O direito fundamental à moradia em zonas seguras: a prevenção e o dever de agir do Estado frente a ocupações irregulares


Autor: Alex Perozzo Boeira

Procurador Federal, Mestrando em Direito na PUCRS, Especialista em Direito do Estado pela Uniritter

publicado em 30.06.2011

Resumo

O direito à moradia, assim como os demais direitos prestacionais, tem encontrado dificuldades de concretização no Estado Social brasileiro. Como reflexo dessa realidade, o déficit habitacional, mesmo em declínio, supera a casa dos 5,6 milhões de domicílios. É nesse contexto que o crescimento desordenado das cidades e a urbanização sem controles criaram o terreno propício à fixação de moradias em zonas de risco ambiental e/ou geológico, expondo a perigo, em última análise, a vida e a integridade física das populações afetadas. O Estatuto da Cidade (com suas diretrizes gerais e seus instrumentos da política urbana), a Lei de Parcelamento do Solo Urbano e a própria Constituição Federal perfazem a base normativa para o desenvolvimento ordenado e sustentável dos espaços urbanos, públicos ou privados. Frente a esse panorama regulatório, tem o Poder Público as competências para agir, promovendo o desenvolvimento urbano regular. Como agente da política urbana, incumbe-lhe também o dever de prevenir possíveis danos e corrigir eventuais ilicitudes – quer fiscalizando, quer removendo –, propiciando, desse modo, a implementação de habitações humanas em locais dignos e seguros.

Palavras-chave: Moradia. Risco. Prevenção.

Sumário: Introdução. 1 Direitos constitucionais envolvidos: o direito fundamental à moradia, à vida (e à integridade física) e ao meio ambiente equilibrado. 2 O direito à moradia em zonas seguras e o dever de agir do Estado na prevenção dos danos e riscos: da normativa regulatória às manifestações jurisprudenciais. Conclusão.

Introdução

O presente estudo buscará examinar o direito à moradia em zonas seguras e o dever de agir do Estado frente a ocupações irregulares de áreas de encostas, de preservação ambiental, pertencentes ou não ao domínio público, cuja utilização e permanência possa colocar em risco a integridade física dos ocupantes ou provocar danos ao meio ambiente.

Nesse desiderato, além do exame do arcabouço legal, procurar-se-á cotejar os direitos fundamentais porventura envolvidos, aplicando o necessário juízo de ponderação(1) entre princípios constitucionais possivelmente incidentes.

Do mesmo modo, também ambiciona investigar, ainda que de forma não exaustiva, as manifestações jurisprudenciais, permitindo aferir as dissonâncias e convergências jurisdicionais pertinentes à matéria.

1 Direitos constitucionais envolvidos: o direito fundamental à moradia, à vida (e à integridade física) e ao meio ambiente equilibrado

A realidade social brasileira demonstra que parcela significativa da população tem precário ou nenhum acesso aos direitos prestacionais. Com efeito, o Estado Social tem tornado evidentes as dificuldades de implementar e tornar disponíveis os assim qualificados direitos sociais.

Dentre eles, interessa para os efeitos do presente trabalho o direito social fundamental à moradia, acrescido ao texto constitucional por força da Emenda Constitucional nº 26/2000. Nesse contexto, considerando a dificuldade de acesso dos cidadãos – especialmente os de baixa renda – a espaços adequados para fixação de residência,(2) sobressai a inoperância do Estado em fiscalizar, ordenar ou mesmo impedir a ocupação irregular de determinados locais.

Em algumas situações, o risco da ocupação pode afetar tão somente o interesse à tutela ambiental, também função precípua do Poder Público (e de toda a sociedade civil). Em outras, quiçá de maior gravidade, o risco da ocupação irregular pode comprometer valores essenciais do Pacto Social: a própria vida ou a integridade física.

Quer seja em decorrência da fixação de habitações precárias em encostas ou áreas de risco, quer seja em razão da fixação de moradias em área de preservação do meio ambiente, impende analisar eventual dever de agir do Administrador Público na prevenção dos danos, na contenção das ocupações já consolidadas, bem como na remoção das populações envolvidas.

Mister examinar, em linha de princípio, as disposições constitucionais pertinentes.

O direito à moradia, como expressão do Estado Social adotado pelo modelo constitucional brasileiro, está previsto no caput do art. 6º(3) da Carta, que assim dispõe:

“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

Muito embora o texto constitucional não qualifique a expressão, de modo a conferir maior especificidade e concretude ao conteúdo do direito à moradia, certamente não quis o constituinte derivado incorporar ao texto constitucional um direito a qualquer moradia, mas a uma moradia segura, estável, compatível com o mesmo grau de proteção constitucional ao meio ambiente e à vida em sentido lato. As sub-habitações de instável estrutura e localização insegura certamente não correspondem ao desiderato constitucional de moradia condigna com a existência humana. Nesse sentido, pertinente o registro de Nicole Mazzoleni Facchini(4):

“Não obstante a ausência de qualificação do termo no texto constitucional brasileiro, é certo que disso não decorre a possibilidade de uma exegese que considere a consagração de um direito a uma moradia ‘não adequada’. (...) Em todo o caso, o direito humano e fundamental à moradia adequada não pode ser reduzido a um simples espaço onde viver. Moradia adequada significa um lugar onde alguém pode se instalar, com segurança, iluminação, ventilação, infraestrutura e serviços básicos essenciais. Moradia adequada é um todo contínuo entre a comunidade, a natureza e a cultura, derivado da necessidade de habitar um lugar com segurança e dignidade.”

À simetria, o art. 225 da CF/88 abarcou o direito ao meio ambiente equilibrado, impondo ao Poder Público e à coletividade o dever de preservação:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

Não bastassem as referências aos direitos fundamentais de 2ª e 3ª dimensão, respectivamente, a própria vida humana é condição para o exercício de todos os demais. Por essa razão, nossa ordem constitucional expressamente previu o direito à vida no caput do art. 5º da CF/88, daí decorrendo como direito constitucional implícito o direito à integridade física:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...)”

Fixados, pois, os valores constitucionais básicos envolvidos – vida, meio ambiente e direito à moradia – e sem excluir outros – como existência digna, responsabilidade civil do Estado, direito de propriedade, erradicação da pobreza e diminuição da desigualdade social –, resta examinar o possível conflito entre o direito à moradia (in)segura e o dever do Estado de agir frente a ocupações irregulares que porventura possam comprometer a integridade física das populações afetadas (ou mesmo gerar risco de dano ambiental).

2 O direito à moradia em zonas seguras e o dever de agir do estado na prevenção dos danos e riscos: da normativa regulatória às manifestações jurisprudenciais

A enchente no Estado de Santa Catarina (2008), o desmoronamento de encosta no Município de Angra dos Reis (2010) e os recentes deslizamentos de terra na região serrana do Estado do Rio de Janeiro(5) (2011), todos amplamente veiculados na mídia nacional e internacional, vitimaram centenas de pessoas e desabrigaram milhares. Muitas das vítimas fatais estavam localizadas em áreas de risco, regiões de encostas ou de solo impróprio à edificação.

As recorrentes tragédias que anualmente fazem soçobrar residências e ceifam vidas são, em muitos dos casos, decorrentes de um processo de urbanização descontrolado, que acaba por impor às populações – normalmente as com menor poder aquisitivo – a afixação de moradias em zonas impróprias. Essa impropriedade é notadamente perceptível, quer sob a ótica da preservação ambiental, quer sob a ótica da segurança geológica, ambas com reflexos, isolada ou cumulativamente, sobre a integridade física desses habitantes. Esse movimento de urbanização marginal e sua influência na conformação precária das cidades é bem analisado por Betânia Alfonsin(6):

“A produção das cidades brasileiras é marcada pela desigualdade: enquanto uma parte da cidade é produzida regularmente por proprietários e empreendedores privados, uma (considerável) parte do tecido urbano é produzida à margem da lei e da ordem urbanística – ilegal e irregularmente, portanto –, criando uma via de acesso à terra e à moradia que obedece a uma lógica da necessidade. (...) Devido à ineficácia das políticas públicas de provisão habitacional, o fenômeno da solução informal para os problemas de moradia assumiu as mais variadas tipologias (favelas, cortiços, loteamentos irregulares e clandestinos, ocupação de áreas de risco, etc.) (...). A ausência de alternativas legais de acesso à terra urbana e à moradia empurrou a população pobre para os terrenos mais impróprios para fins de moradia, muitas vezes para áreas ambientalmente vulneráveis (sem valor no mercado imobiliário regular, porém mais baratas no mercado clandestino) e, em grande parte dos casos, para as periferias das cidades. A cidade resultante desse processo é marcada por ‘urbanização de risco’, perversa não apenas para os que vivenciam as duras condições de vida dos que não têm ‘direito à cidade’, mas também para a cidade como um todo, que se expande ilimitadamente, avança sobre áreas de interesse ambiental, compromete recursos naturais e paga um alto custo pela expansão da infraestrutura.”

Pois bem, em se tratando de ocupação irregular de espaços urbanos – públicos ou privados –, impende frisar que o ordenamento jurídico pátrio exige comportamento ativo do Poder Público, especialmente em se tratando da esfera municipal de governo.

No âmbito municipal, o plano diretor é o instrumento básico da política de desenvolvimento urbano, devendo, de acordo com o art. 39(7) da Lei 10.257/2001, observar as diretrizes gerais contidas no art. 2º do mesmo Estatuto, tais como:

“IV – planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da população e das atividades econômicas do Município e do território sob sua área de influência, de modo a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e seus efeitos negativos sobre o meio ambiente;

(...)

VI – ordenação e controle do uso do solo, de forma a evitar:

a) a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

b) a proximidade de usos incompatíveis ou inconvenientes;

c) o parcelamento do solo, a edificação ou o uso excessivos ou inadequados em relação à infraestrutura urbana;

(...)

g) a poluição e a degradação ambiental;

(...)

XIV – regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização, uso e ocupação do solo e edificação, consideradas a situação socioeconômica da população e as normas ambientais;”

É, portanto, dever do ente público municipal o planejamento da distribuição populacional e a ordenação escorreita do uso do solo urbano, de modo a evitar que sua utilização se volte a fins incompatíveis ou excessivos, sempre tendo em vista o norte ambiental.

Observe-se, porém, que, diante de situações emergenciais ou calamitosas, o município não é o único responsável. À própria União, em decorrência da atribuição de competência material prevista no art. 21(8) da CF/88, compete a defesa permanente contra calamidades públicas, cujo exemplo típico na atualidade das grandes cidades brasileiras encontra amparo nas arrasadoras enchentes e inundações.

Em muitos casos, porém, o próprio Poder Público acaba por acolher a ocupação irregular e ilegal, provendo os locais indevidamente ocupados com alguns serviços básicos de infraestrutura, tais como água potável, telefonia e eletricidade.

Ora, detectada a ocupação indevida, seria de extremo relevo a elaboração de estudo da viabilidade de remoção das famílias do local de risco, em vez de consolidar o avanço comunitário desordenado. Nesse sentido, confira-se a decisão monocrática da Ministra Denise Arruda, do Superior Tribunal de Justiça, que manteve condenação do Estado e do Município de São Paulo a indenizar a desvalorização imobiliária decorrente do descumprimento do dever de evitar a instalação de favela em terreno urbano, provendo a localidade de serviços essenciais:

“DECISÃO

PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. OFENSA AO ART. 13, II, DA LEI 6.766/79. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO.

(...)

3. Recurso especial a que se nega seguimento. 1. Trata-se de recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, em sede de apelação e remessa necessária, confirmou a sentença de primeiro grau de jurisdição no tocante à condenação do Estado e do Município de São Paulo, de forma solidária, ao pagamento de indenização em razão da desvalorização de imóvel pertencente aos ora recorridos, em virtude da omissão do Poder Público em barrar a implantação de loteamento clandestino (favela). Opostos embargos de declaração, restaram rejeitados. No recurso especial (fls. 734-742), o recorrente aponta, além de divergência jurisprudencial, violação dos arts. 13, II, da Lei 6.766/79 e 535, II, do CPC. Afirma, em síntese, que: (a) não descumpriu qualquer dever legal de agir, na medida em que a Secretaria Estadual do Meio Ambiente lavrou autos de imposição de penalidades de embargo de obra ou construção, em decorrência de afronta à Lei de Proteção aos Mananciais; (b) não é da competência estadual a tomada de medidas legais de responsabilidade dos municípios; (c) o art. 13, II, da Lei 6.766/79 somente autoriza a atuação do Estado em áreas limítrofes de municípios ou que pertençam a mais de um município, nas regiões metropolitanas ou em aglomerações urbanas, desde que definidas em lei estadual ou federal; (d) não foram sanadas as omissões apontadas nos embargos de declaração opostos na origem, no tocante à inexistência de responsabilidade do Estado pelo pagamento da indenização a que foi condenado. A demonstração do suposto dissídio pretoriano escora-se em julgados desta Corte nos quais se decidiu que é dever do magistrado apreciar as questões que lhe são submetidas. Apresentadas as contrarrazões e inadmitido o recurso, subiram os autos, posteriormente, em razão do provimento de agravo de instrumento.

O Ministério Público Federal opina pelo provimento do recurso, aduzindo, em suma, que o estabelecimento de ‘favela’ próximo a imóvel particular, sem que para isso tenha concorrido o Estado ou o Município, não os torna obrigados a indenizar pela desvalorização. É o relatório.

(...)

Com efeito, ainda que por fundamentos diversos, o aresto atacado abordou todas as questões necessárias à integral solução da lide, concluindo, no entanto, que a implantação do loteamento irregular, a qual causou danos à vizinhança, ‘só foi possível em razão da omissão dos Poderes Públicos Municipal e Estadual que não cuidaram de evitar o desastre a tempo, por meio de medidas efetivas, pois somente se manifestaram quando o fato já estava consumado’ (fl. 695). Consignou, ainda, que ‘o Poder Público acabou por incentivar o aumento das construções clandestinas, instalando serviços públicos, tais como abastecimento de água pela Sabesp, ligações de telefones, instalação de linhas de ônibus e fornecimento de luz’ (fl. 695). Mais adiante, deixou assentado que tais ‘melhoramentos foram introduzidos quando tais serviços de utilidade pública ainda não haviam sido privatizados e eram prestados por empresas públicas, algumas controladas pelo Estado e outras pelo Município’ (fls. 695-696).

(...)

4. Diante do exposto, com fundamento no art. 557, caput, do Código de Processo Civil, nego seguimento ao recurso especial. Publique-se. Intimem-se. Brasília (DF), 24 de outubro de 2005.” (RECURSO ESPECIAL Nº 650.756 – SP – 2004/0035471-3. RELATORA: MINISTRA DENISE ARRUDA)

Não bastassem as prescrições do Estatuto da Cidade, a própria Lei 6.766/79, que regula o parcelamento do solo urbano, é terminantemente proibitiva em relação a loteamento ou desmembramento(9) em terrenos alagadiços ou sujeitos a inundações, com inclinação acentuada, sem condições geológicas ou em áreas de preservação ambiental.(10)

Por conseguinte, omitindo-se o Estado na tarefa regulatória, ordenatória e fiscalizatória que lhe incumbia, incide em omissão antijurídica, passível de responsabilização civil.(11) Em alguns casos, inclusive, a atuação jurisdicional pode conduzir a determinadas tutelas específicas, com a retirada física (no mais das vezes forçada) de moradores:

“DECISÃO

ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REMOÇÃO DOS BARRACOS E MORADORES SOB O VIADUTO GENERAL MILTON TAVARES DE SOUZA. OCUPAÇÃO IRREGULAR. POSSIBILIDADE DE DESMORONAMENTO. SUBIDA DOS AUTOS.

1. É admissível o provimento do agravo de instrumento para melhor exame da admissão do recurso especial, ao nuto do Relator. 2. Agravo de instrumento provido, determinando-se a subida do recurso especial.
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO contra decisão que inadmitiu seu recurso especial, este com fulcro na alínea a do permissivo constitucional. O especial foi interposto contra acórdão proferido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado:

‘AÇÃO CIVIL PÚBLICA. Remoção dos barracos e moradores sob o Viaduto General Milton Tavares de Souza. Admissibilidade. Ocupação irregular. Local que abriga extensa favela. Possibilidade de desmoronamento dos barracos, abalo da estrutura do próprio viaduto, incêndio, inundações e degradação ao meio ambiente. Hipótese em que, havendo 280 famílias no local em questão, deve ser compelida a ré a retirar os moradores de lá, encaminhando-os para alojamento provisório e, a seguir, proceder à demolição das edificações irregulares, no prazo de 180 (cento e oitenta) dias. Cominação da multa diária, com o objetivo de obrigar a Municipalidade a cumprir a obrigação na forma específica.’ Adequação das multas que serão sempre admissíveis em ocorrendo um fato novo capaz de alterar a situação existente. Art. 461, § 6º, do CPC. Reexame necessário e recurso da Municipalidade parcialmente providos e recurso do Ministério Público provido, com observação. A recorrente alega violação aos arts. 3º da Lei Federal nº 7.347/85, 461, § 4º, e 267, VI, todos do CPC. Sustenta a impossibilidade jurídica do pedido, a ilegitimidade passiva da Municipalidade e a indevida aplicação da multa diária. Brevemente relatados, decido.

Para melhor exame da matéria, dou provimento ao agravo de instrumento determinando a subida dos autos principais. Publique-se. Intimações necessárias.

Brasília (DF), 17 de fevereiro de 2010.” (AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.231.911 – SP – 2009/0154566-9, Ministro LUIZ FUX, 01.03.2010)

Oportuno aduzir que o Tribunal Constitucional Federal Alemão, já em 1979,(12) apreciou o embate de direitos (fundamentais) que, no caso concreto, também afetariam o direito à moradia. Com efeito, ao julgar reclamação constitucional, a Corte alemã entendeu que o direito à tutela executiva do credor de efetivar o despejo do devedor deveria ceder em face do risco de agravamento da doença psíquica deste último, que poderia redundar em danos à sua vida ou à sua integridade física (risco de suicídio, já tentado em momento pretérito). Assim, aplicando a eficácia horizontal(13) dos direitos fundamentais, o Tribunal Constitucional Alemão acolheu a primazia do direito à vida e à integridade física, afastando o despejo em virtude da execução forçada. A preservação da moradia (por meio da suspensão do despejo) atuaria como meio de proteção ao fim tutelado pela Constituição alemã: a vida.

Aliás, na esteira do precedente tedesco, a missão do Poder Público no cenário brasileiro deve assumir feição notadamente preventiva, de modo justamente a evitar dano ou risco de dano aos valores constitucionais em questão: vida (integridade física), meio ambiente e/ou direito à moradia. Exemplos em passado não distante tornam evidente a necessidade de ação acautelatória e fiscalizatória por parte dos entes estatais, visando a impedir a ocupação ilegal e, se já promovida, a impedir que danos pessoais ou ambientais sejam concretizados ou assumam proporções indesejáveis – tudo sem olvidar de medidas compensatórias para salvaguardar o direito à moradia em zonas seguras.

Neste particular, imprescindível o magistério do Professor Juarez Freitas,(14) ao vincular o princípio da prevenção ao dever de agir do Estado:

“O princípio da prevenção, no Direito Administrativo, estatui que a administração pública, ou quem faça as suas vezes, na certeza de que determinada atividade implicará dano injusto, se encontra na obrigação de evitá-lo, desde que no rol de suas atribuições competenciais e possibilidades orçamentárias. Quer dizer, tem o dever incontornável de agir preventivamente, não podendo invocar juízos de conveniência ou de oportunidade, nos termos das concepções de outrora acerca da discricionariedade administrativa. (...) há certeza suficiente de que determinado prejuízo ocorrerá se a rede de causalidade não for tempestivamente interrompida. (...) Eis – sem tirar nem acrescentar – o princípio da prevenção, nos seus elementos de fundo: (a) altíssima e intensa probabilidade (certeza) de dano especial e anômalo; (b) atribuição e possibilidade de o Poder Público evitá-lo; e (c) o ônus estatal de produzir a prova da excludente da reserva do possível ou outra excludente da causalidade, no caso da configuração do evento danoso.”

Assim, ainda que a remoção compulsória (promovida administrativamente ou, em caso de resistência, na via judicial) seja traumática, impende ao Poder Público conferir maior âmbito de proteção ao direito à vida e ao meio ambiente equilibrado, em face do potencial risco de permanência das populações nas áreas afetadas. Como não poderia deixar de ser, a vida é bem supremo e pressuposto para o exercício do direito à moradia – bem como dos demais direitos fundamentais –, e não o inverso.(15)

E, em último caso, mesmo que se entenda como discricionário o agir da Administração na adoção de medidas necessárias à salvaguarda dos indivíduos que tenham fixado moradia em locais de risco, a noção hodierna de discricionariedade guarda estreita vinculação com os princípios fundamentais (art. 37 da CF/88).(16) Por essa razão, também sob esse aspecto resta impositiva a atuação estatal eficiente no sentido de promover a vida, a integridade física das pessoas e a preservação do meio ambiente, constituindo-se esses valores em diretivas para o desempenho da atividade administrativa.

Repare-se, contudo, que esse juízo de ponderação de princípios nem sempre tende a preservar a integridade da comunidade local ou do meio ambiente frente ao direito de permanecer residindo em local impróprio. Claros exemplos desse entendimento são os julgados citados abaixo, em que as Cortes conferiram maior grau de proteção ao direito à moradia:

“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIRETO AMBIENTAL. DIREITO À MORADIA. DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS. DESOCUPAÇÃO FORÇADA E DEMOLIÇÃO DE MORADIA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. POSSE ANTIGA E INDISPUTADA. AQUIESCÊNCIA DO PODER PÚBLICO. DISPONIBILIDADE DE ALTERNATIVA PARA MORADIA. TERRENO DE MARINHA. DESNECESSIDADE DE PERÍCIA JUDICIAL. PROTEÇÃO À DIGNIDADE HUMANA, DESPEJO E DEMOLIÇÃO FORÇADAS PARA PROTEÇÃO AMBIENTAL. PREVENÇÃO DE EFEITO DISCRIMINATÓRIO INDIRETO. 1. Não há nulidade pela não realização de perícia judicial quanto à qualificação jurídica da área onde reside a autora como terreno de marinha, à vista dos laudos administrativos e da inexistência de qualquer elemento concreto a infirmar tal conclusão. 2. A área de restinga, fixadora de dunas, em praia marítima, é bem público da União, sujeito a regime de preservação permanente. 3. A concorrência do direito ao ambiente e do direito à moradia requer a compreensão dos respectivos conteúdos jurídicos segundo a qual a desocupação forçada e a demolição da moradia dependem da disponibilidade de alternativa à moradia. 4. Cuidando-se de família pobre, chefiada por mulher pescadora, habitando há largo tempo e com aquiescência do Poder Público a área de preservação ambiental em questão, ausente risco à segurança e de dano maior ou irreparável ao ambiente, fica patente o dever de compatibilização dos direitos fundamentais envolvidos. 5. O princípio de interpretação constitucional da força normativa da Constituição atenta para a influência do conteúdo jurídico de um ou mais direitos fundamentais para a compreensão do conteúdo e das exigências normativas de outro direito fundamental, no caso, o direito ao ambiente e o direito à moradia. 6. Incidência do direito internacional dos direitos humanos, cujo conteúdo, segundo o Alto Comissariado para Direitos Humanos da ONU (The Right to adequate housing (art. 11.1): forced evictions: 20/05/97. CESCR General comment 7), implica que ‘nos casos onde o despejo forçado é considerado justificável, ele deve ser empreendido em estrita conformidade com as previsões relevantes do direito internacional dos direitos humanos e de acordo com os princípios gerais de razoabilidade e proporcionalidade’ (item 14, tradução livre), ‘não devendo ocasionar indivíduos ‘sem-teto’ ou vulneráveis à violação de outros direitos humanos. Onde aqueles afetados são incapazes para prover, por si mesmos, o Estado deve tomar todas as medidas apropriadas, de acordo com o máximo dos recursos disponíveis, para garantir que uma adequada alternativa habitacional, reassentamento ou acesso a terra produtiva, conforme o caso, seja disponível’. 8. Proteção da dignidade da pessoa humana, na medida em que o sujeito diretamente afetado seria visto como meio cuja remoção resultaria na consecução da finalidade da conduta estatal, sendo desconsiderado como fim em si mesmo de tal atividade. 9. Concretização que busca prevenir efeitos discriminatórios indiretos, ainda que desprovidos de intenção, em face de pretensão de despejo e demolição atingir mulher chefe de família, vivendo em sua residência com dois filhos, exercendo, de modo regular, a atividade pesqueira. A proibição da discriminação indireta atenta para as consequências da vulnerabilidade experimentada por mulheres pobres, sobre quem recaem de modo desproporcional os ônus da dinâmica gerados das diversas demandas e iniciativas estatais e sociais.” (TRF4, AC 2006.72.04.003887-4, Terceira Turma, Relator Roger Raupp Rios, D.E. 10.06.2009)

“ADMINISTRATIVO. REINTEGRAÇÃO DE POSSE. DEC-LEI 9.760/67. DESOCUPAÇÃO DE GRANDE ÁREA COLETIVA. AJUIZAMENTO DE VÁRIAS AÇÕES COM IDÊNTICO OBJETIVO. ESTATUTO DA CIDADE. LEI Nº 10.257/01. I – A UNIÃO FEDERAL ajuizou ação de reintegração de posse, em face de VALTER SOARES DOS SANTOS, objetivando a reintegração de posse de imóvel, com base no Decreto-Lei nº 9.760/46, com pedido de liminar, argumentando para tanto que os réus ocupavam área pertencente à UNIÃO, na Ilha do Governador, sem autorização do III Comar. II – Trata-se de área localizada na Ilha do Governador, ocupada por milhares de pessoas, constituindo-se na Favela dos Gaegos, Favela dos Barbantes e Morro do Inglês. III – A UNIÃO propôs centenas de ações em separado com idêntico objetivo, tendo o MM. Juiz de Primeiro Grau julgado extinto o presente feito, sem julgamento do mérito, com fulcro no art. 267, VI, do CPC, sob o fundamento de que haveria uma comunidade vivendo no local, e, ao optar por ajuizamentos em separado de diversas ações, estaria a UNIÃO inviabilizando a própria efetividade de qualquer decisão favorável à sua pretensão. IV – Como bem destacou a r. Sentença, após a caracterização de verdadeira comunidade ocupando irregularmente a área, ensejando a comumente conhecida como ‘favela’, a Administração pretende transferir a responsabilidade referente à retirada de milhares de pessoas ao Poder Judiciário, na contramão do social e em conflito com o próprio espírito de regularização de ocupação de imóveis privados, por parte de pessoas de baixa renda, destacado pelo Estatuto da Cidade (Lei 10.257/01, art. 2°, XIV, e art. 10). V – Outrossim, sequer restou demonstrado, por parte da autora, a comprovação do elemento subjetivo (detenção) a conferir o direito reclamado. VI – Negado provimento à apelação e à remessa necessária. Mantida a r. Sentença de Primeiro Grau. (TRF-2, Processo: 2002.02.01.022518-7, AC – 289145, UF: RJ, Órgão Julgador: OITAVA TURMA ESPECIALIZADA, Data Decisão: 28.07.2009)

Como visto, entretanto, a inércia do ente público poderá atrair sua responsabilização no reparo dos danos gerados, independentemente do dissenso doutrinário(17) e jurisprudencial(18) acerca da exigência (ou não) da demonstração de culpa lato sensu para a caracterização da responsabilidade civil do Estado(19) por omissão.

Conclusão

Sem dúvida, o tema aborda questão ainda incipiente no cenário pretoriano brasileiro. Sua relevância se expressa pelos valores envolvidos, bem como pela extensão dos danos causados com a ocupação irregular e ilegal de imóveis urbanos, públicos ou privados, merecendo, pois, especial atenção da Doutrina.

O problema envolve a efetivação e a hermenêutica de princípios constitucionais fundamentais à República, normalmente exigindo o cotejo entre o direito à vida e à integridade física, ao meio ambiente hígido e ao direito à moradia segura.

As respostas e soluções não são estanques – como, aliás, se depreende da jurisprudência relacionada –, ora se dando ênfase à remoção compulsória de toda uma coletividade de pessoas, ora se priorizando a manutenção da residência familiar em terreno urbano inapropriado à edificação.

Não se podem olvidar também os limites orçamentários da Administração – em especial a municipal –, muitas das vezes compelida à transferência de comunidades para conjuntos habitacionais apropriados à moradia humana, cuja disponibilidade usualmente não corresponde à demanda.

De qualquer forma, a moradia segura faz parte do mínimo existencial, principalmente em se tratando de um Estado Social brasileiro ainda em fase de afirmação; todavia, ao menos em tese, a integridade das pessoas envolvidas na situação de risco e do próprio meio ambiente degradado pela ocupação ilegal indica a necessidade de especial proteção desses interesses.

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SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009.

SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Trad.: HENNIG, Beatriz et al. Berlim: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005.

SILVA, José Afonso da. Comentário contextual à Constituição. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

Notas

1. A esse respeito, pertinente a lição do Professor Humberto Ávila – Teoria dos Princípios. 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2005. p. 87-8, 102 e 112-3 – acerca do postulado da proporcionalidade: “O postulado da proporcionalidade não se confunde com a ideia de proporção em suas mais variadas manifestações. Ele se aplica apenas a situações em que há uma relação de causalidade entre dois elementos empiricamente discerníveis, um meio e um fim, de tal sorte que se possa proceder aos três exames fundamentais: o da adequação (o meio promove o fim?), o da necessidade (dentre os meios disponíveis e igualmente adequados para promover o fim, não há outro meio menos restritivo do(s) direito(s) fundamentais afetados?) e o da proporcionalidade em sentido estrito (as vantagens trazidas pela promoção do fim correspondem às desvantagens provocadas pela adoção do meio?). Nesse sentido, a proporcionalidade, como postulado estruturador da aplicação de princípios que concretamente se imbricam em torno de uma relação de causalidade entre um meio e um fim, não possui aplicabilidade irrestrita”.

2. Releva mencionar que, de acordo com o Ministério das Cidades, baseado em estudo da Fundação João Pinheiro para o ano de referência 2008, o déficit habitacional no Brasil corresponde a cerca de 5,6 milhões de domicílios. Maiores informações disponíveis em: <http://www.cidades.gov.br/noticias/ministro-anuncia-novo-deficit-habitacional-de-5-8-durante-fum5> Acesso em: 13 fev. 2011.

3. O texto atual do dispositivo encerra redação determinada pela Emenda Constitucional nº 64/2010. Como alhures referido, o texto original não agregava o direito à moradia, muito menos o direito à alimentação, que corresponde à novidade decorrente da recente alteração.

4. Direitos fundamentais e direito à moradia: harmonização de conflitos à luz do princípio da proporcionalidade. 2009. 242f. Mestrado (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009. p. 37-38.

5. A extensão dos danos pode ser melhor dimensionada por meio do link disponível em: <http://noticias.r7.com/rio-de-janeiro/noticias/-enchente-muda-mapa-geografico-de-nova-friburgo-diz-governo-20110117.html>. Acesso em: 13 fev. 2011.

6. Para além da regularização fundiária: Porto Alegre e o urbanizador social. ALFONSIN, Betânia; FERNANDES, Edésio (Org.). Direito à moradia e segurança da posse no estatuto da cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2006. p. 281-282. Também acerca desse processo de urbanização e seus efeitos no direito à moradia, vide NALIN, Nilene Maria. Os significados da moradia: um recorte a partir dos processos de reassentamento em Porto Alegre. 2007. 172f. Mestrado (Mestrado em Serviço Social) – Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007.

7. Art. 39. A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor, assegurando o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida, à justiça social e ao desenvolvimento das atividades econômicas, respeitadas as diretrizes previstas no art. 2º desta Lei.

8. Art. 21. Compete à União:

XVIII – planejar e promover a defesa permanente contra as calamidades públicas, especialmente as secas e as inundações;

9. Art. 2º – O parcelamento do solo urbano poderá ser feito mediante loteamento ou desmembramento, observadas as disposições desta Lei e as das legislações estaduais e municipais pertinentes. § 1º – Considera-se loteamento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com abertura de novas vias de circulação, de logradouros públicos ou prolongamento, modificação ou ampliação das vias existentes. § 2º – considera-se desmembramento a subdivisão de gleba em lotes destinados a edificação, com aproveitamento do sistema viário existente, desde que não implique a abertura de novas vias e logradouros públicos, nem o prolongamento, modificação ou ampliação dos já existentes.

10. Art. 3º – Somente será admitido o parcelamento do solo para fins urbanos em zonas urbanas, de expansão urbana ou de urbanização específica, assim definidas pelo plano diretor ou aprovadas por lei municipal. Parágrafo único. Não será permitido o parcelamento do solo: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas; (...) III – em terreno com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas das autoridades competentes; IV – em terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação; V – em áreas de preservação ecológica ou naquelas onde a poluição impeça condições sanitárias suportáveis, até a sua correção.

Disposição semelhante está prevista, por exemplo, no Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental do Município de Porto Alegre/RS – Lei Complementar 434/99 –, com alguns acréscimos e alterações: Art. 136. Fica vedado o parcelamento do solo, para fins urbanos: I – em terrenos alagadiços e sujeitos a inundações, antes de tomadas as providências para assegurar o escoamento das águas ou a proteção contra as cheias e inundações; II – em terrenos que tenham sido aterrados com material nocivo à saúde, sem que sejam previamente saneados; III – em terrenos ou parcelas de terrenos com declividade igual ou superior a 30% (trinta por cento), salvo se atendidas exigências específicas a serem estabelecidas por decreto; IV – em terrenos onde as condições geológicas e hidrológicas não aconselham a edificação; V – em terrenos situados fora do alcance dos equipamentos urbanos, nomeadamente das redes públicas de abastecimento de água potável e de energia elétrica, salvo se atendidas exigências específicas dos órgãos competentes; VI – em Áreas de Proteção do Ambiente Natural, após detalhamento que resulte em preservação permanente; VII – em áreas onde a poluição ambiental impeça condições sanitárias, salvo se houver correções de acordo com as normas oficiais; VIII – em imóveis dos quais resultem terrenos encravados ou lotes em desacordo com padrões estabelecidos em lei; IX – em imóveis que não possuam frente para logradouros públicos oficiais; X – em Áreas de Contenção ao Crescimento Urbano (ACCRU).

11. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LOTEAMENTO IRREGULAR. DANO AMBIENTAL. RESPONSABILIDADE DO MUNICÍPIO. ART. 40 DA LEI Nº 6.766/79. PODER-DEVER. PRECEDENTES. 1. O art. 40 da Lei 6.766/79, ao estabelecer que o município "poderá regularizar loteamento ou desmembramento não autorizado ou executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença", fixa, na verdade, um poder-dever, ou seja, um atuar vinculado da municipalidade. Precedentes. 2. Consoante dispõe o art. 30, VIII, da Constituição da República, compete ao município "promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano". 3. Para evitar lesão aos padrões de desenvolvimento urbano, o Município não pode eximir-se do dever de regularizar loteamentos irregulares, se os loteadores e responsáveis, devidamente notificados, deixam de proceder às obras e aos melhoramentos indicados pelo ente público. 4. O fato de o município ter multado os loteadores e embargado as obras realizadas no loteamento em nada muda o panorama, devendo proceder, ele próprio e às expensas do loteador, nos termos da responsabilidade que lhe é atribuída pelo art. 40 da Lei 6.766/79, à regularização do loteamento executado sem observância das determinações do ato administrativo de licença. 5. No caso, se o município de São Paulo, mesmo após a aplicação da multa e o embargo da obra, não avocou para si a responsabilidade pela regularização do loteamento às expensas do loteador, e dessa omissão resultou um dano ambiental, deve ser responsabilizado, conjuntamente com o loteador, pelos prejuízos daí advindos, podendo acioná-lo regressivamente. 6. Recurso especial provido. (REsp 1113789/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em 16.06.2009, DJe 29.06.2009)

PROCESSUAL CIVIL. AMBIENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO FIGURAR NO POLO PASSIVO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO STJ. SÚMULA 83/STJ. OFENSA AO ART. 535 DO CPC REPELIDA. (...) 2. A decisão de primeiro grau, que foi objeto de agravo de instrumento, afastou a preliminar de ilegitimidade passiva porque entendeu que as entidades de direito público (in casu, Município de Juquitiba e Estado de São Paulo) podem ser arrostadas ao polo passivo de ação civil pública, quando da instituição de loteamentos irregulares em áreas ambientalmente protegidas ou de proteção aos mananciais, seja por ação, quando a Prefeitura expede alvará de autorização do loteamento sem antes obter autorização dos órgãos competentes de proteção ambiental, seja, como na espécie, por omissão na fiscalização e vigilância quanto à implantação dos loteamentos. 3. A conclusão exarada pelo Tribunal a quo alinha-se à jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça, orientada no sentido de reconhecer a legitimidade passiva de pessoa jurídica de direito público para figurar em ação que pretende a responsabilização por danos causados ao meio ambiente em decorrência de sua conduta omissiva quanto ao dever de fiscalizar. Igualmente, coaduna-se com o texto constitucional, que dispõe, em seu art. 23, VI, a competência comum para a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios no que se refere à proteção do meio ambiente e ao combate à poluição em qualquer de suas formas. E, ainda, o art. 225, caput, também da CF, que prevê o direito de todos a um meio ambiente ecologicamente equilibrado e impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. 4. A competência do Município em matéria ambiental, como em tudo mais, fica limitada às atividades e obras de "interesse local" e cujos impactos na biota sejam também estritamente locais. A autoridade municipal que avoca a si o poder de licenciar, com exclusividade, aquilo que, pelo texto constitucional, é obrigação também do Estado e até da União atrai contra si a responsabilidade civil, penal, bem como por improbidade administrativa pelos excessos que pratica. 5. Incidência da Súmula 83/STJ. 6. Agravo regimental não provido. (AgRg no Ag 973.577/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 16.09.2008, DJe 19.12.2008)

12. SCHWABE, Jürgen; MARTINS, Leonardo (Org.). Cinquenta anos de jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão. Trad.: HENNIG, Beatriz et al. Berlim: Konrad-Adenauer-Stiftung, 2005. p. 296-299.

13. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009. p. 169.

14. Discricionariedade administrativa e o direito fundamental à boa administração pública. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 99-101.

15. É digno de nota, porém, a lição de Elaine Adelina Pagani – O direito de propriedade e o direito à moradia: um diálogo comparativo entre o direito de propriedade urbana imóvel e o direito à moradia. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009. p. 124 –, ao preconizar que “o direito à moradia no artigo 6º da Constituição Federal pode ser identificado como um direito que integra o direito à subsistência, o qual, por sua vez, representa a expressão mínima do direito à vida”.

16. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 229 e 236.

17. GÓIS, Ewerton Marcus de Oliveira. A responsabilidade civil do Estado por atos omissivos e o atual entendimento do Supremo Tribunal Federal. Revista Virtual da AGU, a. VII, n. 67, Brasília, ago. 2007. Disponível em: <http://www.agu.gov.br/sistemas/site/ TemplateTexto.aspx?idConteudo=79952&id_site=1115&ordenacao=1> Acesso em: 25 fev. 2010.

18. RE-AgR 481110, DJ 09.03.2007; RE 409203, DJ 20.04.2007; RE 140270, DJ 18.10.1996; RE 258726, DJ 14.06.2002; Resp 888420, DJe 27.05.2009; Resp 1069996, DJe 1º.07.2009.

19. Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

(...) § 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS