Parecer: embargos de divergência. Pressupostos. Art. 331 do Regimento Interno do STF. Interpretação.(1) |
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Autor: Carlos Thompson Flores(2) Ministro aposentado e ex-Presidente do STF publicado em 16.12.2011 |
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Examinei-as com a merecida atenção. E, do estudo do assunto que ditas peças dão notícia, dispus-me a atender à solicitação da consulente, convencido da procedência de sua impugnação aos embargos. É o que, como a seguir, passo a fazer. 1. Como ficou esclarecido anteriormente, a consulente, permissionária do transporte de passageiros entre os citados municípios e o ponto terminal em Saens Penha, obteve autorização das autoridades estaduais já referidas para complementação de sua linha até a Usina, ponto terminal para tomada de passageiros. 2. Inconformadas, as ora embargantes ajuizaram ação de mandado de segurança contra os atos das autoridades estaduais já mencionadas, sustentando, com base na Constituição então vigente, de 1967, Emenda 1/69, art. 15, II, b, e dispositivos outros de leis estadual e municipal, a nulidade dos atos impugnados, por ausência de competência, a qual, no caso, cabia ao Município. 3. Prestadas as informações, com a intervenção da consulente como litisconsorte necessária e sua impugnação, bem como do parecer contrário da Procuradoria da Justiça, houve por bem o Cldo. Tribunal de Justiça indeferir o mandamus, em longa e fundamentada decisão. 4. Manifestaram, então, as vencidas recurso extraordinário. Resultou não conhecido, em acórdão de 20.05.88, da Eg. Primeira Turma. 1. Cabe, desde logo, acentuar que o recurso extraordinário que originou o acórdão embargado fundou-se no permissivo das letras a, d e c do art. 119 da Constituição de 1967, Emenda 1/69, então vigente. Invocava ele contrariedade ao art. 15, II, b, daquela Carta e negativa de vigência dos arts. 44 do CNT (Lei 5.108/66) e 37 de seu Regulamento (Dec. 62.127/68), além de dissídio com o decidido nos RREE 77.903 e 91.398. No pertinente à letra c do citado permissivo, cinge-se a transcrever o voto vencido do aresto recorrido. 2. Para rejeitar a arguida contrariedade ao princípio constitucional da autonomia municipal, além de invocar dois precedentes da mesma Primeira Turma, nos Recursos Extraordinários 113.099 e 113.507, o eminente Relator, Ministro Octavio Gallotti, acentuou que se tratava de transporte intermunicipal, além de se cogitar de complementação de linha. Ademais, a linha de transporte da empresa recorrida situa-se, toda ela, em área metropolitana, quando os interesses gerais do conjunto prevalecem aos das comunas, consideradas isoladamente. Quanto aos dois preceitos federais tidos como de vigência negada, repeliu a arguição, uma vez que o da lei, art. 44 do CNT, estatui a competência do Estado para a concessão e a permissão do serviço de transporte de passageiros de linhas intermunicipais, tal como admitiu acórdão recorrido; e, quanto ao art. 37 do Regulamento, limita-se a cuidar da competência do Município para transporte dentro de sua área, o que não é a hipótese dos autos. 3. Após pedir vista dos autos, em longo e erudito voto, salientou o eminente Ministro Oscar Corrêa aspectos relevantes do aresto recorrido. Examinara ele o tema dos transportes em zonas metropolitanas e a competência para discipliná-los. Do voto de S. Exa., acompanhando o do eminente Relator, peço vênia para transcrever, verbis: “[...] Aumentam as dificuldades (referia-se ao tema da competência concorrente) quando se sabe que as linhas intermunicipais devem obviamente ter os terminais na área do Município e, assim, desde que transposta a fronteira de um, deveria atender às imposições deste. A levar essa competência às últimas consequências, inviabilizar-se-ia o tráfego intermunicipal; pelo que se há de entender a norma com interpretação racional e lógica.” 4. Verifica-se, dessarte, que o decisório embargado não conheceu do recurso, mantendo o julgado recorrido, em essência, porque: 1º) trata-se de complementação de linha intermunicipal; 2º) os municípios compreendidos situam-se numa mesma zona metropolitana; 3º) em tal situação, o interesse de uma Comuna, por si só, haveria de ceder ao interesse geral dos Municípios da zona em questão. Por tais razões é que repeliu a arguição de contrariedade ao já comentado texto constitucional, o qual versa sobre a competência do Município prevista no art. 15, II, b, bem como da negativa de vigência dos dispositivos federais já mencionados do CNT e de seu Regulamento; e considerou, afinal, sem proveito os padrões invocados. Daí a ementa do decisório em questão, publicada nestes termos: “Empresas de ônibus. Complementação de linha intermunicipal. Competência do Estado para autorizá-la. 5. Contra o julgado atrás comentado, inconformadas, opuseram as impetrantes vencidas embargos de divergência. Sustentam, em extenso petitório, que o decisório impugnado, ao interpretar o art. 15, II, b, da Constituição de 1967, Em. 1/69, então vigente, e disposições de leis federais com ele relacionadas, dissentiu de, pelo menos, quatro julgados da mesma Corte, a saber: RREE 70.958, 71. 939 e 98.588 e AIReg. 129.900. b) Da apreciação dos embargos 1. Disciplinando o processamento dos embargos de divergência, dispõe o Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, art. 330: 3. Ainda assim, passando ao cotejo de todos os arestos tidos como dissidentes com o julgado embargado, apura-se, sem dificuldade, que não lograram as embargantes, apesar do esforço e da habilidade de seus nobres patronos, comprovar a necessária dissonância, máxime tendo em conta as exigências impostas pelo art. 331, caput, do citado Regimento. 4. Com efeito. a) Com respeito ao acórdão proferido no AIReg. 100.900, da Segunda Turma, de 16.10.87. Trata-se de transporte simplesmente municipal. O aresto embargado versa transporte intermunicipal, sujeito a regras de competência própria, máxime tendo em conta que versava complementação de linha intermunicipal. b) Identicamente sucede com o paradigma constante do RE 71.939, julgado pela Primeira Turma, sendo Relator o saudoso Ministro Rodrigues Alckmin. Embora verse sobre transporte de passageiros em linha intermunicipal, reconhecendo competência ao Município para fixar pontos de parada, difere do acórdão embargado que, como acentua sua ementa, versa sobre complementação de linha. E, ademais, toda ela servindo à Zona Metropolitana, sujeita a disciplinação própria segundo disposições da Lei Complementar e de normas outras. d) Por último, igual destino é de ser dado ao derradeiro paradigma invocado pelos embargantes. Refiro-me ao RE 98.588. É ele também da Primeira Turma, data de 17.06.83 e teve como Relator o eminente Ministro Rafael Mayer. Foi ele examinado no voto do eminente Ministro Oscar Corrêa. Reconheceu que oferecia pontos comuns com os do aresto embargado, mas, no fundo, na essência, dele não dissente, especialmente porque não versa hipótese de complementação de linha. E, ademais, coincide com o citado aresto confrontado, pois, expressamente, reconhece que a mudança de mão de direção do trânsito e a fixação de pontos de parada são da competência do Município. Assim se lê no voto do eminente Relator, Ministro Octavio Gallotti. 6. Verifica-se, assim, sem a menor hesitação, que não lograram as embargantes demonstrar a divergência na interpretação do direito federal, notadamente no caso do art. 15, II, b, da Constituição vigente ao tempo, máxime tendo presentes as exigências impostas pelo já mencionado art. 331 do Regimento, ausência das circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os casos confrontados (art. 322, referido no citado preceito). 7. Por derradeiro, para não deixar sem resposta, cabe considerar a transcrição por parte das embargantes de longas passagens do eruditíssimo parecer do saudoso Ministro Victor Nunes, in RDA, 33/474-89. Para prova do dissídio, é de todo ineficaz. E, para o próprio mérito, não reconheço o menor préstimo. Teve presente a Constituição de 1946 e a legislação então vigente. 8. Quando, porém, a prejudicial de conhecimento dos embargos venha, porventura, a ser desprezada, o que se admite, apenas, para argumentar, sem consentir, considero que a única solução admissível é a sua rejeição. E isso porque a fundamentação do aresto embargado vale por si própria, concilia-se com o julgado originário, prenhe de circunstâncias fáticas e relevantes, salientadas várias delas no voto do eminente Ministro Oscar Corrêa e corroboradas por argumentos outros da maior valia, especialmente ao considerar a situação dos municípios que integram as Zonas Metropolitanas, previstas na Carta então vigente, art. 164, regulamentado pela Lei Complementar 20/74. ConclusõesAnte tudo que acaba de ser exposto, por vezes até com certo excesso, mas com o propósito único de melhor esclarecer, as conclusões jurídicas admissíveis são as seguintes: 1º) Os embargos de divergência opostos pelas impetrantes vencidas ao acórdão embargado não devem ser conhecidos, por absoluta ausência de prova do dissídio jurisprudencial em que assentaram, segundo as exigências do art. 331 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal; e 2º) Todavia, se porventura venha a ser desprezada a preliminar de conhecimento, o que aguardo não ocorra, devem ditos embargos merecerem rejeição, uma vez que o julgamento embargado deu pontual e correta aplicação dos textos legais debatidos. É o parecer. 1. Parecer lavrado em 06.03.1991. 2. Em 2011, comemora-se o centenário de nascimento do Min. Carlos Thompson Flores, falecido em 2001.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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