Parecer: Ação Rescisória. Prequestionamento. Descabimento.(1)


Autor: Carlos Thompson Flores(2)

Ministro aposentado e ex-Presidente do STF

 publicado em 30.06.2011

Solicitou-me Gilberto Francisco Renato A. Chateaubriand, por intermédio de um de seus procuradores judiciais, o exame da possibilidade de lhe proporcionar parecer jurídico sobre reclamação trabalhista que intentou contra a "Televisão Itapoan S.A.", na qual o decisório de segundo grau, que lhe foi desfavorável, resultou anulado em julgado do Plenário do TRT da 5ª Região, proferido em ação rescisória por ele proposta. Aconteceu, todavia, que, interposto recurso ordinário para o Eg. TST, houve ele por bem dar-lhe provimento, em sessão plenária, com veredicto tomado pelo voto de desempate do então presidente, o eminente e saudoso Ministro Coqueijo Costa.

Manifestou, então, o consulente recurso extraordinário. Não foi ele admitido. Interposto agravo de instrumento, mantido o despacho presidencial, remetidos os autos ao Eg. STF, aí distribuídos, pende, ainda, de despacho de seu eminente Relator.

2. A essa altura do procedimento judicial  é que  me foi encaminhado o pedido de exame da questão jurídica, visando à obtenção de parecer. Para tanto, vieram-me presentes xerocópias das peças essenciais extraídas dos respectivos autos.

3. Examinei-as, detidamente, e, do estudo a que procedi, dispus-me a atender à súplica do consulente, uma vez que convencido da viabilidade do recurso por ele interposto, e nos termos que, a seguir, passo a deduzir.

I Dos fatos e do procedimento judicial deles decorrentes

1. Inicialmente, cabe acentuar que aqui não estão em apreciação os fatos que originaram a reclamatória trabalhista ajuizada pelo consulente, nem os decisórios que sobre ela incidiram em primeiro e segundo graus.

2. O interesse do consulente se revela, nesta fase, a partir do julgado proferido na ação rescisória por ele proposta, o qual concluiu por sua integral procedência. Anulou ele o decisório de segundo grau que mantivera a decisão da Junta, ao dar pela improcedência da reclamatória.

E tal interesse do consulente se realça após o veredicto proferido pelo Cdo. TST, ao prover o recurso ordinário da reclamada ré na ação rescisória, julgando-a improcedente;  e, aqui e agora, em especial, no pertinente ao recurso extraordinário que interpôs e, afinal, sobre o agravo de instrumento originado com a inadmissão daquele recurso.

II Do Recurso Extraordinário

A) Considerações necessárias

1. Para acolher a rescisória, anulando a decisão da Turma, considerou o Plenário do TRT que a intervenção do M.P. em Segunda Instância, por meio de parecer escrito do Procurador-Geral, era condição essencial para a validade do respectivo julgamento. E, porque não assinado dito parecer, como ocorreu, era ele de todo ineficaz, gerando a nulidade do decisório. Fundou-se, para tanto, nos arts. 746, a,  e 747, ambos da CLT, fls. 98-9.

2. Não obstante, e como já foi relatado, interposto recurso ordinário pela vencida,  houve por bem o Plenário do Cdo. TST provê-lo, dando pela "improcedência da ação", fls. 151-7, data vênia  expressão tecnicamente inadequada, pois o correto seria a extinção do processo (CPC, art. 267, VI, 1ª hipótese).

Sua ementa dispõe (fl. 151):

"AÇÃO RESCISÓRIA. PREQUESTIONAMENTO DA MATÉRIA NA SENTENÇA RESCINDENDA. Impossível é concluir pela procedência da ação rescisória ajuizada com alegada base no inciso V do artigo 485 do Código de Processo Civil, quando o Órgão prolator da sentença rescindenda sequer chegou a emitir juízo a respeito da matéria  articulada, na inicial, como causa de pedir. A violência à literalidade do preceito legal pressupõe adoção explícita da tese. Portanto, o pressuposto prequestionamento, além de pertinente aos recursos extraordinários, está, na hipótese, ligado à rescisória.”

3. Opostos embargos declaratórios, fundados na contradição e na obscuridade, foram recebidos, reconhecida a obscuridade, fl. 179 e segs.

Do voto do eminente Relator, cabe destacar o seguinte fragmento (f1. 2 do acórdão):

"(...)

Por último, e para que não pese qualquer dúvida a respeito do espírito de compreensão que preside o exame dos embargos declaratórios nesta Corte, acolho-os a fim de explicitar que, a teor do disposto no artigo 795 da Consolidação das Leis do Trabalho, as nulidades não serão declaradas senão mediante provocação das partes, que deverão argui-las à primeira vez que tiverem que falar em audiência ou nos autos. Daí haver o Plenário colocado em plano inferior a circunstância de o parecer ser peça de exame obrigatório.  Explicito, também, que não restou configurada  a violência à literalidade de qualquer preceito legal, especialmente dos artigos 746, alínea a, e 747 da Consolidação das Leis do Trabalho, pois não houve adoção de tese, na decisão rescindenda, sobre a matéria por eles disciplinada."

4. Inconformado, a tempo  interpôs o consulente recurso extraordinário. Funda-o no art. 119, III, a, e d, combinado, o primeiro com o art. 143, ambos da Constituição. Sustenta que, quanto àquele, o julgado afrontou o art. 153, § 2º, da citada Carta; e, quanto ao segundo, que dissentiu ele de vários decisórios dos quais faz parciais transcrições, precisando, ademais, de sua publicação.

5. Todavia, não logrou dito recurso sua admissão.

O arrimo essencial do despacho presidencial assenta na passagem que impende ser transcrita. Diz, verbis:

"Se a tese (refere-se ao prequestionamento da questão federal) é objeto de construção jurisprudencial, ainda controvertida, inviável o acolhimento da arguição de negativa de vigência do art. 153, § 2º, da Constituição Federal, genérico para a hipótese dos autos." (DJ de 02.07.87, p. 13.766)

6. Daí a interposição do agravo de instrumento, propugnando o processamento do excepcional  para seu oportuno conhecimento e provimento.

B) Do Recurso Extraordinário em sua essência

1. Parece-me assistir inteira razão ao consulente em ambas as suas irresignações: agravo e recurso extraordinário.

2. Com efeito.

São fatos absolutamente  certos que o acórdão recorrido, ao reformar a decisão do Regional e "julgar improcedente a ação rescisória", concluiu, de forma clara e positiva, especialmente na sua complementação por meio dos embargos declaratórios, da sua inviabilidade, uma vez que a questão jurídica nela arguida não havia sido objeto de apreciação no julgado rescindendo.

Reporto-me, no particular, à ementa do acórdão dos embargos e da fundamentação do que lhe sucedeu ao recebê-los, no fragmento destacado, ambos anteriormente transcritos.

3. Resultou daí, de suas peremptórias afirmações, que criou o primeiro e reafirmou o segundo dos decisórios, condição ou requisito processual para a ação em comentário  não previsto em lei.

Aplicou ele o princípio do prequestionamento da questão federal,  insculpido nos verbetes 282 e 356 da Súmula do Eg. Supremo Tribunal Federal, sabidamente restritos aos recursos extraordinários, como, de resto, são expressos ditos enunciados.

Tal imperativo não se encontra, nem expressa, nem implicitamente, nos dispositivos específicos da rescisória, quais sejam os consubstanciados nos arts. 485-95 do CPC, aplicáveis ao procedimento trabalhista, por força do art. 836 da CLT, com sua compreensão atualizada, segundo o ensinamento de Coqueijo Costa (Direito Judiciário de Trabalho, Forense, 1978, p. 427-9). Como também não se encontra citado atributo em qualquer outro preceito legal pertinente.

4. A condição consagrada nos arestos impugnados é, ademais, repelida pelos doutrinadores que a versaram. Cabe lembrar Pontes de Miranda (Tratado da Ação Rescisória, Forense, 5. ed., 1976, p. 248) e Luiz Eulálio B. Vidigal (Comentários ao CPC, Revista dos Tribunais, VI, p. 87).

O próprio Ministro Coqueijo Costa, autor do voto que desempatou o julgamento ora recorrido, sustenta, em sua festejada Ação Rescisória, 1984, p. 747, e com bons argumentos, tese jurídica em plena sintonia com a fundamentação aqui deduzida.

5. Essa, de resto, é a jurisprudência reiterada e pacífica do Eg. Supremo Tribunal Federal. Dos julgados mais expressivos, destaco  os que, a seguir, passo a indicar, e para os quais concorri com o meu voto: A.R. 978, Pleno, 11.10.78, rel. Min. Soares Muñoz, in Jurisprudência Brasileira, 28, p. 92 e seguintes; E.A.R. 732, RJ, Pleno, 28.02.80, Rel. Min. S. Muñoz, in RTJ, 116, p. 870-80; A.R. nº 777, RJ, Pleno, 05.03.80, Rel. Min. Soares Muñoz, in RT, 550, p. 207-10; e R.E. nº 89,753, SP, Pleno, 19.12.80, Rel. Min. C. Guerra, in RTJ, 97, p. 699-703.

Não me posso furtar de transcrever parte da ementa do segundo dos arestos citados. Diz, verbis:

“– O requisito do prequestionamento não se aplica à rescisória, que não é recurso, mas ação contra a sentença transitada em julgado, atacável, ainda que a lei invocada não tenha sido examinada na decisão rescindenda. (...)”

6. Quanto ao julgado invocado pela recorrida como divergente da orientação jurisprudencial mencionada e proferido na A.R. 1.171, RJ, Pleno, 29.10.86, Rel. Min. F. Rezeck, in RTJ 120/495-508, manifesta é a sua improcedência, pois, em verdade, não enfrentou ele a tese do prequestionamento. É bastante ler seu integral conteúdo, e não extrair de sua ementa conclusão por ela não autorizada.

Impertinente, dessarte, o aceno ao verbete 343 da Súmula para obstar o conhecimento do recurso extraordinário e o seu provimento.

7. Tudo está a mostrar, pois, que os julgados recorridos, exigindo como condição da rescisória o prequestionamento, no aresto rescindendo, da tese jurídica nela arguida, criou requisito não previsto em qualquer lei, afrontando, dessarte, o princípio da legalidade, erigido em garantia individual, prevista no art. 153, § 2º, da Constituição.

8. Evidencia-se, assim, a viabilidade do recurso extraordinário, fundado no art. 119,  III, a, combinado com o art. 143, ambos da Carta Maior, por violação do citado art. 153, § 2º, de parte dos decisórios recorridos. Mal inspirado, data venia, o despacho presidencial há de merecer reforma por meio do agravo interposto para processamento e oportuno conhecimento e provimento do extraordinário, a fim de que, retornando os autos à  presença do Plenário do Cdo. TST, prossiga ele no julgamento da rescisória, afastado o requisito do prequestionamento comentado.

9. A esta altura somente resta concluir, respondendo às questões propostas pelo consulente.

III Conclusões


1. Quanto à 1ª, sim. Considero que o agravo de instrumento interposto pelo consulente é de ser provido, proporcionando o processamento do recurso extraordinário;

2. Quanto à 2ª, sim. Convencido estou de que o recurso extraordinário processado merece ser conhecido e provido, uma vez que satisfeitos os pressupostos necessários nos quais se assentou, no pertinente à letra a do permissivo constitucional.

É o parecer
.   

Porto Alegre, 16 de março de 1988.

Notas

1. Parecer lavrado em 16.03.1988.

2. Em 2011, comemora-se o centenário de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS