. O clerk deve evitar over-advocacy nos memorandos e em seus raciocínios, devendo apresentar fatos e argumentos de ambas as partes sem que eles sejam afetados pela ideia que o clerk faz do mérito (Ward e Weiden, 2006, p. 252 e 258).

Dentre os tipos de memorandos que os law clerks podem ser solicitados a elaborar (Sobel, 2007, p. 90-95),(40) interessa o bench memorandum, que é aquele preparado para uso do juiz durante a arguição oral. Muitos juízes o querem breve, uma ou duas páginas, e não esperam pesquisa além do que as partes apresentaram no processo. O bench memo geralmente é um sumário das petições e argumentos das partes, junto com (se requerida) a análise da procedência desses argumentos e identificação das questões que serão discutidas.

Geralmente o bench memo terá este formato: (a) identificação do processo e das partes; (b) apresentação do caso, indicando como surgiu, procedimentos adotados e demais incidentes relevantes; (c) breve apresentação dos fatos do caso; (d) apresentação das questões suscitadas pelas partes; (e) sumário dos argumentos das partes; (f) questões que podem ser clarificadas, expandidas, discutidas durante a arguição oral; (g) se solicitado pelo juiz, a visão do law clerk sobre o mérito do caso, com análise, explanação e recomendação sobre a decisão (alguns juízes não desejam que o law clerk expresse qualquer opinião sobre o mérito; outros desencorajam qualquer linguagem conclusiva até que o caso tenha sido arguido e esteja pronto para ser julgado).

Na redação de memorandos, alguns cuidados devem ser tomados:

“If you are required to prepare a memorandum, first examine the briefs or memoranda from both the moving party and the opposition. The legal standard or rule that applies is often fairly clear; the difficulty is in applying the rule to the facts. The facts are almost always incompletely presented, or at least slanted in the party’s favor. You must examine and compare each party’s version, and then check them against the exhibits, declarations, or other materials in the record. Look for samples of predecessors’ memos on motions and use them as guides. There is no one style or format for such memos, but certain features are common: (a) Name and number of the case, [...] the date of the memo, and the writer’s initials; (b) Statement of the nature of the motion or motions now under consideration, identifying the moving party; (c) Recommended disposition, summarized; (d) Statement of facts and procedural posture (this should include a description of the parties and their relationships to one another, key events, and a notation of facts in dispute [...]); (e) Discussion of the parties’ chief arguments; the legal standard set by controlling statutes, rules, or precedent; and a succinct explanation of your reasons for recommending a particular result on each point.”
(Sobel, 2007, p. 99)

Embora dificilmente houvesse espaço (e tempo) para que fossem trocados memorandos entre os juízes brasileiros e seus auxiliares, esse formato poderia ser utilizado para que o auxiliar documente o resultado de alguma pesquisa ou exame de processo que tenha sido solicitado a fazer. Por exemplo, um memorando poderia conter uma síntese dos acontecimentos processuais e questões relevantes de fato e de direito que são discutidas no processo, servindo para que o juiz se preparasse para audiência de instrução do processo sem necessitar manusear todo o processo. Esse memorando, além de ser utilizado pelo juiz na audiência, poderia posteriormente servir como início de relatório para a sentença, com algumas poucas adaptações.

Outra possibilidade seria o auxiliar apresentar o resultado de pesquisa jurídica que realizou, sistematizando seus achados e apresentando-os de forma escrita e ordenada ao juiz que poderia, posteriormente, vir a se utilizar daquele texto na fundamentação da decisão.

(B) Preparação de minutas

O que difere a minuta do memorando é que este é dirigido especificamente ao juiz, apresentando ou resolvendo alguma questão que ele solicitou, ainda sem a forma da decisão definitiva. O material provavelmente será utilizado na decisão, mas não tem ainda o formato de decisão.  A definição da palavra no dicionário não capta a dimensão que ele assume no trabalho judiciário:

Memorandum: an informal written communication used esp. in offices.” (Garner, 2009, p. 1074)

“Memorando: mensagem, breve e informal, us. como instrumento de comunicação administrativa, em impresso apropriado, ger. em correspondência interna.” (Houaiss, 2009, p. 1271)

A definição de bench memo se aproxima mais daquilo que precisamos para o trabalho nos gabinetes brasileiros:

Bench memo: (...) 2. A legal memorandum prepared by an appellate judge’s law clerk to help the judge in preparing for oral argument and perhaps in drafting an opinion. A trial-court judge may similarly assign a bench memo to a law clerk, for use in preparing for hearing or trial or in drafting an opinion. 3. A memo that summarizes the facts and issues in a case, usu. prepared for a judge by a law clerk.” (Garner, 2009, p. 176)

Já a minuta é tida como “a primeira redação, ainda não definitiva, de um texto; borrão, rascunho” (Houaiss, 2009, p. 1295). Ou seja, na minuta já temos a formatação da decisão. O texto não foi mais escrito apenas para o juiz, mas já tem a forma que se espera que venha a ter a decisão.

É importante que a minuta seja elaborada segundo as convenções e regras estabelecidas pelo juiz quanto a estilo, linguagem, formatação, etc. Ajuda bastante a redação ser clara, concisa, lógica e legível. O auxiliar deve ter presente que aquele texto deverá ser lido, conferido e corrigido pelo juiz, devendo empregar as melhoras técnicas de redação para que o texto seja legível e esse trabalho de revisão seja facilitado e fluente.(41)

As regras da boa escrita devem ser observadas pelo auxiliar (Sobel, 2007, p. 86-102), sendo recomendável que: (a) prepare um esboço antes de começar, nele incluindo tudo o que for relevante; (b) introduza o tema, permitindo que o leitor conheça do que vai tratar (em memorandos sobre questão específica, comece com declaração precisa da questão, seguida das conclusões); (c) observe o formato específico adotado pelo juiz; (d) seja cuidadoso e dê as referências apropriadas ao fazer citações; (e) escreva de forma sucinta, clara e precisa, evitando palavras abstratas ou complexas, ou frases que interfiram na compreensão do leitor; (f) divida e subdivida, porque em textos longos será mais fácil para o leitor seguir um material dividido em subpartes, cada uma delas identificada com letras, números e pequenos títulos.

Essa minuta será submetida ao juiz, que irá revisá-la e determinará as alterações ou correções necessárias. A palavra final é do juiz e o auxiliar deve atender exatamente o que foi determinado pelo juiz na revisão daquela minuta. Afinal, a assinatura que aparece na decisão é do juiz e ele é o responsável pela decisão. Pode ser que as alterações ou correções determinadas pelo juiz não sejam as melhores ou descaracterizem a minuta elaborada com tanto cuidado pelo auxiliar, mas este deve observá-las porque aquela decisão pertence ao juiz e apenas ele tem competência legal (art 164 do CPC) e constitucional (art. 93, IX, da CF) para decidir sua forma ou conteúdo.

8.5 Tarefas de revisão

Convém que os textos do auxiliar sejam cuidadosamente revisados antes de serem submetidos ao juiz, evitando erros de grafia, troca de letras, incorreções gramaticais. Também é importante conferir as citações e referências a precedentes, à doutrina e aos próprios atos do processo. É preciso também examinar o documento como um todo, dando-lhe coerência, ordem lógica, uniformizando o vocabulário e as questões tratadas.

Os objetivos da revisão são: (a) corrigir erros de gramática e pontuação; (b) eliminar ambiguidades e promover clareza; (c) melhorar a forma e a ordem de apresentação do direito ou dos fatos; (d) melhorar o estilo; (e) eliminar material redundante; (f) corrigir excessos verbais.

Se essa revisão prévia não for feita pelo auxiliar, acabará tendo de ser feita pelo juiz, que terá diante de si um texto imperfeito, com pequenas correções para fazer que acabam minando sua confiança no trabalho do seu auxiliar. Essa revisão é importante porque “a document that contains misspelled words or inaccurate citations indicates a lack of care in its final preparation. Every document must be proofread meticulously both for substantive correctness and to eliminate typographical and grammatical errors” (Sobel, 2007, p. 101). Como confiar no trabalho do auxiliar se sequer as pequenas inconsistências foram corrigidas e se existem ainda erros facilmente perceptíveis na minuta?

Se for o caso de edição e revisão do texto (Sobel, 2007, p. 86-102), é importante que: (a) se for seu próprio trabalho, o auxiliar dê um tempo e trabalhe em algo depois de escrever e antes de começar a revisão; (b) leia alto o que foi escrito; (c) peça auxílio para alguém ler ou comentar o texto; (d) embora brevidade e clareza sejam importantes, evite usar apenas sentenças simples e curtas (porque isso tornaria o texto monótono); (e) o uso excessivo da pontuação pode indicar que a frase deve ser dividida em duas ou mais frases.

O juiz também pode solicitar que o auxiliar revise texto elaborado pelo próprio juiz, servindo como alguém que lê e comenta texto alheio (com as vantagens de não ter escrito o texto, de ter mais facilidade na revisão do que teria quem escreveu o texto). Nesse caso, as mesmas recomendações são cabíveis, devendo-se buscar identificar com o juiz se a revisão deve ser apenas superficial das questões mais aparentes ou se deve envolver trabalho mais profundo, de ordenação do texto e até mesmo reescrita. Provavelmente essa revisão solicitada pelo juiz envolverá apenas o aspecto formal do texto, não atingindo nem alterando os argumentos e as decisões contidas no texto.

9 Independência do juiz e interferência do auxiliar

É interessante que quando se fala em independência do juiz pensamos em situações-limite, que atingem a independência política do juiz ou sua independência em relação aos outros membros do Judiciário. Grandes ações, grandes interesses, grandes pressões. Conflitos entre poderes. Choques de interesses.

Mas chamo atenção para situação que, embora pareça menos importante, cotidianamente está presente na rotina dos juízes: a influência que ele recebe (ou pode receber) daqueles que o auxiliam ou com quem ele se aconselha. É situação cotidiana, mas não por isso menos importante, que pode interferir na sua independência funcional. Afinal, qual juiz nunca discutiu um processo com um colega, trocando ideias e pedindo sugestões? Ou conversou com um oficial de gabinete, orientando sobre minuta de decisão ou discutindo argumentos e provas de determinado processo que aguarda sua decisão, inclusive aceitando sugestões feitas por um funcionário experiente ou estudioso?

A questão que devemos considerar agora é se existem limites às pessoas com quem o juiz pode conversar, se aconselhar e discutir essas questões. Em outras palavras, quais os limites éticos às relações do juiz com seus auxiliares quanto a essas questões? Como justificamos essa delegação de tarefas que os juízes cotidianamente fazem, pedindo que seus oficiais de gabinete examinem processos e elaborem minutas que lhes serão submetidas? Como o juiz se protege de eventuais influências à sua independência nesse processo?

A abordagem das relações entre juiz e auxiliares não estaria completa sem algumas considerações sobre aqueles que podem editar e revisar o trabalho do juiz, ainda que dependam da prévia aceitação do juiz.(42) Será que eles não podem influenciar no trabalho e reduzir a independência do juiz, fazendo com que a questão seja decidida daquela forma proposta porque o juiz se encontra com excesso de processos e submetido a metas e outras formas de aceleração da prestação jurisdicional, sem condições de prestar corretamente a jurisdição?

Aqui não parece estar em jogo a pressão de alguém mais forte em relação ao juiz (como é o caso da influência externa, que envolve disputa entre o juiz e outros poderes). Mas, de algum modo, o juiz poderá estar pressionado pela carga de trabalho, pelo volume de processos que precisa examinar, o que vai obrigá-lo a delegar mais do que gostaria ou, até mesmo, poderia. Embora geralmente de forma sutil, essas condições de trabalho também poderão afetar a independência do juiz, diretamente influenciando suas decisões.

É que quando o juiz recorre a assessores ou auxiliares, eles também participam de forma importante na elaboração das decisões não apenas quanto à produção do texto em si (redação da minuta), mas também quanto à própria análise de fatos e argumentos do processo.

Mas é preciso deixar claro que sempre o juiz será o responsável pela decisão porque a decisão é dele, as escolhas são dele, é o nome dele que vai assinado na decisão. Se algo der errado, ele é quem será responsabilizado.

Então, consequência disso, é que o auxiliar do juiz é apenas um auxiliar. É alguém que está ali, integrando um corpo funcional com responsabilidades e atribuições próprias, que deve prestar auxílio e colaborar com o trabalho do juiz, observando as determinações daquele juiz a quem deve atender. Senão quando solicitado pelo juiz, não lhe cabe criticar a decisão ou discordar dela, porque a decisão não lhe pertence, não é responsável pela decisão, age nos estritos limites da delegação dada pelo juiz para a função de auxílio à função judicante.

É muito importante que o juiz não abdique do seu dever de orientação, controle e fiscalização do trabalho realizado pelos seus auxiliares. Ainda que confie neles e ainda que eles sejam extremamente competentes no trabalho que realizam, é importante que o juiz nunca se acomode em delegar o que é tarefa do juiz, aquilo que faz o juiz responsável pela decisão que assina. Se o juiz abre mão disso (desse controle constante das decisões que assina), está abrindo mão da própria função judicante, correndo risco do mau uso dessa delegação comprometer seu trabalho e sua reputação, ou prejudicar a própria independência do juiz.

O cidadão tem direito à adequada prestação jurisdicional, que não pode ser inteiramente delegada a funcionários, ainda que concursados e da estrita confiança do juiz. O juiz é pago para decidir, o juiz é pago não apenas para assinar suas decisões, mas para decidir o que está assinando.(43)

Conclusões

Podemos concluir o seguinte:

(1) Os juízes necessitam auxílio dos funcionários do gabinete para fazer seu trabalho, solicitando e delegando a eles tarefas relacionadas à pesquisa jurídica, ao exame e análise de processos e à elaboração de minutas de decisões;

(2)
A delegação feita pelo juiz aos seus auxiliares quanto às tarefas envolvidas no processo decisório não pode ser cega nem livre, devendo o auxiliar receber e seguir as orientações do juiz e estar constantemente fiscalizado pelo juiz quanto ao cumprimento e à observância daquelas tarefas;

(3)
O juiz deve manter controle das escolhas feitas em suas decisões, sendo e sentindo-se sempre responsável pelas decisões e textos que assinou. Um juiz não é investido na jurisdição apenas para assinar decisões, mas para efetivamente decidir o que vai assinar e o que vai constar de sua decisão;

(4)
O gabinete, integrado pelos auxiliares diretos e imediatos do juiz, deve atuar de forma cooperativa e ética, seguindo estritamente as orientações do respectivo juiz e buscando instrumentos e ferramentas que facilitem o fluxo de informações, o controle do trabalho e a fiscalização pelo juiz;

(5)
Em face da proximidade com o juiz e do conhecimento interno de questões atinentes ao processo decisório, os funcionários integrantes do gabinete do juiz estão submetidos a deveres de confidencialidade e lealdade em relação ao juiz que auxiliam;

(6)
A experiência dos law clerks das cortes federais e da Suprema Corte norte-americanas, principalmente quanto à elaboração de memorandos e à redação de minutas, traz importantes subsídios para compreensão das relações entre o juiz e seus auxiliares (ainda que ocorrendo em realidade distinta da brasileira), podendo contribuir para que as ferramentas de gestão do gabinete sejam aprimoradas para preservar a independência do juiz e lhe fornecer o necessário auxílio para atingir celeridade e eficiência (artigos 5º, LXXVIII, e 37, caput, da Constituição Federal de 1988);

(7)
Quanto à produção textual judiciária, convém distinguir aqueles textos que o juiz elabora e aqueles que são elaborados por seus auxiliares (que ele revisará). Na elaboração destes é preciso facilitar o trabalho de revisão pelo juiz, recomendando-se: (a) seguir as orientações do juiz quanto ao estilo de escrita do texto; (b) buscar estilo simples e legível; (c) indicar fatos com precisão (relatório seguro); (d) realizar análise confiável do processo (roteiro de fundamentação); (e) apresentar estrutura evidente e lógica na fundamentação; (f) estruturar o texto em blocos autônomos, que sejam fáceis de corrigir ou alterar sem prejuízo do restante do texto; (g) revisar minuciosamente os textos antes de serem submetidos ao juiz;

(8)
É urgente que os processualistas e os estudiosos de administração da justiça se detenham no exame das reais condições de trabalho dos juízes, especialmente no tocante à divisão do trabalho, gerenciamento dos gabinetes e controle sobre a autoria das decisões, buscando soluções para que a jurisdição não seja nunca terceirizada e que a mentalidade empresarial que se quer emprestar à atividade jurisdicional (metas, julgamentos padronizados, aceleração da jurisdição, banalização das demandas, etc) não acabe tornando desnecessária a figura do juiz ou retirando dele a função de decidir como vai conduzir e como vai julgar os processos que lhe foram atribuídos. Do contrário, querendo modernizar ou acelerar a jurisdição, estaremos correndo sérios riscos de torná-la desnecessária ou irrelevante.

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Notas

1. “The reason why the public thinks so much of the Justices is that they are almost the only people in Washington who do their own work.” (Associate Justice Louis Brandeis, apud Peppers, 2006, p. xvii)

2. Para complicar mais as coisas, o código ainda impõe dever de transparência ao juiz: "A atuação do magistrado deve ser transparente, documentando-se seus atos, sempre que possível, mesmo quando não legalmente previsto, de modo a favorecer sua publicidade, exceto nos casos de sigilo contemplado em lei" (art 10 do Código de Ética da Magistratura Nacional, CNJ, 2008). Mas nada do que acontece no gabinete do juiz fica documentado ou é registrado. Será que as minutas que circulam no gabinete, submetidas à aprovação do juiz, estariam alcançadas por esse dever de transparência? Embora a resposta pareça negativa, isso não significa que as minutas não possam existir.

3. "Impõe-se ao magistrado pautar-se no desempenho de suas atividades sem receber indevidas influências externas e estranhas à justa convicção que deve formar para a solução dos casos que lhe sejam submetidos" (art 5º do Código de Ética da Magistratura Nacional, CNJ, 2008). “Um juiz deve exercer a função judicial de modo independente, com base na avaliação dos fatos e de acordo com um consciente entendi­mento da lei, livre de qualquer influência estranha, induções, pressões, ameaças ou interferência, direta ou indireta de qualquer organização ou de qualquer razão” (item 1.1 do Código de Bangalore, 2008).

4. Como chamar esses auxiliares diretos do juiz? Neste texto, vou utilizar a expressão “auxiliar do juiz”, atribuindo ao termo alcance aproximado dos law clerks das cortes federais e da Suprema Corte norte-americanas. Não se trata aqui de qualquer serventuário da justiça, mas apenas daqueles que trabalham diretamente com o juiz, integrando seu gabinete, partilhando das angústias e incertezas que passam pela cabeça do juiz enquanto conduz e decide seus processos. No primeiro grau da Justiça Federal, teríamos a figura do oficial de gabinete, que se aproxima bastante do law clerk, mas o auxílio direto e imediato ao juiz não se esgota nesse servidor, podendo alcançar outros funcionários lotados no gabinete. Nos tribunais, praticamente a maioria dos funcionários lotados no gabinete desempenha essas tarefas de assistência direta ao magistrado, principalmente quanto à análise de processos e redação dos votos. Não querendo usar a palavra estrangeira (law clerk) e achando limitado o termo nacional (oficial de gabinete), vou utilizar neste texto a expressão “auxiliar do juiz” para designar aquele funcionário lotado no gabinete do juiz, que trabalha direta e imediatamente com o juiz, e que desejo seja aqui objeto de nossa reflexão.

5. O que o juiz diz e como diz é tão importante quanto o que ele decide: “The link between courts and the public is the written word. With rare exceptions, it is through judicial opinions that courts communicate with litigants, lawyers, other courts, and the community. Whatever the court’s statutory and constitutional status, the written word, in the end, is the source and the measure of the court’s authority. It is therefore not enough that a decision be correct – it must also be fair and reasonable and readily understood. The burden of the judicial opinion is to explain and to persuade and to satisfy the world that the decision is principled and sound. What the court says, and how it says, is as important as what the court decides” (Federal Judicial Center, 199, p. vii).

6. Beneti (2000, p. 32) referiu que “é imprescindível a qualquer jurisdição moderna que os despachos de rotina venham para a mesa do juiz já preparados pelo cartório, datilografados, impressos ou carimbados. O juiz os examinará antes de assinar e, se forem inadequados, tirará a folha, ou riscará o que foi preparado e lançará outro despacho à mão ou novamente datilografado, mediante ditado na sala de audiência. É o caso da magistratura de massa de que falei de início. Decisões repetitivas não são para serem pessoalmente escritas pelo juiz. Devem vir já prontas, atuando o cartório segundo as instruções do juiz. Orientar o cartório para grafar os despachos também é ‘decidir’. Decidir pessoalmente não significa ‘escrever’ de próprio punho nos autos. Mas é preciso sempre verificar se os despachos preparados pelo cartório estão certos. Jamais deve o juiz assinar o expediente ‘em cruz’, por mais que confie nos funcionários que tenha preparado”. Entretanto, a Lei 8.952/94 acrescentou um § 4º ao art 162 do CPC, estabelecendo que “os atos meramente ordinatórios, como a juntada e a vista obrigatória, independem de despacho, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revistos pelo juiz quando necessário”. Aqueles antigos “despachos de rotina” que eram preparados pelo cartório agora sequer são assinados pelo juiz. Mas queremos ir além da abordagem feita por Beneti (2000, p. 32) porque atualmente a produção de minutas de textos judiciários pelos auxiliares do juiz não se limita à preparação de despachos padronizados previamente concebidos pelo juiz, mas pode envolver trabalho cooperativo entre juiz e seus auxiliares quanto à produção do texto de decisões interlocutórias, sentenças, acórdãos. Algo muito relevante acontece na atividade jurisdicional quando a produção do texto judiciário é compartilhada pelo juiz com seus auxiliares. É preciso examinar com muita cautela (e adotar com mais prudência ainda) essas medidas de aceleração da tramitação processual para evitar que a figura do juiz seja despessoalizada e sua presença se torne dispensável na jurisdição.

7. Convém aqui destacar acórdão do TRF4 (3ª Turma, AC 1999.04.01.116740-0/RS, rel. para o acórdão Desa. Marga Inge Barth Tessler, DJU 17.01.01), que rejeitou pedido de servidor de gabinete do TRF4 para equiparação ao cargo de juiz do tribunal. No relatório do acórdão, foi dito que “o autor, ex-servidor deste Tribunal, requer provimento judicial que condene a União ao pagamento de diferenças salariais decorrentes de desvio de função. Historia que exerceu, no período de 07.02.1996 a 28.04.1997, junto a Gabinete de Juiz do Tribunal, funções legalmente deferidas ao magistrado ou a analista judiciário, em desacordo com as atribuições do cargo para o qual foi selecionado (técnico judiciário). Tais funções eram elaboração de relatório, voto e ementa dos processos judiciais objeto de inclusão em pauta, além da elaboração de despachos, tudo depois sendo conferido e, em caso de aprovação pelo magistrado, publicado. Mais especificamente, noticia ter trabalhado com processos relativos ao sistema financeiro da habitação”.  No voto vencedor, foi dito que se trata “de ex-servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, alegando desvio de função, no período de 07.02.1996 a 28.04.1997, pretende a condenação da União a pagar-lhe diferenças salariais, indicando como paradigma o cargo de Juiz Federal do TRF-4ª Região ou o de Analista Judiciário. Alega que ‘a partir de 07.02.1996 viu-se compelido a realizar relatório, voto e ementa dos diversos processos que seriam incluídos em pauta nas questões referentes ao Sistema Financeiro da Habitação’.  Argumenta que seriam de sua autoria os relatórios e votos encartados nos autos, pois no rodapé da página estariam insculpidas as suas iniciais: André dos Santos Chaves – ASC. Agregou prova testemunhal no sentido de comprovar as tarefas desempenhadas”. O pedido de equiparação a Juiz do Tribunal foi julgado improcedente, reconhecendo o acórdão que “a alegação de que houve desvio vertical, de cargo de nível administrativo para cargo de membro de poder, é uma aventura judiciária e revela despreparo para o exercício até do cargo ocupado. Não há na jurisprudência brasileira registro de acolhimento de tese dessa ordem, o que afrontaria os princípios da legalidade e da moralidade pública”. Ainda constou do voto vencedor: “O que é de estranhar e causa espanto é que nenhuma das testemunhas (...) alude à existência notória do voto-padrão no Gabinete do Juiz (...). Refere esta, na aludida informação, que a montagem de processos, como relatório, voto e ementa, era feito previamente pelo Juiz em modelo padrão, mais conhecido como votão. Cada servidor tinha acesso para a digitação de todos os modelos existentes no Gabinete para a matéria e, para identificá-los e possibilitar o acesso posterior, o servidor identifica o processo com o seu código, ‘as suas iniciais no rodapé’. Vê-se, assim, que a própria atividade burocrática, antes de simples digitar, copiar de um papel, sofisticou-se com a utilização de novas técnicas. O trabalho burocrático, compartimentado, isolado, utilizando carimbos, papéis, cedeu espaços para as atividades mais sofisticadas. Na verdade, o ‘votão’, trabalho intelectual do Juiz, é compartilhado pelos servidores, todos direcionados para a atividade-fim do Gabinete que é a de produzir projetos de votos a serem submetidos à apreciação do Assessor e após do Juiz. Reconfigurou-se o trabalho prestado em um Gabinete. Mudaram-se os paradigmas, o ‘micro’ e a utilização do ‘votão’, diria um quase ‘hipertexto’ (...), no universo do gabinete. A informática é sempre destacada por sua especial capacidade de virtualizar a inteligência. O operador apropria-se do texto, voto, pré-construído. Cria? Não, copia. (...) No ‘votão’ – ‘hipertexto’ – está virtualmente o Juiz. Virtual é aquilo que existe em potência, não em ato. No gabinete de um Juiz, há, pois, para os diversos assuntos, textos pré-elaborados pelo Juiz que podem ser acessados pelos operadores do micro, antes datilógrafos. Dá-se com a virtualização de texto um efeito, denominado efeito ‘Moebius’ (LEVY, Pierre. O que é virtualização. Obra citada), que se declina em vários registros: ‘o das relações entre privado e público, próprio e comum, subjetivo e objetivo, autor e leitor’, o membro da empresa habitual passava do espaço privado de um domicílio ao espaço público do lugar de trabalho. Por contraste, o teletrabalhador transforma um espaço privado em espaço público e vice-versa. Embora o inverso seja geralmente mais verdadeiro, ele consegue, às vezes, gerir segundo critérios puramente pessoais em temporalidade pública. Os limites não são mais fixos, estanques, a sociedade informacional revolucionou os modos de trabalhar (...). Os lugares e os tempos se misturam. As fronteiras nítidas dão lugar a uma ‘fractalização das repartições’. Assim, não é possível desconsiderar essa faceta dos aspectos fáticos do litígio e se entre as atribuições do antes auxiliar judiciário, hoje técnico (...), há a de datilografar acórdãos, sentenças, etc, sob orientação superior, nessa atividade se insere o manuseio do novo equipamento pelo terminal do computador, tudo isso feito sob orientação superior”.

8. Registro aqui a importante contribuição que recebi de Eduardo Mendes Ribeiro, que presta consultoria junto à Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, trabalhando com questões que envolvem as relações entre juízes e servidores enquanto integrante de equipes de trabalho. Sua experiência contribuiu para apontar alguns problemas que podem surgir quando os papéis não estão claros e o juiz não consegue adotar mecanismos para administrar as decisões que seus auxiliares ajudam a redigir.

9. “Publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração” (artigo 463 do CPC).

10. Katsh (1995, pp. 163-165) mostra como funciona a despersonalização da decisão do juiz quando ela se transforma em texto impresso: “Print, therefore, operates as a subtle but highly significant force in the process of making the judicial process appear to be objective, neutral, and impersonal. It affects the whole environment and not simply a single part of the process”. Ele relaciona essa intenção para justificar porque a Suprema Corte norte-americana resistiu à presença de câmeras de televisão em suas sessões. Não era preocupação com decoro ou dignidade na corte, mas reconhecimento que a câmera seria uma força que mudaria o processo em cujas lentes se focassem. Os processos de comunicação simbolizam e reforçam os poderes das cortes. Também distanciam a corte de seus vários públicos. As cortes se limitam a considerações sobre questões legais, nunca se comunicando diretamente com o povo, e ouvem as questões humanas das partes apenas em segunda mão. O foco das cortes está no geral e abstrato, muito mais que no individual ou particular. A palavra impressa é um grande aliado das cortes nesse processo porque inevitavelmente trabalha como meio distanciador, como um mecanismo que ajuda a corte a controlar o que é discutido e comunicado. Requer que olhemos as experiências que foram abstraídas e traduzidas em palavras. Isso dá um distanciamento.  A televisão na corte alteraria esse equilíbrio. As novas tecnologias visuais alteram a distância e os processos. Os acórdãos são escritos usando editores de texto e distribuídos em formato eletrônico. Eles estão disponíveis quase que instantaneamente, reduzindo distâncias e abrindo portas na tradição.

11. Minuta é “a primeira redação, ainda não definitiva, de um texto; borrão, rascunho” (Houaiss, p. 1295).

12. Silva (s/d, p. 5) criticou o que chamou de “espécie espúria de justiça de gabinete”: “Outra consequência dessa mesma causa é verem-se nossos juízes e tribunais na contingência de transferir a seus assessores a incumbência de examinar os autos do processo e elaborar os ‘projetos’ de julgamentos, quando não o próprio julgamento. Praticamos, por enquanto, uma espécie espúria de ‘justiça de gabinete’, que se tornará brevemente oficial. Esse é outro componente estrutural de que se compõe a crise do Poder Judiciário”.

13. Do texto transformado em decisão judicial pela assinatura do juiz, se espera objetividade, clareza, precisão, legibilidade. Entretanto, embora a língua seja rica em possibilidades, aqueles que trabalham com os textos judiciários carecem de tempo para explorar suas muitas possibilidades. Produzem diariamente textos e mais textos, mas sobre pouco (quase nenhum) tempo para revisá-los, reescrevê-los, melhorá-los. Esse problema não é privativo dos juízes: "A escola favorece a aceitação de um grande equívoco: o de que escrever um texto se faz numa primeira e única versão. Nos exercícios de redação, normalmente, o tempo não chega para se refletir, para se levantar ou se testar hipóteses, para se encontrar a palavra certa, para se voltar e avaliar a pertinência das escolhas feitas. Tudo fica conforme apareceu na primeira escrita. Sem mais nem menos. Sem grandes exigências. De qualquer jeito. Tanto faz dizer isso ou aquilo, deste ou daquele jeito. Sem tentativas para se dizer melhor. Como se não houvesse regularidades, normas. Às vezes, imagino qual seria a reação dos alunos se tivessem acesso aos borrões de até grandes escritores. Quantos cortes, acréscimos, substituições, deslocamentos vão sendo feitos! O texto final que aparece impresso não guarda as marcas desses reparos. Mas eles aconteceram. Para deixar o texto no ponto, segundo pede a situação" (Antunes, 2008, p. 37). Os juizes então acabam se contentando com pouco, o suficiente para dizer o que foi decidido.

14. São assim definidos num dicionário jurídico: “Clerk. 1. A public official whose duties include keeping records or accounts. (…) 2. A court officer responsible for filing papers, issuing process, and keeping records of court proceedings as generally specified by rule or statute. (…) 3. An employee who performs general office work. 4. A law student or recent law-school graduate who helps a lawyer or judge with legal research, writing, and other tasks. – Also termed law clerk; extern; or (depending on this time of year) summer clerk; summer associate. (…) 5. A lawyer who assists a judge with research, writing, and case management” (Garner, 2009, p. 288, grifei).

15. “Law clerks have no statutorily defined duties; they carry out their judges’ instructions” (Sobel, 2007, p. 1). Mas isso não impede que as atribuições sejam sumariadas e sistematizadas, existindo Law Clerk Handbook: A Handbook for Law Clerks to Federal Judges, que traz orientações gerais sobre as tarefas e o desempenho do cargo (Sobel, 2007).

16. A Suprema Corte orgulha-se da sua privacidade, e os clerks aprendem que as deliberações internas da Corte não são para consumo público. Os clerks são orientados quanto à regra dos noventa segundos: “any clerk caught talking to a journalist for more than ninety seconds will be fired”. Também foi introduzida a prática da burn bags, onde são dispensados todos os papéis utilizados durante o trabalho. Os papéis descartados não são usados para reciclagem. Há constante preocupação em manter o sigilo e evitar contatos indevidos com a imprensa. Os clerks são orientados especificamente sobre isso no início do seu período (“não cooperação cortês”). A publicação de The Brethren em 1979 fez a Corte revisar seus procedimentos quanto à manutenção da privacidade. A Corte adotou em 1989 um código escrito de conduta para law clerks, exigindo deles confidencialidade, lealdade e precisão e estabelecendo deveres do clerk em relação ao justice e, separadamente, também em relação à Corte. A relação entre justice e law clerk é essencialmente confidencial. A questão do segredo foi discutida quando da abertura dos arquivos e papéis do Justice Thurgood Marshall (doou-os à Biblioteca do Congresso, deixando a ela a decisão do que fazer com os papéis após sua morte). Em 2004, um artigo na revista Vanity Fair fez surgir novamente a discussão sobre a privacidade (clerks anonimamente revelaram à imprensa detalhes do processo Bush v. Gore) (Ward, 2006, p. 1-20).

17. WOODWARD, Bob; ARMSTRONG, Scott. Por detrás da Suprema Corte. São Paulo: Saraiva, 1985. 606 p.

18. LAZARUS, Edward. Closed chambers: the rise, fall, and future of the modern Supreme Court. New York: Penguin Books, 1998. 598 p.

19. WARD, Artemus; WEIDEN, David L. Sorcerers’ apprentices: 100 years of law clerks at the United States Supreme Court. New York: New York University Press, 2006. 336 p.

20. PEPPERS, Todd C. Courtiers of the Marble Palace: the rise and influence of the Supreme Court law clerk. California: Stanford University Press, 2006. 310 p.

21. A pesquisa feita nesses dois livros é bastante ampla. Os livros são recentes. As experiências que apresentam podem ser muito úteis na busca da identidade e da natureza do auxílio prestado no gabinete ao juiz brasileiro. Por isso, considerando os limites práticos deste texto, vamos concentrar nossa análise sobre os law clerks norte-americanos nessas duas fontes.

22. Justice Gray era exceção porque seus clerks não se limitavam ao trabalho de estenografia: “the secretaries took part in all aspects of the decision-making process. They not only culled the records and briefs in order to distill the relevant facts and legal arguments for Justice Gray, but they also then debated and argued their conclusions and suggested holding with the justice. Once Gray was assigned an opinion, the secretaries often prepared the first draft of an opinion; and while that draft may have landed in the trash can, it provided the secretaries with the critical chance to frame the issues and shape the legal analysis necessary to reach the Court’s position” (Pepper, 2006, p. 52).

23. Oliver Wendell Holmes utilizava seu clerk como secretário, em tarefas jurídicas e não jurídicas. As principais tarefas com Holmes eram aquelas não jurídicas porque ele conhecia o direito e não precisava de jovens advogados para lembrá-lo dos precedentes que ele próprio havia elaborado na Suprema Corte. Embora ele lesse as decisões para seu clerk, não procurava crítica ou análise de um jovem, mas apenas indicação de pontos que não estivessem claros e merecessem esclarecimento. Também esperava que o clerk o acompanhasse em caminhadas à tarde, conversando sobre questões diversas (Pepper, 2006, p. 56-59).

24. Um exemplo de como os juízes trabalham em conjunto com seus law clerks na redação das decisões é Justice Powell, que utilizou sua experiência prévia como advogado e adotou práticas semelhantes àquelas utilizadas em escritórios de advocacia: “Powell’s long experience in working with junior lawyers was now turned to his clerks. He did not simply take a clerk’s draft and edit it into a final opinion. Rather, there was a sort of written dialogue between clerk and justice. Typically, the clerk would write a first draft, to which Powell would respond with a memorandum proposing changes great and small. The clerk would produce a revised draft, to which Powell would respond with another memorandum, and so on. If all went well, the memoranda got shorter as the opinion moved through successive drafts. Powell did not expect his clerks to follow blindly each instruction. A clerk told to add a certain paragraph to a draft opinion might do so, or make some other change to take account of the point, or suggest why the addition should not be made. Of course, some response was required. If Powell was not satisfied, he would return to the point in the next memorandum. By this method, Powell kept several clerks busy on opinions that he in an important sense ‘wrote’, even when he never put pen to paper” (Peppers, 2006, p. 187-188). Powell ainda estabeleceu algumas regras prévias sobre estilo na escrita nas decisões: “I am certain that you law review editors write far better than I ever will, but I feel some responsibility for preserving a semblance of consistent style, as well as for the substantive views. Once an opinion draft was pronounced completed, Justice Powell assigned a second law clerk the task of performing a substantive review, including studying all authorities cited and, often, going back to first principles of the reasoning of the opinion itself. The second law clerk’s review (a rigorous edit) often led to further revisions by the justice and the first law clerk, followed by a review by the justice and all clerks of the opinion draft” (Peppers, 2006, p. 188).

25. Justice Stevens, ao aposentar-se em junho de 2010, era o único membro da corte que não adotava integralmente o modelo moderno de clerkship, alegando que foi ele o contratado para fazer o trabalho e que continuava aprendendo sobre o processo enquanto estudava, redigia e aprimorava o voto. Além disso, “writing the first draft has a practical benefit – the draft is typically much shorter than a law clerk’s draft, and the justice is less likely to showboat with long cities and flowery language” (Peppers, 2006, p. 195). Para ele, é necessário examinar fatos e argumentos, o que é feito enquanto se exercita na redação lendo peças do processo e resumindo os fatos do caso: “By immersing himself in the factual records and the parties’ briefs as he writes the opinion, Stevens is able to satisfy himself that the outcome he has supported is correct” (Peppers, 2006, p. 196). Justice Stevens usa seus clerks para melhorar a linguagem, corrigir a gramática, examinar a análise legal e assegurar que ele não omitiu argumento relevante. Ele também mantém diálogos socráticos com seus clerks, trocando livremente ideias e argumentos (Peppers, 2006, p. 195-197).

26. Por exemplo, em 1972 Justice Powell referiu que “I want someone of an independent mind who will test, as well as stimulate, my own thinking. I respect, and desire to know, the views of my clerks. I particularly value your views on the argued cases. Most of these present close and difficult issues as to which the ablest lawyers and judges may well differ. I do not want my clerks to be resulted oriented any more than I would wish myself to be (although I recognize that a certain measure of this is inevitable in all of us). It is most helpful, therefore, to have a clerk – in the bench memo or in verbal discussion – present the best view that can be taken to each side of a case. In the end, of course, I have to cast a vote and often support it in a written opinion. When my decision is made, our common talk is to implement it in the most effective and lawyer-like way. But until I have come to rest my office, and my attentive ear, is open to each of you” (Ward e Weiden, 2006, p. 50).

27. Até 1935, a Corte examinava todas as cert petitions, aceitando ou recusando cada recurso. Em 1935, o Chief Justice passou a criar listas especiais de casos não relevantes (dead lists): se o caso estava nessa lista e nenhum outro juiz solicitava o contrário, o recurso automaticamente não era admitido. Em 1950, essa lista foi substituída pela discuss list: só eram examinados os recursos que algum juiz quisesse incluir nela, sendo os demais (os não incluídos) automaticamente rejeitados (Ward e Weiden, 2006, p. 109-149).

28. Em 1961, Justice Douglas referiu que “my law clerks writes a memorandum on all the certioraris and appeals that come in – a very useful record. I make some notes on his memoranda and they are good reference material, particularly if the case comes up for argument or if it comes back for a rehearing”. Em 1971, escreveu o que esperava desses memorandos: “The purpose of the cert memo is to prepare an accurate summary of the issues in the case which can be used 3 months or a year from the time it is written so as to give a rather complete conception of what the case involves without going back to the original briefs and records. The cert memo need not always cover every single point raised because some of the cases are just plain frivolous. But they should contain the main points with pros and cons relevant to granting the cert petitions or noting the appeal or granting the motion to dismiss or affirm” (Ward e Weiden, 2006, p. 120-121).

29. Alguns juízes não participam do cert pool (atualmente, 8 participam). Os que não participam alegavam que: (a) é interessante e instrutivo o exame de todas as petições; (b) quanto mais juízes examinarem as petições, melhor será o produto final; (c) é melhor que alguém fique fora do pool para detectar os erros, ainda que isso dê mais trabalho. Atualmente [até se aposentar em 2010], somente Justice Stevens não participa do cert pool. Seus clerks examinam as petições e somente fazem memorandos naqueles casos que parecem relevantes. Ele então examina apenas esses memorandos (Ward e Weiden, 2006, p. 118-127).

30. Entretanto, existem críticas a esse sistema do cert pool (Ward e Weiden, 2006, p. 109-149). Por exemplo, é dito que os clerks, embora possuindo conhecimento jurídico privilegiado e recém-egressos da faculdade, não têm aquela visão larga das tendências jurisprudenciais da Corte nem grande bagagem de experiência jurídica para identificar o que realmente interessa para admissibilidade do recurso. Eles acabam privilegiando fatores que sejam objetivos e fáceis de justificar, como a presença de conflito entre diferentes cortes inferiores. Isso se reflete na forma como os advogados apresentam suas petições de recurso, procurando demonstrar a existência desse tipo de conflito que seria mais propício à admissão do recurso. Além disso, existiriam evidências que alguns clerks atuam de forma estratégica e partidária na elaboração dos pool memos (omitindo votos vencidos na decisão recorrida; omitindo nome de juízes que participaram da decisão recorrida; dando rótulos e qualificações às partes; manipulando o momento em que os pool memos são distribuídos). Por isso, alguns gabinetes adotam estratégias para se proteger quanto a essas falhas, uma delas sendo o mark-up memo feito em cada gabinete quando recebe o pool memo.

31. “You’re in perpetual fear of making a mistake. The fear factor keeps the work product reliable. Clerks who wrote only for their own justice were more candid in the past, particularly with political analyses and recommendations, than are current clerks who write one memo for 8 justices who occupy different positions on the ideological spectrum.” (Ward e Weiden, 2006, p. 129)

32. “In the writing process itself, judges use their law clerks in different ways. Some limit the clerks to performing research, preparing bench memos, and editing, cite-checking, and commenting on the judge’s drafts. Some assign the writing of the first draft to a law clerk in routine cases only; others have clerks write drafts in even the most complex cases, having found that working from a draft, even a rough draft, makes the task of writing the opinion easier. A clerk assigned to write the first draft should use an outline developed by or with the judge, and should understand the scope, organization, and probable outcome of the opinion. Many judges, having found that it takes more time to work with a clerk’s draft, write their own draft, then polish it into the final product. Some judges invite the law clerk to rewrite the judge’s first draft before the judge returns it for preparation of the final version. The process the judge uses depends on his or her own work habits and style and on the capabilities of the particular law clerk” (Federal Judicial Center, 1991, p. 10-11). Entretanto, é feita advertência: “Law clerks’ fact statements, analysis, and conclusions may require major revisions. Judges should not simply be editors – no matter how capable the clerk, the opinion must always be the judge’s work” (Federal Judicial Center, 1991, p. 11).

33. Esses autores (Ward e Weiden, 2006, p. 200-236) identificam três métodos de redação das decisões: (a) o mais comum é a delegation (o juiz atribui a primeira versão ao clerk e dá instruções orais após a votação, e então posteriormente revisa essa minuta para torná-la definitiva); (b) a mais comum no passado era a retention (o juiz redige o primeiro rascunho e usa clerks para complementarem, editarem, conferirem e fazerem notas de rodapé); (c) a collaboration é mais rara (juiz e clerks trabalham igualmente na redação, redigindo versões paralelas ou partes do mesmo texto).

34. Também durante a carreira de um mesmo juiz é possível perceber mudanças na sistemática de trabalho: “often justices drafted their own opinions earlier in their tenures and relied more heavily on their clerks for drafts in later years” (Ward e Weiden, 2006, p. 207). Durante o próprio ano judiciário também podem ocorrer variações, conforme o volume de trabalho: “clerks were also given more responsibility for writing opinions near the end of the term when the pressure was greater to finish the Court’s work before summer recess. This often led to a decrease in the quality of the opinions” (Ward e Weiden, 2006, p. 207).

35. Em se tratando da Suprema Corte norte-americana, é inviável comparar os números de processos julgados (e acórdãos redigidos) com nossos similares nacionais (sejam juízos de primeiro grau, sejam tribunais superiores). Talvez seja inacreditável para eles imaginar o volume de trabalho que um juiz ou ministro brasileiro julgue por ano. Se os justices norte-americanos delegam a redação de algumas poucas dezenas de processos que devem relatar e julgar durante o ano, que restaria ao juiz brasileiro que não conta os processos em dezenas, mas em centenas ou milhares?

36. Beneti (2000, p. 10-11) faz distinção semelhante, entre demandas de massa e aquelas que exigem trabalho artesanal do juiz. Essa distinção é relevante para que o juiz, atuando como administrador da vara e da justiça, faça escolhas sobre como alocar seus recursos disponíveis da melhor forma possível. Realmente, na prática se constata que o juiz precisa se dividir entre os despachos padronizados (demandas de massa) e aqueles artesanalmente feitos (dando conta de uma situação individualizada e localizada). Oportuna a distinção: “A grande massa de casos vindos a Juízo leva à necessidade de liquidar processos em grande quantidade. A magistratura, nos tempos modernos, tem de se adaptar à realidade da pletora de processos. Podemos ver nessa realidade dois tipos de processos e dois tipos de magistratura, com que temos igualmente de conviver: a magistratura de massa e a magistratura artesanal. Esta a magistratura do caso concreto, do caso único, especial, determinado, cujos pormenores temos que verificar passo a passo, ponto por ponto, ao sabor das dificuldades e angústias dos singulares casos marcantes, que se destacam do volume geral de processos. Aquela a magistratura da grande quantidade de situações processuais repetitivas, que acabam ganhando relevância operacional na razão direta do volume enorme de casos e pessoas envolvidas. Essa massa de trabalho precisa ser vencida, para que sobre tempo para os processos das questões para as quais será necessário trabalho artesanal. Temos duas magistraturas e temos de conviver com elas; temos de realizar a magistratura de massa e temos de realizar a magistratura artesanal, organizando nosso trabalho para que os casos de massa não tomem todo o tempo necessário à solução naturalmente demorada dos casos artesanais. Temos de ser bons profissionais no trabalho em série, para que possamos ser bons juízes-artesãos. A magistratura de massa é muito relevante; seus casos não são menos importantes” (Beneti, 2000, p. 10-11).

37. Quanto ao estilo da redação, “each judge has a different writing style. Some prefer simple declarative sentences and use plain language. Others employ complex sentences and a varied vocabulary. Some use metaphor and simile to make a point. Whatever the judge’s personal style, most judges prefer that their law clerks try to write in the manner that the judge has adopted. The judge issues opinions year after year; continuity in style is desirable. Read several of the judge’s prior opinions to become familiar with his or her style. If in doubt, ask the judge what stylistic embellishment he or she desires” (Sobel, 2007, p. 88).

38. É o que se chama de “reservatório de boa vontade” (Krug, 2006, p. 162-167), que – ao tratar da usabilidade de sites e da boa vontade com que os usuários os examinam – recomenda imaginar que toda vez que entramos num web site começamos com nosso reservatório de boa vontade cheio. Cada problema que encontramos num site faz que o nível do reservatório vá sendo reduzido aos poucos. Se nada for feito para repor esse nível perdido, cada vez temos menos boa vontade até chegar ao ponto em que o reservatório fica vazio. Daí nada mais pode ser feito porque foi exaurida a possibilidade de um resultado útil. Devemos evitar as coisas que reduzem o nível desse reservatório e devemos realizar o que aumenta esse nível. O mesmo em relação às pessoas, principalmente em relação àquelas pessoas com quem convivemos diariamente.

39. É interessante consultar: SOBEL, Sylvan A. Law clerk handbook: a handbook for law clerks to federal judges. 2. ed. Washington: Federal Judicial Center, 2007. 137 p. Esse manual dá uma visão geral sobre o funcionamento dos gabinetes e sobre o trabalho em cortes federais. Mas não apresenta detalhes de cada corte ou juiz, já que as tarefas dos law clerks variam muito de juiz para juiz.

40. Outros tipos de memorandos seriam os statement of facts, single-issue memorandum e full-case memorandum. Statement of facts são aqueles memorandos utilizados quando o juiz quer que os fatos de um caso ou relativos a uma determinada questão sejam resumidos por escrito. Na preparação dessas apresentações de fatos, solicitadas com bastante frequência pelos juízes, o auxiliar deve buscar acuidade e objetividade e, se algum fato for controverso, devem ser apresentadas as provas que suportam cada posição. O auxiliar deve evitar que sua opinião pessoal defina os fatos e também não deve apresentar visão parcial das provas. Já no single-issue memorandum, é examinada questão específica e o memorando geralmente é solicitado com urgência pelo juiz para atender a alguma situação específica. Finalmente, o full-case memorandum é aquele preliminar à decisão final do caso, sendo mais longo e contendo mais informações (tudo o que é relevante para a decisão).

41. Sobre isso, elaborei texto sobre o processo eletrônico, sugerindo simplicidade, fluência e legibilidade na escrita para facilitar o trabalho judiciário. O texto foi apresentado à Emagis-TRF4, em 2009, como requisito à conclusão de módulo de processo civil do currículo permanente daquela Escola, com o título Texto judiciário eletrônico: decidindo e escrevendo no novo processo eletrônico.

42. É interessante a opinião de Abrams (2010) sobre as relações entre o juiz e seus editores autorizados. Começa afirmando que existem limites éticos e profissionais àqueles que podem editar e revisar decisões judiciais e que poucas pessoas podem ser consultadas pelo juiz para auxiliá-lo em suas decisões: “The ABA Model Code of Judicial Conduct permits a judge to ‘consult with court staff and court officials whose functions are to aid the judge in carrying out the judge’s adjudicative responsibilities, (...) provided the judge makes reasonable efforts to avoid receiving factual information that is not part of the Record, and does not abrogate the responsibility personally to decide the matter”. Seja qual for o caminho escolhido pelo juiz para redação da sua decisão (redigindo um rascunho e solicitando ao auxiliar que refine a escrita; ou solicitando ao auxiliar que faça a primeira versão para que o juiz então revise), “regardless of the chosen route, however, the opinion should become solely the judge’s early in the journey; the law clerks and other staff may then assume an editorial role before the judge circulates the draft to other members of the court for further stylistic and substantive refinement during conferencing and collegial deliberation prior to final publication” (Abrams, 2010). O artigo não entra no debate se deixar aos law clerks a redação da primeira versão da decisão não implica indevida interferência no processo decisório. Apenas sugere que os juízes, mantendo a autoridade pessoal decisória, sejam receptivos às observações feitas pelos seus auxiliares in the give-and-take of the editorial process. Embora essa sugestão pareça evidente, a receptividade do juiz aos inputs de seus auxiliares não é algo que venha naturalmente porque os gabinetes judiciários não são locais onde naturalmente floresça a modéstia profissional necessária àquela receptividade. É conveniente alguém auxiliar o juiz na edição do texto porque a autoedição não pode substituir a objetividade e as novas ideias que acompanham uma perspectiva nova, e um rascunho sempre pode ser melhorado. Uma revisão meticulosa feita com auxílio dos law clerks pode evitar problemas que seriam usados por uma audiência hostil para criticar a decisão do juiz. Erros de estilo ou de grafia não afetam a decisão, mas podem embaraçar o juiz.

43. Um exemplo extremo dessa situação (sujeito a controvérsia, mas que vale a pena aqui referir para mostrar os perigos dessa delegação sobre a reputação do trabalho judiciário) é encontrado na crítica feita às influências indevidas na admissão de recursos na Suprema Corte norte-americana, fruto da adoção do sistema do cert pool, em que os justices delegam tais tarefas aos seus law clerks. Lazarus (2009) examina a influência de advogados poderosos na escolha dos casos conhecidos pela Suprema Corte, mostrando como e porque acontece essa influência e o papel que os law clerks e o cert pool têm nesse processo. As estatísticas mostram que o número de recursos admitidos na Suprema Corte tem diminuído, mas o problema está em que a pauta da Corte está dominada por um grupo de advogados de elite especializados em advogar naquela Corte. As questões admitidas para recurso muitas vezes representam interesses de poderosos grupos econômicos, que conhecem o funcionamento do sistema e adotam estratégias para que seus recursos sejam escolhidos. A inexperiência de law clerks e o pouco tempo disponível para examinar detalhadamente as petições dos recursos contribuem para que prevaleçam as estratégias desses advogados habilidosos e seus casos acabem conhecidos em detrimento de outros que seriam mais relevantes ao interesse público. Os juízes são dependentes dos advogados, dos law clerks e do cert pool para dar conta do trabalho de admissão dos recursos: “Even with the introduction of the ‘cert’ pool, neither the Justices nor their clerks can in fact spend significant time evaluating the certiorari worthiness of the literally thousands of petitions that must be reviewed. Once one subtracts the significant time necessary to decide increasingly complex merits cases and the other activities of a Justice these days, the clerks can spend on average only minutes for each cert pool memo, or at most a few hours for a handful. The Justices have, in theory, at most only a few minutes to review a petition and may in fact never read the petitions themselves. The Justices instead delegate the task to their law clerks – inexperienced recent law school graduates who lack both the requisite background and time necessary to consider the competing legal arguments on the merits, and to evaluate in a truly informed and independent manner the petitioner’s claims of circuit conflict and practical importance. The upshot is a huge tactical advantage for those attorneys who know best how to pitch their cases to the law clerks. The expert attorneys know the trends in the Court’s recent precedent and the predilections of each individual Justice as evidenced in recent oral argument transcripts, speeches, and writings. Having once served as Supreme Court clerks themselves, the experts are also well versed in the generic limitations, susceptibilities, and tendencies of the clerks” (Lazarus, 2009).

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS