Gestão de documentos judiciais à luz da Recomendação nº 37/2011-CNJ


Autora: Ingrid Schroder Sliwka

Juíza Federal da 3ª Vara Federal de Execuções Fiscais de Porto Alegre, Consultora da Comissão Permanente de Avaliação Documental do TRF 4 e da Seção Judiciária do RS

 publicado em 16.12.2011


Resumo

O presente artigo visa analisar a questão da gestão documental dos processos judiciais arquivados com decisão final transitada em julgado, à luz da Recomendação nº 37/2011 do Conselho Nacional de Justiça. Apresenta a classificação documental estabelecida na Lei nº 8.159/91 aplicada aos documentos judiciais. Examina a adequação da digitalização do acervo para fins de preservação e liberação de espaço físico. Indica critérios mínimos de guarda intermediária, objetivando a preservação pelo tempo necessário ao completo exercício dos direitos decorrentes das decisões transitadas em julgado pelos destinatários em relação aos quais surtam efeitos os julgados. Enquadra os processos judiciais findos como patrimônio administrativo de natureza pública, compondo também, em boa parte dos casos, o patrimônio cultural e histórico nacional. Discorre sobre a origem da Recomendação nº 37-CNJ. Discute a possibilidade de eliminação da parte do acervo arquivado que não seja de guarda permanente como instrumento adequado de gestão. Analisa a adequação dos critérios de guarda permanente recomendados pelo CNJ para a preservação da memória nacional e institucional e a salvaguarda do exercício de direitos. Apresenta proposta de abordagem específica das ações penais que resultem ou não em decisões condenatórias.

Palavras-chave: Gestão documental. Recomendação nº 37/2011-CNJ. Processos judiciais findos. Guarda permanente. Eliminação. Temporalidade.

Sumário: Introdução. 1 Classificação e gestão dos documentos judiciais em arquivo. 2 Digitalização e preservação de documentos. 3 Critérios de temporalidade para guarda intermediária dos autos arquivados. 4 Disciplina legal da eliminação de autos findos. 5 A Recomendação nº 37/2011 do Conselho Nacional de Justiça. 6 Critérios para classificação de autos findos como de guarda permanente. 6.1 Valor histórico. 6.2 Valor institucional. 6.3 Importância do processo como fonte de memória em razão da natureza dos direitos vindicados. 7 Gestão documental dos processos criminais em arquivo. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente estudo tem por finalidade abordar a gestão dos autos de processos findos e arquivados à luz da Recomendação nº 37, de 15.08.2011, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.(1)

O objeto da análise são os processos judiciais normalmente guardados em arquivo e que já encerraram seu ciclo de tramitação perante as unidades judiciais que os produziram, sejam Varas, sejam Juizados, sejam Tribunais.

Documentos arquivados constituem patrimônio administrativo e cultural, cuja guarda e proteção constituem temas afetos à competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos dos arts.  23, III e IV, e 24, VII, da CF/88.

O acesso aos documentos arquivados deve ser disponibilizado a todos, consoante previsto no art. 5º, XXXIII, da mesma Constituição, regulamentado pela Lei nº 11.111, de 05.05.05, oriunda da MPV nº 228, de 2004, e pelos arts. 4º e 22 da Lei nº 8.159/91.

Ainda, a Constituição atual impôs ao Estado, no art. 215, caput, o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. No art. 216, IV, por sua vez, os documentos dotados de valor histórico foram elencados dentre os bens que integram o patrimônio cultural brasileiro.

Os documentos do Poder Judiciário representam diversas matrizes de interesses: a) os da própria instituição que os produziu em sua atividade-fim, compondo o seu patrimônio, que é público; b) os das partes que buscaram a jurisdição ou tiveram sua situação jurídica afetada de alguma forma pela prestação jurisdicional (os processos são elementos de exercício da cidadania); e c) o interesse coletivo na preservação da memória para fins históricos e culturais.

Os processos em tramitação perante o Judiciário constituem, nos termos da Lei nº 8.159/91, arquivo corrente; enquanto os que já foram finalizados e estão em arquivo aguardando o exercício de algum direito ou a final destinação pela instituição constituem arquivo intermediário ou permanente.

Para salvaguarda dos processos arquivados que guardem interesse para as partes, para a instituição ou para a memória nacional e visando à economia de espaço físico, cumpre analisar se a digitalização de autos representaria solução para gestão do acervo arquivado.

Um sistema eficiente de gestão dos arquivos, com organização, gerenciamento de informações e preservação adequada dos documentos, além de constituir instrumento de eficácia administrativa para a modernização da administração do Poder Judiciário, torna viável o acesso às informações necessárias à administração da justiça, ao exercício de direitos e da cidadania, bem como a elementos que compõem a memória nacional e institucional.

Ainda, permite a redução da massa documental, com liberação de espaço físico em arquivos; a agilização da recuperação de informações; a melhoria na conservação de documentos; e o incremento dos recursos de pesquisa.

Os diversos segmentos da Justiça têm encontrado dificuldades na gestão de arquivos relacionados à excessiva massa documental arquivada, à existência de documentos não cadastrados ou cadastrados de forma incompleta em sistemas automatizados, à ausência de espaço físico adequado ou exclusivo para o arquivo enquanto unidade administrativa, à ausência de recursos humanos e materiais, além da ausência ou da deficiência de normas e planos de gestão documental.

Nos arquivos judiciais há documentos de fundamental importância para a memória e a cultura do país e das instituições que os produziram, assim como material que pode servir de interesse às partes que litigaram nos processos ou a terceiros. No entanto, há também vários processos e mesmo documentos repetitivos, destituídos de valor histórico e cultural.

Em que pese a totalidade do acervo seja representativa da memória em sentido amplíssimo, tal memória não apresentará consistência se não for catalogada, estudada e apurada por meio de critérios científicos.
Considerando que o valor histórico ou cultural não é atributo de toda a massa existente em arquivo, o acúmulo da totalidade do acervo ali existente gera situação insustentável, sendo que os custos da guarda indiscriminada – sobretudo se esta ocorrer sem a adequada preservação e indexação – não se justificam.

Na busca de resposta para essa situação, o presente estudo se dará em cinco perspectivas principais.

Parte-se do exame do conceito de gestão documental e da classificação dos documentos judiciais segundo as fases em que se encontrem: corrente, intermediária ou permanente.

Após, avança-se para o exame acerca da adequada preservação dos documentos em arquivo e da possibilidade de digitalização do acervo como meio adequado de gestão.

Em seguida, são propostos critérios de guarda intermediária dos autos arquivados, objetivando a sua preservação pelo tempo necessário ao completo exercício dos direitos originários das decisões neles proferidas.

Passa-se à verificação acerca da existência de autorização legal para a eliminação de autos findos como instrumento de gestão documental de arquivos, sem descurar da dimensão constitucional do exercício da cidadania e da preservação da memória cultural nacional. Examina-se o regramento da matéria na Recomendação nº 37/2011 do Conselho Nacional de Justiça.

São apresentados critérios de guarda permanente que permitam a preservação de processos com interesse histórico ou cultural, ou, ainda, de valor permanente para a instituição que os produziu ou para a própria coletividade.

Discute-se, por fim, a destinação dos processos criminais conforme o tipo de provimento final transitado em julgado.

Quanto ao método utilizado, a investigação terá por base a abordagem da legislação e da normatização já existentes sobre a matéria, especialmente à luz da Constituição Federal/88 e da Recomendação nº 37/CNJ, assim como os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema eleito.

1 Classificação e gestão dos documentos judiciais em arquivos

A gestão de documentos é definida como sendo o “conjunto de procedimentos e operações técnicas à sua produção, tramitação, uso, avaliação e arquivamento em fase corrente e intermediária, visando a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente”, segundo o art. 3º da Lei nº 8.159/91, que dispõe sobre a política nacional de arquivos públicos e privados e dá outras providências.

Os processos judiciais em trâmite perante os diversos segmentos da Justiça ficam guardados normalmente nas unidades responsáveis pela entrega da jurisdição (Varas, Cartórios Judiciais, Secretarias, Turmas, Tribunais...). Tais documentos, que se referem a processos em curso, são classificados como documentos correntes na dicção do § 1º do art. 8º da Lei nº 8.159/91(2) e do item IX, a, da Recomendação nº 37/CNJ.

Quando os processos deixam de ser de uso corrente, ou seja, quando transitadas em julgado as decisões neles proferidas, com ou sem execução/cumprimento parcial ou integral da decisão final proferida, normalmente são retirados das unidades que os produziram e, após a baixa, encaminhados às diversas unidades de arquivo dos variados segmentos do Poder Judiciário.(3)

Em tais circunstâncias, o legislador classifica os documentos como intermediários, ou seja, “aqueles que, não sendo de uso corrente nos órgãos produtores, por razões de interesse administrativo, aguardam a sua eliminação ou recolhimento para guarda permanente” (§ 2º do art. 8º da Lei nº 8.159/91).(4)

Por fim, são considerados documentos públicos permanentes “os conjuntos de documentos de valor histórico, probatório e informativo que devem ser definitivamente preservados” (§ 3º do art. 8º da Lei nº 8.159/91).(5)

Em termos práticos, o processo judicial está em arquivo corrente enquanto não terminou o ciclo de sua tramitação perante os juízos em que produzido com provimento jurisdicional final transitado em julgado e eventual execução ou cumprimento nos mesmos autos.

O mesmo processo continua tendo valor administrativo, mesmo quando já findo e em arquivo intermediário, enquanto apresentar valor para integral entrega da jurisdição, ou seja, enquanto não atingir todas as finalidades que se possam esperar do mesmo.

Superada essa fase (pela integral execução ou cumprimento do julgado, pela impossibilidade de modificação em ação rescisória ou pela prescrição), o processo pode ter valor secundário – que se refere à possibilidade de utilização para fins diferentes daqueles para os quais foi originariamente criado –, passando a ser considerado como fonte de pesquisa e informação para terceiros e para a própria administração, constituindo a partir daí, documento do acervo permanente.

Dessa forma, o documento pode, após perder seu valor administrativo, remanescer com valor secundário e, possuindo tal valor, este se torna definitivo, não podendo ser eliminado.

A Recomendação nº 37, de 15.08.2011, do Conselho Nacional de Justiça, institui política nacional de gestão documental, indicando aos Tribunais a observância das normas de funcionamento do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname e de seus instrumentos.

O Programa, cujas bases foram lançadas em dezembro de 2008 pelo CNJ, tem como finalidade implementar uma política de gestão documental que atenda às peculiaridades do Poder Judiciário Brasileiro.

Dentre os principais objetivos do Proname estão elencados:

 “A integração dos tribunais, por meio do Fórum de Gestão Documental, a padronização dos processos de trabalho, por meio das Tabelas de Temporalidade de Documentos Unificadas do Poder Judiciário (TTDU) e dos manuais de gestão documental, e a preservação e a divulgação dos documentos de valor histórico, por meio do programa de memória do Poder Judiciário [...].”(6)

A necessidade de implementar programa de gestão, com fito de padronização e de preservação e divulgação da memória, foi sentida também pelo Poder Judiciário federal  desde a instituição do Conselho da Justiça Federal, culminando com a edição da Resolução nº 217/99 do CJF, consoante retrata Marcelo De Nardi:

“A par dessas necessidades, reveladoras da aproximação do Judiciário Federal com a sociedade, e da progressiva exigência de informação precisa, segura, objetiva e abrangente sobre os serviços judiciários prestados, já se desenvolvia, desde o início da década de 1990, o trabalho de estabelecer parâmetros de gestão documental do acervo arquivístico da Justiça Federal. A Resolução do CJF nº 217, de 22 de dezembro de 1999 (já revogada, renovada pela Resolução do CJF nº 23, de 19 de setembro de 2008), que estabeleceu o Programa de Gestão de Documentos da Administração Judiciária da Justiça Federal de 1º e 2º graus, é importante resultado dos esforços então empreendidos.

O longo trabalho realizado nessa seara conduziu a voltar os olhos para a crescente necessidade de gestão do imenso arquivo judicial, repositório dos processos findos e que, em muitos lugares, estavam praticamente atirados em salas de guarda, sem qualquer organização que permitisse recuperação segura da informação. As exigências de gestão do arquivo judicial conduziam à conclusão de que a geração dos documentos judiciais demandaria uma formalização maior, uma rigidez maior na classificação, na geração dos metadados necessários à adequada identificação de cada um dos documentos arquivados.

[...]

Confluíram as necessidades, já estabelecida a experiência; superaram-se as discussões sobre autonomia dos tribunais regionais federais, estabilizando-se a condição de órgão central da Justiça Federal do CJF. Faltava produzir o conteúdo adequado para responder às ditas necessidades.

[...]

Com grande esforço e longo trabalho, as tabelas unificadas (TUC – Tabela Única de Classes, TUA – Tabela Única de Assuntos e TUMP – Tabela Única de Movimentação Processual) foram implantadas nos tribunais regionais federais, não sem antes a iniciativa despertar o interesse do Conselho Nacional de Justiça, criado em 2004, que pretendeu levar a experiência e os benefícios da unificação das tabelas processuais a todos os órgãos do Poder Judiciário do País.”(7)

A Recomendação contempla todo um conjunto de procedimentos e operações técnicas referentes aos documentos institucionais, desde a sua criação até a sua gestão nas unidades de arquivo, que é especificamente o objeto do presente estudo.

No próximo capítulo, será examinada a questão referente à adequada preservação dos documentos existentes em arquivo a título de guarda intermediária ou permanente, com enfoque no estudo da possibilidade de digitalização como meio de gestão documental.

2 Digitalização e preservação de documentos

A massa documental existente em arquivos judiciais é imensa em vários segmentos do Poder Judiciário nacional.

Segundo estudos apresentados pela Comissão Técnica Interdisciplinar para Gestão de Documentos da Justiça Federal no 3º Congresso de Administração da Justiça, realizado em Brasília-DF nos dias 5 e 6 de dezembro de 2002, os diagnósticos dos arquivos das instituições da Justiça Federal, efetuados nos anos de 1996, 1998 e 2001, indicaram problemas de organização e estrutura de diversas ordens:

“Processos julgados na Justiça Federal após 1967 perfazem aproximadamente 900 km. Os demais documentos arquivados definitiva ou provisoriamente, como os processos suspensos ou sobrestados, são mais 400 km lineares. A esses valores, adicionam-se os documentos relativos à primeira fase da Justiça Federal e às áreas administrativas dos arquivos – aproximadamente 300 km lineares –, totalizando 1600 km lineares, ou quatro vezes a distância entre São Paulo e Rio de Janeiro; b) existência de grande volume de documentos não cadastrados em sistema automatizado ou manual, não sendo, portanto, passíveis de recuperação; c) inexistência de arquivo como unidade administrativa. [...]; d) espaços físicos inadequados e insuficientes [...]; e) falta de recursos humanos em número e em qualificação; f) falta de recursos materiais: sistemas automatizados, estantes, caixas-arquivo, computadores, impressoras, mesas e outros mobiliários; g) falta de equipamentos de proteção (luvas, máscaras, jalecos) e ocorrência de doenças adquiridas em função do trabalho (alergias respiratórias e de pele) devidamente comprovadas pelos serviços médicos das instituições; h) falta de normas, manuais e instrumentos de gestão documental, planos de classificação de documentos, guias de transferência de autos findos das varas para os arquivos, métodos de recuperação dos documentos e critérios de eliminação de documentos.”(8)

Pode-se afirmar que o diagnóstico acima não é aplicável exclusivamente à Justiça Federal, dado que problemas semelhantes são enfrentados por outros órgãos. Por outro lado, faz intuir a gigantesca dimensão dos custos e dos investimentos organizacionais e humanos necessários para a gestão adequada de acervos.

Indaga-se, a seguir, se boa parte das deficiências acima diagnosticadas poderia ser resolvida com liberação de espaço e melhor preservação de todo o acervo físico existente, por meio da digitalização de documentos, providência prevista no § 5º do art. 12 da Lei nº 11.419/06,(9) a qual dispõe sobre a informatização do processo judicial, alterando o Código de Processo Civil (CPC), bem como na Resolução nº 31, de 28.04.2010, do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq).(10)

Em uma primeira perspectiva, tem-se que a mera substituição de suporte, em que pese resulte na liberação de espaço físico, pode representar investimento inútil, ao incidir sobre documentos repetitivos ou desprovidos de valor informativo, probatório ou cultural, pois nem todos os documentos judiciais são de preservação permanente e, mesmo entre estes, também pode haver documentação repetitiva.

Em uma segunda perspectiva, a simples digitalização não eliminaria a necessidade de implementação de outros requisitos essenciais para a gestão documental, quais sejam: gerenciamento da documentação arquivada, informatização da gestão, preservação dos metadados essenciais à identificação do documento institucional de modo inequívoco e sua relação com outros documentos, aplicação de tabelas processuais e de temporalidade, avaliação documental do acervo existente (para fins de preservação das informações indispensáveis à administração da justiça e essenciais à memória nacional, bem como à garantia dos direitos consagrados nas decisões), aplicação de política de segurança da informação, acesso e publicidade aos documentos históricos, etc.

De outra parte, a rápida obsolescência tecnológica de hardwares (conjunto dos componentes físicos necessários à operação de um sistema computacional), softwares (sequência lógica de instruções que o computador é capaz de executar para obter um resultado específico) e formatos não recomenda que o suporte físico dos autos arquivados seja meramente substituído pela digitalização do inteiro teor.

A modificação do suporte traria benefícios restritos à liberação de espaço em unidades de arquivo e à manutenção do acervo digitalizado com menores riscos quanto à deterioração material do seu conteúdo originário (mas sem a mesma garantia contra a deterioração do conteúdo digitalizado).

Não se pode olvidar, também, que há um imenso custo inerente não somente à digitalização, como também à manutenção do acervo em mídia eletrônica.

Assim, em que pese a digitalização prevista no § 5º do art. 12 da Lei nº 11.419/06 possa ocasionar liberação de espaço em unidades de arquivo e implicar a melhoria imediata na conservação de documentos, a medida não se apresenta como solução para a gestão documental dos processos findos, atividade muito mais ampla do que a guarda indiscriminada de autos processuais em unidades denominadas arquivos.

Em outra perspectiva não menos importante, está o exame da viabilidade legal de mera substituição de suporte quanto aos documentos dotados de valor permanente.

Quando da promulgação da Lei nº 11.419/06, foi vetado – nos termos do § 1º do artigo 66 da CF/88, por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público – o § 4º do artigo 11 do Projeto de Lei nº 5.828, de 2001 (nº 71/02 no Senado Federal), o qual deu origem ao referido diploma normativo, que previa a inaplicabilidade do disposto no § 3º do artigo 11(11) aos processos criminais e infracionais. Essas as razões de veto:

“Houve equívoco na redação do dispositivo, pois não parece razoável que documentos extraídos de processos penais possam ser destruídos tão logo digitalizados. O correto seria, muito pelo contrário, estabelecer que documentos de processos penais sejam preservados por prazo indeterminado.” (Mensagem nº 1147, de 19.12.06)(12)

Ora, a simples substituição de suporte físico pelo digital, com a eliminação dos originais, não foi entendida como constitucional e de interesse público, ainda que para os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos em tramitação. Tal interpretação revela que os documentos dotados de valor permanente merecem trato específico de guarda e manutenção.

A Lei nº 5.433, de 08.05.68, que regula a microfilmagem de documentos oficiais, regulamentada pelo Decreto nº 1.799, de 30.01.96, não permite, nem mesmo após a microfilmagem, a eliminação dos documentos oficiais ou públicos, com valor de guarda permanente:

“Art 2º Os documentos de valor histórico não deverão ser eliminados, podendo ser arquivados em local diverso da repartição detentora dos mesmos.”

Essa disposição, pelas mesmas razões, aplica-se à digitalização de documentos judiciais de valor histórico.

Segundo as Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes veiculadas por meio da Resolução nº 31, de 28.04.10, do Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), a digitalização não pode ser privilegiada em detrimento da conservação convencional dos documentos dotados de valor histórico, além de implicar custos elevados de implementação e manutenção que devem ser considerados:

“Essa recomendação visa auxiliar as instituições detentoras de acervos arquivísticos de valor permanente, na concepção e na execução de projetos e programas de digitalização. A digitalização de acervos é uma das ferramentas essenciais ao acesso e à difusão dos acervos arquivísticos, além de contribuir para a sua preservação, uma vez que restringe o manuseio aos originais, constituindo-se como instrumento capaz de dar acesso simultâneo local ou remoto aos seus representantes digitais como os documentos textuais, cartográficos e iconográficos em suportes convencionais, objeto desta recomendação. A adoção de um processo de digitalização implica conhecimento não só dos princípios da arquivologia, mas também cumprimento das atividades inerentes ao processo, quais sejam a captura digital, o armazenamento e a disseminação dos representantes digitais. Isso quer dizer que os gestores das instituições arquivísticas e os demais profissionais envolvidos deverão levar em consideração os custos de implantação do projeto de digitalização, compreendendo que um processo como esse exige necessariamente um planejamento com previsão orçamentária e financeira capazes de garantir a aquisição, atualização e manutenção de versões de software e hardware, a adoção de formatos de arquivos digitais e de requisitos técnicos mínimos, que garantam a preservação e a acessibilidade a curto, médio e longo prazos dos representantes digitais gerados [...]. Importante destacar que as ações de digitalização não devem ser realizadas em detrimento das ações de conservação convencional dos acervos custodiados por instituições arquivísticas, por serem inalienávies e imprescritíveis, conforme preconiza o artigo 10º da Lei Federal nº 8.159/1991.”(13)

Da mesma forma, a Recomendação nº 37/CNJ vedou a eliminação de documentos e processos de guarda permanente, mesmo que digitalizados:

“X) Os documentos e processos de guarda permanente constituem o fundo arquivístico das instituições do Poder Judiciário e:

a) devem ser disponibilizados para consulta sem, contudo, colocar em risco a sua adequada preservação; b) não poderão ser eliminados, mesmo que digitalizados.”(14)

A substituição de suporte quanto aos autos findos, com eliminação do originário, também está longe de ser aceita na perspectiva dos historiadores.

Na Proposta de critérios de seleção de autos findos para a preservação da memória nacional, a Comissão Técnica Interdisciplinar para Gestão de Documentos da Justiça Federal ressaltou que:

“Na concepção dos historiadores, microfilmar ou digitalizar documentos não são métodos que permitem a destruição dos originais daqueles de valor histórico. Isso apenas facilita a pesquisa, evitando o desgaste da manipulação excessiva. Entendem ainda que critérios históricos são definidos a partir do conhecimento de cada documento existente nos acervos das instituições, não sendo, portanto, objetivos.”(15)

De qualquer sorte, a digitalização de processos que não sejam de guarda permanente não prescinde da observância do disposto no artigo 12, § 5º, da Lei nº 11.419/06 (publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal das partes e de seus procuradores para se manifestarem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos originais). Isso implica, de certa forma, o restabelecimento do andamento para os fins de intimações inerentes à digitalização, situação que ensejaria a nova movimentação de milhares ou milhões de feitos arquivados, o que certamente não condiz com os princípios constitucionais de economia e eficiência.

Em consequência do exposto, o enfrentamento das questões quanto à possibilidade de eliminação e quanto aos critérios de guarda permanente faz-se imprescindível para a adequada gestão dos processos judiciais findos, com a decorrente preservação dos valores primário, probatório e secundário dos documentos dessa natureza.(16)

No próximo capítulo serão examinados, dentre os instrumentos de gestão, os critérios de temporalidade para guarda intermediária até o final exaurimento das finalidades do processo para as partes que o componham ou terceiros interessados.

3 Critérios de temporalidade para guarda intermediária dos autos arquivados

Considerando o valor primário para o qual foram constituídos os documentos judiciais existentes em arquivo, avulta a importância da preservação dos autos pelo tempo necessário ao completo exercício do direito pelas partes que obtiveram a prestação jurisdicional.

Para tanto, é necessária a manutenção dos feitos em arquivo de guarda intermediária durante o prazo em que seja possível a execução ou o cumprimento definitivo dos julgados, ou pelo prazo da ação rescisória (caso não se verifique hipótese de execução ou caso esta tenha sido levada integralmente a termo).

Assim, a guarda de processos arquivados para fins de preservação dos direitos das partes que buscaram a jurisdição deve ocorrer durante o prazo de prescrição da execução/cumprimento nas hipóteses em que exista condenação (principal ou acessória), o qual é idêntico ao prazo de prescrição da ação, nos termos da Súmula 150-STF: “Prescreve a execução no mesmo prazo de prescrição da ação”.

Tal necessidade foi salientada no acórdão unânime proferido pela 2ª Turma do Eg. STJ nos autos do RMS 11.824/SP,(17) relatado pelo Ministro Francisco Peçanha Martins, de cujo voto extraio o seguinte excerto:

“Do parecer em que o ilustre Procurador-Geral de Justiça, Dr. Luiz Antonio Guimarães Marrey, opinou pelo deferimento da ordem, extraio os seguintes tópicos:

‘Cumpre enfatizar, ademais, os riscos que a disciplina em exame acarreta para a execução definitiva dos julgados. Sabemos todos que essa atividade deve ser realizada, como regra, nos autos principais (Código de Processo Civil, art. 589). Assim, muito embora a destruição dos processos não implique a eliminação das sentenças e dos acórdãos – porquanto os registros nos livros cartorários permanecerão intactos –, a destruição dos autos em que as decisões foram proferidas dificultará e poderá tornar até mesmo inviável a execução desses títulos. Basta figurar o caso em que o prazo de prescrição da execução – que é o mesmo prazo de prescrição da ação (Súmula 150 do STF) – ultrapasse os cinco anos posteriores ao arquivamento do feito. Tal hipótese pode facilmente ocorrer, pois os lapsos de prescrição previstos no Código Civil chegam a 20 anos (art. 177) e, de resto, não correm contra algumas pessoas, notadamente os absolutamente incapazes (art. 169, inciso I). Nesse tema, conquanto se possa sustentar a admissibilidade de se promover uma execução sem os autos principais (só com base em uma certidão de sentença), a verdade é que não há texto expresso de lei que garanta esta alternativa para a execução de um título judicial, existindo, pelo contrário, o art. 289 do CPC (sic), que expressamente reclama a subsistência dos autos primitivos. Desse modo, há o fundado receio de que a execução com base em certidão da sentença ou do acórdão, fora dos autos principais, possa encontrar, futuramente, a respeitável oposição de alguns Magistrados, reabrindo-se, assim, conflitos já pacificados. Portanto, o r. provimento em apreço pode, eventualmente, inviabilizar a execução de títulos ainda não prescritos, representando, indiretamente, uma redução dos prazos prescricionais que ainda não tenham se escoado nos cinco anos posteriores ao arquivamento do feito, com a consequente vulneração das leis de regência da matéria.’”(18)

Conquanto o Código de Processo Civil tenha sido objeto de reformas, em princípio, o alerta quanto à preservação dos autos em que originado o título executivo continua sendo válido.

De regra, o cumprimento da sentença deve ocorrer nos mesmos autos em que proferida, na forma dos arts. 461, 461-A e 475-J do Código de Processo Civil, mesmo quando o exequente optar pelo juízo do local onde se encontram bens sujeitos à expropriação ou pelo local do atual domicílio do executado, hipóteses em que os autos serão remetidos ao juízo da execução (art. 475-P, parágrafo único, do CPC).

Assim, os processos devem ser preservados até a final execução ou o cumprimento do decidido.

Por isso, a temporalidade dos processos em arquivo intermediário deve levar em conta os prazos prescricionais previstos em lei e a existência ou não de execução total ou parcial da decisão transitada em julgado.

Dessa forma, quanto aos processos em que tenha havido a execução de toda a obrigação (principal e acessória), o prazo mínimo de guarda deve ser equivalente ao prazo da ação rescisória (dois anos segundo o art. 495 do CPC), acrescido de um prazo precaucional (um ano).(19)

Quanto aos processos que tenham a execução do principal, com ausência de execução apenas de verbas sucumbenciais acessórias (honorários advocatícios, custas e despesas processuais), a guarda em arquivo intermediário deve respeitar o prazo máximo de prescrição de tais verbas, que é de cinco anos.(20)

Nesse critério, são incluídas as ações de conhecimento, ações cautelares, ações cautelares fiscais, ações constitucionais, ações monitórias, ações de execução de título judicial (inclusive sob o rito do art. 730 do CPC), cumprimento de sentença, ações de execução das obrigações de dar e de fazer e ações sob ritos especiais em legislação esparsa.

Essa sistemática já vem sendo parcialmente aplicada pela Justiça Federal desde 2004, com a temporalidade de cinco anos para os processos com execução do principal, na forma do Anexo I da Resolução 23, de 19.09.08, do CJF.(21)

Especificamente quanto aos processos de execução (execuções fiscais e execuções de outros títulos extrajudiciais) em que a obrigação haja sido integralmente cumprida (principal e acessória), bem como quanto aos processos extintos sem julgamento de mérito, em que não haja condenação de qualquer natureza, o prazo mínimo de guarda em arquivo intermediário deve ser de três anos, equivalente ao prazo da ação rescisória (dois anos), acrescido de prazo precaucional (um ano).

As ações criminais condenatórias estão sujeitas a revisão criminal a qualquer tempo e, assim, não deve haver prazo final para a guarda intermediária.

Quanto às ações criminais sem provimento final condenatório, não sujeitas à mesma revisão criminal, os autos respectivos devem permanecer em arquivo intermediário pelo prazo de vinte anos pelos seguintes motivos:

a) possibilidade de ajuizamento de nova ação criminal pelo Ministério Público com base em elementos coligidos dos autos, à guisa do disposto no art. 18 do Código de Processo Penal,(22) o que pode ocorrer até o termo final do prazo prescricional, que para os delitos de maior gravidade, é de vinte anos (art. 109, I, do Código Penal);

b) possibilidade de ajuizamento de ação indenizatória na esfera cível por força da absolvição criminal(23), cujo prazo prescricional é de cinco anos;(24) e

c) possibilidade de ajuizamento de ação criminal por denunciação caluniosa (art. 339 do Código Penal),(25) delito sujeito à prescrição em doze anos (art. 109, III, do Código Penal) em razão da pena máxima para o mesmo prevista (reclusão de oito anos).

Os inquéritos policiais ou demais procedimentos investigatórios arquivados estão sujeitos à mesma temporalidade de guarda das ações criminais sem condenação, em razão do disposto nos arts. 18 do Código de Processo Penal e 109, I, do Código Penal.

Para as ações dos Juizados Especiais Federais Cíveis e Previdenciários, em que pese não sejam passíveis de ação rescisória(26) (art. 59 da Lei nº 9.099/95),(27) e não obstante a decisão final transitada em julgado em geral seja imediatamente executada (arts. 15 e 17 da Lei nº 10.259/2001), a cautela na gestão de documentos públicos recomenda a guarda pelo prazo de dois anos.(28) Se, por qualquer motivo, não houver execução da decisão final ou de consectário da mesma, a temporalidade de guarda deve ser equivalente ao prazo prescricional da obrigação não satisfeita.

Já para os processos com decisões não condenatórias proferidas nos Juizados Especiais Federais Criminais e procedimentos investigatórios que lhes derem origem,(29) o prazo de guarda intermediária há de ser menor do que o prazo da Justiça Comum em razão de que a competência do Juizado Especial Federal Criminal é restrita às infrações de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 2º da Lei nº 10.259/2001 combinado com o artigo 61 da Lei nº 9.099/95, apenadas com sanção privativa de liberdade não superior a dois anos. Assim, o prazo prescricional máximo é de quatro anos consoante o disposto no art. 109, V, do Código Penal, devendo ser adotada a temporalidade de cinco anos em razão do prazo prescricional da ação civil indenizatória.

Por fim, para os processos que não atenderem nenhum dos critérios relacionados acima, a temporalidade deve ser examinada com observância da diretriz da Súmula 150-STF, aplicada ao assunto processual específico (conforme Tabela Processual Unificada do Poder Judiciário instituída pela Resolução nº 46, de 18.12.07 do CNJ).(30)

Quanto às hipóteses em que a prescrição não ocorre (arts. 197 a 200 do CC/02),(31) a avaliação para fins de destinação não poderá ser efetuada antes do transcurso do prazo prescricional, contado a partir da cessação da causa impeditiva da sua ocorrência.

Em termos de gestão documental, um processo cuja demanda foi finalizada e que teve seu valor primário esgotado pelo integral cumprimento de todos os comandos do julgado ou em razão do decurso do prazo prescricional ou da ação rescisória em arquivo intermediário, com exaurimento da possibilidade de utilização pelas partes, poderá ser objeto de avaliação para fins de guarda permanente ou para sua eliminação.

Nos arquivos judiciais, há acervo documental ainda dentro do prazo de guarda intermediária e outro com esse prazo já decorrido e que aguarda a final destinação.

No próximo capítulo, será feito o exame da existência de previsão legal à eliminação de documentos judiciais em arquivo, em relação aos quais o valor primário já restou esgotado e que eventualmente não sejam revestidos de valor secundário.

4 Disciplina legal da eliminação de autos findos

Em alguns diplomas legais específicos, há previsão de descarte de autos findos, como, por exemplo, na Lei nº 7.627, de 10.11.87, que dispõe sobre a eliminação de autos nos órgãos da Justiça do Trabalho, e na Lei nº 783, de 03.07.98 do Estado de Rondônia, que contém idêntica possibilidade.(32)

O Conselho Superior da Justiça do Trabalho regrou a matéria na Resolução 67, de 30.04.2010.

Quanto à Justiça Federal de 1º e 2º graus, o programa de gestão documental vigente foi instituído pela Resolução nº 217, de 22.12.99, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e ampliado pelas Resoluções nº 259 e nº 393/2004. A matéria está atualmente regulamentada pela Resolução nº 023, de 19.09.08, do Conselho de Justiça Federal, a qual estabelece a Consolidação Normativa do Programa de Gestão Documental da Justiça Federal.

Tal programa, como ensina Alexandre Libonati de Abreu, propõe procedimentos de trabalho como forma de apoio à decisão, à preservação da memória institucional e à comprovação de direito:

“O programa propõe rotinas para gerenciamento dos acervos de documentos administrativos e de processos judiciais da Justiça Federal – como forma de apoio à decisão, à preservação da memória institucional e à comprovação de direitos – e conta com uma comissão técnica interdisciplinar para a sua implantação. Aliás, essa comissão é anterior ao próprio programa: foi originariamente constituída pela Portaria nº 159/1998 exatamente para elaborar a sua minuta inicial.”(33)

No referido diploma normativo, foi estabelecido que os documentos de guarda permanente constituem o fundo arquivístico histórico da Justiça Federal (art. 8º),(34) podendo haver eliminação dos autos de ações judiciais transitadas em julgado, na forma do art. 9º e segs.,(35) desde que observados os instrumentos do Programa de Gestão Documental definidos no art. 5º.

Quanto aos Tribunais de Justiça estaduais, vários já possuíam programas de gestão documental, com tabelas de temporalidade de área meio e área fim e comissões instituídas, sendo que parte deles já havia publicado editais de ciência de eliminação ainda antes da edição da Recomendação nº 37 do CNJ.(36)

No âmbito dos tribunais superiores, todos já possuíam algum normativo sobre o tema, embora nem todos fizessem eliminação de documentos.(37)

Até a edição da Recomendação nº 37/CNJ, não havia em relação ao Poder Judiciário nacional qualquer regramento geral e específico sobre a matéria.

A eliminação de processos judiciais arquivados era disciplinada pelo art. 1.215 do CPC,(38) cuja redação original foi retificada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.73, entrando em vigor em 1º.01.74, com o seguinte teor:

“Art. 1.215. Os autos poderão ser eliminados por incineração, destruição mecânica ou por outro processo adequado, findo o prazo de cinco (5) anos, contados da data do arquivamento, publicando-se previamente no órgão oficial e em jornal local, onde houver, aviso aos interessados, com o prazo de trinta (30) dias. § 1º É lícito, porém, às partes e aos interessados requerer, às suas expensas, o desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos, ou a microfilmagem total ou parcial do feito. § 2º Se, a juízo da autoridade competente, houver, nos autos, documentos de valor histórico, serão eles recolhidos ao Arquivo Público.”

Esse dispositivo foi suspenso pelo art. 1º da Lei nº 6.246, de 07.10.75, publicada no Diário Oficial da União de 08.10.75, “até que lei especial discipline a matéria nele contida”.

Em 1991, foi editada a Lei nº 8.159, de 08.01.91, a qual dispôs sobre a política nacional de arquivos públicos e privados, prevendo expressamente no art. 9º a eliminação de documentos produzidos por instituições públicas e de caráter público:

“Art. 9º A eliminação de documentos produzidos por instituições públicas e de caráter público será realizada mediante autorização da instituição arquivística pública, na sua específica esfera de competência.”

Ainda que o referido diploma legal nada tenha previsto quanto à suspensão da vigência do art. 1.215 do CPC determinada pela Lei nº 6.246/75, regrou a matéria, o que implicou a revogação tácita do referido dispositivo.

Sua aplicação aos arquivos de Poder Judiciário Federal é inequívoca, a teor do disposto no art. 20 da Lei nº 8.159/91, que prevê:

“Art. 20. Competem aos arquivos do Poder Judiciário Federal a gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos pelo Poder Judiciário Federal no exercício de suas funções, tramitados em juízo e oriundos de cartórios e secretarias, bem como preservar e facultar o acesso aos documentos sob sua guarda.”

O trato da matéria em lei que versa sobre a política nacional de arquivos públicos e privados não representa indevida imissão em assunto de competência diversa, na medida em que a eliminação de documentos judiciais arquivados não é objeto de norma processual civil, estando inserido no campo da autonomia administrativa assegurada ao Poder Judiciário no art. 99 da Constituição Federal de 1988:

“Art. 99. Ao Poder Judiciário é assegurada autonomia administrativa e financeira.”

No sentido de que a matéria é estranha ao ordenamento processual civil, o voto da Min. Ellen Gracie Northfleet na ADIn 1.919/SP, ao apreciar o Provimento nº 556, de 14.02.97, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo (o mesmo que foi objeto do já mencionado RMS 11.824/SP, julgado pela 2ª Turma do STJ, relatado pelo Ministro Francisco Peçanha Martins), que dispunha sobre a eliminação de autos de processos arquivados há mais de cinco anos:

“No tocante à alegação de invasão de competência legislativa perpetrada pelo Provimento contestado nesta ação direta, ainda que a precisa delimitação entre a seara das normas de direito processual e a das regras emanadas pelos Tribunais no exercício de sua competência administrativa possa ensejar algumas dificuldades, tenho por mim que o tema relativo à destruição dos autos de processos judiciais arquivados não é objeto das normas de direito processual, no sentido estabelecido pela Constituição Federal em seu art. 22, I. Ao fixar a competência concorrente dos Estados para legislar sobre procedimentos em matéria processual (art. 24, XI) e ao atribuir aos Tribunais, privativamente, a iniciativa de elaborar as regras referentes à sua autogestão (art. 96, I), a Constituição Federal afastou do art. 22, I, o sentido lato do termo ‘direito processual’ para abarcar apenas as normas relativas ‘às garantias do contraditório, do devido processo legal, dos poderes, direitos e ônus que constituem a relação processual’ ou, ainda, na lição de Frederico Marques, normas que têm em vista compor preceitos que regulem os atos destinados a realizar a causa finalis da jurisdição.  Não foi por outro motivo que o meu insigne antecessor, Min. Octavio Gallotti, descaracterizou o conteúdo do ato normativo impugnado como sendo matéria de natureza processual, apesar de ter proferido voto deferindo a liminar pleiteada, baseando-se na forte presença do perigo da demora.”(39)

Em que pese a Lei nº 8.159/91 não tenha delegado de forma ampla aos tribunais o poder de regulamentar a eliminação de autos, subordinando a eliminação de documentos produzidos por instituições públicas e de caráter público à “autorização de instituição arquivística pública na sua específica esfera de competência” (art. 9°), o art. 20 do referido diploma normativo atribuiu competência “aos arquivos do Poder Judiciário Federal para a gestão e o recolhimento dos documentos produzidos e recebidos no exercício de suas funções, tramitados em juízo e oriundos de cartórios e secretarias” (destaque nosso).

Ora, a gestão de arquivos abrange a possibilidade de emissão de normas específicas com a finalidade de assegurar proteção, destinação (na qual está incluída a eliminação), guarda, preservação e acessos aos documentos institucionais, produzidos no exercício de atribuições jurisdicionais e administrativas.

Essa a legislação posta quando a Emenda Constitucional nº 45/04 instituiu o Conselho Nacional de Justiça.

No capítulo seguinte, será apresentada a atuação do CNJ a partir de sua instituição na questão referente à gestão documental e à memória.

5 A Recomendação nº 37/2011 do Conselho Nacional de Justiça

O Conselho Nacional de Justiça foi instituído pela Emenda Constitucional nº 45/04, como órgão do Poder Judiciário, com sede na capital federal e jurisdição administrativa em todo o território nacional:

“Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: [...] I - A o Conselho Nacional de Justiça; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) [...]  § 1º O Supremo Tribunal Federal, o Conselho Nacional de Justiça e os Tribunais Superiores têm sede na Capital Federal. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)”

Na dicção do Ministro Gilson Langaro Dipp, o Conselho Nacional de Justiça tem “ascendência administrativa natural e lógica” sobre os órgãos que compõem os diversos segmentos do Poder Judiciário nacional:

“Assim, com relação aos Tribunais Superiores, os Tribunais Regionais intermediários Federais e Militares, bem como os Tribunais de Justiça Estaduais e do Distrito Federal e Territórios, e todos os seus Juízes ou Juizados, pela toponímia e posição sistemática na Constituição, têm o CNJ e a Corregedoria Nacional, sobre todos eles, ascendência administrativa natural e lógica.”(40)

Dentre as competências atribuídas ao Conselho Nacional de Justiça, figuram as competências regulamentar e de expedir recomendações no inciso I do § 4º do art. 103-B, com a seguinte dicção:

“Art. 103-B. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de 15 (quinze) membros com mandato de 2 (dois) anos, admitida 1 (uma) recondução, sendo: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 61, de 2009)

[...]

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:  I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;”

Em âmbito nacional, o Conselho Nacional de Arquivos (Conarq), órgão central do Sistema Nacional de Arquivos (Sinar), vinculado ao Arquivo Nacional, que tem por finalidade definir a política nacional de arquivos públicos e privados, bem como exercer orientação normativa visando à gestão documental e à proteção especial aos documentos de arquivo, baixou a Resolução nº 26, de 06.05.08, alterada pela Resolução nº 30, de 23.12.09, estabelecendo diretrizes básicas de gestão de documentos a serem adotadas nos arquivos do Poder Judiciário, remetendo a regulamentação ao Conselho Nacional de Justiça.

No que interessa ao presente artigo, restou definido que:

“Art. 1º  Os órgãos do Poder Judiciário relacionados no art. 92, inciso II e seguintes, da Constituição Federal de 1988 e os Conselhos respectivos deverão adotar o Programa de Gestão de Documentos do Conselho Nacional de Justiça - CNJ. (Redação dada pela Resolução nº 30).

[...]

Art. 2º Nos órgãos mencionados no art. 1º e nos demais órgãos da Justiça que os integram serão constituídas Comissões Permanentes de Avaliação de Documentos, que terão responsabilidade de orientar e realizar o processo de análise, avaliação e seleção dos documentos produzidos e recebidos nos respectivos órgãos, tendo em vista a destinação dos documentos para a guarda permanente e a eliminação dos destituídos de valor. [...] Art. 3º Caberá à autoridade competente de cada órgão, autorizar a eliminação de documentos, fazendo publicar nos Diários Oficiais da União, do Distrito Federal e dos Estados, correspondentes ao seu âmbito de atuação, os editais para eliminação de documentos, consignando um prazo de 45 dias para possíveis manifestações das partes interessadas.”(41)

Em razão da citada ascendência administrativa do CNJ sobre os órgãos que compõem os diversos segmentos do Poder Judiciário nacional, no exercício da missão de zelar pela autonomia do Poder Judiciário, na expectativa de obter certa uniformização no Judiciário brasileiro e para atendimento das atribuições constitucionalmente previstas para o CNJ nos incisos VI e VII do § 4º do art. 103-b da Constituição de 1988,(42) tiveram início as atividades do Conselho Nacional de Justiça no âmbito da gestão documental.

A “constitucionalização” da gestão da informação decorre da necessidade da sua ocorrência para o desempenho das atribuições do Conselho, como explicita Alexandre Libonati de Abreu:

“A par das dificuldades inerentes à própria criação do novo órgão, o CNJ encontrou – na esfera que particularmente nos interessa – dados informacionais não consolidados ou estruturados, fruto da ausência de uniformidade até então verificada nos programas de gestão, nas próprias nomenclaturas empregadas e nas formas de obtenção de dados e metadados pelos tribunais. As primeiras ações do CNJ, no campo da gestão da informação, direcionaram-se para a uniformização de tabelas, de forma a permitir não apenas que os tribunais fornecessem os mesmos dados, mas que esses dados fossem compreendidos da mesma forma e aptos a gerar relatórios minimamente confiáveis.

[...]

Ou seja, entre as atribuições e competências do CNJ está o fornecimento de dados para a adoção das providências necessárias ao aprimoramento do Judiciário, o que pressupõe uma eficiente gestão da informação. Há, portanto, ‘constitucionalização’ da gestão da informação, que passa a ser meio necessário ao desempenho das atribuições do conselho. Não é exagerado dizer, portanto, que, a partir da Emenda Constitucional nº 45/2004, a Gestão da Informação ganha status constitucional; e que, a partir da Gestão da Informação, serão pensadas as políticas nacionais para o Poder Judiciário.”(43)

Dessa forma, na Portaria nº 616, de 10.09.2009, da Presidência do Conselho Nacional de Justiça, foi constituído o Comitê do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname, composto pelo Secretário-Geral do CNJ, por um juiz auxiliar da Presidência do CNJ e por representantes do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, do Tribunal Superior Eleitoral, do Tribunal Superior do Trabalho ou do Conselho Superior do Trabalho, do Superior Tribunal Militar e do Conselho de Justiça Federal (um por órgão), além de cinco representantes dos Tribunais de Justiça e um do Departamento de Pesquisas Judiciárias (DPJ) do CNJ, com a incumbência de:

“I – Elaborar e encaminhar ao CNJ proposta de instrumentos de gestão documental e normas do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname; II – Manter permanentemente atualizados no Portal do CNJ, instrumentos de gestão documental tais como: plano de classificação, tabela de temporalidade e manuais específicos com orientações para a aplicabilidade das normas de gestão documental aprovadas pelo CNJ; III – Propor e apoiar a realização de treinamentos de servidores e magistrados em questões relacionadas com a gestão documental; IV – Acompanhar e verificar a aplicação das normas do Proname e, quando for o caso, sugerir ao CNJ medidas corretivas.”

Desenvolvidos os trabalhos do Comitê, elaborados instrumentos de gestão entendidos necessários e adequados, bem como Minuta de normativo sobre a matéria, e submetidas as tabelas de temporalidade dos documentos judiciais a consulta pública no período de 20.09.2010 a 05.10.2010, foi remetida ao Conselho Nacional de Justiça em 29.11.2010, por meio do processo eletrônico 0007493-09.2010.2.00.0000, proposta de regramento da matéria (Minuta de Resolução), bem como dos instrumentos de gestão documental, quais sejam:

“I – os sistemas informatizados de gestão de documentos e processos administrativos e judiciais, bem como os métodos desses sistemas, essenciais à identificação do documento institucional de modo inequívoco em sua relação com os outros documentos; II – o Plano de Classificação (Tabelas Processuais Unificadas) e a Tabela de Temporalidade dos Processos Judiciais do Poder Judiciário; III – o Plano de Classificação e a Tabela de Temporalidade dos Documentos da Administração do Poder Judiciário; IV – a Lista de Verificação para Baixa Definitiva de Autos; V – a Lista de Verificação para Eliminação de Autos Findos; VI – o Fluxograma de Avaliação, Seleção e Destinação de Autos Findos; VII – o Plano para Amostra Estatística Representativa; e VIII – o Manual de Gestão Documental do Poder Judiciário;”

Em sessão ordinária de 05.07.2011, o Conselho, por unanimidade, decidiu pela expedição de Recomendação sobre a matéria, que ganhou o nº 37/2011,(44) bem como pelo encaminhamento de anteprojeto de lei dispondo “sobre a avaliação e a destinação de autos judiciais e demais documentos produzidos e recebidos pelo Poder Judiciário” para o Supremo Tribunal Federal, este nos autos do processo eletrônico 001219-92.2011.2.00.0000,(45) desmembrado do primeiro em 14.03.2011.

Na Minuta de Projeto de Lei remetida ao STF, o regramento da matéria restou sugerido no sentido de os órgãos do Poder Judiciário, por meio de Comitês Gestores, criarem programas de gestão de documentos arquivísticos em articulação com o Conselho Nacional de Justiça, definindo diretrizes, elaborando Planos de Classificação de Documentos e Tabelas de Temporalidade e Destinação a serem aplicados, com prazos de guarda e destinação (inclusive eliminação) que assegurem os direitos do cidadão e do Estado e a preservação do acervo de valor permanente.

Entre os instrumentos aprovados no Programa para a gestão dos arquivos judiciais, destacam-se os sistemas informatizados de gestão de documentos, o Plano de Classificação e a Tabela de Temporalidade dos Processos Judiciais do Poder Judiciário, a Lista de Verificação para Baixa Definitiva de Autos, a Lista de Verificação para Eliminação de Autos Findos, o Fluxograma de Avaliação, Seleção e Destinação de Autos Findos, o Plano para Amostra Estatística Representativa e o Manual de Gestão Documental do Poder Judiciário, essenciais à identificação, à seleção, à avaliação e à destinação dos documentos (guarda permanente ou eliminação após o decurso de prazo da temporalidade em guarda intermediária).

No capítulo seguinte, serão apresentados critérios de classificação de autos findos como de guarda permanente.

6 Critérios para classificação de autos findos como de guarda permanente

Os processos judiciais são constituídos de documentos produzidos pelas partes, por terceiros ou em juízo, com valores administrativo e judicial intrínsecos. Os documentos, inclusive os não produzidos em juízo, uma vez incorporados aos processos, passam a fazer parte deles.

O processo judicial, como já mencionado, tem valor administrativo enquanto apresentar valor para o funcionamento da instituição e para integral entrega da jurisdição, ou seja, enquanto não atingir todas as finalidades que se possam esperar do mesmo.

Ainda, os documentos judiciais podem, após perder seu valor administrativo, remanescer com valor secundário, passando a ser considerados como fonte de pesquisa e informação para terceiros e para a própria administração. Possuindo tal valor, tornam-se definitivos, não podendo ser eliminados.

Isso porque documentos históricos, artísticos e culturais arquivados, por definição constitucional, constituem patrimônio do Estado, cuja guarda e proteção estão afetas à competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, nos termos dos arts.  23, III e IV, e 24, VII, da CF/88:

“Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] III – proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos; IV – impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural;

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VII – proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;”

O acesso aos documentos arquivados deve ser disponibilizado a todos, consoante previsto no art. 5º, XXXIII, da mesma Constituição, regulamentado pela Lei nº 11.111, de 05.05.05, oriunda da MPV nº 228, de 2004, e pelos arts. 4º e 22 da Lei nº 8.159/91:

“CF/88

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXIII – todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;”

“Lei nº 8.159/91

Art. 4º Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos de arquivos, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas.

[...]

 Art. 22. É assegurado o direito de acesso pleno aos documentos públicos.”

A Constituição atual impôs ao Estado, no art. 215, caput, o dever de garantir a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes da cultura nacional. No art. 216, IV, por sua vez, os documentos dotados de valor histórico foram elencados dentre os bens que integram o patrimônio cultural brasileiro. Assim, os dispositivos citados:

“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: [...] IV – as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; [destaque nosso] [...] § 2º – Cabem à administração pública, na forma da lei, a gestão da documentação governamental e as providências para franquear sua consulta a quantos dela necessitem. § 3º – A lei estabelecerá incentivos para a produção e o conhecimento de bens e valores culturais. § 4º – os danos e as ameaças ao patrimônio cultural serão punidos, na forma da lei.”

Esse valor secundário, extrínseco à finalidade para o qual foi gerado o documento judicial, se refere à possibilidade de sua utilização como fonte de pesquisa acerca da memória nacional ou institucional para profissionais da área jurídica, bibliotecários, historiadores, jornalistas, antropólogos, sociólogos e outros pesquisadores das diversas áreas de conhecimento científico, ou representantes dos variados segmentos da sociedade. Também se refere ao valor que o processo possa ter para o Estado em que produzido ou para a coletividade de pessoas ali residentes, por versar sobre interesses pertencentes a todos de forma indistinta.

Assim, os documentos judiciais arquivados podem apresentar valor histórico, valor para a própria instituição e valor para toda a coletividade, por motivos variados, quando versam, dentre outros, sobre direitos coletivos, matérias que envolvam os fundamentos da República, direitos indígenas e de comunidades quilombolas e questões de intervenção estatal na propriedade.

Nas seções abaixo, destacar-se-ão algumas diretrizes pelas quais podem ser agrupados os critérios de preservação dos autos findos.

6.1 Valor histórico


Os processos judiciais podem ser dotados de valor secundário histórico. A documentação existente nos arquivos do Poder Judiciário registra a história do Direito e da Justiça, a história de lutas individuais e coletivas por direitos e a história de como certas normas foram interpretadas de forma diversa ao longo do tempo ou em contextos diferentes.

Dessa forma, ressalta o Desembargador Federal Guilherme Calmon Nogueira da Gama a incumbência do Poder Público de adotar ações efetivas para a promoção e proteção de tal patrimônio cultural:

“Conforme previsão constitucional (art. 216, IV e § 1º), constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, portadores de referência à identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, inclusive e especialmente as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais. Incumbe ao Poder Público promover e proteger tal patrimônio cultural, seja com base em inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, seja por meio de outras formas de acautelamento e preservação.”(46)

Prosseguindo no exame desse dever, o Desembargador Guilherme Calmon refere o interesse difuso à promoção e proteção do patrimônio histórico, renovando-se, assim, a cada instante de omissão, o prazo prescricional da responsabilização pela ausência de guarda e conservação de documentos dotados de relevância histórica:

“5. A argumentação desenvolvida pela União acerca de haver se operado a prescrição do fundo do direito, à evidência, não se sustenta. Trata-se, na realidade, de violação por conduta omissiva por parte da União de guardar e conservar documento de alta relevância histórica. Logo, a cada instante de omissão o prazo prescricional ainda não havia sido iniciado. Na realidade, somente com a representação feita ao Ministério Público Federal pode-se efetivamente considerar a ocorrência da lesão ao interesse na preservação do patrimônio histórico brasileiro. E, como visto, a comunicação se deu no período de cinco anos contados retroativamente da data da propositura da ação civil pública. 6. A circunstância de o Sr. Joel Bicalho ter descoberto o extravio dos autos ainda na década de oitenta, à evidência, não repercute para a contagem do prazo prescricional relativamente ao Ministério Público. Trata-se de interesse e direito difuso à promoção e à proteção do patrimônio histórico e, consequentemente, não se pode reconhecer a lesão relativamente apenas a um indivíduo que, como se sabe, não titulariza interesse difuso. Cuida-se de interesse que tem caráter metaindividual e, por isso, o prazo prescricional somente passou a correr quando da informação prestada ao Ministério Público Federal. Daí a inocorrência do fenômeno prescricional na espécie, não se tratando de hipótese de aplicação do disposto no art. 1º do Decreto nº 20.910/32.”(47)

A importância do processo judicial como fonte de pesquisa é frisada por Marieta Maks Löw:

“Os processos judiciais há muito tempo têm sido utilizados por historiadores e outros pesquisadores das chamadas ciências sociais como fontes de pesquisa. O acesso a esse tipo de fonte é, de maneira geral, por meio de arquivos históricos que receberam documentação de antigas cortes judiciais ou eclesiásticas. Pelas suas características, o processo judicial permite a análise de questões como conflitos sociais e relações de poder; por meio dele, é possível identificar discursos de determinados grupos sociais, perceber a forma de pensar e agir de cidadãos de outros tempos; é também possível revisar as noções de justiça, direito, estado e sociedade em determinado momento e para determinados agentes sociais. [...] Um processo é formado por diversos documentos que retratam, além da demanda judicial, a fala dos atores sociais nos diversos documentos que formam os autos do processo. Ali podem ser lidos os valores e as visões de mundo dos envolvidos, aquilo que alguns historiadores chamariam de mentalidade e outros de cultura. Enfim, uma fonte com muitas possibilidades de análise. [...] No Brasil, muitos estudos vem sendo realizados tendo por fonte processos judiciais, em especial no campo da história social. Toda uma revisão historiográfica sobre a escravidão foi possível por meio de processos de inventários; os processos do Supremo Tribunal Federal estão sendo usados em estudos que revisam a formação republicana e a constituição da cidadania na República Velha; processo trabalhista tem permitido a discussão sobre o cotidiano de trabalho fabril, entre outras questões relevantes à História do Trabalho.”(48)

Da mesma forma, o voto da Min. Ellen Gracie Northfleet nos autos da já citada ADI 1.919/SP:

“É certo que nem todos os autos de processos arquivados possuem valor histórico, mas inúmeros casos em que foram resgatados, por meio de estudos especializados em autos judiciais preservados, dados históricos, sociológicos, culturais, econômicos, criminológicos etc., de uma determinada população num determinado período de tempo. Reportagem publicada na versão eletrônica da revista ISTOÉ, de 25.04.2001, noticia que a Justiça Federal de São Paulo, num trabalho conjunto do Centro de Memória da Justiça Federal daquele Estado com arquivistas, encontrou, num universo de 400 mil processos do período de 1821 a 1937, ações que revelam preciosas informações a respeito do regime escravocrata brasileiro, como a penhora judicial de escravos para o pagamento de dívidas, sobre a expansão da cidade de São Paulo no início do século XX, por meio de loteamentos clandestinos, ou, ainda, dentre vários, a prática criminosa de falsificação de moedas e cédulas no começo século XIX. Esses poucos exemplos são suficientes para demonstrar, de maneira irrefutável, que os autos judiciais arquivados constituem um acervo público que é fonte inesgotável de informação e pesquisa das relações sociais ao longo da história.”(49)

Dessarte, a importância dos processos para os diversos ramos do conhecimento como fontes de pesquisa e como repositório do patrimônio cultural brasileiro constitui o primeiro critério que se aponta como necessário a nortear a implementação de políticas de guarda permanente de autos, para salvaguarda da memória nacional na forma dos arts. 215 e 216 da CF/88.

Os critérios adotados pelo Conselho Nacional de Justiça na Recomendação nº 37/2011 para a consecução de tal desiderato são os seguintes:

a) Corte cronológico, registrado no Sistema Gestor de Tabelas Processuais do CNJ, fixado pelos Tribunais Superiores, Tribunais de Justiça, Conselho da Justiça Federal e Conselho Superior do Trabalho, inclusive com possibilidade de fixação de prazos superiores, a fim de adequar o sistema às peculiaridades locais e regionais (item XVI);

b) Previsão de guarda permanente de processos judiciais classificados como tendo esse valor de permanência pelas Comissões Permanentes de Avaliação Documental (item XVI, b), inclusive adotando as propostas encaminhadas, nesse sentido, pelos magistrados (item XIII);  e

c) Previsão de guarda permanente de preservação de amostra representativa extraída do universo dos autos judiciais findos destinados à eliminação, obtida com base em fórmula estatística (item XX).

A seguir e nas próximas seções, será analisada a adequação dos critérios eleitos.

O corte cronológico em relação aos documentos judiciais cuja guarda se pretende instituir como permanente é essencial para a preservação da memória de cada segmento do Judiciário, enquanto instituições componentes da história do país.

A história da Justiça Federal, por exemplo, tem início em 1890 e está relatada, de forma sintética, no Portal da Justiça Federal da 4ª Região, na página da Seção Judiciária do Rio Grande do Sul, nos seguintes termos:

“A Justiça Federal foi criada pelo decreto nº 848, de 11 de outubro de 1890. Sua instituição foi confirmada pela Constituição dos Estados Unidos do Brasil, de 1891. Foi mantida pela Carta de 1934. Com o Estado Novo, em 1937, o presidente Getúlio Vargas suprimiu diversas instituições, dentre as quais a Justiça Federal, a Eleitoral, os parlamentos e os partidos políticos. A Constituição de 1946 restabeleceu o Poder Judiciário Federal, por meio do Tribunal Federal de Recursos (2º Grau). Na época, não havia juízes federais de primeiro grau, uma vez que as atribuições de âmbito federal tinham como foro as Justiças Estaduais.

A Justiça Federal de primeira instância só seria reimplantada durante o regime militar, recriada pela lei n° 5.010, de 30 de maio de 1966. No período que mediou entre 1967 e a Constituição de 1988, a Justiça Federal permaneceu sem maiores alterações quanto à sua competência; na maior parte, resolver os casos em que a União e suas autarquias fossem partes interessadas, as causas internacionais e os crimes de interesse federal.

Com a promulgação da Constituição, ocorreram diversas mudanças, desde a crescente interiorização das varas federais até as modificações na segunda instância do Poder Judiciário Federal. Os constituintes extinguiram o Tribunal Federal de Recursos, que tinha sede em Brasília e julgava todos os recursos originários da Justiça Federal no país, e criaram cinco Tribunais Regionais Federais, com grande autonomia em suas áreas de atuação.

Os primeiros magistrados federais, após a reimplantação, foram nomeados em 09 de maio de 1967.”(50)

Assim, as ações relativas à primeira fase da Justiça Federal são de inequívoco interesse histórico. Para outros segmentos do Poder Judiciário, o critério cronológico haverá de se orientar por vetores diversos, segundo as peculiaridades de sua própria história.

Além do corte cronológico, outro mecanismo previsto na Recomendação para a salvaguarda dos documentos judiciais com valor histórico secundário é a atuação das Comissões Permanentes de Avaliação Documental.

Identificar o valor histórico, informativo e probatório de caráter geral de processos é tarefa sobremodo complexa. Ao tecer considerações sobre as funções de avaliação, dentre outras desempenhadas pelo arquivista em decorrência de seu exercício profissional, Vanderlei Batista dos Santos ressalta que “a avaliação demanda conhecimento do funcionamento da instituição, sua estrutura administrativa, sua missão, objetivos e atividades geradoras de documentos”.(51) Conhecimentos de outra ordem são imprescindíveis à adequada avaliação do acervo documental, quanto aos seus valores jurídico, institucional e histórico.

Para essa função foi recomendada a instituição de Comissões Permanentes de Avaliação Documental, que são encarregadas também de outras atividades essenciais, tais como orientar e realizar o processo de análise, avaliação e seleção de documentos, propor alterações em instrumentos de gestão documental, estabelecer prioridades para análise e destinação de documentos institucionais, aprovar o termo de eliminação de autos e analisar a proposta de guarda definitiva feita por magistrados,

Essas Comissões constituem um dos eixos principais de um programa de gestão e, na forma do item VIII, d, da Recomendação nº 17/2011 do CNJ, devem ser compostas, no mínimo, por servidor responsável pela unidade de documentação ou arquivo, bacharel em Arquivologia, bacharel em História e bacharel em Direito.

Podem ser convidados a integrá-las servidores das unidades dos documentos a serem avaliados e profissionais ligados ao campo de conhecimento de que trata o acervo objeto da avaliação (item VIII, e).
Magistrados também poderão ser indicados para atuarem junto às Comissões, a título de consultoria ou colaboração (item VIII, f).

A composição multidisciplinar das Comissões garante avaliação dos processos arquivados de forma mais segura quanto à existência de valor secundário, já que efetuada por profissionais com formação acadêmica e técnica que se complementam na visualização dos documentos de forma geral e em relação à sua própria área.(52)

A análise das comissões permanentes de avaliação documental é imprescindível para o levantamento casuístico ou, segundo critérios gerais definidos, do valor histórico dos processos.

É que o valor histórico ou cultural não é atributo de toda a massa existente em arquivo. Analisando a efervescência de memória, multiplicada em diversas vertentes, Ulpiano Bezerra de Menezes conclui que não terá consistência se não for capaz de produzir consciência histórica:

“Primeira questão, portanto, é a voga da memória, e não é necessário perder muito tempo com isso, basta-nos olhar em torno de nós mesmos e veremos que a memória está na ordem do dia e não só nos encontros profissionais. [....] Porém, basta olhar na perspectiva que propus, para este campo de atuação da memória, a pragmática da memória, para ver justamente como vivemos envolvidos por questões de memória, por suporte justamente dessas práticas de memória. Então se têm multiplicado não só os Centros de Memória, os Museus, entre os quais o Museu da Pessoa ou equivalentes, arquivos, empresas de memória, memórias de empresas, marketing mnemônicos, documentários históricos e docudramas, novelas de época, moda retrô...

[...] E, num espírito semelhante, mas numa faixa de questões um pouco diversas, um grande especialista de bibliotecas e arquivos, que é o francês Michel Melo, fala de uma verdadeira pulsão documental alucinógena, vale citar o texto, diz ele:

‘Imaginemos cada cidadão transformado em colecionador e em conservador, cada objeto tornando-se seu próprio símbolo e a nação inteira fixada em sua própria imagem, como nos tablaux vivant, os quadros vivos no teatro do final do século XIX e início do século XX. O pólen não escapa mais das flores, mas fica conservado para os futuros botânicos, o manuscrito vai arquivado antes da publicação, conservando-se a matriz por segurança, mesmo que ela não produza nenhum exemplar, a história, enfim, se produz para interesse exclusivo dos historiadores e por eles mesmos vem bloqueada, como um cirurgião imobiliza seu paciente para poder operar.’

Claro que existe muita ironia, mas existe uma carga de verdade tão profunda que eu até posso trazer um exemplo em confirmação que aconteceu recentemente na minha universidade, numa biblioteca importante da minha universidade. Um colega foi pedir um livro da década de 1940, era uma brochura e a brochura ainda estava fechada, ele queria abri-la para poder ler o seu conteúdo, a responsável pela biblioteca quis impedir a abertura das páginas alegando que fazia parte de um fundo e que teria que ser mantido intacto para preservar a memória de forma original. Portanto, vejam que a alucinação de Michel Melot não é alucinada. Mas essa efervescência toda da memória representaria alguma consistência de memória? Por exemplo, ela seria capaz de produzir consciência histórica? Isso eu acho que é um dos frutos mais importantes e que deveria ser uma das metas mais procuradas por qualquer plataforma de memória. Por consciência histórica, já digo logo para evitar confusões, eu entendo não a capacidade de entender o passado, mas justamente a capacidade, a percepção, da transformação da sociedade pela ação humana, da dinâmica social, das forças que constroem e podem reconstruir a sociedade, e aí que eu encontro, justamente, um dos frutos fundamentais do que possa ser uma atividade relativa à memória [...]”(53)

Assim, em momento final na seleção e avaliação de documentos judiciais que cumpriram a temporalidade e que não sejam de guarda permanente por definição prévia (em corte cronológico ou na Tabela de Temporalidade dos Processos Judiciais do Poder Judiciário) ou por seleção das Comissões Permanentes de Avaliação Documental, avulta a aplicação do Plano Amostral estatístico (item XX da Recomendação).

A amostra estatística representativa, extraída do universo dos documentos destinados à eliminação, é fundamental para preservar o acesso às fontes da cultura nacional não selecionados previamente ou pelas CPADs, mas que também integram, enquanto parte significativa de um todo maior, o patrimônio cultural brasileiro (arts. 215 e 216 CF/88).

Entre os instrumentos do Proname aprovados na Recomendação, está o Plano Amostral (item IV, g), instituído para selecionar parte representativa do universo das ações judiciais transitadas em julgado e não definidas como de guarda permanente.

Tal procedimento permite a eliminação de parte considerável e repetitiva do acervo, observando a heterogeneidade das classes processuais, mantendo, portanto, amostra quantitativamente hábil para representar o acervo original. Com isso, restam preservadas a memória nacional e a da própria instituição, em relação àquelas demandas não selecionadas pelos critérios anteriores.

Nesse sentido, o Plano Amostral constante do Manual de Gestão Documental que acompanha a Resolução explicita a aplicação desse instrumento de gestão:

“A ideia desse plano amostral consiste em dividir a população que, neste caso, corresponde ao universo de todos os processos arquivados passíveis de eliminação em grupos homogêneos (parecidos) entre si.

Como critério de estratificação, optou-se por considerar o ano de distribuição do processo. A opção pela adoção do ano de distribuição na construção dos estratos baseia-se na premissa de que esse critério reflita as questões apresentadas em juízo em determinado momento histórico. Outro motivo é que, como não há obrigatoriedade de aplicar a amostragem periodicamente, pelo contrário, é, inclusive, preferível que os tribunais aguardem acumular um determinado número de processos – já que, com um universo pequeno, as estimativas amostrais podem perder precisão –, é natural que, com o acúmulo, haja mais processos antigos do que novos.

[...]

É relevante destacar que o número de estratos deve ser suficiente para separar a heterogeneidade da população, mas não deve ser um número excessivo a fim de não segmentar demais a população e obter muitos estratos com pequenas populações em cada um.

No caso específico da Justiça Federal, constatou-se que cerca de 47% dos assuntos dos processos distribuídos durante o ano referem-se a direito previdenciário e que 52,4% das classes são de execução fiscal, ou seja, grande parte da massa de processo abrange apenas esses dois tipos de matérias. Retirando esses dois tipos de processo, restam, proporcionalmente, poucos, mas são os mais relevantes para fazer a guarda amostral, já que representam todos os demais tipos de processos que tramitam na Justiça Federal.

Sendo assim, cada Justiça elaborará amostras estratificadas por ano de distribuição do processo e outras que versem sobre assuntos repetitivos (ações de massa, como por exemplo as existentes sobre execuções fiscais, ações de direito previdenciário revisionais e outras ações versando sobre FGTS, poupança, empréstimo compulsório, acordos trabalhistas, etc.).”(54)

Na seção seguinte, será apreciada outra matriz de interesse dos processos arquivados, que guarda zona de intersecção com a analisada neste tópico do artigo, visto que o valor institucional do documento se relaciona com seu valor histórico.

6.2 Valor institucional

Outro viés pelo qual se pode analisar a necessidade de guarda permanente dos autos é o interesse da própria Justiça quanto à preservação de documentos judiciais como fonte de pesquisa interna, ou como documento intermediário que pode gerar a existência de outro documento corrente ou, ainda, como espelhamento de parte do que compõe a própria história da instituição.

Nesse passo, como já ressaltado, por vezes, há intersecção com outros critérios de preservação de processos findos, visto ser impossível distinguir em todos os casos o que interessa ao patrimônio cultural nacional e o que interessa somente ou precipuamente ao patrimônio cultural da própria instituição.

Como mecanismo à consecução da preservação da memória da própria instituição ou de seu interesse em documentos judiciais dos quais possam originar-se outros processos, o Conselho Nacional de Justiça elencou os seguintes documentos judiciais como de guarda permanente:

a) O inteiro teor de sentenças, decisões terminativas, acórdãos e decisões recursais monocráticas (item XVIII);  e

b) Os processos em que suscitado Incidente de Uniformização de Jurisprudência e em que ocorridas Arguições de Inconstitucionalidade, bem como os que constituírem precedentes de Súmulas, Recurso Repetitivo e Repercussão Geral (item XIX).

Sentenças, acórdãos, decisões judiciais terminativas e decisões recursais monocráticas representam a solução da lide posta em juízo e o encerramento de instância, consubstanciando a própria prestação jurisdicional entregue ao final dos processos ou de cada grau de jurisdição, razão pela qual compõem acervo permanente da memória da instituição.

Por fim, ainda no que concerne à guarda de processos no interesse da memória da instituição, destaca-se os processos que constituem precedentes de súmula, recurso repetitivo e repercussão geral, bem como aqueles em que suscitados incidentes de uniformização de interpretação de lei ou de jurisprudência, incidentes de arguição de inconstitucionalidade e processos de juizados federais que gerarem incidentes de uniformização de jurisprudência, como se verá a seguir.

A súmula reflete um entendimento continuado e majoritário do tribunal. Se for vinculante, é de observância compulsória.(55) A guarda permanente do precedente que dá origem ao posicionamento sedimentado possibilita à própria instituição e a toda a comunidade jurídica de operadores do direito o conhecimento do inteiro teor das demandas, e de toda a carga argumentativa e probatória constante nos autos que deram origem a entendimentos consolidados da jurisprudência.

Pelos mesmos motivos, justifica-se também a guarda dos processos de Repercussão Geral e de Recurso Repetitivo (art. 543-A a art. 543-C do CPC). O critério deve ser aplicado igualmente aos pedidos e aos incidentes de uniformização de interpretação de lei federal ou de jurisprudência, bem como aos incidentes de arguição de inconstitucionalidade, cujos processos devem ser julgados em Plenário, nos Tribunais, nos termos do art. 97 da CF/88 e da Súmula Vinculante nº 10 do STF, com repercussão nos julgados das respectivas Cortes.

Ainda, em razão da paridade com as situações descritas, devem ser de guarda permanente os processos que derem origem aos incidentes de uniformização de interpretação de lei federal nas decisões do Juizado Especial Federal (apreciados em reunião de Turmas Recursais, pela Turma Nacional de Uniformização – TNU ou pelo Superior Tribunal de Justiça, na forma do artigo 14 da Lei nº 10.259/2001). Ressalte-se que tais decisões ensejam inclusive juízos de retratação em outros processos nos termos do § 9º do referido art. 14, de modo que a guarda se faz útil até mesmo para o exame da necessidade de retratação.

6.3 Importância do processo como fonte de memória em razão da natureza dos direitos vindicados

O último vetor de guarda permanente a ser apresentado, ao lado dos processos de interesse histórico lato sensu e dos processos de interesse da memória da instituição que o produziu, deve ser o da natureza dos direitos vindicados no processo.

Assim, de rigor, a guarda de processos que digam respeito a direitos difusos, coletivos ou transindividuais (ações civis públicas, ações populares e ações de improbidade administrativa), que versem sobre matérias que envolvam os fundamentos da República Federativa (soberania, cidadania e dignidade da pessoa humana), que digam respeito a direitos da comunidade indígena ou que tratem de matérias referentes a algum tipo de intervenção estatal na propriedade (desapropriação, servidão, ocupação, etc.).

Sobre tais questões, há previsão na Tabela de Temporalidade dos Processos Judiciais do Poder Judiciário.

As ações coletivas e populares e as ações de improbidade administrativa representam, sempre, a defesa de interesses difusos e coletivos pertencentes a uma população agrupada, que pode ter acesso ao Judiciário. A legislação da ação civil pública ampliou o conceito de direitos metaindividuais (Lei nº 7.347/85, art. 1º) por meio de ações coletivas de responsabilização por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e por infração da ordem econômica e da economia popular. A Lei nº 4.717, de 29.06.1965, por sua vez, dispõe sobre a ação popular e prevê que qualquer cidadão será parte legítima para pleitear a anulação ou a declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público, abrangendo bens de valor econômico, artístico, estético, histórico ou turístico (art. 1º, § 1º). A ação, por versar sobre interesses coletivos, como as demais ações dessa natureza, deve ser acompanhada pelo Ministério Público, inclusive para efeito de promoção da responsabilidade civil ou criminal (art. 6º, § 4º) e pode ser por ele continuada nos termos do art. 9º do referido diploma normativo. Por fim, a Lei nº 8.429/92 versa sobre a ação de improbidade administrativa contra as administrações diretas, indiretas ou fundacional, abarcando interesse de natureza difusa, compondo o gênero ação civil pública, razão pela qual também há de ser de guarda permanente.

Os processos que versam sobre a intervenção do Estado na propriedade, seja pela forma da desapropriação, seja por meio de privatizações, seja pelos institutos da limitação administrativa, ocupação temporária, requisição de bem particular ou servidão administrativa, devem ser de guarda permanente, pois toda a forma de superposição estatal em relação ao particular ou em relação ao instituto da propriedade é de interesse coletivo para fins de memória cultural.

A desapropriação é a forma mais drástica de intervenção do Estado na propriedade, pois implica a transferência da propriedade particular para o poder público, mediante ato unilateral deste. Ocorre por necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, por meio de devido processo legal mediante justa e prévia indenização, ressalvados os casos previstos na CF (arts. 5º, XXIV, e 184 a 186 da CF/88). Dentre os casos de utilidade pública à desapropriação, incluem-se hipóteses de preservação de documentos de valor histórico, na forma do art. 5º do Decreto-Lei nº 3.365, de 21.06.41:

“Art. 5º Consideram-se casos de utilidade pública: [...] k) a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados, ou integrados em conjunto urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; l) a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens móveis de valor histórico ou artístico;”

Quanto à desapropriação para fins de reforma agrária, constitui espécie de desapropriação por interesse social, que até mesmo nos trabalhos da Constituinte de 1988 apresentou-se como uma das questões mais polêmicas à votação.

Nos autos de desapropriação, cabe ao expropriado, em troca da devolução do valor da indenização, o direito de retrocessão, quando não tiver sido conferido ao imóvel o direito anunciado no decreto expropriatório, ressalvado ao Poder Público consentir ou não na restituição do bem. Trata-se de instituto complexo, passível de anulação e da citada retrocessão, podendo atingir, inclusive, bens públicos. 

Destacam-se, ainda, entre as ações de competência da Justiça Federal, algumas matérias que indicam a necessidade de guarda permanente.

Quanto aos processos que tenham como assunto a privatização de empresas públicas, destaca-se que o processo de privatização no Brasil representou mudança radical no papel preponderante reservado, até então, ao Estado na atividade econômica. Durante o regime militar (1964/1985), a estatização da economia experimentou seu maior incremento, com a criação, pelos governos federal e estaduais, de um grande número de empresas estatais, que, por sua vez, criavam subsidiárias. As privatizações tiveram início na década de 1990, com a adoção do PND – Programa Nacional de Desestatização pela Lei nº 8.031/90, promulgada durante o governo Collor. O processo de privatização brasileiro foi conturbado e muito questionado, tratando-se de assunto polêmico, cuja repercussão em juízo deve ser mantida por meio da guarda permanente para estudo adequado dos diversos ramos do conhecimento a que possa interessar.

As ações que versam sobre a opção de nacionalidade e as ações de naturalização são ações que envolvem questões de cidadania e imigração de estrangeiros no país, sendo que a própria nacionalidade constitui direito fundamental na categoria de direitos humanos, assegurado pela Declaração de Direitos Humanos em seu art. 15. O cancelamento da naturalização é possível nos termos do artigo 12, § 4º, da Constituição de 1988, sem previsão de prazo à sua decretação, o que torna o processo também de interesse institucional. Some-se a isso o fato de que o assunto envolve matérias relacionadas ao Direito Internacional Público, matéria também considerada de guarda permanente, como se verá em seguida.

Devem ser de guarda permanente as ações decorrentes da aplicação de tratados internacionais. Os tratados internacionais têm caráter de lei supranacional que se incorpora ao sistema jurídico do país e se equiparam às leis federais ou até mesmo às emendas constitucionais (art. 5º, § 3º, CF/88), além de constituírem reflexo do pensamento da comunidade internacional. Os processos decorrentes da aplicação de tratados internacionais representam o aspecto concreto da adaptação ou não do Direito nacional aos ditames da nova ordem mundial, sendo que sua guarda se justifica, inclusive, para fiscalização do cumprimento do princípio da reciprocidade. Por fim, nos tratados internacionais são previstas obrigações a serem cumpridas de acordo com os princípios que regem a República Federativa do Brasil nas suas relações internacionais (art. 4º, CF/88).

Quanto aos direitos humanos, além de estarem incluídos na categoria de direitos difusos, constituem fundamento da República em âmbito interno e internacional (art. 1º, III, e art. 4º, II, da CF/88). Representam uma conquista das sociedades, precisamente na dinâmica dos conflitos entre indivíduos e Estado(56) e, por esse motivo, também se entende por necessária a preservação das ações que versem sobre tais temas. Some-se a isso o fato de a maioria dos Direitos Humanos ser tutelada por tratados internacionais, cujas ações também são de guarda permanente, tendo havido o acréscimo do § 3º ao art. 5º da CF/88 pela EC 45/04, corroborando o status supranacional da matéria.(57)

Já os direitos políticos pressupõem o exercício de cidadania, que constitui fundamento da República Federativa do Brasil, consagrado no inciso II do art. 1º da Constituição, sendo as ações a eles relativas de guarda permanente.

O Direito Ambiental constitui ramo da ciência jurídica que assumiu grande importância na atualidade. Marga Inge Barth Tessler aponta relevantes características a serem consideradas pelo Juiz para decisão sobre questões ambientais, que são as mesmas características que podem ser apontadas como motivos à guarda permanente de processos que versem sobre tais questões:

“As mais relevantes características que devem ser consideradas pelo Juiz para a decisão nas questões ambientais podem ser assim resumidas: a) o direito ambiental é multidisciplinar, se conecta e se subsidia de quase todos os ramos da ciência, como a saúde, a biologia, a química, a segurança alimentar, o trabalho, o comércio, etc.; b) o direito ambiental é intergeracional, não interessa só a nós, mas às gerações futuras, a quem devemos deixar o legado, é o sujeito transcendente de nossos cuidados; c) o direito ambiental tem uma dimensão internacional, planetária, não tem fronteiras, é uma das consequências favoráveis da globalização. O direito ambiental é um direito participativo e fraterno, convoca a todos para as tarefas de cuidado e defesa; d) o direito ambiental é poderoso elemento da solidariedade interna e internacional, sendo elemento indispensável para a mantença da PAZ no mundo, um dos princípios fundamentais das relações internacionais (arts. 4°, inc. VI, e 109 da Constituição Federal de 1988) e princípio 25 da Rio 92: ‘A Paz, o desenvolvimento e a proteção ambiental são interdependentes e indivisíveis’.”(58) [destaques da autora]

Os processos a serem preservados a esse título versam não apenas sobre os recursos naturais (florestais, hídricos, minerais). Também são objeto de proteção o meio ambiente cultural, o meio ambiente artificial (espaço urbano) e o meio ambiente laboral, pois o conceito de meio ambiente deve ser entendido em sentido amplo, e não no sentido restrito de meio ambiente natural.(59) Esses assuntos poderão ensejar ações civis públicas, igualmente indicadas como de guarda permanente.

As ações sobre indígenas devem ser de guarda permanente. As comunidades indígenas possuem cultura e organização social próprias, guardando proteção constitucional específica quanto ao ensino (art. 210, § 2º, CF/88), à manifestação cultural (art. 215, § 1º, CF/88) e quanto a diversos outros direitos elencados nos art. 231 da CF/88. Os direitos originais dos índios são anteriores à criação do próprio Estado, na medida em que os índios foram os primeiros habitantes do Brasil antes da chegada dos colonizadores. As terras por eles ocupadas são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis, nos termos do § 4º do art. 231 da CF/88. Ainda, o direito dos indígenas à preservação de sua identidade cultural e de suas tradições recomenda a manutenção permanente de todas as demandas que versem sobre tais comunidades como instrumento de salvaguarda desses direitos. Por fim, quaisquer atos ou negócios que prejudiquem os direitos das comunidades indígenas, versando sobre direitos de feição coletiva, são de competência da Justiça Federal. Diante disso, é necessária a preservação dessas ações.

Por semelhante motivo, devem ser de guarda permanente as ações que versem sobre direitos de comunidades quilombolas, visto que são objeto de tombamento, por ordem constitucional, “todos os documentos e os sítios detentores de reminiscências históricas dos antigos quilombos” (CF/88, art. 216, § 5º).

Assim, selecionados os processos para guarda permanente, segundo os diversos critérios acima sugeridos, para preservação da memória nacional, no interesse da própria instituição ou em função de natureza dos direitos vindicados nos autos, no próximo capítulo será objeto de apreciação a questão referente às ações criminais com decisões absolutórias.

7 Gestão documental dos processos criminais em arquivo

Os processos criminais – no sistema gestor de tabelas e segundo a Nota Introdutória para aplicação da tabela de temporalidade(60) – que não tenham tramitado em Juizados Especiais e que gerarem decisões condenatórias serão de guarda permanente em razão do instituto de revisão criminal.

Os processos criminais tramitados em Juizados Especiais que gerarem decisões condenatórias serão de guarda permanente se tramitados na Justiça Federal; e, na Justiça Estadual, seguirão critérios de temporalidade conforme a Tabela e respectivas notas.

Para os demais processos criminais que não gerarem decisões condenatórias, os critérios de guarda permanente e temporalidade estão registrados na Tabela e nas respectivas notas.

Até então, os processos criminais são em sua totalidade objeto de guarda permanente na Justiça Federal consoante o disposto no artigo 8º, § 1º, e, da Resolução nº 23/2008 do CJF.

Quanto ao processo criminal que gera decisão condenatória, a guarda permanente é de necessidade inequívoca.

A condenação criminal constitui assunto de interesse de toda a sociedade e implica, em grande parte dos casos, restrição à liberdade de locomoção, gerando, no mínimo, diminuição da esfera de disponibilidade do patrimônio jurídico da pessoa.

Para o condenado, é de importância vital, estando em jogo valores pessoais fundamentais que transcendem a liberdade, como a honra, a posição frente à sociedade, etc.

Além disso, em termos processuais e da própria instituição, existe o instituto da revisão criminal, segundo o qual o condenado por sentença criminal transitada em julgado (ou até mesmo seus sucessores) pode solicitar, a qualquer tempo (inclusive após a extinção da pena), nos casos expressos em lei (artigo 621 e segs. do Código de Processo Penal), o reexame do seu processo.(61)

Assim, seja pela importância probatória em relação ao próprio acusado, seja pela dimensão social e estatal da decisão condenatória, seja pela possibilidade de revisão do processo perante o Poder Judiciário, inclusive em relação aos julgados pelos Juizados Especiais,(62) os processos dessa natureza devem ser de guarda permanente, ainda que integralmente cumprida a sanção e mesmo que o acusado venha a falecer em momento posterior.

Quanto aos juizados especiais criminais, devem ser de guarda permanente também as decisões que implicam transação, nos termos do art. 76 da Lei nº 9.099/95, em razão da ausência de pacificação na jurisprudência quanto à sua natureza, condenatória ou não.(63)

Resta avaliar a necessidade de preservação dos autos criminais nos quais geradas decisões absolutórias ou de reconhecimento da extinção da punibilidade ou da prescrição e, em relação aos juizados especiais criminais, também as de extinção da punibilidade após suspensão do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95).

Para tanto, será examinado se os processos sem condenação existentes nos arquivos judiciais representam interesse para a memória da instituição, para a memória nacional, ou segundo a natureza do direito discutido nos autos.

Inicialmente, destaca-se que a decisão final proferida nos autos é o principal elemento de prova da inocência do réu ou das causas que ensejaram a não condenação. Tal documento é previsto como sendo de guarda permanente pelo critério da memória institucional, como todas as demais decisões proferidas em processos de qualquer natureza.

Os demais elementos existentes nos autos do processo (ainda que hábeis a demonstrar os fundamentos que deram ensejo à decisão final e que, enquanto documentos produzidos ou juntados aos autos, passem a integrá-los compondo o todo processual de natureza pública) não guardam a mesma importância, a ensejar a guarda da integralidade do feito. Dessa forma, a memória institucional fica preservada com a guarda das decisões finais (decisões terminativas, sentenças, acórdãos, decisões recursais monocráticas).

Não se verifica a necessidade de guarda pelo outro viés de interesse institucional no processo (em razão de eventual rediscussão da matéria em outro processo) – tal como em relação aos processos com decisão condenatória – na medida em que a revisão criminal somente existe em favor do réu, para reparar as injustiças contra ele cometidas, não cabendo a revisão pro societate.

No entanto, em favor da memória institucional, devem ser de guarda permanente, dentre as ações criminais sem condenação, aquelas que constituírem precedentes de súmulas, repercussão geral, recurso repetitivo, incidentes de uniformização de interpretação de lei ou de jurisprudência, incidentes de arguição de inconstitucionalidade e processos de juizados federais que gerarem incidentes de uniformização de jurisprudência, pelos mesmos motivos que ensejam a guarda em relação a processos de outra natureza.

Quanto à memória nacional, não há qualquer particularidade que os diferencie dos demais processos judiciais. Se não separados para guarda permanente, por motivos apurados pelas Comissões Permanentes de Avaliação Documental, ao detectar valor histórico, ou pelo critério das amostras estatísticas, ou ainda pelo corte cronológico, não se vislumbra motivo para a preservação.

Por fim, quanto à natureza do direito discutido em juízo, também devem ser objeto de guarda permanente as ações criminais sem condenação que versem sobre matérias que no âmbito cível geram a guarda permanente.

Na Justiça Federal, são os processos que versam sobre delitos contra o meio ambiente natural e cultural (danos em coisas de valor artístico, arqueológico e histórico), delitos que envolvam danos à coletividade (v.g. crime decorrente de conflito fundiário coletivo), tráfico internacional de pessoas e de entorpecentes, delitos que envolvam violação de direitos humanos (redução à condição análoga à de escravo, trabalho escravo,(64) tráfico interno de pessoas, genocídio e tortura)(65), políticos e contra as comunidades indígenas ou sua cultura.

Se determinados assuntos têm relevância tal que demandem a preservação, o interesse não pode ser diferenciado segundo a esfera de discussão em juízo (cível ou criminal), cabendo a guarda em qualquer caso.

Quanto aos delitos de tráfico internacional de pessoas e de entorpecentes, releva salientar que o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão, nos termos do § 4º do art. 5º da CF/88, sendo de todo conveniente a guarda permanente do que haja sido produzido em âmbito interno.

Por fim, devem ser de guarda permanente as ações criminais, independentemente de seu resultado, que versem sobre crimes inafiançáveis e imprescritíveis, resultantes de preconceito de raça ou de cor(66) e contra a segurança nacional e a ordem política e social (art. 5º, XLII e XLIV, ambos da CF/88)(67), pois, com base no resultado de tais ações, o Ministério Público Federal pode iniciar demanda contra outras pessoas que houverem de ser responsabilizadas pelos fatos ocorridos, conforme visto no tópico específico quanto à temporalidade de guarda intermediária.

Do exposto, tem-se que a guarda permanente dos processos criminais em razão do critério genérico de classe não se justifica, pois a situação do processo que gera condenação é diferente em relação ao processo que gera a absolvição, extinção da punibilidade ou reconhecimento da prescrição, seja para o réu, seja para a instituição judiciária.

Conclusão

De acordo com a classificação instituída na Lei nº 8.159/91, os processos judiciais em tramitação constituem documentos correntes. Os arquivados constituem documentos intermediários (que aguardam a eliminação ou o recolhimento para guarda permanente) ou permanentes (conjunto de documentos de valor histórico, probatório e informativo).

Os objetivos de qualquer sistema de gestão documental em arquivos devem ser os de assegurar: (a) o pleno exercício dos direitos reconhecidos nas decisões transitadas em julgado; (b) à administração e aos cidadãos, o acesso às informações e a proteção de direitos; e (c) a toda coletividade, a preservação do patrimônio histórico e cultural da nação.

A Recomendação nº 37, de 15.08.2011, do Conselho Nacional de Justiça institui política nacional de gestão documental, indicando aos Tribunais a observância das normas de funcionamento do Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname e de seus instrumentos.

O Programa tem como principais objetivos a integração dos tribunais, a padronização dos processos de trabalho e a preservação e divulgação dos documentos de valor histórico, por meio de programa de memória do Poder Judiciário.

A mera digitalização de autos não se apresenta como instrumento adequado de preservação do acervo em arquivo.

A manutenção dos autos findos em arquivo de guarda intermediária deve ser feita durante o prazo em que seja possível a execução definitiva dos julgados (idêntico ao prazo de prescrição da ação, nos termos da Súmula 150-STF), ou pelo prazo da ação rescisória (caso não se verifique hipótese de execução ou caso esta tenha sido levada integralmente a termo), acrescido de prazo de precaução conforme o caso.

Em relação aos processos de natureza cível em que tenha havido a execução de toda a obrigação (principal e acessória), o prazo mínimo de guarda deve ser equivalente ao prazo da ação rescisória (dois anos segundo o art. 495 do CPC), acrescido de prazo precaucional (um ano). Quanto aos processos que tenham a execução do principal, com ausência de execução apenas de verbas sucumbenciais acessórias (honorários advocatícios, custas e despesas processuais), a guarda deve respeitar o prazo máximo de prescrição de tais verbas, que é de cinco anos.

As ações criminais sem condenação e os procedimentos investigatórios arquivados deveriam permanecer em arquivo intermediário pelo prazo de vinte anos, em razão da possibilidade de ajuizamento de nova ação criminal com base nos elementos coligidos nos autos e da possibilidade de ajuizamento de ação indenizatória na esfera cível por força da absolvição criminal.

Para as ações dos Juizados Especiais Federais Cíveis e Previdenciários, a cautela na gestão de documentos públicos recomenda a guarda pelo prazo de dois anos.

Para os processos sem decisão condenatória de competência dos Juizados Especiais Federais Criminais e procedimentos investigatórios arquivados, o prazo de guarda mínimo deve ser de cinco anos, considerando os mesmos critérios das ações criminais da Justiça comum e o prazo prescricional criminal menor para os crimes de menor potencial ofensivo.

Os processos de natureza cível que não atenderem nenhum dos critérios de temporalidade relacionados acima devem ter os prazos de guarda examinados à luz da diretriz da Súmula 150-STF, ou seja, o arquivamento aguardando a destinação se dará pelo mesmo prazo previsto em lei para fins de ajuizamento.

Quanto às hipóteses em que a prescrição não ocorre (arts. 197 a 200 do CC/02), a avaliação para fins de destinação não poderá ser efetuada antes do transcurso do prazo prescricional, contado a partir da cessação da causa impeditiva da sua ocorrência.

Documentos judiciais arquivados dotados de valor histórico e cultural constituem patrimônio administrativo e cultural, cujas guarda e proteção são de competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Considerando que o valor histórico ou cultural não é atributo de toda a massa existente em arquivo, o acúmulo da totalidade do acervo sem destinação gera situação insustentável dos pontos de vista econômico e organizacional.

A eliminação de processos judiciais arquivados foi disciplinada no art. 1.215 do Código de Processo Civil, cuja eficácia foi suspensa pelo art. 1º da Lei nº 6.246/75, até que lei especial discipline a matéria.

 A Recomendação nº 37/2011-CNJ inaugura, em relação ao Poder Judiciário Nacional, regramento geral e específico sobre a gestão documental de processos judiciais arquivados, havendo lei nacional específica exclusivamente em relação aos processos trabalhistas (Lei nº 7.627/87) e a Lei nº 8.159/91, aplicável aos arquivos do Poder Judiciário Federal.

O Conselho Nacional de Justiça foi instituído pela Emenda Constitucional nº 45/04, dotado de ascendência administrativa sobre os órgãos que compõem os diversos segmentos do Poder Judiciário nacional, com atribuições, entre outras, de elaboração de relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, o que pressupõe eficiente gestão da informação existente, inclusive em arquivos.

O Conselho Nacional de Arquivos – Conarq editou a Resolução nº 26/08, alterada pela Resolução nº 30/09, estabelecendo diretrizes básicas de gestão de documentos a serem adotadas nos arquivos do Poder Judiciário, remetendo a regulamentação ao Conselho Nacional de Justiça.

Instituído o Programa Nacional de Gestão Documental e Memória do Poder Judiciário – Proname, e constituído Comitê incumbido de elaborar e encaminhar proposta de instrumentos de gestão documental e normas do Programa, os trabalhos desenvolvidos culminaram na edição da Recomendação nº 37/CNJ.

Os instrumentos do Proname aplicáveis aos documentos judiciais em arquivo representam conjunto de procedimentos e operações técnicas que permitem a avaliação e a destinação após o prazo de guarda intermediário (para pleno exercício dos direitos), com a eliminação ou transferência para guarda permanente.

Os documentos judiciais arquivados devem ser de guarda permanente quando apresentarem valor histórico, valor para a própria instituição ou segundo a natureza do direito discutido em juízo.

Os critérios de seleção de processos com valor histórico para fins de guarda permanente são: (a) corte cronológico; (b) critérios pré-definidos pelos diversos segmentos judiciais quanto a classes, assuntos e provimento; (c) seleção pelas Comissões Permanentes de Avaliação e Gestão Documental (de composição multidisciplinar);  e (d) amostra estatística.

Para preservação da memória institucional, são documentos de guarda permanente as decisões judiciais finais e o inteiro teor das ações: (a) que constituírem precedentes de súmula, repercussão geral, recurso repetitivo, incidentes de uniformização de interpretação de lei ou de jurisprudência e incidente de arguição de inconstitucionalidade; e (b) de juizados federais que gerarem incidentes de uniformização de jurisprudência.

A verificação da natureza dos direitos discutidos em processos judiciais arquivados constitui fundamental critério de guarda permanente, a ser apreciado pelas Comissões Permanentes de Avaliação Documental.

Podem ser preestabelecidos como de guarda permanente os processos que digam respeito a direitos difusos, coletivos ou transindividuais (ações civis públicas, populares e de improbidade administrativa), que versem sobre matérias que envolvam os fundamentos da República Federativa (soberania, cidadania e dignidade da pessoa humana), que digam respeito a direitos da comunidade indígena ou quilombolas ou que tratem de matérias referentes a algum tipo de intervenção estatal na propriedade.

Devem ser de guarda permanente as ações criminais com decisões condenatórias, em razão da possibilidade de proposição da revisão criminal (sem limite temporal, inclusive pelos descendentes do condenado). Na mesma categoria, se enquadram as ações criminais dos juizados especiais criminais finalizadas em razão de transação (art. 76 da Lei nº 9.099/95).

A guarda dos processos criminais que gerem decisões absolutórias, de extinção da punibilidade ou de prescrição e, em relação aos Juizados Especiais, de extinção da punibilidade após suspensão do processo (art. 89 da Lei nº 9.099/95) somente se justifica se abarcados pelos demais critérios acima elencados.

Devem ser de guarda permanente as ações criminais, independentemente de seu resultado, que versem sobre crimes inafiançáveis e imprescritíveis, resultantes de preconceito de raça ou de cor e contra a segurança nacional e a ordem política e social.

Processos finalizados e que tiveram seu valor primário esgotado pelo integral cumprimento de todos os comandos do julgado ou porque exaurida a possibilidade de utilização pelas partes – se não revestidos de outro valor secundário que justifique sua guarda permanente – devem ser destinados à eliminação.

A aplicação da Recomendação nº 37/2011-CNJ (bem como de normativos próprios editados pelos diversos segmentos do Poder Judiciário nacional) na atividade de gestão documental dos processos judiciais em arquivo intermediário e permanente deve ser efetuada com a devida atenção aos ditames da Constituição e dos demais comandos legais aplicáveis à salvaguarda dos valores primário e secundário existentes em tais documentos.

Referências

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XAVIER, Flávia da Silva; SAVARIS, José Antonio. Manual dos recursos nos juizados especiais federais. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011.

Notas


1. Publicada no DOU, Seção 1, em 22.09.09, p. 66, e no DJ-e nº 160/2009, em 22.09.09, p. 2-3, e republicada, devido a alterações em sua redação original,  no DOU, Seção 1, em 1º.10.09, p. 77, e no DJ-e nº 167/2009, em 1º.10.09, p. 6.

2. Art. 8º Os documentos públicos são identificados como correntes, intermediários e permanentes. § 1º Consideram-se documentos correntes aqueles em curso ou que, mesmo sem movimentação, constituam de consultas frequentes.

3. Não se ignora a prática de diversos Tribunais que remetem para guarda nas unidades de arquivo processos definidos como documentos correntes, como, por exemplo, processos não encerrados por sentença, arquivados nos termos do art. 40 da Lei nº 6.830/80, processos físicos, cujos autos hajam sido digitalizados para tramitação própria ou dos recursos interpostos. No entanto, no presente estudo, quando a referência for feita a autos em arquivo, estar-se-á a tratar de autos arquivados de forma definitiva, com decisões judiciais transitadas em julgado, e não de autos do arquivo corrente, guardados nas unidades de arquivo dos diversos segmentos da Justiça.

4. Da mesma forma o item IX, b, da Recomendação nº 37/CNJ: “IX) Os documentos do Poder Judiciário são classificados como correntes, intermediários ou permanentes: [...] b) intermediários: aqueles que, por conservarem ainda algum interesse jurisdicional ou administrativo, mesmo não sendo de uso corrente pelas áreas emitentes, estiverem aguardando eliminação ou recolhimento para guarda permanente;”

5. Da mesma forma o item IX, c da Recomendação nº 37/CNJ: “IX) Os documentos do Poder Judiciário são classificados como correntes, intermediários ou permanentes: [...] c) permanentes: aqueles de valor histórico, probatório e informativo, que devam ser definitivamente preservados no suporte em que foram criados.”

6. Apresentação do Proname na página do Conselho Nacional de Justiça. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/
eficiencia-modernizacao-e-transparencia/pj-proname> Acesso em 09 out. 2011.

7. DE NARDI, Marcelo. Tabelas processuais unificadas e o pioneirismo da justiça federal no movimento pela transparência. Revista CEJ, a. XV, edição comemorativa: Centro de Estudos Judiciários – 20 anos. Brasília: CEJ, jul.2011, p. 28-31.

8. CTIGED. Comissão Técnica Interdisciplinar para Gestão de Documentos da Justiça Federal. Proposta de critérios de seleção de autos findos para a preservação da memória nacional. Revista CEJ, Brasília, n. 21, p. 68-75, abr./jun. 2003, p. 70.

9. Art. 12.  A conservação dos autos do processo poderá ser efetuada total ou parcialmente por meio eletrônico. [...] § 5o  A digitalização de autos em mídia não digital, em tramitação ou já arquivados, será precedida de publicação de editais de intimações ou da intimação pessoal das partes e de seus procuradores, para que, no prazo preclusivo de 30 (trinta) dias, se manifestem sobre o desejo de manterem pessoalmente a guarda de algum dos documentos originais.

10. Segundo a Recomendação veiculada na Resolução nº 31/2010 do Conarq, representante digital (digital surrogate) “é a representação em formato de arquivo digital de um documento originalmente não digital. É uma forma de diferenciá-lo do documento de arquivo nascido originalmente em formato de arquivo digital (born digital)”. Disponível em: <http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/media/
publicacoes/recomenda/recomendaes_para_digitalizao.pdf> Acesso em: 12 out. 2011.

11. Lei nº 11.419, de 19 dez. 2006. Art. 11. Os documentos produzidos eletronicamente e juntados aos processos eletrônicos com garantia de origem e de seus signatários, na forma estabelecida nesta Lei, serão considerados originais para todos os efeitos legais. [...] § 3º Os originais dos documentos digitalizados, mencionados no § 2º deste artigo, deverão ser preservados pelo seu detentor até o trânsito em julgado da sentença, ou, quando admitida, até o final do prazo para interposição de ação rescisória.

12. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/
_Ato2004-2006/2006/Msg/Vep/VEP-1147-06.htm> Acesso em: 11 jul. 2010.

13. Conselho Nacional de Arquivos – Conarq. Resolução nº 31, de 28.04.10. Dispõe sobre a adoção das Recomendações para Digitalização de Documentos Arquivísticos Permanentes. Disponível em: <http://www.conarq.arquivonacional.gov.br> Acesso em: 12 out. 11.

14. Por outro lado, restou assegurada no item XI da Recomendação nº 37/CNJ a desnecessidade da digitalização prévia dos documentos para a sua eliminação: XI) Os processos com trânsito em julgado e documentos em arquivo intermediário que não sejam de valor permanente não precisarão ser digitalizados para a eliminação.

15. Proposta de critérios de seleção de autos findos para a preservação da memória nacional. R. CEJ, Brasília, n. 21, p. 68-75, abr./jun. 2003, p. 72.

16. Valor primário. Valor que o documento apresenta para atender à finalidade de sua criação, com vista ao uso para fins administrativos, legais e fiscais. Valor probatório. Valor que possuem os documentos que envolvam direitos, provas ou testemunho, tanto de pessoas físicas ou jurídicas quanto da coletividade. Valor secundário. Com fins diferentes para os quais foram originados, tem em vista o uso do documento como fonte de pesquisa, informação para o próprio serviço e para terceiros. Definições extraídas de Terminologia Arquivística. Disponível em: <http://arquivologia.multiply.com/journal/item/14/14> Acesso em: 11 jul. 2010.

17. No referido feito, estava sendo apreciada a legalidade do Provimento nº 556, de 14 fev. 1997, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, que dispunha sobre a eliminação de autos de processos arquivados há mais de cinco anos.

18. STJ, RMS 11.824/SP, 2ª Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Peçanha Martins, julg. 16.04.02. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/> Acesso em: 10 jul. 2010.

19. Segundo Ieda Pimenta Bernardes, o prazo de prescrição é o “intervalo de tempo durante o qual o poder público, a empresa ou qualquer interessado pode invocar a tutela do Poder Judiciário para fazer valer direito seu que entenda violado”, e o prazo de precaução é o “intervalo de tempo durante o qual o poder público, a empresa ou qualquer interessado guarda o documento por precaução, antes de eliminá-lo ou encaminhá-lo para guarda definitiva no Arquivo Permanente”. BERNARDES, Ieda Pimenta. Como avaliar documentos de arquivo. São Paulo: Arquivo do Estado, 1998. Disponível em: <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/
saesp/texto_pdf_10_Como_Avaliar_Documentos_de_Arquivo.pdf> Acesso em: 14 jul. 2010. Dessa forma, o prazo de guarda em arquivo não necessita ser idêntico ao prazo de prescrição em todos os casos. Quando os prazos prescricionais de guarda são relativamente curtos, antes da destinação final é de conveniência a manutenção em arquivo por prazo suplementar, o que é admissível no prazo precaucional.

20. As custas processuais têm natureza jurídica de taxa judiciária (STF, RE 108.845), sujeitas ao prazo prescricional quinquenal previsto no CTN. Já os honorários advocatícios têm o prazo prescricional de cinco anos para cobrança previsto no art. 25 da Lei nº 8.906/94, com termo inicial a partir do trânsito em julgado da decisão que os fixar (inciso II do art. 25 da Lei nº 8.906/94). Por fim, os emolumentos (custos pela atividade de cartórios não oficializados) têm natureza jurídica de preço e as demais despesas processuais com natureza indenizatória (periciais, por exemplo) têm prazo prescricional de um ano para cobrança, conforme prescrito no art. 206, § 1º, III, do CC/2002 (o mesmo prazo estava previsto no art. 178, § 6º, VIII e X, do CC/1916). Sobre a natureza jurídica de cada uma dessas parcelas (STJ, REsp 1036656/SP, 1ª Seção, Rel. Min. Eliana Calmon, julg. 11.03.09). Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em: 11 jul. 2010.

21. Disponível em: <http://www.cjf.jus.br > Acesso em: 12 out. 11.

22. Sobre a aplicabilidade do art. 18 do CPP, a seguinte ementa do Supremo Tribunal Federal: “O arquivamento judicial do inquérito ou das peças que consubstanciam a notitia criminis, quando requerido pelo Ministério Público, por ausência ou insuficiência de elementos informativos, não afasta a possibilidade de aplicação do que dispõe o art. 18 do CPP, hipótese em que, havendo notícias de provas substancialmente novas (Súmula 524/STF – RTJ 91/831), legitimar-se-á a reabertura das investigações penais (RTJ 106/1108 – RTJ 134/720 – RT 570/429 – Inq. 1.947/SP, Rel. Min. Celso de Mello, v.g.)” (STF, HC 84523/RO, 2ª Turma, julg. 26.10.04, DJ 17.12.04, p. 71). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia> Acesso em: 14 jul. 10.

23. A indenização por erro judiciário tem previsão expressa na Constituição Federal de 1998, em seu artigo 5º, inciso LXXV: "LXXV – o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença", sendo a responsabilidade subjetiva (o ato jurisdicional equivocado e gravoso a alguém deve ser ocasionado a partir de um comportamento negligente, imprudente ou imperito).

24. Dec. 20.910, de 06.01.32. Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou do fato do qual se originaram.

25. No sentido de que a decisão absolutória em processo criminal poder servir como um dos elementos de embasamento à denúncia pela prática do delito de denunciação caluniosa: “1. Instaurado que seja o processo judicial, com sentença absolutória ao seu final é que evidentemente será possível iniciar-se a ação penal pela denunciação caluniosa. 2. Nem toda absolvição corresponde, entretanto, a uma declaração de inocência pura e simplesmente, por exemplo, a absolvição do réu por não existir prova suficiente para a sua condenação. 3. A sentença absolutória fundada no art. 386, VI, do Cód. de Pr. Penal não há de ser o bastante para, solteiramente, acompanhar a inicial pela caluniosidade da denunciação. 4. A denúncia pelo tipo legal do art. 339 do Cód. Penal há, em casos dessa sorte, de se servir de outros elementos, que são fornecidos, normalmente, pelo inquérito policial. 5. Denúncia inepta formalmente. Recurso provido; ordem concedida” (STJ, RHC 16.229/MG, 6ª Turma, Rel. Ministro Nilson Naves, julgado em 05.08.2004, DJ 20.09.2004, p. 335). Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em: 09 jul. 2010.

26. A 1ª Seção do STJ não admitiu a reclamação prevista na Resolução STJ nº 12/2009 contra decisão transitada em julgado, em razão da vigência do art. 59 da Lei nº 9.099/95, em acórdão assim ementado: “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. RECLAMAÇÃO. RESOLUÇÃO STJ Nº 12/2009. AÇÃO TRANSITADA EM JULGADO. DESCABIMENTO. [...] 1. Os embargos declaratórios foram opostos contra acórdão que consignou ser descabido o ajuizamento de reclamação contra decisão judicial transitada em julgado. 2. [...]. 3. A reclamação prevista na Resolução STJ nº 12/2009 tem por objetivo uniformizar a jurisprudência no âmbito dos Juizados Especiais Estaduais, enquanto não criados os meios específicos para esse fim. Em nenhum momento, buscou-se atribuir a esse instituto natureza de ação rescisória, permanecendo válida a norma insculpida no art. 59 da Lei 9.099/95. [...]” (EDcl no AgRg na Rcl 4.593/MG, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 09.02.2011, DJe 22.02.2011). Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em: 16 out. 2011.

27. Não admitindo nem mesmo a alegação de inexigibilidade de título executivo judicial com fundamento no art. 475-L, § 1º, II, do CPC ou art. 741, parágrafo único, do mesmo diploma legal, para que não ocorra a rescisão vedada pelo art. 59 da Lei nº 9.099/95, precedente da Turma Regional de Uniformização do TRF-2ª Região (PEDILEF 200350500282015) de 29.06.09, publicado no DJU de 01.09.09, p. 6-7, relatado pelo Juiz Federal Wilson José Witzel. Disponível em: <http://www.jf.jus.br > Acesso em: 16 out. 2011.

28. Na doutrina, há posicionamento admitindo, não obstante a vedação da propositura de ação rescisória, a possibilidade excepcional de relativização da coisa julgada, o que implica a prudência na guarda do processo por algum período após o trânsito em julgado. Flávia da Silva Xavier e José Antônio Savaris propugnam a possibilidade de relativização da coisa julgada através de actio nullitais, via mandamental ou ação de desfazimento do ato executivo. In: XAVIER, Flávia da Silva; SAVARIS, José Antonio. Manual dos recursos nos juizados especiais federais. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2011. p. 365.

29. Sobre o desarquivamento de procedimento investigatório em causas de competência do juizado especial criminal: “Juizado especial criminal: crime de lesões corporais simples: arquivamento ‘provisório’ do inquérito policial e posterior desarquivamento em consequência da apresentação da vítima, não localizada antes em decorrência de erro material constante do mandado de intimação: validade. 1. O art. 72 da Lei dos Juizados Especiais – na medida em que faz necessária a presença da vítima à audiência preliminar, para a tentativa de conciliação – criou implicitamente, na hipótese de não ser ela encontrada, outra modalidade de arquivamento das peças informativas, diversa daquela de que cuidam o art. 18 C. Pr. Pen, a Súmula 524 e, também, o dispositivo invocado da lei local do Ministério Público (LC 28/82, RJ, art. 10, XXXIII). 2. Esse arquivamento – cuidando-se de crime perseguível mediante representação do ofendido – só se faria definitivo se, ciente dele, a vítima se mantivesse inerte. 3. No caso, jamais intimada do arquivamento, a ofendida se apresenta ao Juizado, denunciando o erro na tentativa de sua intimação para a diligência do exame complementar de corpo de delito. 4. Correto, pois, o desarquivamento consequente, ao qual só poderia opor-se o indiciado se, entrementes, se houvesse consumado a extinção da punibilidade, o que não se deu”  (STF, HC 84638/RJ, 1ª Turma, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julg. 28.09.04, DJ 25.02.05). Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia Acesso em: 14 jul. 2010.

30. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/atos-da-presidencia/
resolucoespresidencia/12161-resolu-no-46-de-18-de-dezembro-de-2007> Acesso em: 20 out. 11.

31. Art. 197. Não corre a prescrição: I – entre os cônjuges, na constância da sociedade conjugal; II – entre ascendentes e descendentes, durante o poder familiar; III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela. Art. 198. Também não corre a prescrição: I – contra os incapazes de que trata o art. 3o; II – contra os ausentes do País em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios; III – contra os que se acharem servindo nas Forças Armadas, em tempo de guerra. Art. 199. Não corre igualmente a prescrição: I – pendendo condição suspensiva; II – não estando vencido o prazo; III – pendendo ação de evicção. Art. 200. Quando a ação se originar de fato que deva ser apurado no juízo criminal, não correrá a prescrição antes da respectiva sentença definitiva.

32. Lei nº 7.627, de 10.11.87, Art. 1º Fica facilitado aos Tribunais do Trabalho determinar a eliminação, por incineração, destruição mecânica ou por outro meio adequado, de autos findos há mais de 5 (cinco) anos, contado o prazo da data do arquivamento do processo.

Lei nº 783, de 03.07.98, do Estado de Rondônia, Art. 1º Fica o Poder Judiciário do Estado de Rondônia autorizado a inutilizar processos judiciais findos e arquivados. Parágrafo único – Serão preservados os processos de conteúdo histórico e aqueles que, por sua natureza pública, deverão permanecer arquivados.

33. ABREU, Alexandre Libonati de. Aspectos da gestão documental no Poder Judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: [s.ed.], 2011.

34. Art. 8º Os documentos classificados como de guarda permanente constituem o fundo arquivístico histórico da Justiça Federal e devem ser guardados e disponibilizados para consulta de modo a não colocar em risco a sua adequada preservação.

35. Art. 9º Os documentos administrativos e as ações judiciais transitadas em julgado e definitivamente arquivados no âmbito da Justiça Federal de 1º e 2º graus serão avaliados, para fins de guarda ou eliminação, segundo os critérios previstos nos instrumentos definidos no art. 5º desta resolução.

36. Assim, por exemplo, a Resolução nº 8, de 31.08.2005, do TJDF, as Resoluções nº 11/2007 e 23/2009 do TJESP, a Instrução Normativa 18, de 02.09.2009, do TJMS, o Ato Normativo Conjunto TJ/CGJ nº 01 e 02/2004, nº 01/2005, nº 01/2007, a Resolução TJ/OE nº 11/2008 e o Ato Executivo TJ 5157/2009, todos do TJRJ.

37. Os processos judiciais arquivados do STF e do TSE são todos de guarda permanente, havendo editais de eliminação de documentos administrativos, consoante a Resolução 349/2007 do STF e a Portaria 370/2003 do TSE.

38. No projeto de Lei do Senado nº 166/2010 (Anteprojeto de Código de Processo Civil), estava previsto o regramento da matéria de forma similar ao disposto no art. 1.215 do CPC, no art. 967 e parágrafos, que recebeu nova redação no art. 1005 do Substitutivo: “Art. 1005. Findo o prazo de cinco anos, contados da data do arquivamento, os autos poderão ser encaminhados para reciclagem, mediante prévia publicação de edital, com prazo de trinta dias, no órgão oficial e em jornal local, para ciência dos interessados. § 1º As partes e os interessados podem requerer, às suas expensas, a microfilmagem ou a digitalização total ou parcial dos processos físicos, bem assim o desentranhamento dos documentos que juntaram aos autos. § 2º Quando o processo findo contiver documentos de valor histórico, de ofício ou a requerimento da parte, do Ministério Público ou da Defensoria Pública, o juiz poderá determinar a sua remessa ao arquivo público, para preservação no suporte original em que constituído.

Este artigo foi, ao final, rejeitado na sessão deliberativa extraordinária de 15.12.2010 conforme consulta à tramitação já encerrada no Senado, sendo determinada a remessa do Projeto de Lei à Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://senado.gov.br> Acesso em: 09 out. 2011.

Na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei recebeu o n.. 8.046/2010 e é objeto de 170 emendas até 06.10.2011. Disponível em: <http://www.camara.gov.br> Acesso em: 09 out. 2011.

39. STF, ADI 1.919-8 São Paulo, julg. 07.04.03, D.J. 01.08.03. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/> Acesso em: 09 jul. 2010.

40. DIPP, Gilson. A Corregedoria Nacional de Justiça, o CNJ e a Constituição. In: Revista Jurídica Consulex, Brasília, a. XIII, n. 310, 15 dez. 2009, p. 31-2.

41. Disponível em: <http://www.conarq.arquivonacional.gov.br/> Acesso em: 12 out. 2011.

42. Entre as atribuições constitucionalmente previstas para o CNJ (incisos VI e VII do artigo 103-B da Constituição da República), estão: (a) a elaboração de relatório estatístico semestral sobre processos e sentenças prolatadas, por unidade da federação, nos diferentes órgãos do Poder Judiciário; (b) a elaboração de relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no país e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa.

43. ABREU, Alexandre Libonati de. Aspectos da gestão documental no Poder Judiciário brasileiro. Rio de Janeiro: [s.ed.], 2011.

44. No voto condutor, o MM. Relator Conselheiro Milton Nobre apontou como inadequado o regramento da matéria mediante ato regulamentar, qual seja, Resolução do Conselho, em razão do conteúdo do voto da Min. Ellen Gracie  na ADI nº 1.919-8/SP, propondo ao Plenário a aprovação da proposta de ato normativo apresentado pelo Comitê do Proname como Recomendação aos Tribunais.

45. No voto condutor, o MM. Relator, Conselheiro Milton Nobre, assentou que “o anteprojeto vai ao encontro do interesse dos órgãos do Poder Judiciário na resolução do gravíssimo problema do abarrotamento de suas instalações com autos de processos arquivados e o alto custo para mantê-los, sem descuidar, porém, do interesse público pela preservação de documentos de valor histórico e cultural”. Disponível em: <https://www.cnj.jus.br/ecnj/download.php?
num_protocolo=100013085182021&seq_documento=1> Acesso em: 09 out. 2011.

46. Excerto do voto proferido nos autos da AC 2001.51.01.007679-9 julgada pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, em 09.12.2009. No referido julgado, foi condenada a União em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público Federal a pagar ao Fundo do art. 13 da Lei nº 7.347/85 a quantia de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), sujeita a juros de mora de 1% ao mês, desde a citação em razão do desaparecimento de documento transferido para o Arquivo Nacional e que era passível de tombamento (processo crime relacionado ao homicídio do filho de Euclides da Cunha, personalidade da literatura e da história do Brasil).

47. Excerto do voto proferido nos autos da AC 2001.51.01.007679-9 julgada pela 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região em 09.12.2009.

48. LÖW, Marieta Maks. Acesso e pesquisa em processos judiciais. Porto Alegre: [s.ed.], 2009.

49. STF, ADIn 1.919-8 São Paulo, julg. 07.04.03, D.J. 01/08/03. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/> Acesso em: 09 jul. 10.

50. Disponível em: <http://www.jfrs.jus.br/pagina.php?no=48> Acesso em: 11 jul. 2010.

51. SANTOS, Vanderlei Batista dos; INNARELLI, Humberto Celeste; SOUSA, Renato Tarcísio Barbosa de. Arquivística: temas contemporâneos – classificação, preservação digital, gestão do conhecimento. 2. ed. Brasília: SENAC, 2008. p. 178-9.

52. Humberto Celeste Innarelli, reportando-se à elaboração de política de preservação digital, refere condição imprescindível à implementação de política de preservação de documentos de qualquer natureza em arquivo: “O primeiro passo para a elaboração de uma política de preservação digital é a formação de uma equipe multidisciplinar ou interdisciplinar, a qual ficará responsável pelo estabelecimento de uma política de preservação digital compatível com a realidade da instituição e com as necessidades de cada área. Essa equipe deve ser composta por membros das diversas áreas da instituição, sendo que cada membro ficará responsável por visualizar o documento digital de forma geral e em relação à sua própria área”. In: SANTOS, Vanderlei Batista dos; INNARELLI, Humberto Celeste; SOUSA, Renato Tarcísio Barbosa de. Arquivística: temas contemporâneos – classificação, preservação digital, gestão do conhecimento. 2. ed. Brasília: Senac, 2008. p. 41.

53. MENEZES, Ulpiano Bezerra de. Conferência de abertura: culturas políticas de lugares de memória. In:  CAIXETA, Maria Cristina Diniz et al. (org.). IV Encontro Nacional da Memória da Justiça do Trabalho. Cidadania: o trabalho da memória. São Paulo: LTr, 2010.

54. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/
gestao-documental/manual_gestao_documental_poder_judicirio_12-9-11.pdf> Acesso em: 09 out. 2011.

55. Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. (EC nº 45/04)

56. "No Estado de Direito Democrático,  devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos  direitos humanos. (...) A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem" (HC 82.424, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17.09.2003, Plenário, DJde 19.03.2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/artigo>  Acesso em: 11 jul. 2010)

57.  Art. 5º, § 3º, CF/88: “Os tratados e as convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais”.

58. TESSLER, Marga Inge Barth. O juiz e a tutela ambiental: a fundamentação das sentenças. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 24, jun. 2008. Disponível em: <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/
edicao024/Marga_Tessler.html>.  Acesso em: 09 ago. 2010. 

59. Nesse sentido, STJ, REsp 115599/RS, 4ª Turma, Rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, julg. 27.06.02. Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em: 10 jul. 2010.  Ainda no mesmo sentido, STF, ADI 3540 MC/DF, Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, julg. 01.09.05. Disponível em: <http://www.stf.jus.br> Acesso em: 10 ago. 2010.

60. Nota Introdutória para aplicação da tabela de temporalidade constitui o Anexo I do Manual de Gestão Documental. Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/images/programas/gestao-documental/manual_gestao_documental_poder_judicirio_12-9-11.pdf> Acesso em: 09 out. 2011.

61. Sobre a natureza da revisão criminal, o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal: “1. A revisão criminal retrata o compromisso do nosso Direito Processual Penal com a verdade material das decisões judiciais e permite ao Poder Judiciário reparar erros ou insuficiência cognitiva de seus julgados. 2. Em matéria penal, a densificação do valor constitucional do justo real é o direito à presunção de não culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). É dizer: que dispensa qualquer demonstração ou elemento prova é a não culpabilidade (que se presume). O seu oposto (a culpabilidade) é que demanda prova, e prova inequívoca de protagonização do fato criminoso.” (HC, 92435/SP, 1ª Turma, Rel. Min. Carlos Britto, julg. 25.03.08, DJe 16.10.08). Disponível em: <http: stf.jus.br> Acesso em: 16 jul. 2010.

62. Nesse sentido, precedente da 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça: “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE TRIBUNAL DE JUSTIÇA E COLÉGIO RECURSAL – REVISÃO CRIMINAL – CRIME DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO – AMEAÇA – AÇÃO PENAL QUE TEVE CURSO PERANTE OS JUIZADOS ESPECIAIS – [...] 1. Apesar da ausência de expressa previsão legal, mostra-se cabível a revisão criminal no âmbito dos Juizados Especiais, decorrência lógica da garantia constitucional da ampla defesa, notadamente quando a legislação ordinária vedou apenas a ação rescisória, de natureza processual cível. 2. [...]. 3. A falta de previsão legal específica para o processamento da ação revisional perante o Colegiado Recursal não impede seu ajuizamento, cabendo à espécie a utilização subsidiária dos ditames previstos no Código de Processo Penal. 4. Caso a composição da Turma Recursal impossibilite a perfeita obediência aos dispositivos legais atinentes à espécie, mostra-se viável, em tese, a convocação dos magistrados suplentes para tomar parte no julgamento, solucionando-se a controvérsia e, principalmente, resguardando-se o direito do agente de ver julgada sua ação revisional. 5. Competência da Turma Recursal.” (CC 47.718/RS, Rel. Ministra Jane Silva (Des. Conv. do TJ/MG), 3ª Seção, julgado em 13.08.2008, DJe 26.08.2008. Disponível em: <http://www.stj.jus.br> Acesso em: 16 out. 2011)

63. Há precedente do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que não cabe revisão criminal contra sentença que homologa a transação penal: “PROCESSUAL PENAL. REVISÃO CRIMINAL. ART. 621, INCISO III, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. [...]. IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO DA HOMOLOGAÇÃO REALIZADA COM ESTEIO NO ART. 76 DA LEI Nº 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL. [...] 2. Incabível o ajuizamento de revisão criminal contra sentença que homologa a transação penal (art. 76 da Lei nº 9.099/95), já que não existiu condenação ou sequer houve análise de prova. Na verdade, ao se aplicar o instituto da transação penal, não se discute fato típico, ilicitude, culpabilidade ou punibilidade, mas apenas é possibilitada ao autor do fato uma aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa para que não exista o prosseguimento da ação penal, sendo o acordo devidamente homologado pelo Poder Judiciário e impugnável por meio do recurso de apelação. [...]” (REsp 1107723/MS, Rel. Ministra Laurita Vaz, 5ª Turma, julgado em 07.04.2011, DJe 25.04.2011). No entanto, a guarda permanente se justifica em razão de também haver entendimento no sentido de que a homologação da transação implica condenação imprópria: CRIMINAL. HC. NULIDADE. LEI 9.099/95. DESCUMPRIMENTO DE ACORDO FIRMADO E HOMOLOGADO EM TRANSAÇÃO PENAL. OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA. COISA JULGADA MATERIAL E FORMAL. EXECUÇÃO DA MULTA PELAS VIAS PRÓPRIAS. RECURSO PROVIDO. I – A sentença homologatória da transação penal, prevista no art. 76 da Lei nº 9.099/95, tem natureza condenatória e gera eficácia de coisa julgada material e formal, obstando a instauração de ação penal contra o autor do fato, se descumprido o acordo homologado. II – No caso de descumprimento da pena de multa, conjuga-se o art. 85 da Lei nº 9.099/95 e o 51 do CP, com a redação dada pela Lei nº 9.286/96, com a inscrição da pena não paga em dívida ativa da União para ser executada. III – Ordem concedida para determinar o trancamento da ação penal” (HC 176.181/MG, Rel. Ministro GILSON DIPP, QUINTA TURMA, julgado em 04.08.2011, DJe 17.08.2011. Disponível em: http://www.stj.jus.br > Acesso em: 18 out. 2011).

64. Os delitos contra a organização do trabalho por vezes adquirem feições de ofensa a direitos fundamentais do ser humano. Nesse sentido o seguinte precedente do Supremo Tribunal Federal: “A Constituição de 1988 traz um robusto conjunto normativo que visa à proteção e à efetivação dos  direitos fundamentais do ser humano. A existência de trabalhadores a laborar sob escolta, alguns acorrentados, em situação de total violação da liberdade e da autodeterminação de cada um, configura crime contra a organização do trabalho. Quaisquer condutas que possam ser tidas como violadoras não somente do sistema de órgãos e instituições com atribuições para proteger os direitos e deveres dos trabalhadores, mas também dos próprios trabalhadores, atingindo-os em esferas que lhes são mais caras, em que a Constituição lhes confere proteção máxima, são enquadráveis na categoria dos crimes contra a organização do trabalho, se praticadas no contexto das relações de trabalho” (RE 398.041, Rel. Min. Joaquim Barbosa, julgamento em 30.11.2006, Plenário, DJE de 19.12.2008. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/> Acesso em: 09 jul. 2010).

65. A tortura é definida pelo Ministro Celso de Mello como negação arbitrária dos direitos humanos: “A simples referência normativa à tortura, constante da descrição típica consubstanciada no art. 233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, exterioriza um universo conceitual impregnado de noções com que o senso comum e o sentimento de decência das pessoas identificam as condutas aviltantes que traduzem, na concreção de sua prática, o gesto ominoso de ofensa à dignidade da pessoa humana. A tortura constitui a negação arbitrária dos direitos humanos, pois reflete – enquanto prática ilegítima, imoral e abusiva – um inaceitável ensaio de atuação estatal tendente a asfixiar e, até mesmo, a suprimir a dignidade, a autonomia e a liberdade com que o indivíduo foi dotado, de maneira indisponível, pelo ordenamento positivo” (STF, HC 70.389, Rel. p/ o ac. Min. Celso de Mello, julgamento em 23.06.1994, Plenário, DJ de 10.08.2001. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/> Acesso em: 09 jul. 2010).

66. O crime de racismo atenta igualmente contra a dignidade da pessoa humana: “Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País” (HC 82.424-QO>, Rel. p/ o ac. Min. Maurício Corrêa,julgamento em 17.09.2003, Plenário, DJ de 19.03.2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/constituicao/> Acesso em 09 jul. 2010).

67. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (...) XLIV – constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS