Parecer: Sociedade comercial. Exclusão de sócio. Justo motivo.(1) |
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Autor: Carlos Thompson Flores(2) Ministro aposentado e ex-Presidente do STF publicado em 31.10.2011 |
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Solicitou-me a V.T.R. Ltda., por intermédio de um de seus procuradores judiciais, o exame da possibilidade de proporcionar-lhe parecer jurídico sobre a ação que lhe promovem C.O. e E.R.P.T. Ltda., perante a Justiça Estadual de Salvador, na Bahia, ora em tramitação perante o Eg. Supremo Tribunal Federal, por meio de recurso extraordinário manifestado pelos citados autores, vencidos. Formulou a consulente vários quesitos, alusivos às diversas questões jurídicas suscitadas na demanda, todas elas visando, em conclusão, ao não conhecimento do mencionado recurso. 2. Para tanto, encaminhou-me o ilustre causídico xerocópias das peças essenciais do respectivo processo. 3. Examinei-as detida e meticulosamente; e, do estudo a que procedi, dispus-me em atender à suplica da consulente, uma vez que convencido da inviabilidade do aludido recurso, nos termos que, a seguir, passo a deduzir. I Dos fatos e do procedimento judicial deles decorrentes1. Demandantes e demandados constituíram Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, com fins estabelecidos no contrato social no qual os últimos, ora consulentes, figuravam como contribuintes da maioria do respectivo capital. Considerando que o primeiro dos demandantes, o qual é também sócio e gerente da segunda, pelo seu procedimento tornou inviável a vida da sociedade, afetando a própria affectio societatis, procederam os sócios à sua exclusão, em procedimento administrativo, alterando, consequentemente, o contrato social, não logrando, porém, seu arquivamento na Junta Comercial. 2. Cientes do ocorrido e melhor informados a respeito da exclusão, ajuizaram eles, perante a 5ª Vara do Cível e Comércio de Salvador, na Bahia, ação ordinária contra os consulentes, postulando a anulação do ato expulsório. 2.1. Contestada a demanda, com negativa da ocorrência de certos fatos alegados pelos autores e dando a outros conceituação diversa da por eles formulada, sustentaram tese jurídica oposta à arguida. A termo, sentenciou o magistrado, acolhendo o pedido. Irresignados, apelaram os acionados. E lograram sucesso, dado que o Eg. Tribunal de Justiça, por sua Terceira Câmara Cível, em Turma, por unanimidade, proveu, por inteiro, o apelo, julgando improcedente a ação. Sua expressiva ementa dispõe, fls. 212, verbis: “Exclusão de Sócio. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Justa causa. Preservação do affectio societatis. Previsão contratual. Decisão Judicial. 3. A tempo, opuseram os vencidos embargos de declaração, invocando omissão e obscuridade do julgado, em passagens que indicam, a começar pela não consideração do art. 153, § 4º, da Constituição, seguindo-se a da cláusula 15ª do contrato social e terminando por outras articulações não bem explicitadas. Foram ditos embargos rejeitados à unanimidade, longamente fundamentando o acórdão as razões de decidir. 4. Adveio, então, o recurso extraordinário interposto pelos autores. Fundaram eles sua pretensão nas letras a e d do inciso III do art. 119 da Constituição, arguindo, outrossim, a relevância da questão federal. 5. Admitido o recurso, reconheceu o despacho presidencial, simplesmente, a "negativa de vigência" do art. 153, § 4º, da mencionada Carta. Ademais, acolhida também veio a ser a arguição de relevância. 6. A essa altura do procedimento judicial é que me foi encaminhado o pedido de parecer, o qual, como já ficou acentuado, formula várias questões a serem solvidas, agora interessando o desfecho do recurso extremo, a ser julgado pelo Eg. Supremo Tribunal Federal. II Do recurso extraordinárioA) Considerações necessárias 1. O que importa, no estágio atual da causa, é que não seja conhecido o recurso excepcional interposto pelos autores; ou, acaso conhecido, pela divergência pretoriana, não seja ele provido. 2. Certo é que, com o acolhimento da arguição de relevância, a irresignação derradeira que se cingiria à letra a do permissivo constitucional, com base na invocada ofensa ao art. 153, §§ 4º e 30º, do Estatuto Maior, tal como dispõe o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal – art. 325, I – ampliou-se, compreendendo, também, quanto à divergência invocada e à negativa de vigência de preceitos vários de leis federais. 3. Cabe, dessarte, o exame de todos os fundamentos aduzidos pelos recorrentes vencidos. B) Do Recurso Extraordinário em sua essência1. Após resumir os termos da controvérsia, improver o agravo retido e fazer considerações sobre o julgado de primeiro grau, acentuou o acórdão, aqui impugnado, fls. 223, verbis: "Dessa síntese do ato sentencial extrai-se que, afastados, por inocorrentes, os casos previstos nos arts. 289 e 317 do Código Comercial, o dissídio se cinge em saber se, sem cláusula contratual expressa e na distância de decisão judicial, é admissível, ou não, a exclusão, por justa causa, do sócio dissidente." Após largas considerações sobre a evolução do direito societário, refletindo-se na doutrina e na jurisprudência, concluiu o acórdão pela possibilidade da dissolução parcial das sociedades por quotas de responsabilidade limitada, com a exclusão do sócio dissidente, fls. 223-4. E, textualmente, consigna, fls. 224, verbis: “Aperfeiçoando e amenizando o sistema de dissolução consagrado no velho Código Comercial, o instituto da dissolução parcial atende, sem dúvida, aos interesses nacionais, à conveniência da sociedade e à vontade da maioria. Passa, então, o decisório impugnado a analisar os fatos, os quais, devidamente considerados, teve como graves e capazes de justificar a exclusão do sócio faltoso. E, apreciando no pertinente à prova colhida, afirma, fls. 225-6, verbis: "A robusta e farta prova recolhida, plenamente corroborada pelas inúmeras manifestações dos litigantes, destaca esse clima de desarmonia e desafeição, entremostrando que os sucessivos conflitos, dia a dia acirrados pelos episódios da disputa judicial, estavam impedindo a condução tranquila dos negócios sociais e comprometendo a sobrevivência da sociedade. Prosseguiu o julgado, passando a indagar se, no silêncio do contrato social e na ausência de procedimento judicial, legítima ou não era a validade da exclusão do sócio faltoso. A resposta se fez pela afirmativa. Reiterou, então, o acórdão, para reforçar sua conclusão, a evolução do direito societário, invocando opiniões de renomados juristas, com expressivas passagens que transcreve, e julgados vários de Tribunais dos Estados, com fragmentos seus que os amparam, fls. 226-31. Por último, tece argumentos justificadores da exclusão, também, da sócia E.R.P.T. Ltda. Nesse particular, impõe-se o destaque dessa significativa observação, fls. 231: “Manter a E.R.P.T. Ltda. como quotista seria, sem dúvida, possibilitar a C.O., que dela é gerente e sócio majoritário, oportunidade para continuar a agitar a desavença, perturbar o convívio social e fazer desaparecer a affectio societatis, sem a qual a sociedade não poderia atingir seus fins institucionais." 2. Como já foi anotado antes, os embargos declaratórios foram rejeitados. Com eles o que visavam os embargantes, em verdade, era preparar a admissão do recurso extraordinário, querendo ver identificado o prequestionamento da questão constitucional (afronta ao art. 153, § 4º). Com o seu reconhecimento afastariam, se bem-sucedidos, a incidência da Súmula, verbetes 282 e 356, bem como os óbices a que se refere o art. 325 do R.I. do Supremo Tribunal Federal, pois o recurso encontraria arrimo em seu inciso I. Assim, de logo, atribuíram ao decisório embargado omissão daquele dispositivo constitucional, bem como da cláusula 15ª do contrato social, além de se mostrar obscuro sobre questões outras que dificultavam sua real compreensão. 2.1. O fundamentado aresto proferido em tais embargos respondeu às questões suscitadas, concluindo por sua manifesta improcedência. E, porque os teve como simplesmente protelatórios, aplicou a sanção prevista no parágrafo único do art. 538 do CPC. 3. Daí o recurso extraordinário, cujo embasamento foi antes deduzido (Constituição, art. 119, III, a e d). 3.1. Em extensa petição, sustentaram os recorrentes que os vereditos impugnados teriam afrontado normas constitucionais, uma delas já mencionada, a outra invocando o art. 153, § 30, pertinentes ambas às garantias individuais. O primeiro, excluindo os sócios ora inconformados, sem procedimento judicial, e o último, porque teria negado o direito de examinar os livros comerciais e demais papéis da Sociedade a que pertenciam; e, ademais, porque, ao instaurarem procedimento criminal contra familiares e um dos sócios, de tal conduta se serviram para sua exclusão. Sustentaram, ainda, que os julgados impugnados negaram vigência aos arts. 420 e seu parágrafo único, bem como 282, VI, ambos do CPC, ao improverem o agravo retido que visava ao exame pericial dos citados livros e documentos. E, por idênticas razões, negaram aplicação aos arts. 18 e 290 do C. Com., combinados com o art. 844, III, do citado Diploma Processual. Atribuem, também, haver denegação de vigência dos arts. 13, 16, II, e 20 do C. Civ., uma vez que, pelos mesmos motivos da exclusão do sócio C.O., como faltoso, haver sido excluída, também, a sócia E.R.P.T. Ltda., quando se trata de pessoas de existências distintas e inconfundíveis. Por fim, e com pretenso embasamento na letra d do permissivo constitucional, trazem à colação numerosos julgados de tribunais, inclusive do próprio TJ do Estado, de onde provém o recurso, bem como alguns do Eg. Supremo Tribunal Federal. Deles transcrevem ementas de alguns, indicando os locais de sua publicação, inserindo, de outros, as respectivas cópias xerografadas, e de terceiros apenas a indicação. 4. Penso, como afirmei inicialmente, que o recurso extraordinário manifestado pelos autores vencidos é de todo inviável. Inobstante o denodado empenho de seu nobre procurador, revelado na extensa petição de sua interposição, e cujos fundamentos ficaram antes resumidos, certamente não logrou ele a satisfação de seus essenciais pressupostos. Senão vejamos. 4.1. Prefacialmente, e como concluiu, também, o eminente Ministro Leitão de Abreu, em seu bem lançado parecer, não me convenci de que o tema constitucional que ensejou a admissão do recurso, qual seja, a afronta, por parte do acórdão recorrido, da garantia individual a que se refere o § 4º do art. 153 da Constituição, tenha sido prequestionado. De fato. Não foi ele fundamento do pedido inicial nem cogitado na contestação, ao que se deduz dos termos da sentença e também do acórdão, quer no pertinente aos relatórios, quer no que tange às razões de decidir. Ocorreu no julgado de primeiro grau, a fls. 5, in medio, mas como mera referência. Por isso dele não cuidaram, como sustentáculo de suas conclusões, os decisórios das instâncias ordinárias. Não poderia, pois, ser considerado dito preceito constitucional nos embargos declaratórios, sob pretexto de omissão. Assim, no particular, incide a Súmula 282, a qual se pode relacionar seu verbete 356, com o sentido que lhes tem atribuído o Eg. Supremo. A propósito, merecem destaque, pela fundamentação que deram a respeito, os julgados proferidos nos E.R.E. (Ag.Rg.) do R.I., pelo Plenário, em 12.05.83. (RTJ 109, p. 299-304). Sua expressiva ementa dispõe: "l. Constitucional. O prequestionamento supõe não apenas que, na petição de recurso, a parte vencida mencione os cânones constitucionais violados, mas que a matéria tenha sido ventilada e discutida no Tribunal a quo, onde ficaram vulnerados. Logo a seguir, a mesma tese veio a ser reafirmada, e também com farta fundamentação, ao ser julgada, já então, perante a Cda. 1ª Turma, no R.E. (E.D.cl.), de M.G., em 11.10.83; e, note-se, com o mesmo relator do aresto anterior, o douto processualista e eminente Ministro Alfredo Buzaid. Sua ementa consigna: “(...) Dessarte, a mera referência por parte da sentença ao art. 153, § 4º, da Carta Maior, incidenter tantum, não importou em prequestioná-lo. Para tal, seria mister que a matéria fosse res controversa, o que, evidentemente, não sucedeu. 4.2. Quando, porém, assim não fosse e se viesse a reconhecer o prequestionamento em comentário, o que se faz, apenas, para argumentar, sem consentir, a garantia individual invocada – art. 153, § 4º – dirige-se ao legislador, como expressa é a lição de Pontes de Miranda (Comentários à Const. de 1967, V, 2º, Ed. RT, p. 108, n. 4). E, no caso, nenhuma lei, mesmo tomada no seu mais amplo sentido, esteve em cogitação, obstando o Poder Judiciário de conhecer de qualquer lesão de direito individual, porventura arguido. O preceito constitucional, em realidade, não teria como incidir, e dele, consequentemente, não se poderia extrair qualquer benefício para a solução da res controversa. 4.3. De outra parte, e para não sair do tema constitucional, cabe apreciar a invocação do mesmo art. 153, agora de seu § 30. Sustentam os recorrentes que lhes foi negado o direito de petição ali consagrado, e pelos motivos antes referidos. Admitindo que a matéria tenha sido apreciada sob o ângulo constitucional, como condição indispensável, o que, a meu sentir, não sucedeu, em nenhum ponto o julgado recorrido afrontou aquela disposição, como se verifica de sua fundamentação. Quanto à negativa de exame dos livros e demais documentos da sociedade, a razão foi, simplesmente, querer o recorrente fazê-lo não pessoalmente, como já teria procedido em vezes outras, mas por meio de preposto, o qual, por indesejável, tinha proibida a sua entrada nos escritórios da firma. E, no que pertine às ações penais promovidas contra familiares de um dos sócios, em nenhum momento foram impugnados os procedimentos usados nem foram eles, como tais, que operaram para justificar a exclusão dos sócios demandantes. Antes, os efeitos deles decorrentes, além de outros, é que constituíram o elemento vital para, comprometendo a affectio societatis, motivar o expurgo, como, claramente, sinalou o acórdão. Nenhuma, pois, das arguições dos recorrentes, afrontadoras das franquias constitucionais comentadas, teriam ocorrido de parte do julgado impugnado. 5. Impende, agora, examinar os demais fundamentos aduzidos no recurso e alusivos à letra a do permissivo constitucional. 5.1. Comecemos pelos arts. 282, VI, e 420, parágrafo único, III, do CPC, tidos pelos recorrentes como de vigência negada. Considero que não se verificaram as faltas atribuídas ao magistrado ao indeferir a perícia nos livros contábeis e documentação econômico-financeira da Sociedade, bem como ao acórdão, ora recorrido, ao improver o respectivo agravo retido. É que estava dentro das atribuições do juiz assim procedê-lo, como dispõem os arts. 125 – direção do processo – e 130 – indeferindo as diligências inúteis ou protelatórias –, ambos do Diploma Processual. Realmente, qualquer que fosse o desfecho da perícia, não afetaria ele o ato da exclusão dos sócios recorrentes, já que os motivos que o determinaram eram estranhos ao conteúdo dos citados livros e documentos; antes, assentaram em razões diversas, longamente aduzidas na ata de 20.06.84. Assim, a ausência da comentada perícia não influiria, como não influiu, nos julgamentos da ação: num deles, a sentença, julgando-a procedente; e no outro, o acórdão, dando por sua improcedência. E, impende acrescentar, conhecer, agora, do recurso extraordinário, de escasso ou nenhum embasamento jurídico, como propõe o parecer da Procuradoria-Geral da República, adotando razões, de resto, bem deduzidas, no capítulo reservado à arguição de relevância, não teria, data vênia, o menor sentido. Como se afirmou antes, qualquer que fosse o seu resultado não removeria os motivos que determinaram a exclusão dos sócios recorrentes, antes, serviriam, apenas, para agravar a animosidade deles com os demais sócios que formaram a maioria social, determinadora do expurgo dos citados sócios, tidos como faltosos. Dita perícia irá influenciar, é certo, mas ao ensejo da apuração dos haveres dos sócios dispensados, e não na fase atual, em que o que se visa é invalidar o ato expulsório fundado em razões de todo alheias as que dita perícia pudesse apurar. 5.2. Igual sorte é de atribuir-se no que toca aos arts. 13, 16, II, e 20 do C. Civ., com referência à exclusão da sócia E.R.P.T. Ltda. Basta a leitura atenta do julgado impugnado para, de logo, aperceber-se que nem direta nem obliquamente atentou ele contra os citados dispositivos. Não negou que a sócia excluída constitua pessoa jurídica, e mais, de direito privado (art. 13). Igualmente que não era ela sociedade mercantil (art. 16, II). Por fim, que não tivesse ela existência distinta de seu sócio, C.O. (art. 20). A exclusão do citado sócio, pessoalmente, importou na da sociedade aludida, não porque constituíssem uma só pessoa, hipótese em que estaria o acórdão negando vigência ao art. 20 do C. Civ. A exclusão da pessoa jurídica se deu porque era C.O. sócio e gerente da excluída, condição especial que, pelo proceder adotado, inviabilizaria o seu expurgo pessoal, como bem analisou o acórdão recorrido em passagem que antes transcrevi, a qual tenho aqui como reproduzida. 5.3. Segue-se a invocada negativa de vigência dos arts. 18 e 290 do C. Com. e 844, III, do CPC. Cuida o primeiro da exibição judicial dos livros comerciais e demais papéis a eles relacionados, enquanto o segundo assegura o direito ao próprio sócio de examiná-los. Por fim, o terceiro preceito, simplesmente, dirige-se ao direito material, sem nada mais acrescentar, como é expresso o ensinamento de Pontes de Miranda (Comentários ao CPC, XII, For., 1978, p. 249, n. 4). Acontece que nem a sentença nem o acórdão impugnado cuidaram, especificamente, de tais matérias. Certo consigna o julgado recorrido, simplesmente relatando a controvérsia da exibição judicial dos livros da sociedade (fl. 6 do acórdão). Mas não foi ela objeto da decisão, a menos que se compreenda no âmbito do agravo retido. Se assim ocorrera, o que se admite, apenas, ad argumentandum tantum, ao considerar arguida a afronta ao § 30 do art. 153 da Constituição, vale a fundamentação deduzida neste parecer, ao versar o mesmo tema, n. 4.3. E ela mesma justifica a ausência de negativa de aplicação das disposições legais consideradas. 5.4. Prende-se o recurso, ainda, na invocação da cláusula 15ª do contrato social. Obstaria ela a exclusão do sócio antes da instauração do juízo arbitral ou, no caso de seu insucesso, à adoção da via judiciária. Dele não cuidou o acórdão, esclarecendo, todavia, ao apreciar os embargos declaratórios a ele opostos, que não se tornava necessária sua consideração para decidir a controvérsia. E isso considerando que não dispunha ela, a cláusula, sobre exclusão de sócio. Bem ou mal, o certo é que interpretou cláusula contratual. Em tal hipótese, por ser sobranceira a instância ordinária, afastado fica o seu exame no âmbito do recurso extraordinário. É o que estatui a Súmula, verbete 454. 6. Esgotadas as arguições fundadas na letra a da autorização constitucional referente ao recurso extraordinário, resta o exame do dissídio pretoriano, letra d daquele permissivo. 6.1. No que respeita ao indeferimento da perícia nos livros e documentos da sociedade. Visando demonstrar a divergência, invocaram os recorrentes os seguintes paradigmas, mencionados às fls. 23, 24 e 63 da respectiva petição recursal: R.R. E.E. 83.378 (R.T., 506/274) e 76.535 (J.T.A.C., F.P., 46/19). Todavia, inepta é de considerar-se a petição em questão, que, manifestamente, desatendeu às exigências formais do Regimento Interno da Suprema Corte, art. 322, in fine, como já dispunha a Súmula 291. Deslembraram-se os inconformados do indispensável confronto entre o julgado impugnado e os padrões mencionados, "com a menção de circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados", os quais, em realidade, foram diversos no já citado fragmento 4.3, e o que afirmaram os paradigmas citados. 6.2. No que respeita ao mérito da ação, tal como foi concebido pelo acórdão recorrido e bem condensado na segunda parte de sua ementa, antes transcrita: " (...) Em sociedade por quotas (...) ", indicaram os recorrentes numerosos julgados de tribunais dos Estados, fls. 33-7, e, bem assim, do Eg. Supremo Tribunal Federal, fls. 41, 47 e 72. a) Desde logo impende afastar do confronto o padrão oriundo do próprio tribunal de onde promana o recurso, Ap. Civ. nº 2651, fls. 34-5, ante o que dispõe a Súmula 369. b) Passo a considerar, agora, os paradigmas do Eg. Supremo. Foram três os indicados, proferidos todos nos R.R.E.E. 89.464, SP; 104.596, PA; e 109.203, RJ; publicados na RTJ, respectivamente, vs. 89, p. 1.054-71; 114, p. 851-5; e 118, p. 400-4. Posto que os recorrentes, incansáveis em transcrever partes dos julgados padrões, e mesmo daqueles que lhes deram origem, incorreram no mesmo vício formal anteriormente apontado. Mais uma vez deslembraram-se de proceder ao confronto, substancial, para demonstrar a identidade ou semelhança dos casos confrontados. De qualquer sorte, não será demasia acrescentar algumas considerações sobre a imprestabilidade dos julgados tidos dissonantes. De fato. Os dois primeiros indicados não oferecem o menor proveito. Um deles, o RE 89.464, mais largamente debatido, versa sobre saída voluntária de sócio; mas a pretensão maior e decisiva, discutida no caso, era a apuração dos haveres, com a qual seria contemplado melhormente o sócio, o qual, com a sua deserção, propugnava a dissolução total da sociedade. É o que se lê, na precisa síntese, no voto do eminente Min. Moreira Alves, proferido após o alentado voto vencedor do eminente Min. Décio Miranda, respectivamente às p. 1067-70. O outro, RE 104.596, versou sobre sociedade por quotas, mas com dois sócios apenas. Um deles falecera e os herdeiros discutiam a apuração dos haveres. O princípio aí aplicado foi o mesmo do decisório anterior. Percebe-se, assim, a nenhuma pertinência dos casos considerados com o que é objeto do presente recurso. Por fim, o RE 109.203. Versa ele sobre mandado de segurança impetrado contra deliberação da Junta Comercial que deferira arquivamento de contrato social, sem a assinatura do sócio excluído. Foi ele concedido, sendo o acórdão local mantido pela Suprema Corte que, do recurso extraordinário, não conheceu. Sucede que o fundamento da última decisão assentou no fato de ter sido razoável a interpretação que o acórdão impugnado dera ao art. 339 do C. Com., ou seja, a exclusão do sócio apenas no caso de previsão contratual ou pela via judiciária. Por isso e significativamente, invocou o padrão comentado para ampará-lo a Súmula 400, cujos expressivos dizeres, para maior clareza, cabe transcrever: "Decisão que deu razoável interpretação à lei, ainda que não seja a melhor, não autoriza recurso extraordinário pela letra a do art. 101, III, da CF." (grifei) Evidentemente, que não se pode extrair daí que houvesse o acórdão atribuído como correta a exegese emprestada ao citado art. 339. Atendeu ele às peculiaridades do caso, não podendo ser considerado como divergente do presente recurso, cujas particularidades são outras. Assim, também concluiu o eminente Min. Leitão de Abreu, no douto parecer que emitiu a propósito. c) Quanto aos padrões provenientes dos Estados e indicados na petição recursal. Reincidem os recorrentes no mesmo vício anteriormente considerado. De alguns, indicam simplesmente os locais de sua publicação, fls. 36-7. De outros, transcrevem fragmentos ou suas ementas. d) Igualmente, é de considerar-se o invocado dissídio no pertinente à multa imposta aos recorrentes no julgamento dos embargos declaratórios, por eles opostos. O paradigma indicado, fls. 72, RE 101.711-SP, in RTJ 113, p. 830-45, não mereceu, como nas hipóteses anteriores, a demonstração analítica da divergência propugnada, resultando as consequências antes consignadas. 7. Todavia, quando se pudesse conhecer do recurso fundado na divergência de julgado, o que se faz, apenas, para mais amplamente discutir a matéria posta na controvérsia, nos termos da Sumula 456, a solução seria ainda pelo improvimento do recurso. 7.1. Embora a petição inicial invoque fundamentos vários para a anulação do ato expulsório dos autores e a sentença tenha acolhido alguns, o acórdão, todavia, repeliu a todos, por isso, reformando-a, na via da apelação, julgando improcedente a ação. A tese acolhida no julgado impugnado ficou, fiel e claramente, sintetizada em sua ementa, segunda parte. Embora anteriormente transcrita, na íntegra, convém reproduzi-la, ao menos, no seu fragmento final. Diz: "(...) 7.2. Posto que, como se afirmou atrás, o pedido inicial tenha assentado em vários fundamentos e, na instância da apelação, fossem todos eles considerados, como se verifica do teor do longo julgado, bem como daquele que apreciou os embargos declaratórios que lhe foram opostos, o certo é que, afinal, limitaram eles à forma de sua irresignação, sustentando, apenas, a invalidade do ato expulsório, por falta de justa causa. É o que se lê nas razões finais do extraordinário, no pertinente à arguição de relevância, por meio das transcrições introduzidas no parecer da douta Procuradoria-Geral da República, e postas em destaque à fl. 4. 7.3. Admitiram elas, as razões, subscritas pelo procurador dos inconformados, mestre Orlando Gomes, que a exclusão do sócio na sociedade visada é direito da maioria, haja ou não cláusula permissiva no contrato, e, ainda, independente de instauração de procedimento judicial. Essa é, em verdade, a doutrina dominante e aceita nos tribunais. Além de autores consagrados, de pareceres de eminentes juristas que se encontram nos autos, dos quais destacou expressivas passagens, o mesmo proceder adotou o acórdão, ao invocar julgados vários nos quais se arrimou. A eles, autores e julgados, outros poderiam ser acrescentados. Limito-me, no particular, a reportar-me ao erudito e completo parecer do mestre especializado no assunto, o eminente Ministro Cunha Peixoto, inserto aos autos. Versou ele, e exaustivamente, todas as questões trazidas para a demanda. Adoto-o, sem restrições, pedindo licença para subscrever, no pertinente, suas afirmações, dispensando-me, assim, de considerações outras, as quais, em realidade, seriam, de todo, supérfluas. 7.4. Em tais termos, suficiente se torna o exame da existência ou não de justa causa como motivo da despedida dos sócios recorrentes. Sustentam eles que o único móvel do ato impugnado assentou no pedido formulado pelo sócio C.O., da exibição dos livros contábeis e documentação econômico-financeira da Empresa. Dito proceder, que consideram direito seu, é que originou a indignação dos recorridos e foi a verdadeira causa da sua exclusão. Todavia, negam os últimos essa assertiva, amparados nos termos da ata então lavrada, na qual constam as reais razões da expulsão. 7.5. O exame da prova e o convencimento dela emergente é que esclareceriam a realidade quanto aos fatos em si. Assim procedendo, afirmou o acórdão, fls. 13-4, verbis: "A exclusão do sócio C.O., conforme já aqui exposto, foi decidida pela maioria, porque teria ele descumprido suas obrigações e criado um clima de divergência grave entre os sócios, com repercussão negativa na vida da empresa. Nem os recorrentes negam as expressões injuriosas de que se serviram, ao insistir na exibição comentada. O que fazem é procurar justificá-las, como se vê dos tópicos das razões que foram transcritas no parecer do Ministério Público Federal, fl. 6. Foi assim, como bem diz o acórdão, fundado na prova qualificada como "robusta”, que duas ordens de causas originaram o ato da despedida: uma, remota; a outra, próxima, as quais indica. Foram elas, em seu conjunto, que, comprometendo a affectio societatis, levou a maioria dos sócios, todos gravemente injuriados, ao desfecho comentado. Não haveria, por isso mesmo, e como já ficou acentuado atrás, nº 5.1, fundamento jurídico para deferir, como propõe o parecer do Ministério Público Federal, a perícia nos livros e documentos da Empresa, desatendida nas instâncias ordinárias. Porque, em realidade, nenhuma influência teria, qualquer que fosse o seu resultado, sobre os motivos reais que determinaram o ato de exclusão dos recorrentes. 7.6. Não definiu a lei o que seja justa causa, expressão já usada pelo C. Com., art. 339, ao se referir ao sócio que fosse despedido. Igualmente, assim já o concebera o grande Teixeira de Freitas, no seu Esboço do C. Civil, arts. 3.058, 1º, e 3.219, 2º, usando as mesmas palavras, para justificar a exclusão. O conceito passou, assim, a ser, paulatinamente, delineado pelos doutrinadores e aperfeiçoado nos tribunais. Cabe aqui invocar a advertência de Henry C. Black, verbis: “It is presumed that the legislature does not intend an absurdity, or that absurd consequences shall flow from its enactments. Such a result will therefore be avoided, if the terms of the act admit of it, by a reasonable construction of the statute.” (in Construction and Interpretation of the Laws, West Publishing Co., 1896, p. 104, nº 48) 7.7. In casu, como se extrai da própria ementa do decisório impugnado, a causa tida como justa emergiu do comportamento do sócio C.O., com a série de atos por ele praticados. É possível que aqueles tidos como remotos, referindo-se, apenas, ao gerente, não justificassem a exclusão. Mas, somados aos posteriores, considerados como próximos, investindo, então, contra os demais, certamente haveriam de comprometer a affectio societatis, afetando a vida da empresa e obstando a realização de seus fins. Esse elemento foi sempre considerado vital às sociedades. Era ele que os romanos apontavam para distinguir entre sociedade e mera comunhão ou condomínio, como se vê em Ulpiano, citado pelo Prof. Fabio Konder Comparato, em parecer emitido (R.T. 473, p. 33). Integra-se pelo espírito de união entre os sócios, pela estima que entre eles deve brotar da convivência diuturna e pacífica na atividade de cada um, pelo trabalho incessante e sincero em prol da entidade; enfim, numa palavra, colaboração, visando sempre, é evidente, ao proveito social, o qual importará no prestígio e no lucro de cada um. Com propriedade, sinalou Paul Pic, em passagem transcrita por A. J. Avelãs Nunes, referindo-se ao conceito hodierno da affectio societatis; " (...) vontade de colaboração ativa, consciente e igualitária, de todos os contraentes, em vista da realização de um lucro a dividir" (O Direito de Exclusão de Sócios nas Sociedades Comerciais, Coimbra, 1968, p. 84-5). No mesmo sentido é o ensinamento de Alberto G. Rocha de Azevedo, citando Troplong (Dissociação da Sociedade Mercantil, 1975, p. 132). E por sua perfeita adequação à espécie, referindo-se à quebra do animus antes considerado entre os sócios, escreve com propriedade Soares de Faria: "O caso de desarmonia profunda entre os sócios justifica cabalmente a radiação do sócio que a provoca e mantém. Nas sociedades do tipo que estudamos (sociedades por quotas), ainda perdura o elemento que era dominante no Direito Romano. Não se compreende o andamento, a atuação benéfica dos sócios em prol do progresso da sociedade, tendente a realizar o seu fim lucrativo, se os sócios vivem em luta constante, repleta de atitudes violentas e desagradáveis, que gera animosidade, inimizade e ódio. A vida em comum torna-se impossível e periclita, consequentemente, o supremo interesse que os pôs em sociedade." (Da Exclusão de sócios nas sociedades de responsabilidade ilimitada, p. 20, n. 23) Da mesma forma, o magistério de Louis Fredericq, verbis: “Les statuts déterminent librement les causes et les conditions de l’exclusion (3); ils indiquent si c’est l’assemblée générale ou le conseil d’administration qui statue, et si la décision doit être motivée ou non. A défaut de disposition à cet égard, l’assemblée générale prononce l’exclusion; celle-ci ne peut avoir lieu que pour ‘inexécution du contrat’ (4).” (In Traité de Droit Commercial Belge, Editions Fecheyr, Gand, 1950, t. V, p. 980, n 695, “c”) 7.8. A exclusão dos sócios assentou, assim, em fatos devidamente comprovados, os quais caracterizam a justa causa, na conceituação antes definida, como, de resto, bem se fundamentou o acórdão recorrido, o qual, por isso mesmo, é de ser mantido. 8. Examinados que foram todos os aspectos da controvérsia, e, especificamente, frente à interposição do recurso extraordinário, resta, apenas, concluir, dando cabal resposta ao questionário oferecido pelos consulentes. III Respostas às questões suscitadasQuanto à 1ª, NÃO. O acórdão recorrido, de forma alguma, contrariou o § 4º do art. 153 da Constituição. Quanto à 2ª, NÃO. O julgado recorrido, em nenhuma de suas passagens, denegou vigência às disposições do Código Comercial ou da lei das Sociedades por Quotas de Responsabilidade Limitada (Dec. 3.708, de 19.01.1919) que foram arguídas. Quanto à 3ª, NÃO. Não resultou demonstrada, nos termos regimentais (R.I. Supremo Tribunal Federal, art. 322, última parte) e nos do verbete 291 da Súmula, divergência entre o aresto recorrido e aquele proferido pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, na Apelação Cível 30.926, invocado a fls. 37 na petição de interposição do recurso extraordinário. Quanto à 4ª, NÃO. Divergência não resultou comprovada, pelos mesmos fundamentos consignados na resposta anterior, entre o acórdão impugnado e o proferido pelo Eg. Supremo Tribunal Federal, no RE 109.203, inRTJ, v. 118, p. 400 e segs., relacionado a fls. 41 da petição recursal. Quanto à 5ª, NÃO. A cláusula 15ª do contrato social, cuja interpretação foi dada pelo julgado proferido na apelação e aclarada no acórdão que apreciou os embargos declaratórios, não pode ser discutida na via extraordinária pelo Supremo Tribunal Federal, tal como dispõe a Súmula, verbete 454. Quanto à 6ª, SIM. No atual estágio do Direito Comercial, admite-se a exclusão de sócio de Sociedade por Quotas de Responsabilidade Limitada, sem cláusula contratual permissiva e sem apreciação judicial, como, de resto, vieram a reconhecer os recorrentes, em suas razões finais. Quanto à 7ª, NÃO. A perícia contábil, propugnada pelos recorrentes, fls. 20 e 78 da petição recursal, nunca teve maior sentido, como capaz de invalidar o ato expulsório, pelos fundamentos que o determinaram. Foi, assim, bem indeferida pelo juiz em despacho, mantido pelo acórdão, ao apreciar o agravo retido. Tal procedimento encontra seguro amparo nos arts. 120, II, e 130, última parte, do CPC, sem afetar disposições outras, sejam constitucionais, sejam insertas no C. Com., ou, ainda, no citado Diploma Processual, invocados pelos inconformados. Notas 1. Parecer lavrado em 19.05.1988. 2. Em 2011, comemora-se o centenário de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001. |
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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