Parecer: Responsabilidade civil. Culpa contratual. Correção monetária. (1)


Autor: Carlos Thompson Flores(2)

Ministro aposentado e ex-Presidente do STF

publicado em 31.10.2011


Por intermédio de seus nobres procuradores, consulta-me o Banco I.A.I. S.A. da possibilidade de lhe fornecer parecer jurídico sobre o êxito do recurso extraordinário que manifestou contra a decisão do Cdo. 1º Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, por seu 3º Grupo de Câmaras Cíveis, que, na execução que promoveu contra a R.E. S.A. e outros, posto que acolhesse a citada execução, concedeu-lhe a correção monetária, apenas, a partir da vigência da Lei nº 6.899/81, quando caberia ela desde a era do vencimento da promissória executada, ou seja, desde a prática do ilícito contratual.

Dito recurso, inadmitido pelo despacho presidencial e mantido na via do Agravo de Instrumento, resultou, todavia, reconsiderado na tramitação do agravo regimental interposto contra o despacho de seu eminente Relator, originando o processamento do recurso extremo.

2. Para tanto, encaminharam-me ditos causídicos xerocópias extraídas dos autos da respectiva demanda e de outros com ela conexas, julgadas todas numa só assentada.

3. Anteriormente, já procedera a estudo da matéria, atendendo a solicitação de parecer, quando do processamento do agravo regimental antes mencionado, concluindo, desde então, pela viabilidade da irresignação, interceptada, àquela época, por deficiência formal da petição de interposição do recurso.

4. O reestudo da matéria, agora com subsídios mais completos, em harmonia com o citado parecer, robusteceu o meu convencimento da possibilidade de sucesso da comentada irresignação.

Daí o parecer que passo a deduzir.

II Os fatos e os procedimentos judiciais que deles se originaram

1. Os fatos que vieram a originar os procedimentos judiciais, posto que complexos, foram sumariados, com clareza e fidelidade, por um dos ilustres procuradores da consulente, na parte expositiva do memorial que ofereceu, ao ensejo da tramitação do agravo regimental anteriormente aludido.

Diz ele, no particular, fls. 1-2:

“R.E. S.A., ora Agravada, celebrou contrato com a empresa N.F.M., com sede nos Estados Unidos da América, para importação de 220 toneladas de estanho, havendo a exportadora sacado uma Letra de Câmbio, no valor de US$ 400.000 (quatrocentos mil dólares), que teve o aceite da importadora e o aval do ora Agravante, Banco I.A.I. S.A., consoante pacto firmado em 19.08.78. Vinculou-se ao contrato a Nota Promissória no valor de Cr$ 11.762.400, entregue por R.E. S.A. ao Agravante, como garantia do contrato, avalizada por L.A.D, L.L.A.D. e D.S.A., com vencimento para 19.08.79.

A cambial foi negociada por N.F.M.I. com o B.B., igualmente sediado nos Estados Unidos da América, tornando-se aquele estabelecimento detentor de todos os direitos inerentes ao título, cujo pagamento, no dia do vencimento, não poderia ser recusado, mesmo que sob pretexto de má-fé do exportador, posto que no Direito Cambial impera a impossibilidade de exceções de terceiros de boa-fé. O aceite constitui obrigação autônoma e irretratável e, uma vez firmado, não comporta retirada, ou cancelamento, baseados em fatos ou relações extracartulares.

Vencida a cambial, R.E. S.A. não efetuou o pagamento, alegando que o Banco Central do Brasil proibira o desembarque da mercadoria, ao verificar que o minério não correspondia às especificações, o que obrigou ao Agravante – Banco I.A.I. S.A. –, como Avalista, e frente à solicitação do B.B., portador do título, a pagá-la, sub-rogando-se nos direitos emergentes da Letra de Câmbio contra R. E. S.A. e os avalistas.

O pagamento foi efetuado em cruzeiros, com o conhecimento do Banco Central do Brasil, a quem fora comunicado, com o expediente 01-077/80. Assinale-se que a cláusula 2ª, letra d, do Contrato consignava expressamente a obrigação dos avalistas de ‘reembolsar o I.A.I. de qualquer quantia despendida em decorrência do aval prestado’."

E acrescenta, com a mesma lucidez, o que ocorreu com o processamento das demandas nas instâncias judiciárias ordinárias, fls. 2-4:

"Em 22.04.80, R.E. S.A. propôs, perante a 34ª Vara Cível da Comarca do Rio de Janeiro, Ação ordinária de anulação de ato jurídico, depois emendada para Rescisão de Contrato, contra o ora Agravante, pretendendo que ‘fosse resolvido o contrato de prestação de aval e todos os seus efeitos’, bem assim para devolução da nota promissória, no valor de Cr$ 11.762.400, emitida em observância à cláusula 4ª do mesmo contrato.

Paralelamente R.E. S.A., D.A.P. e L.D.A ofereceram Embargos de Devedor, na Ação de Execução, que fora ajuizada pelo Banco I.A.I. S.A., para cobrança da importância de Cr$ 19.185.434,77, relativa ao aval prestado e pago ao B.B., acrescida de juros, correção monetária, multa contratual de 10% sobre o saldo devedor a ser apurado e honorários advocatícios, na base de 20%, tudo em conformidade com a cláusula nº 13 do contrato. O mesmo procedimento foi adotado por L.A.B, em Embargos de Devedor, na mesma Ação de Execução, argumentando não haver firmado a Nota Promissória.

Em sentença de 27.08.82 (fls. 46-62), o Juiz de 1ª instância julgou improcedente a Ação Ordinária de rescisão do contrato de aval (nº 100.532) e os Embargos de Devedores (nos 99.817 e 99.818).

Apelaram os vencidos para o C. 1º Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro que, por sua 5ª Câmara Cível, em Sessão de 10.08.83, contra o voto isolado do Juiz Marden Gomes, negou provimento ao recurso, exibindo o respectivo Acórdão – fls. 72-4 – a seguinte ementa:

‘Ação Ordinária para rescisão de contrato de aval, conexa com embargos à execução para cobrança de letra de câmbio e acessórios objeto do referido contrato. Confirmação da improcedência da ação ordinária ante a independência do contrato de compra e venda mercantil e o da prestação de aval, garantidora do adimplemento da primeira. Confirmação da improcedência de ambos os embargos à execução, ante as obrigações assumidas pelos embargantes no referido contrato de prestação de aval. Rejeição da preliminar de nulidade. Não provimento da apelação.’

Considerando que, no atinente à improcedência da Ação de rescisão contratual, o decisório fora unânime, cingindo-se a discordância do Voto solitário e vencido ao aspecto da execução, R.E. S.A. e outros ofereceram Embargos de Nulidade e Infringentes do Julgado, que foram impugnados pelo ora Agravante (fls. 80-82). Tais Embargos foram julgados pelo C. 3º Grupo de Câmaras do 1º Tribunal de Alçada do Rio de Janeiro, em 24.10.1984, e, por maioria de votos, considerados procedentes, em decisão (fls. 83-91) que teve a seguinte ementa:

‘Execução fundada em títulos múltiplos: contrato de ajuste de obrigações decorrentes da prestação de aval com outorgas de outras garantias, letra de câmbio e nota promissória. Inexequibilidade dos dois primeiros.

Não satisfazendo o contrato de ajuste de obrigações decorrentes de prestação de aval aos requisitos do inciso II do art. 585 do CPC, não pode ser equiparado a título executivo, e, sendo a letra de câmbio oriunda de país estrangeiro, não contendo a indicação do Brasil como lugar do cumprimento da obrigação (art. 585, § 2º), além de ser título causal, por igual é destituída de eficácia executiva. Provimento dos embargos infringentes, rejeitada a arguição de incompetência do Tribunal.’

Vencidos ficaram, naquela oportunidade, os ilustres Juízes Martinho Campos e Roberto Maron, sendo de destacar, d.v., que, embora o Acórdão afirmasse acolher os Embargos ‘nos estritos termos do voto vencido’, extrapolou da manifestação do Juiz Marden Gomes no julgamento anterior, ao proclamar a inexequibilidade da execução fundada no contrato de ajuste de obrigações decorrentes da prestação do aval.

Comprova tal assertiva o seguinte passo do voto mencionado do Juiz Marden Gomes:

‘(...)

Resta pois examinar o último título arrolado na inicial, ou seja, a nota promissória. Agora, sim, há fundamento para a execução. E, ligada que está ao ‘contrato de prestação de aval’, torna possível perquirir sobre a causa debendi.

Visava a promissória garantir o avalista, caso a avalizada não cumprisse a obrigação. O aval foi prestado e honrado. Cumpria, assim, um dos contratantes o compromisso assumido. Como a avalizada não pagou o valor do título, cuja liquidação era garantida pela nota promissória, é, induvidosamente, inadimplente. Irrelevante indagar, nesta oportunidade, se o aval deveria ser prestado, em face do insucesso da operação, e mesmo se, por igual razão, o pagamento pelo avalista se impunha. A responsabilidade do avalista é autônoma. Insta observar, isto sim, que, conforme o prometido, o aval foi prestado e pago o valor do título pelo avalista. Tem este, conseguintemente, o direito de cobrar o título que garantia tal pagamento.’

Inobstante o oferecimento de Embargos de Declaração (fls. 92-94 e 95) pelo ora Agravante, visando dirimir a flagrante contradição, esses não foram conhecidos pelo C. 3º Grupo de Câmaras do 1º TARJ, em Sessão de 06.03.1985.”

2. O que, todavia, de tudo impende destacar é que o julgado proferido na via dos embargos infringentes, sem qualquer esclarecimento nos respectivos declaratórios, culminou em atribuir correção monetária em prol do consulente, limitando-a, porém, à vigência da Lei nº 6.899/81, posto que reconhecesse a infração contratual na qual incorrera o devedor.

3. Daí, à falta de outro recurso ordinário, houve por bem o consulente de interpor o extraordinário. Fê-lo com arrimo no art. 119, III, d, da Constituição. Sustenta haver o acórdão impugnado divergido da jurisprudência assente do Supremo Tribunal Federal, consubstanciada em sua Súmula 562 e julgados posteriores que lhe deram aplicação.

III Do Recurso Extraordinário

1. É certo que o eminente Relator, Min. Oscar Corrêa, posto houvesse negado seguimento ao agravo de instrumento interposto contra o despacho presidencial que inadmitira o recurso extraordinário, sob o fundamento de que a petição do respectivo recurso não atendia às exigências formais, todavia, reconsiderou o seu pronunciamento ordenando o processamento da inconformação.

2. Tal procedimento, como é sabido, não importa no compromisso de conhecimento do recurso e, muito menos, do seu provimento.

Por isso, impende insistir nos aspectos essenciais, os quais levarão, por certo, ao êxito do recurso em exame.

3. Com efeito.

São fatos absolutamente certos e que cumpre serem valorizados que o voto vencido proferido na apelação, que ensejou a oposição dos embargos infringentes, por fim recebidos, nos termos do voto vencido, como expressamente o afirmou o acórdão a fls. 452-3, reconheceu a infração contratual, por culpa do devedor, que não honrou seu compromisso, deixando de pagar a promissória no vencimento.

Entretanto, ainda assim, limitou a concessão da correção monetária, apenas, a partir da vigência da Lei nº 6.899/81.

Textualmente, afirmou o citado voto, em fragmento que merece ser sublinhado, fls. 410-11:

“(...)

Resta pois examinar o último título arrolado na inicial, ou seja, a nota promissória.

Agora, sim, há fundamento para a execução. E, ligada que está ao ‘contrato de prestação de aval’, torna possível perquirir sobre a causa debendi.

Visava a nota promissória garantir o avalista, acaso a avalizada não cumprisse a obrigação. O aval foi prestado e honrado. Cumpriu, assim, um dos contratantes o compromisso assumido. Como a avalizada não pagou o valor do título, cuja liquidação era garantida pela nota promissória, é, induvidosamente, inadimplente.

Irrelevante indagar, nesta oportunidade, se o aval deveria ser prestado, em face do insucesso da operação, e mesmo se, por igual razão, o pagamento pelo avalista se impunha. A responsabilidade do avalista é autônoma.

Insta observar, isto sim, que, conforme o prometido, o aval foi prestado e pago o valor do título pelo avalista. Tem este, conseguintemente, o direito de cobrar o título que garantia tal pagamento."

Acrescente-se que, ao impugnar os embargos infringentes, invocou o consulente a aplicação da Súmula 562 e de julgados do Eg. Supremo Tribunal Federal que lhe deram amplitude, notadamente reconhecendo a sua incidência nos casos de culpa contratual, tanto antes como após o advento da Lei nº 6.899/81, e sempre desde a ocorrência do ilícito.
E, ainda, mesmo que silente o acórdão proferido nos embargos infringentes, pertinente o tema do início da correção monetária, apesar da impugnação mencionada, frustrou-se a esperança do consulente quando do julgamento dos embargos declaratórios opostos, uma vez que deles não conheceu.

3.1 Situada a questão nesses termos, o único remédio que lhe restava, na busca de sua pretensão, era o recurso extraordinário.

Comecemos, pois, por fazer a completa análise de sua petição de interposição, a qual se encontra a fls. 484 e segs.

E isso porque fora ela, a petição recursal, admitida como deficiente, no seu aspecto formal, ante o disposto no art. 322 do Regimento Interno e na Súmula 291.

3.2 Considero que bem inspirado esteve o nobre Relator, ordenando o processamento do recurso. Abriu o eminente Juiz a esperança que venha ele, recurso, a ser conhecido e provido.

Com efeito, essa seria, data venia, a solução justa e jurídica.

Longa é a petição de inconformação. Começa ela pela exposição detalhada dos fatos que originaram as demandas, passando, após, a considerá-las e, bem assim, como foram apreciadas nas várias instâncias ordinárias. A partir daí é que enfoca, em verdade, o recurso extraordinário, deduzindo os seus fundamentos, o que faz até a fl. 494, pois, a seguir, enfrenta a questão da arguição de relevância.

Sustenta, no que pertine à irresignação, que o acórdão impugnado do Cdo. 3º Grupo, posto que consignasse que recebia os embargos infringentes "nos termos do voto vencido" na apelação, o qual reconhecera a culpa contratual do executado, deixando de pagar o título cambiário no vencimento, ainda assim, limitou a correção monetária à vigência da Lei nº 6.899/81.

Todavia, pecou o julgado, pois deveria fazê-lo da era em que ocorreu a infração do contrato, ao qual se achava vinculada a promissória executada, tal como propugnara o consulente na oposição aos embargos, quando invocou fosse aplicada a Súmula 562.

E, ante o silêncio do acórdão, insistiu no tema ao opor embargos de declaração. Tudo em vão, uma vez que o decisório proferido não conheceu de ditos embargos.

Acentua, então, a petição em estudo que o julgado assim decidindo divergiu da citada Súmula e de julgados que indica, como já fizera na oposição indicada.

3.3 Para o cotejo dos padrões mencionados, transcreveu o recorrente o inteiro teor do verbete referido, seguindo-se, para sua melhor compreensão, passagens do voto do eminente e saudoso Ministro Rodrigues Alckmin, relator do RE nº 79.663, e que serviu de base ao enunciado sumulado.

Cabe, agora, repetir o que escrevi no parecer de 08 de agosto de 1986, ao versar a matéria referente ao mesmo recurso, então na fase do agravo regimental.

Ali se lê:

“(...)

3.b. Assim, considero que, em sua essência, a petição recursal satisfaz, em termos, as exigências sumuladas e regimentais.

De fato.

Começou o inconformado invocando a Súmula 562, cujo teor transcreveu, a qual atribui correção monetária desde a data do ilícito, diversamente do que decidiu o acórdão impugnado.

Seria bastante indicar o número da súmula. É o que acentuava a Comissão que propôs a adoção da súmula no Supremo Tribunal Federal em sua "explicação preliminar". Disse ela:

‘A citação da súmula – que se admitir abreviadamente: Súmulas do Supremo Tribunal Federal, ou simplesmente Súmula – será feita pelo número do enunciado e dispensará, perante o Tribunal, a indicação complementar de julgados no mesmo sentido.’

3.c. Acontece que, in casu, cogita-se de culpa contratual. Por isso, houve por bem o recorrente transcrever a expressiva ementa do julgado proferido no RE 90.635, de São Paulo, do qual foi relator o eminente Ministro Soares Munõz, publicado na RTJ 95, p. 335. Dita ementa evidencia a aplicação do verbete inicialmente comentado aos casos de culpa contratual.

Convém rememorá-la. Diz ela:

‘Responsabilidade civil. Culpa contratual. Correção monetária.

A jurisprudência do STF, que, a princípio, distinguia, para efeitos de correção monetária, a responsabilidade civil por ato ilícito da responsabilidade decorrente da culpa contratual, posteriormente as equiparou para aquele fim, sob o fundamento matriz, consistente em que a obrigação dos devedores não é pagar uma quantia em dinheiro, mas a de restaurar o patrimônio do credor na situação em que se achava, anteriormente à lesão (RTJ 73/956 e 76/623).’

E mais, como o decisório impugnado limitou a incidência da correção à data da vigência da Lei 6.899/81, indicou a consulente, e fez transcrever, como prova do dissídio, a ementa do acórdão proferido no RE 99.882, do Rio de Janeiro, e do qual foi relator o eminente Ministro Rafael Mayer, publicado na RTJ 107, p. 427.

Dita ementa, transcrita também na petição recursal, impende ser relembrada. Diz ela, no que interessa:

‘(...)

Responsabilidade civil. Culpa contratual. A construção jurisprudencial do STF, anterior ao advento da Lei 6.899/81, já considerava dívida a reparação da dívida de valor, corrigida monetariamente com o fim de repor o patrimônio do prejudicado no status quo ante, devendo prevalecer, no ponto.’

No mesmo sentido, transcreveu o recorrente as ementas dos decisórios prolatados nos RREE 100.834, de São Paulo, e 102.468, do Rio de Janeiro, dos quais foi relator o eminente Ministro Décio Miranda. Está o primeiro publicado na RTJ 108/1.337, e o segundo, no DJ de 24.08.84 e, hoje, já publicado na RTJ 110/1.279.

Aos julgados anteriormente aludidos, não posso furtar-me de acrescentar o decisório proferido no RE 99.845, do Rio Grande do Sul, do qual foi relator o eminente Ministro Moreira Alves, publicado na RTJ 107/424.

Pela sua precisão e préstimo ao caso, transcrevo sua fiel ementa:

‘CORREÇÃO MONETÁRIA. DANOS MATERIAIS DECORRENTES DE ATO ILÍCITO. SÚMULA 562.

(...) omissis.

Continua em vigor a Súmula 562, uma vez que a Lei 6.899/81 não veio a impedir a fluência da correção monetária nos casos em que, anteriormente, era admitida, mas sim estendê-la a hipóteses a que essa correção não se aplicava (RE 97.264).’

Verdade é que o Regimento Interno, art. 322, seguindo o que dispõe a Súmula 291, estatui a forma pela qual deve ser comprovada a divergência pretoriana, quando invocada no recurso.

Diz ele, no particular:

‘(...) Com a transcrição dos trechos que configurem o dissídio, mencionadas as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados.’

Mas não menos exato é que, quando as transcrições dos padrões ou suas fiéis ementas, em singelo confronto com o acórdão impugnado, evidenciam, por si, a divergência que ocorre entre eles na aplicação do direito federal, não há como deixar de reconhecê-la. E assim se têm orientado julgados muitos do Eg. Supremo. É a orientação que me parece correta, sem seguir o rigorismo e a ortodoxia aplicando a letra do preceito transcrito.

Não fora assim, dificilmente os recursos fundados na letra d do permissivo constitucional lograriam conhecimento no Pretório Excelso, obstando que o direito federal merecesse aplicação uniforme, como quer a Constituição (art. 119, III, d).

A propósito, por significativo, cabe aqui recordar as palavras do saudoso Ministro Carlos Maximiliano ao se despedir do Supremo:

“Não olvidei, jamais, que este não pode ser um pretório vulgar, aferrado a fórmulas vetustas, de horizontes estreitos e mal iluminados; é, antes, um tribunal político, em a significação elevada do vocábulo. Quando, portanto, se tratava de um precedente péssimo, de um julgado inferior destoante clamorosamente da sã doutrina, em caso raro e excepcional, eu desfraldava com violência hercúlea o lábaro da Justiça e afrontava as suscetibilidades da casuística implacável; sugeria a facilitação da medida heroica; forçava a admissibilidade do recurso interposto pelo vencido; humanizava a lei, dando o máximo elastério à letra crua; pois é bem verdade que o espírito amplia, completa, fertiliza, vivifica o texto incolor, obscuro ou falho.”
(In Hermenêutica e Aplicação do Direito. 6. ed. Livraria Freitas Bastos, 1957. p. 472-3).

4. Em tais termos, considerando suficientemente provado o dissídio jurisprudencial que se verifica entre o acórdão recorrido e os paradigmas indicados e transcritos, na sua essência, todos do Supremo Tribunal Federal, é de aguardar-se que o eminente relator, na sua alta compreensão de juiz qualificado da Suprema Corte, reexaminando a matéria, venha a reconsiderar o despacho agravado, com a vênia devida.”

4. Para ser preciso, cabe acentuar que, na sua expressão material, ou seja, na letra fria de suas palavras, os dizeres sumulados no verbete 562, assim considerados, por si, não testemunhariam a divergência pretoriana.

Sucede que, na vivificação do direito e, notadamente, de seus princípios básicos, a jurisprudência da Suprema Corte, partindo de disposições sumuladas, vezes muitas, passou a dar-lhes o seu real sentido e alcance, mas sempre partindo delas.

Assim sucedeu com os verbetes 146, 359, 456, 490 e tantos outros.

4.1 Foi por isso que, a par do enunciado 562 da Súmula, trouxe o recorrente, na sua petição de recurso, a cotejo, os decisórios da mesma Corte, evidenciando, com as transcrições que fez, o sentido atualizado que se continha naquele enunciado. E aí é que, inegavelmente, se comprovou, de forma bastante evidente, a discrepância entre o decisório impugnado e os padrões indicados, inclusive o preceito sumulado.

5. Pouco importa que o decisório proferido na via dos embargos infringentes deixasse de apreciar o tema da fluência da correção monetária, insistida, após, nos declaratórios. O certo é que ocorreu o prequestionamento da questão federal arguida.

E isso é o decisivo para obstar a incidência dos verbetes 282 e 356 da Súmula.

A propósito decidiu o Eg. Supremo Tribunal Federal, em sessão Plenária, ao julgar, em 12.05.83, o Ag.Reg. nos ERE nº 96.802-RJ. Do erudito voto de seu eminente Relator, Min. Alfredo Buzaid, cabe destacar este expressivo fragmento, verbis:

“Através dos embargos declaratórios se questiona no tribunal de origem a questão federal, a qual fica, portanto, ventilada, independentemente da solução dada, atendendo assim à exigência do verbete 282 da súmula.”(grifei, RTJ 109/303)

6. Ante o que acaba de ser exposto, por vezes com certa insistência, mas com o propósito de tornar mais preciso o nosso pensamento, resta, apenas, aguardar o conhecimento do recurso extraordinário e o seu consequente provimento para que, na unificação do direito federal, função proeminente do Supremo Tribunal Federal, como quer a Constituição, se faça harmonizar o decisório recorrido com a sua jurisprudência.

É o parecer.

Porto Alegre, 30 de junho de 1987.

Notas

1. Parecer lavrado em 30.06.1987.

2. Em 2011, comemora-se o centenário de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., out. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS