Parecer: Recurso Extraordinário. Arguição de preclusão. Descabimento(1)


Autor: Carlos Thompson Flores(2)

Ministro aposentado e ex-Presidente do STF

 publicado em 29.04.2011

Consultado sobre a possibilidade de emitir parecer complementar, agora sobre a ocorrência de preclusão, suscitada pelo eminente Ministro Sydney Sanches ao proferir seu voto, após pedido de vista dos respectivos autos, e ora aguardando julgamento, com pedido idêntico formulado pelo eminente Ministro Néri da Silveira, passo a fazê-lo, nos termos a seguir expostos, sem, contudo, deixar de consignar, como se escrito estivesse, tudo o que acentuei nos dois pareceres anteriores que lancei sobre o mesmo recurso, os quais foram anexados aos memoriais, na oportunidade em que foram apresentados.

II Da preclusão: reconhecimento juridicamente inviável

1. A preclusão foi reconhecida de ofício e, ainda, pela vez primeira, na instância extraordinária, após serem proferidos três votos no julgamento, os quais sobre ela silenciaram.

2. Com a vênia devida, seria juridicamente inviável tal procedimento, máxime versando a causa sobre direitos patrimoniais.

Obstava-o o disposto no artigo 219, § 5º, harmônico com o art. 128, in fine, ambos do CPC.

Posto que usando eles a expressão "prescrição", o que traduzem é o equivalente à decadência, como tem sido reconhecido pelos autores e julgados.

O obstáculo é o mesmo do art. 166 do Código Civil, nas "Disposições Gerais" sobre a prescrição, onde se misturam casos de decadência e prescrição deduzidos nos vários parágrafos e incisos do art. 178 do mesmo Diploma.
 
É que a preclusão se relaciona tanto com a decadência como com a prescrição e segue as mesmas regras na sua aplicação. Ela, em verdade, sucede a ambas como instituto processual, segundo o ensinamento dos doutores, recolhidos por Epaminondas Pontes, no Repertório Enciclopédico, de Carvalho Santos, v. 38, p. 335 e ss.; Nesse sentido, também, a lição de Chiovenda, transcrita no RE 100.670, publicado na RTJ 111/1291.

3. Ademais, veio ela, a preclusão, a ser arguida de ofício e reconhecida na instância extraordinária, pela primeira vez, o que, segundo a lição de Câmara Leal (Da Prescrição e da Decadência, 1939, p. 98-9), invocando as opiniões de Carpenter e Carvalho Santos, seria juridicamente inviável.

E, posto que se refira ele à prescrição, cabe concluir que compreende a preclusão, pelas razões mesmas deduzidas anteriormente.
 
E, ainda, porque entraria em conflito com os próprios fundamentos constitucionais do recurso extraordinário, enunciados no art. 119, III, da Constituição, e com a Súmula, verbete 282.

A propósito, é de todo pertinente ao caso a lição clássica de Ch. Perelman, verbis:

“(...) la recherche de la justice, le maintien d’un ordre équitable, de la confiance sociale, ne peuvent négliger les considérations fondées sur l’existence d’une tradition juridique, et qui se manifeste aussi bien dans la doctrine que dans la jurisprudence (...).”

(In Traité de L’Argumentation. Paris: Presses Universitaires de France, 1958, t. 2, p. 412)

4. Quando, porém, assim não fosse, o que se admite apenas para argumentar, sem consentir, razões outras haveria para desprezar o acolhimento da comentada prefacial, como a seguir se passa a versar.

III Da preclusão implicitamente rejeitada

Implicitamente, a matéria titulada, arguida pelo nobre Ministro Sydney, já resultou desprezada, uma vez que nem o eminente Relator dela cogitou, posto que não tenha conhecido do recurso e, com motivação que sucederia àquela prejudicial, nem pelo eminente Ministro Luiz Octávio Gallotti, que o acompanhou, ou, então, pelo eminente Ministro Oscar Corrêa, que acolheu o excepcional, e, ainda, não foi sequer arguida pela recorrida e, por isso mesmo, por mim não enfrentada nos pareceres anteriores.

IV Do descabimento da preclusão

1. Cabe, aqui, uma breve rememoração da relação jurídica que continua viva e é a única que remanesce em discussão: o dies a quo para a contagem da correção monetária.

2. Foi ela objeto da limitada apelação nº 16.338, fls.782-3, apreciada pelo v. acórdão datado de 05.05.1981. Não teve o sucesso esperado. O decisório referido considerou que dita correção deveria ser contada a partir da era do laudo pericial, e não, como pretendia o apelante, a fluir do ato ilícito, ou, pelo menos, da citação, operados três anos antes.

3. A esse acórdão foram, no prazo, opostos pelo consulente embargos de declaração, alegando incorrer ele, o acórdão, em omissão, deixando de considerar a Lei 6.899, de 09.04.1981, a qual passara a viger, intercorrentemente, entre a interposição da apelação – e fora invocada em memorial apresentado aos julgadores e, também, reiterada na sustentação oral, então produzida, fls. 786-7 – e o julgamento.

4. Reconheceu o acórdão embargado sua invocada falta e, por isso, conheceu, preliminarmente, dos embargos, rejeitando-os, todavia, unanimemente, em sessão de 23.07.1981, fl. 789.

5. Daí a interposição do recurso extraordinário, visando, ainda, o único tema discutido na apelação e, posteriormente, nos embargos declaratórios: a retroação da já referida data inicial da contagem da correção monetária, a qual, data venia, merece apreciada, em toda a sua extensão, como já o fizeram os votos proferidos pelos eminentes Ministros Oscar Corrêa, Relator, e Luiz Octávio Gallotti (a maioria da Egrégia Turma).

6. O fato de os embargos terem invocado a aplicação imediata da Lei 6.899/1981 não prejudicou a pretensão sustentada na apelação, pois, em verdade, ao fundamento originário daquele recurso, somou-se outro, arguido de público, na sua sustentação oral. E, como já foi dito, embora o acórdão conhecesse dos embargos, reconhecendo sua falta, qual seja, a omissão, os desprezou porque concluiu pela inaplicabilidade daquele diploma. O julgado objeto do recurso extraordinário, em realidade, substancialmente, é um só, pois a omissão que reconheceu e, portanto, deveria integrar o acórdão embargado completou-se com aquele que resultou proferido em consequência dos embargos. Em outras palavras, formalmente, dois são os decisórios, mas, substancialmente, um e único; e, como tal, cabe ser apreciado e decidido pela Colenda Turma. É o que, de resto, está consignado nos verbetes 282 e 356 da Súmula, quer se considere, simplesmente, a sua letra e, com mais razão, o seu espírito, e assim os tem aplicado a jurisprudência da Excelsa Corte.

7. Todavia, se a preclusão fora reconhecida pelo eminente Ministro Sydney, com arrimo na fluência do prazo que obstasse o conhecimento do remédio extremo porque intempestivo, seja parcialmente, seja totalmente, a prefacial, ainda assim, também não poderia vingar.

Com efeito.

A oposição dos embargos, como é elementar, suspende o andamento do prazo para outros recursos, nos precisos termos do art. 538 do CPC. Essa suspensão beneficia "qualquer das partes", tal como é expresso o parágrafo único, in fine, do art. 465 do mesmo Estatuto, e assim o tem aplicado o Supremo Tribunal Federal (RTJ 85, p. 821).

Ademais, assim tinha que necessariamente ser reconhecido porque, de qualquer sorte, não poderia fluir o prazo, por força de obstáculo judicial provocado pela posse dos autos com o Relator dos ditos embargos, ao fazer o estudo deles. E mais, porque recebidos ou não ditos embargos, ignoravam as partes os termos do decidido, o que não só poderia ensejar novos embargos da mesma espécie – declaratórios –, e, bem assim, o que viesse a ser proferido, complementarmente, constituindo todos eles um único decisório, o qual somente poderia ensejar o recurso extraordinário caso não coubesse, ainda, embargos infringentes, com as mesmas sujeições aos declaratórios e seus efeitos já comentados. Tal procedimento se faz mister porque a exaustão das instâncias ordinárias é condição prévia essencial para a interposição do recurso extraordinário. É o que decorre da própria Constituição, tal como estatui o art. 119, III, ao consignar as expressões "causas decididas em única ou última instância". E assim o tem considerado a Suprema Corte em sua jurisprudência estratificada na sua Súmula, verbete 281.

8. Para melhor esclarecer, acrescento que a invocação na via dos embargos declaratórios da Lei 6.899/81 não desviou, nem delimitou ou, de qualquer forma, prejudicou a pretensão do recorrente, manifestada originariamente na apelação, pois, bem ou mal, considerou o apelante que o novo diploma seria um outro motivo, um outro fundamento para justificar a tese por ele sustentada originariamente, fundamento inexistente à época da interposição do apelo, qual seja, a retroação na contagem do prazo para a correção, ou sua maior extensão a parcelas outras da condenação, até então não suscetíveis de serem reajustadas e que, com fundamento na citada lei, passou a constituir um direito expresso. É o que, mais tarde, veio a ser afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, como se vê do julgado proferido por sua 2ª Turma ao julgar, em 12.04.1983, o RE nº 99.845/RS, e do qual foi Relator o eminente Ministro Moreira Alves (RTJ 107, p. 424).

Sua expressiva ementa dispõe, verbis:

“CORREÇÃO MONETÁRIA. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO. SUMULA 562.

(...) Omissis

Continua em vigor a Súmula 562, uma vez que a Lei 6.899/81 não veio impedir a fluência da correção monetária nos casos em que, anteriormente, já era admitida, mas, sim, estendê-la a hipóteses a que essa correção não se aplicava (RE nº 97.264)” (grifei)
 
9. E, para completar: o presente parecer somente foi elaborado após a leitura completa e meditada do trabalhado voto do eminente Min. Sydney, na sessão de 04.10.85, e porque o julgamento do RE nº 100.474-6 ainda não findou, uma vez que o eminente Min. Néri da Silveira pediu, também, vista dos autos.

10. Mas cabe acrescentar que, tendo o nobre Min. Sydney acolhido em seu voto a preclusão, não carecia S. Exa. fazê-lo no decurso de seu longo voto.

Aceita pelo ilustre Relator a preclusão em apreço, não teria por que se preocupar, como o fez, examinando os demais fundamentos do excepcional, já que dita prejudicial, como a da intempestividade do recurso, precede a quaisquer outros fundamentos nele suscitados.
 
Isso não é novidade, e o nobre Ministro bem o sabe, até para ensinar. Apenas não se apercebeu. Única exceção ocorreria acaso os demais juizes da Eg. Turma a tivessem desprezado, expressamente, o que não ocorreu. Mas é condição para que, só então, justificasse prosseguir no exame dos outros argumentos invocados no recurso. É o que dispõe, a respeito, o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 136, bem como o CPC, art. 560, que disciplinou a arguição e o julgamento, os quais, a essa altura, já resultariam desatendidos.

V Conclusões

Ante o que foi exposto, concluo que a preclusão, reconhecida no voto comentado, sequer mereceria ser apreciada, menos, é claro, aceita:

1º) porque não arguida, em qualquer tempo, pela recorrida;

2º) porque inviável seu reconhecimento de ofício, versando a causa direitos patrimoniais; e

3º) Por último, máxime, porque, sem qualquer alegação da recorrida, resultou apreciada originariamente na instância do recurso extraordinário.

É o parecer.

Porto Alegre, 26 de janeiro de 1986.

Notas

1. Parecer lavrado em 26.01.1986.

2. Em 2011, comemora-se o centenário de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., abr. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS