Tutela jurisdicional da seguridade social


Autor: Paulo Afonso Brum Vaz

Desembargador Federal, Coordenador do Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos do TRF4, Mestre em Poder Judiciário pela FGV

 publicado em 16.12.2011

Sumário: Noções introdutórias. 1 Tutela jurisdicional da seguridade na crise do welfare state. 2 O princípio isonômico como instrumento de otimização da tutela jurisdicional da seguridade social. 3 A assimetria entre a teoria discursiva dos direitos fundamentais e a sua efetivação: o déficit de implementação das políticas públicas da seguridade social. 4 Reflexos da eficácia imediata dos direitos fundamentais sociais no processo civil. 5 A necessidade da busca incessante da verdade real e da superação do formalismo positivista no processo previdenciário. 5.1 Movimento pela superação do positivismo em busca da verdade real – necessidade de ativa participação do juiz na instrução do processo – poderes (e deveres) instrutórios do juiz em matéria de seguridade social. 5.2 O juiz previdenciário na aplicação do direito: o movimento pela superação do consequencialismo econômico utilitarista. Conclusões.

Noções introdutórias

Eu creio que deva iniciar abordando, ainda que superficialmente e em sede introdutória, alguns aspectos conceituais, apenas para reavivar a memória e situar os leitores quanto ao alcance do tema central deste singelo escorço sobre “tutela jurisdicional da seguridade social”.

Começo recordando que a expressão “tutela jurisdicional” está relacionada com a proteção judicial que o Estado, detentor do monopólio da função jurisdicional, deve oferecer aos cidadãos. É fácil ver, pois, que não se confundem “função” e “tutela” jurisdicional. Uma corresponde à atividade, ao poder-dever estatal de solucionar os conflitos de interesses (litígios), e a outra, ao resultado, ao produto dessa atividade, consubstanciado na concreta e efetiva oferta dos bens e situações jurídicas que favorecem o litigante vencedor na realidade da vida.

A função jurisdicional de solução dos conflitos de interesses desenvolve-se de dois modos: pela via judicial adjudicatória, em que o Estado-Juiz substitui-se à vontade das partes, em regime de monopólio, decidindo por meio de sentença, e pela via da consensual estimulada, em que o Estado-Juiz utiliza-se de mecanismos de solução consensual (conciliação, mediação ou arbitragem), incentivando as partes a uma solução autocompositiva.

Cumpre lembrar que os apanágios principais que se exigem da “função jurisdicional” são de ordem adjetiva e substantiva. A “efetividade adjetiva” reside na predisposição dos meios adequados para que se alcance a tutela, e a “efetividade substantiva”, no concernente à obtenção dos resultados que correspondam exatamente ao que foi prometido pelo preceito constitutivo do direito. A esses resultados, convencionou-se chamar Tutela Jurisdicional, nela compreendido, obviamente, o seu cabal exaurimento por parte do Estado-Juiz, o que somente ocorre quando é efetivamente satisfeita a pretensão resistida, com a entrega do bem da vida objeto da lide ao vitorioso.

Essa abordagem sobre “tutela jurisdicional da seguridade social” engloba tanto os meios processuais para a sua obtenção quanto a efetiva proteção do Estado-Juiz para o cabal exercício dos direitos da seguridade social, vale dizer: saúde, previdência e assistência social, em face do Estado-Previdência.

Trocando em miúdos, o estudo é sobre a necessidade de otimização dos meios de “proteção judicial” dos direitos sociais (fundamentais e subjetivos) inerentes à seguridade social.

1 Tutela jurisdicional da seguridade na crise do welfare state

Bem fixadas essas premissas, pode-se avançar um pouco para examinar a tutela jurisdicional da seguridade social em espécie, tomando como ponto de partida a análise da essência da formação das decisões judiciais – estas que aperfeiçoam a tutela aplicada aos casos concretos. Há uma gama de veredas que se poderia percorrer nesse desiderato de se examinar a racionalidade do processo formativo das decisões judiciais na seguridade social. Vou trilhar apenas alguns, que me parecem mais relevantes.

Na perspectiva do que a doutrina convencionou chamar de fundamentos intrínsecos da sentença, gostaria de enfocar, brevemente, alguns aspectos que influem na decisão judicial como apanágios que se colocam a serviço da efetivação dos direitos sociais fundamentais vinculados à seguridade social e para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e fraterna. 

A esse propósito, devo reconhecer a existência de um certo déficit de atenção para o cenário social (irresponsabilidade social) sobre o qual incidem os efeitos das decisões judiciais.(1)

Cada decisão proferida em matéria previdenciária e assistencial tem o potencial de interferir diretamente no plano da satisfação dos direitos sociais e, portanto, no contexto social, na medida em que permite a inclusão social e o atendimento dos ideais republicanos de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais e da promoção do bem comum.

Por isso, impõe-se ao juiz previdenciarista, a menos que duvide do seu papel de agente de transformação social, encontrar o sentido da decisão que seja mais consentâneo com os valores que a Constituição consagra a título de direitos sociais, a que, subjetivamente, correspondem direitos fundamentais. Seu papel no constitucionalismo moderno é de lhes dar sensibilidade social, para que passem do plano do reconhecimento para o da efetivação e deixem de ser mera manifestação de propósitos sem consequências práticas no mundo fenomênico.      

Sobretudo, é curial um olhar mais profundo para o contexto sociopolítico que constitui o pano de fundo da intervenção jurisdicional no Estado Social Constitucional de Direito, que nada mais representa, diga-se de passagem, do que a vinculação do Estado ao compromisso de efetivação dos Direitos Sociais Fundamentais de sede constitucional.

E esse contexto sociopolítico nos revela um verdadeiro desastre social. O apogeu das ideologias neoliberais, baseadas no discurso que privilegia o econômico em detrimento do social. O ajuste fiscal que visa a garantir o fim da inflação e a estabilidade da moeda faz-se à custa das políticas de educação, de seguridade, de habitação, de saneamento, de cultura, enfim, das prestações do Estado que universalizam os direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos. Exemplo disso são os caóticos sistemas de saúde e de educação (ambos sucateados).

O neoliberalismo, que está a impregnar a nossa política socioeconômica,(2) baseado na hegemonia das políticas monetaristas, produz uma verdadeira guerra social que compromete a eficácia de direitos sociais fundamentais, a começar pelo direito a um emprego formal que permita, depois, acesso aos direitos previdenciários. As técnicas recessivas de combate à inflação, baseadas na retirada de moeda de circulação, têm sido o fator mais importante no aumento dos índices de desemprego.

Nós sabemos que a maioria da massa trabalhadora brasileira não possui carteira de trabalho assinada. Temos perto de 11 milhões de pessoas trabalhando na informalidade. Cerca de 50% das pessoas em idade economicamente ativa não possuem carteira assinada ou trabalham por conta própria.(3) De cada 10 novos empregos gerados nos últimos 14 anos, 7 foram informais, de acordo com dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Pequenas e microempresas têm 12,5% de empregados informais; 10,9% dos empregadores são informais (Dados do SEBRAE, set. 2010).

A expectativa que se tinha do crescimento econômico era de distribuição equânime de renda, de geração de mais empregos formais, de extensão das políticas sociais. O social, de rigor, deveria ser um desdobramento do econômico. Mas nada disso ocorreu. A estabilidade, ao contrário, deu-se à custa do social.

Os avanços do welfare state – Estado do bem-estar, conquistados a ferro e fogo ao longo do século XX, consagrando direitos fundamentais ungidos pela vontade popular, estão, pouco a pouco, sendo limitados ou suprimidos. Passaram mesmo a ser tratados como “problemas” por pressões externas, pelos países ricos, pelo FMI, pelo Banco Mundial: geram déficit fiscal, causam desemprego, quebram a previdência,(4) constituem paternalismo demagógico, alimentam a preguiça, criam óbices à livre concorrência e à competitividade.

O welfare state, embora se reconheça que há uma tendência globalizada de redução do conjunto de benesses que os Estados oferecem conforme os seus programas sociais, tal como tem ocorrido inclusive nos países ricos da União Europeia, continua sendo imprescindível diante dos riscos, das incertezas e da falta de informações que tendem sempre a aumentar nas sociedades modernas, tornando essencial e indispensável a atuação estatal para atender a essas contingências. Não fosse por isso, o fato significativo de manter economicamente ativa a mais ampla maioria da população, por si só, já constituiria motivo suficiente para a manutenção dos programas sociais que caracterizam o welfare social state.

Conquanto, do ponto de vista econômico, desde o último quartel do século passado, países como Alemanha, França, Itália, Suécia e Inglaterra tenham promovido importantes enxugamentos nos seus programas sociais, numa tentativa de adaptação às mudanças na conjuntura econômica mundial e aos tempos de recessão, parece manter-se intangível o espaço reservado ao Estado do Bem-Estar Social.

Assim que a questão é mesmo de adapting, como bem refere Nicholas Barr:

“In the face of all these changes, the word ‘adapting’ is key. To criticize the welfare state as though it were set in tablets of stone is to make the same mistake as Marx’s critique of capitalism – it ignores the fact that both the market system and state institutions adapt. The  welfare state faces problems; as a result, its institutions adapt; this does not mean that there is a crisis. The reasons why a welfare state is necessary will not go away; its institutions are robust and responsive; in forms that will continue to evolve, it remains a continuing twenty-first-century challenge.”(5)

O dado relevante me parece ser o abismo existente entre a seguridade social europeia – aliás um dos pilares do Estado Europeu – e a seguridade social dos países em desenvolvimento como o Brasil. Lá, existe espaço suficiente para limitações – até porque em certos aspectos algumas benesses concedidas pelo Estado constituem verdadeiras extravagâncias; aqui, o pouco que se conquistou e que a nossa situação econômica permite atender não admite qualquer retrocesso ou limitação.

Voltando ao tema, nesse contexto de limitação dos direitos sociais, parece que a aposta é mesmo de “entregar o social para uma grande seguradora financeira” ou para o chamado Terceiro Setor. Quem puder pagar pelo seguro garante saúde e previdência. É a mercantilização dos direitos sociais. O Estado somente deve intervir para garantir direitos básicos – o que chamam de mínimo existencial – a quem comprove estar no umbral da miserabilidade. Mera filantropia.

O Poder Judiciário, infelizmente, faz esse jogo de minimalismo social e aprendeu a medir o tamanho da miserabilidade com régua milimétrica, observando os critérios apertados que o neoliberalismo dita, sempre com tendência seletiva e excludente. O que importa hoje é a racionalidade econômica, somos homo economicus, precisamos ficar atentos às consequências econômicas das decisões judiciais, senão vamos quebrar a Previdência Social, vamos alimentar a inflação. Cada benefício que se nega é dinheiro público que se está a economizar, afinal o Estado precisa comprar um submarino nuclear, ajudar banqueiros inescrupulosos ou países em dificuldade, ou ainda investir pesadamente como agente econômico, imiscuindo-se perigosamente na economia como se empreendedor fosse (40% das riquezas que produzimos passam pelas mãos do Estado). O Estado está falido para o social, mas não para o econômico!

Diríamos: são efeitos da globalização econômica. Isso é inevitável.(6) O próprio termo globalização é algo que não está bem explicado. Alguém que não recordo disse que vai da Internet até o hambúrguer, mas não passa de uma expressão empregada pelos países ricos para dissimular suas intervenções no sentido de assumir posições privilegiadas nas economias dos países pobres e em desenvolvimento.

A globalização econômica, de que fazem parte as medidas de ajuste da economia e desajuste do social, somente faz por exacerbar antigas situações de miséria e desigualdade a partir de uma nova pobreza causada pelo desemprego e pela generalização das situações de precariedade no trabalho, aumentando o contingente daqueles que se tornaram vulneráveis do ponto de vista social pela ausência dos mecanismos de proteção social; pelo desmanche ou desmonte das políticas sociais, substituídas por programas transitórios de combate à pobreza: fome zero, bolsa família etc, que visam a apenas minimizar os efeitos dos ajustes nas classes miseráveis.

Se é verdade que houve, nos últimos dez anos, uma sensível melhora da situação de pobreza, algo em torno de 50%, não menos verdade é que o quadro persiste sendo muito grave. Cerca de 16,2 milhões de brasileiros continuam sendo extremamente pobres, segundo o IBGE, o que representa 8,5% da população brasileira. Desses 16,2 milhões, 4,8 milhões não possuem nenhuma renda e 11,4 milhões têm rendimento per capita de R$ 1,00 a R$ 70,00.(7)

O Brasil, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – PNUD, ocupava, em 2008, a 70ª colocação no Relatório de Desenvolvimento Humano em um renque de 179 países. O nosso coeficiente de Gini, que é o medidor da desigualdade na distribuição de renda, está em 0,537 (quanto mais próximo de zero melhor será a distribuição de renda).(8) Há, pois, uma pobreza sistêmica que assola o Brasil, seja qual for o critério que se adote para medir a pobreza (< de 1 dólar dia – PNUD ou < de ¼ do salário mínimo – IBGE).

Um dos efeitos negativos da globalização neoliberal é o fenômeno da desfiliação, expressão cunhada por Castel, para identificar

“a presença, aparentemente cada vez mais insistente, de indivíduos colocados em situação de flutuação na estrutura social e que povoam seus interstícios sem encontrar aí um lugar designado. Silhuetas incertas, à margem do trabalho e nas fronteiras das formas de troca socialmente consagradas – desempregados por períodos longos, moradores dos subúrbios pobres, beneficiários da renda mínima de inserção, vítimas das readaptações industriais, jovens à procura de emprego e que passam de estágio a estágio, de pequeno trabalho à ocupação provisória... – quem são eles, de onde vem, como chegaram ao ponto em que estão, o que vão se tornar?”(9)

É óbvio que essa perversa conjuntura precisa ser considerada quando se examinam direitos previdenciários e assistenciais. O rigorismo formal que não ausculta a origem das situações comprometedoras da sobrevivência e da dignidade das pessoas tende a impor ao Poder Judiciário uma certa subserviência ao neoliberalismo econômico, desvirtuado que fica o processo da sua função de instrumento de inclusão social, de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, missões constitucionalmente conferidas ao Estado.(10)

Esse é o primeiro filtro que penso deva nortear as decisões nas demandas de direito da seguridade social, é o requisito intrínseco da razoabilidade diante de uma conjuntura socioeconômica tremendamente injusta e excludente. É a racionalidade que projeta uma decisão o quanto possível mais aderente à realidade social.

É sob esse cenário que são os juízes chamados a atuar, em que pessoas situadas nos umbrais da pobreza e da miserabilidade nos vêm mendigar por melhores condições de sobrevivência, porque nada mais lhes foi possível obter diante do Estado minimalista e miniaturizado. Esse é o dilema que os juízes previdenciaristas têm de solver todos os dias,

1 – quando precisam decidir se ¼ de salário mínimo é suficiente para a sobrevivência de uma pessoa em uma família que cuida de um inválido ou idoso, por exemplo, e que se superar em R$ 10,00 o limite legal não faz jus à assistência estatal (o inválido que não se enquadra na LOAS, não podendo trabalhar – não  pode ser segurado –, está fadado à miséria);

2 – quando exigem prova da relação formal de trabalho, enquanto o neoliberalismo incentiva o informalismo, fomenta o desemprego e o aumento do número de pessoas que estão vivendo abaixo da linha da pobreza;

3 – quando decidem por devolver ao mercado de trabalho, com base em uma perícia às vezes incompleta, um indivíduo que é apenas relativamente incapaz, para competir com milhares de outros desempregados plenamente capazes, porque a conjuntura econômica não se compadece com ações paternalistas e é impiedosa com quem não pode pagar o seguro.

Hoje, a maioria dos processos tratando de seguridade social tramita nos Juizados Especiais Federais, que foram concebidos também para  inverter a lógica positivista legalista de interpretar a norma sem a preocupação com o exame da sua legitimidade social e sua adaptação para a situação concreta da vida real que está sendo tratada. Almejou-se exatamente a concepção de um segmento do Poder Judiciário que estivesse vinculado diretamente à efetivação dos fins da República de erradicação da pobreza e das desigualdades sociais, e adredemente instrumentalizaram-se os juízes com o poder de julgar por equidade

E equidade corresponde à mitigação da lei escrita por circunstâncias que ocorrem em relação às pessoas, às coisas, ao lugar ou aos temas. A equidade é o resultado de uma interpretação sociológica que atende cada vez mais às consequências prováveis de um modo de entender e aplicar um texto legal; quanto possível, busca uma conclusão benéfica e compatível às ideias modernas de proteção aos hipossuficientes, de fraternidade e de solidariedade humana.

2 O princípio isonômico como instrumento de otimização da tutela jurisdicional da seguridade social

Assentado que o sistema legal precisa ser interpretado com filtro constitucional, é relevante o papel do princípio isonômico, um princípio que, ao lado da liberdade, situa-se como o mais relevante da ordem jurídica mundial. São, igualdade e liberdade, os valores fundamentais de qualquer democracia.

Falarei de igualdade enquanto princípio do Estado Social Constitucional de Direito, ou seja, não apenas de tratamento igual perante a lei (típico do Estado Liberal), mas sim da igualdade que visa a proporcionar aos diferentes as mesmas oportunidades e, sobretudo, os mesmos resultados. É nessa perspectiva que a igualdade determina que haja sempre a prévia equiparação para que, depois, incida, no processo, a regra de justiça. Na tarefa da igualização, impende consultar as condições sociais, materiais e mesmo a hipossuficiência de informações, que permitam considerar iguais as partes.   

Quando se discute a incidência da igualdade no trato da questão previdenciária e assistencial, enquanto bem social relevante e critério de aplicação da justiça distributiva, não se pode olvidar que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil erradicar a pobreza e a marginalização, reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos sem qualquer forma de discriminação (incisos III e IV do art. 3º da CR). Esses objetivos fundamentais devem permear as atividades legislativas, executivas e judiciárias e, de rigor, também todas as relações sociais e individuais. No plano da efetivação dos direitos fundamentais, constituem “mandatos constitucionais de igualização” dos desiguais.

Desgraçadamente, o cenário social e político que caracteriza a nação brasileira é marcado por uma espécie de ética dos privilégios e desigualdades. Como bem observa Luís Roberto Barroso,

“Tais desvios envolvem, em primeiro lugar, a ideologia da desigualdade. Desigualdade econômica, que se materializa no abismo entre os que têm e os que não têm, com a consequente dificuldade de se estabelecer um projeto comum de sociedade. Desigualdade política, que faz com que importantes opções de políticas públicas atendam prioritariamente aos setores que detêm força eleitoral e parlamentar, mesmo quando já sejam os mais favorecidos. Desigualdade filosófica: o vício nacional de buscar o privilégio em vez do direito, aliado à incapacidade de perceber o outro, o próximo.”(11)

Como bem observa José Ricardo Cunha, a dramática situação da nossa desigualdade é caracterizada pelos seguintes aspectos:

“1. é praticamente impossível para quem está em estado de pobreza absoluta mudar a sua própria situação por vias lícitas;

2. a maior parte das pessoas que está em melhor situação de vida não consegue se colocar na situação daquelas que estão em piores condições e não possuem a mínima ideia do que é viver de forma totalmente degradante;

3. essa desigualdade radical não diz respeito apenas à renda e consumo, mas a todos os aspectos da vida social como acesso às belezas naturais ou produções culturais ou artísticas;

4. a desigualdade radical acarreta diferentes formas de violência que se manifestam difusamente na sociedade, mas que atingem com mais crueldade exatamente os mais empobrecidos que são duplamente penalizados.”(12)

A igualdade jurídica, a igualdade perante a lei e a igualdade dos direitos, formas tradicionais de reconhecimento do âmbito do princípio isonômico, embora inequivocamente imprescindíveis, não se revelam bastantes. Não assegura a igualdade almejada pela Constituição a mera forma de regulação geral e abstrata e de aplicação igualitária da lei.(13) Outorgar o mesmo tratamento a todas as pessoas, sem observar as distinções que a complexidade social e a realidade da vida lhes impõem, é também uma forma de violar o princípio da igualdade.

A igualdade, enquanto conceito relativo, exige análise e confrontação das diferentes situações em que se encontram os diversos sujeitos de direitos. Somente com a determinação das características essenciais de cada um é que se pode eleger soluções capazes de equiparar as diferentes situações, vale dizer, de corrigir as distorções e os desequilíbrios então existentes. Idêntico fundamento que impõe tratamento isonômico para os que estão em situações iguais exige que se dedique tratamento diferenciado aos que se encontram em situações desiguais, como que autorizando uma espécie de “discriminação inversa”, pressuposto da “igualdade de fato”.  

A igualização (no sentido de corrigir desigualdades por meio de discriminações) é, pois, o pressuposto para que se tenha a igualdade de fato, vale dizer, predisposição de meios para o igualitário e efetivo gozo dos direitos fundamentais e quanto ao acesso aos bens materiais.

Rui Portanova enfoca o princípio da igualdade enquanto elemento ativo para promover a igualização dos destinatários da norma. Segundo esse autor gaúcho,

“o princípio jurídico da igualdade ou da isonomia é um princípio dinâmico. Melhor se diria ao denominá-lo princípio igualizador. Ou seja, não se trata de uma determinação constitucional estática que se acomoda na fórmula abstrata ‘todos são iguais perante a lei’. Pelo contrário, a razão de existir de tal princípio é propiciar condições para que se busque realizar a igualização das condições desiguais. É que, havendo indiscutivelmente desigualdades, a lei abstrata e impessoal que incida em todos igualmente, levando em conta apenas a igualdade dos indivíduos, e não a igualdade dos grupos, acaba por gerar mais desigualdades e propiciar injustiça.”(14)

Para arrematar este tema, trago à colação o escólio do ilustrado colega Artur César de Souza quando considera a pobreza como a principal barreira externa (tendão de aquiles) da igualdade processual e do acesso à justiça:

“O sistema, na verdade, não funciona para ‘o homem comum’ (Gelsi Bidart). O cidadão, em geral, ou bem tem uma justiça (sua defesa) de segunda categoria ou simplesmente não conta com possibilidade de acesso à jurisdição, nem a outras opções alternativas, se é que elas efetivamente existem. Qualquer tentativa de análise do tema, pragmaticamente, demonstra que um aspecto é a possibilidade de se valer do devido processo legal adjetivo para os ricos, e outra para aquele que, de fato, envolvido em sua pobreza, quer usar a vestimenta de litigante. Tudo o mais não passa de simples retórica. É por isso que se exige para a solução dos conflitos uma urgente e desesperada mudança fundamental e suficiente, que vá além do que atualmente se vem oferecendo, a fim de que a jurisdição seja uma atividade efetivamente igualitária.”(15)

3 A assimetria entre a teoria discursiva dos direitos fundamentais e a sua efetivação social: o déficit de implementação das políticas públicas da seguridade social

Para o alcance do presente exercício, vou ficar com duas posições cediças na dogmática jurídica.

A primeira, no sentido de que o Estado, para que possa ser considerado de Direito, precisa contar (1) com um conjunto de normas garantidoras de direitos fundamentais de natureza civil, política, econômica e social e (2) também com um sistema efetivo de promoção e garantia desses direitos que possibilite o seu pleno gozo pela população. O Estado de Direito não se realiza, pois, pela mera existência de um sistema formal de regras jurídicas e pela substituição da discricionariedade do governante pela discricionariedade da vontade do legislador.

A segunda, a ditar que, no Estado Social Constitucional de Direito, não é a vontade do legislador que deve prevalecer para conter o arbítrio do governante, mas sim a vontade da Constituição, que se deve sobrepor tanto ao legislador como ao governante. Aqui, a Constituição não se limita a fixar os parâmetros de organização jurídica e política do Estado e vai mais longe para outorgar poder normativo vinculante aos valores que estruturam a ordem social. Mesmo quando válida, a norma que contrarie valores, princípios ou regras constitucionais perde o seu fundamento de legitimidade e torna-se inválida.

Há hoje um quase consenso no sentido de que os direitos sociais, antes de tudo direitos humanos, estão enquadrados na espécie dos direitos fundamentais, conferindo, portanto, a seus titulares um feixe de posições jurídicas subjetivas em face do Estado, cujo objeto, no caso, são os direitos da seguridade social. Natural consequência disso é atribuir-se a vários legitimados a possibilidade de demandarem judicialmente em defesa de seu direito subjetivo.(16)

O art. 6º da CR/88 dispõe que:

“São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”

De rigor, é mais relevante do que o próprio reconhecimento dos direitos fundamentais a disposição constitucional que confere a esses aplicabilidade imediata, dispensando interposição legislativa (§ 1º do art. 5º).

Os direitos humanos e, por conseguinte, os direitos fundamentais, ainda que não estivessem previstos na ordem jurídica nacional, poderiam ser hauridos de uma normatividade supranacional de caráter universal, que extrapola as ordens jurídicas dos Estados Sociais Democráticos de Direito. O reconhecimento dos direitos fundamentais coloca-se hoje como um dos pilares do que se convencionou chamar de Nova Ética Global, que não conhece limites, nem fronteiras, encontrando-se fundada nos valores da Dignidade da Pessoa Humana, da Fraternidade e da Solidariedade intra e intergeracional, aperfeiçoando o Estado de Direito Supranacional. Uma terceira mudança de paradigma (Estado de Direito, Estado Constitucional de Direito e Estado Supranacional de Direito), que teria a pretensão de abranger a todos, inclusive aqueles que são excluídos no sistema de direitos dos Estados Nacionais.

Cito, à guisa ilustrativa, o art. 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos:

“Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice e outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle.”

De rigor, todos os direitos radicados no princípio vetor da Dignidade da Pessoa Humana – fundamento da República, conforme dispõe o inciso III do art. 1º da CR –, sobretudo porque afetam a liberdade e a autonomia do indivíduo, ostentam a conformação de Direitos Fundamentais de cunho prestacional, e mais, têm sua perenidade assegurada pelo princípio da vedação de retrocessos.

Ao Direito da Seguridade Social cumpre a tarefa árdua da disciplina do reconhecimento e da efetivação de alguns dos direitos fundamentais sociais mais relevantes para a vida em sociedade: saúde, previdência e assistência social.(17) O Estado (Constitucional de Direito),(18) a partir da consagração dos direitos fundamentais no texto da Constituição, tem o dever de implementá-los pela via legislativa criando as políticas públicas necessárias. Na sua omissão ou insuficiência, a missão é trespassada ao Poder Judiciário. Dessarte, mesmo à míngua de previsão legal infraconstitucional, não pode o Poder Judiciário demitir-se de seu papel constitucional de prestar a jurisdição (princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional), incumbindo-lhe possibilitar às pessoas a fruição efetiva dos referidos direitos.

O Poder Judiciário desempenha o relevante papel de protagonista ativo na efetivação dos direitos fundamentais, porque agora o problema não é mais de reconhecimento desses direitos, mas sim prático e de sua efetivação. A jurisdição tem o compromisso constitucional de proporcionar sensibilidade social aos direitos fundamentais. Passamos, pois, da crise de reconhecimento dos direitos para a crise de efetividade; já não se busca mais o reconhecimento e a justificação dos direitos do homem, e sim a sua proteção. O problema não é mais filosófico, mas sim político, como ensina Bobbio.(19)

Houve, no último quartel do século passado e nesse limiar do século XXI, um considerável avanço na teoria discursiva dos direitos fundamentais. Podemos hoje contar com uma racionalidade teórica bem construída e suficiente para justificar estarmos identificados com o ideário do Estado Social Constitucional de Direito. Dito avanço, todavia, não se refletiu no campo social, na esfera da realidade palpitante da vida das pessoas. É, pois, paradoxal “a prodigalidade discursiva no campo do direito sem compromisso com o efeito transformador da base material da Constituição”.(20)

Como bem observa o professor Luiz Edson Fachin,

“Do descompasso entre o prodigioso discurso principiológico e a realização que o circunda, se extrai uma importante lição. Materializar a comunhão da teoria e da práxis na prospectiva efetivação de nossa Constituição é tarefa que ainda não se cumpriu.

O desafio é a reconstrução da identidade do discurso jurídico diante do real, das condições materiais de vida, sem montagens efêmeras ou capengas. Poderá vir outra linguagem e outros significantes desde que essa nova genética seja realmente para construir, e não apenas para iludir.”(21)

As políticas públicas na área da saúde, por exemplo, são deficitárias. Não é preciso esforço para perceber-se que o nosso sistema de saúde está muito aquém do que se faz mister para a implementação do direito fundamental à saúde da comunidade. O atendimento é precário, não há hospitais em número suficiente e o fornecimento de medicamentos não atende satisfatoriamente à demanda. No Sistema de Previdência, da mesma forma, há uma nítida tendência de limitação de direitos. Por fim, no campo da Assistência Social, são intermináveis as discussões judiciais sobre as mais diversas questões.

Daniel Machado da Rocha resume com propriedade o caráter deficitário do modelo de seguridade social adotado pelo Brasil, in verbis:

“Em resumo, as peculiaridades do nosso modelo de seguridade social, ao contrário do modelo universalista, não permitem que todas as situações de necessidade social sejam amparadas. A estipulação dos condicionamentos genéricos na manutenção da qualidade de segurado e da carência funcionam como filtros de separação entre as situações de necessidade social amparadas pelo regime previdenciário e as que não encontrarão cobertura.”(22)

Resultado disso é a corrida ao Poder Judiciário para que este supra as omissões do Estado, assegurando a efetiva implementação dos direitos fundamentais correspondentes. Tem-se, então, toda sorte de discussões em torno dos limites da atuação e sobre a legitimidade do Poder Judiciário para interferir no campo das Políticas Públicas e ainda quanto ao suposto discricionarismo da Administração na sua implementação.

Vale aqui lembrar que o Pretório Excelso, embora tenha reconhecido a excepcionalidade, culminou por reconhecer legitimidade ao Poder Judiciário para formular e implementar políticas públicas, quando os órgãos estatais competentes vierem a comprometer a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de normas programáticas (ADPF nº 45).

O tema é deveras polêmico, mas eu gostaria de centrar essas singelas considerações, a título meramente exemplificativo, na celeuma em torno do benefício de prestação continuada assistencial. 

É inequívoco que o legislador, ao estabelecer os pressupostos para a concessão do referido benefício assistencial, o fez de forma deficitária. A má vontade do Poder Público com amparo aos necessitados ficou patente desde o atraso na regulamentação do inciso V do art. 203 da CR/88. Somente em 1993 veio a lume a Loas (Lei 8.743/93). Depois, editada a lei, apenas com a edição do Decreto nº 1.744, de 08 de dezembro de 2005, é que a concessão do benefício restou possível. Mais adiante, nova via crucis, tanta era a renitência que uma situação verdadeiramente absurda ocorreu: nem o INSS, nem a União reconheciam sua legitimidade para responder na via judicial pela concessão do benefício. Isso perdurou por algum tempo, até que o STJ reconheceu a legitimidade do INSS.

No concernente aos requisitos, revelou-se, de plano, acintosa a renda mensal familiar máxima exigida para a concessão do benefício assistencial: 1/4 do salário mínimo por membro. A questão foi parar no STF, que, na ADIn nº 1.232-1/DF, por maioria de votos, julgando improcedente a ação, reconheceu a constitucionalidade do referido critério econômico (art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93). Resultado: as instâncias inferiores solenemente passaram a descumprir a decisão do STF e continuaram a julgar no sentido de que a situação de miserabilidade poderia ser comprovada de outras formas, afastado, portanto, o requisito econômico objetivo. Reclamações foram ajuizadas e o Pretório Excelso acabou mitigando sua decisão ao indeferir a maioria delas.(23) Apesar de ser elogiável a posição do Pretório Excelso ao permitir que nova composição da Corte reexamine a matéria, surgiu um outro problema muito sério: a matéria encontra-se afetada à repercussão geral desde 08.02.2008, estando todos os processos em tramitação nas instâncias inferiores sobrestados. Imagine-se a prejudicialidade contida nessa paralisação. É o mesmo que congelar o direito fundamental à assistência social e engessar o Poder Judiciário. Com certeza, o STF, sensível a esse problema, em breve deverá pacificar a matéria. 

Por fim, cumpre tocar num ponto relevante. Há uma generosa  parcela de contribuição que se deve creditar à baixa participação social nos processos decisórios da seguridade social. Os chamados espaços públicos de controle e intervenção social, tais como previstos na Constituição de 1988, apesar do longo período de estabilidade democrática que atravessamos, não foram ainda adequadamente ocupados. Por exemplo: no art. 194, VII, quanto à Seguridade Social, está previsto que ela será organizada de forma a observar o caráter democrático e descentralizado da administração, mediante participação dos trabalhadores, empregadores e aposentados; no art. 198, II, está prevista a abertura para a participação da comunidade como uma das diretrizes para a organização das ações e serviços relativos à Saúde; no art. 204, II, está prevista a participação da população por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis da Assistência Social.

Apesar da regulamentação desses preceptivos constitucionais, os espaços democráticos não têm sido bem ocupados. Os Conselhos de Participação Popular, as Audiências e as Conferências Públicas necessitam alcançar o interesse de todos os cidadãos, e o diálogo democrático precisa livrar-se das perversas influências econômicas e políticas. É preciso, sobretudo, levar ao conhecimento das populações a existência de espaços reservados à sua atuação por meio de campanhas de difusão de uma nova cultura (educação popular para a democracia) de participação política e exercício da cidadania. 

4 Reflexos da eficácia imediata dos direitos fundamentais sociais no processo civil

Consoante dispõe o parágrafo 1º do art. 5° da CR, as normas definidoras de direitos fundamentais têm aplicação imediata. Está, pois, assentado que os preceitos constitucionais e também as regras consagradoras de direitos fundamentais de natureza material e processual não carecem de interposição legislativa para serem implementados. Também já não se debate mais acerca da principal virtude das normas de direitos fundamentais de constituírem diretivas e fontes materiais permanentes para a atuação tanto do legislador como dos aplicadores do direito, inclusos os governantes e o Poder Judiciário.
No processo, que sempre deve ser visto como um instrumento, um meio para a concretização dos direitos fundamentais, nunca um óbice, um entrave, a aplicação imediata desses direitos impõe aos juízes arredar os formalismos e suprir as deficiências e omissões porventura existentes na legislação processual para assegurar a maior efetividade possível no resultado a ser obtido. Se o legislador falha, o juiz precisa corrigir e adaptar o procedimento, se o legislador é omisso, cumpre ao juiz criar o procedimento adequado para possibilitar seja a tutela jurisdicional prestada no caso concreto. Esse comportamento não macula o devido processo legal.  

Mais relevante ainda é o princípio do devido processo legal substantivo, este que se coloca nas decisões judiciais como imperativo de um julgamento justo, calcado na aplicação da lei segundo os valores eleitos na Constituição, em favor da efetivação dos direitos fundamentais individuais e sociais (vida, saúde, previdência, assistência, liberdade, patrimônio, meio ambiente etc).

A doutrina moderna já trabalha com o conceito substitutivo de devido processo justo(acesso à ordem jurídica justa e solidária), querendo com isso dizer que a substância deve sempre se sobrepor à forma. Nessa perspectiva, ensina Arruda Alvim,

“o que conta, em última análise, não é tanto a existência de uma normatividade completa e lógica,em que todos os direitos são protegidos pela letra da lei e pelo sistema, mas tão somente aparentemente funcional, pois, na verdade, normatividade jurídica, ainda que exaustiva, não é suficiente para satisfazer as aspirações sociais dos segmentos numericamente predominantes e desprotegidos da sociedade.”(24)

É necessário averbar que o princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional e seu corolário, o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, impõem ao juiz o dever de encontrar a técnica necessária e hábil para a proteção do direito material, suprindo, por assim dizer, eventual lacuna deixada pelo legislador, de quem não se pode exigir uma previsibilidade completa e exauriente de técnicas processuais necessárias para atender às diversas situações de direito substancial. Assim, ao juiz, interpretando a norma processual com o filtro do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, incumbe arredar os óbices formais à efetiva e eficaz satisfação do direito violado, sem descurar, é evidente, da esfera de direitos do réu no que tange à sua ampla defesa.(25)

Aliás, os poderes-deveres judiciais de criação e adaptação procedimentais estão colocados como um imperativo que tem norteado as iniciativas de reforma do CPC capitaneadas pelo Ministro Luiz Fux. Segundo se depreende de suas iniciativas, o processo civil precisa ser desburocratizado, racionalizado e informalizado. Não deve ser compreendido como um fim em si mesmo, mas sempre e apenas como um instrumento qualificado para que a tutela jurisdicional se concretize eficiente e eficazmente. O formalismo sempre se coloca a serviço da negativa dos direitos fundamentais. Constitui uma retórica que visa a apenas justificar a intenção de não efetivar tais direitos.

O culto ao “legalismo formalista”, que corresponde a uma verdadeira ideologia contagiosa ainda com amplo espaço dentro do Poder Judiciário, deve-se a uma complexidade de fatores que começam na influência de uma arraigada cultura sociofamiliar individualista e elitista, passando pela formação acadêmica anacrônica e culminando em uma espécie de “jurisprudência defensivista”, que se esforça por reduzir a demanda de processos a partir de teses processuais que ocupam indevida e ostensivamente o lugar dos julgamentos de mérito.

Gostaria aqui de trazer alguns exemplos de condutas judiciais que constituem entrave ao acesso à jurisdição. Práticas que burocratizam o ajuizamento das demandas criando exigências que não estão previstas no próprio CPC, tais como requisitos especiais para a petição inicial, para a procuração, para realização de perícias, para o recebimento do pagamento etc, contributos indesejáveis e obstativos da efetividade da tutela jurisdicional da seguridade social.

A Coordenação dos JEFs da 4a Região – Cojef constituiu, em parceria com a Corregedoria Regional, uma comissão de magistrados para a elaboração de estudos sobre a eliminação dos formalismos inúteis nos JEFs.(26) O resultado do trabalho da referida comissão foi submetido à apreciação do Fórum Interinstitucional de Direito Previdenciário, que tive a honra de presidir nos Estados do RS, de SC e do PR. Foram, então, encampadas as propostas da comissão e aprovados os seguintes enunciados, que trago a lume a título ilustrativo:

“A comprovação documental do endereço do(a) autor(a) deve ser exigida somente quando houver indício fundado de inconsistência da informação constante na petição inicial ou mediante impugnação do réu.

A juntada de cópia integral do processo administrativo não constitui requisito indispensável ao ajuizamento da ação.

Nos pleitos de benefícios por incapacidade, não constituiu documento indispensável para o ajuizamento da ação o atestado médico atualizado, desde que a parte já tenha apresentado o documento contemporâneo ao requerimento administrativo para comprovar a necessidade de afastamento do trabalho.

A outorga de poderes para o foro em geral e poderes específicos permite ao advogado defender os interesses da parte em juízo, sendo desnecessário o minucioso detalhamento do objeto da demanda a ser ajuizada.

Não é exigível a apresentação de memória pormenorizada de cálculo das diferenças postuladas quando da propositura da ação.

A postergação da análise do pedido de antecipação de tutela e/ou medida cautelar não pode ser objeto de regulamentação por portaria.”

5 A necessidade da busca incessante da verdade real e da superação do formalismo positivista no processo previdenciário

Além da exegese sociológica, e exatamente para, a partir dela, garantir que decisão seja justa e aderente à realidade social (vida real), faz-se mister redobrada atenção para dois aspectos: (1) a  busca da verdade real dos fatos (a cognição quanto às questões de fato) e (2) a busca da verdade real na aplicação do direito material (a correta aplicação do direito previdenciário). 

Esse é o duplo aspecto que nos permite tocar em dois pontos cruciais do atual momento do direito da seguridade social, o primeiro dizendo respeito à instrução do processo, e o segundo guardando relação com a aplicação do direito material (o momento da decisão judicial).

5.1 Movimento pela superação do positivismo em busca da verdade real – necessidade de ativa participação do juiz na instrução do processo – poderes (e deveres) instrutórios do juiz em matéria de seguridade social

Primeiro, convém aqui identificar um ponto importante na atuação jurisdicional em matéria de direitos da seguridade social, uma ameaça muito séria: a busca pela celeridade, a ênfase no gerenciamento da vara e a obstinação pelos resultados podem conduzir a uma indesejada postura do juiz na condução do processo, qual seja, a que diminui as chances de se perseguir a verdade real. Uma postura voltada para a verdade formal, algo já inaceitável no processo civil moderno e quanto mais em sede de direito previdenciário (em que se maneja com o direito fundamental à subsistência digna de uma pessoa).

A conjuntura atual do Poder Judiciário impõe aos juízes uma carga de trabalho demasiadamente pesada. Cobra-lhes metas e resultados, planejamento minuto a minuto. Têm que produzir cada vez mais em menos tempo. São obrigados, então, a terceirizar atribuições que lhes são inerentes.

É claro que o processo de terceirização da jurisdição contribui (negativamente) para que as decisões judiciais percam em qualidade. A busca do sentido humanista(27) da decisão judicial é trabalho que não pode, com todo o respeito, ser integralmente delegado a um servidor, ainda que seja o mais qualificado. Só o juiz tem, ou deveria ter, o domínio dos requisitos implícitos da decisão judicial. Quando o juiz se desinteressa pela sorte das partes no processo, seja ele de que espécie for, enxergando nele apenas um número que alimenta o banco de dados disponível em seu computador e que precisa ser eliminado com a maior brevidade, invariavelmente a solução desse processo, essencialmente frívolo, matemático e de mera “subsunção positivista”, constituirá uma porta aberta para a injustiça social. Ao conduzir os processos para um julgamento tão rápido o quanto possível, o juiz corre o risco de abrir mão de perseguir a verdade real, satisfazendo-se com a verdade formal.

Consequência disso é a tendência de escudar-se o juiz em dois mitos: o da neutralidade e o da solução legal. O Juiz Federal José Savaris, um dos mais alentados pesquisadores do Direito Previdenciário, explica essa postura:

“O pensamento positivista defende a neutralidade do agente no processo de descobrimento da verdade. O juiz positivista (em termos filosóficos) tenderá a guiar-se pela neutralidade no exame dos fatos e, de forma isenta e objetiva, definirá a verdade do direito para o caso dos autos. A neutralidade no exame dos fatos é confundida muitas vezes com a inércia do juiz no que toca à instrução probatória. A objetividade no processo de definição da dogmática jurídica, forjada na serenidade do castelo imaginário do juiz positivista, é comparável à pureza de comportamento dos estudiosos das ciências naturais. Qualquer das duas verdades (de fato ou de direito) parece corresponder à única possível, à única verdade aceitável. Só que o juiz positivista, para demonstrar que de modo neutro e objetivo chegou ao resultado verdadeiro, buscando evidenciar a verdade descoberta, encobre suas dúvidas em páginas de retórica sob o manto da certeza que lhe autoriza dizer ‘isto posto’.

E aqui se percebe a desgraça do juiz positivista: no plano dos fatos ou do direito, exige certeza, tal como nas ciências da natureza; mas se mantém em uma postura conservadoramente passiva, satisfazendo-se com o método também próprio das ciências naturais, admitindo como solução a verdade de fato que o processo formalmente lhe oferece e a verdade de direito que já é professada. Nada há de ser acrescentado, tão perfeito o método. Nada há de ser modificado no objeto, pois ele é um dado perfeitamente ordenado, tal como as leis naturais.

Esse é o juiz positivista previdenciário: um sujeito que condiciona o direito a um resultado impraticável (juízo de certeza nas ciências humanas), a uma prova insofismável; avesso a emoções, repudia a dúvida e toda incerteza, as analogias, as presunções e tudo quanto seus olhos e sua realidade social não dominem. O princípio in dubio pro misero é fruto de uma tradição tão arcaica que sobre ela não se debruçou na academia e tampouco considerou em sua caminhada à magistratura. O grau de certeza que exige uma condenação criminal é a medida de certeza a que condicionará a concessão da sobrevivência. Insuficiente fosse a desgraça, esconde suas incertezas numa retórica que lhe distancia do humano que julga e lhe aproxima da imprudência.
Eis a desgraça do pobre: ao longo de sua vida, depender de ser explorado por todos os meios em sua capacidade de trabalho e, quando lhe falta a força produtiva, errar no caminho minado positivista rumo ao direito de proteção social.”(28)

Parece claro que a atividade judicial, para que possa estar consentânea com as aspirações sociais, precisa sempre buscar o justo, perdendo em legitimidade quando se satisfaz com a solução legal nem sempre justa. E a busca do justo demanda, quase que invariavelmente, a igualização substancial das partes. Equilibrar os ônus probatórios no processo previdenciário é um caminho quase sempre a ser transposto e sem o qual não se chega a uma decisão justa. Mas, infelizmente, constata-se na matéria uma flagrante subutilização dos poderes instrutórios inerentes à função jurisdicional.

A iniciativa probatória oficial coloca-se como um imperativo para a igualização das partes no processo previdenciário. Esclarecer os fatos para encontrar a justa solução é dever do juiz, que precisa equilibrar as forças das partes no processo, especialmente diante do profissionalismo do INSS, que é hoje, longe, o maior litigante da Justiça Federal (parte passiva em 40% dos processos). O professor José Roberto dos Santos Bedaque enfrenta essa questão:

“Considerando que a parte ‘mais fraca’ não tem as mesmas possibilidade que a ‘mais forte’ de trazer, para os autos, as provas necessárias à demonstração de seu direito, a ausência de iniciativa probatória pelo juiz corresponde a alguém assistir passivamente a um duelo entre o lobo e o cordeiro. Evidentemente, não estará atendido o princípio da igualdade substantiva que, segundo a moderna ciência processual, deve prevalecer sobre a igualdade formal. E, em razão dessa passividade do julgador, provavelmente se chegará a um resultado diverso daquele pretendido pelo direito material. Ou seja, o objetivo do processo não será alcançado.”(29)

No que toca ao Direito Previdenciário, a postura do juiz é de suma importância. Um juiz apenas dogmático, preso às amarras de uma obrigação única de “julgar conforme a lei”, sem a percepção de que, apesar disso, nada o impede de optar por uma interpretação mais sociológica e mais justa e por uma tomada de posição mais crítica, pode significar uma barreira intransponível para os jurisdicionados e para os compromissos estatais de efetivação de direitos fundamentais.
Como bem observa Dalmo de Abreu Dallari,

“Por influência do positivismo jurídico passou-se a considerar que só é ‘direito’ o que está contido na lei. E esta, no mundo atual, é feita segundo o jogo das forças políticas, sem qualquer consideração pela realidade social ou por aquilo que na linguagem de Montesquieu e dos teóricos do direito natural seria ‘a natureza das coisas’. De qualquer modo, o direito seria sempre político, mas, a  partir da concepção do Poder Legislativo como um órgão ou conjunto de órgãos em que são produzidas as leis, essa politicidade passou a caminhar muito próxima da natureza político-partidária. Desse modo, foi estabelecida uma ambiguidade, pois a lei pode ser a expressão do direito autêntico, nascido das relações sociais básicas e expressando os valores de um grupo social, mas, geralmente, passou a expressar apenas a vontade do grupo que predomina em determinado momento da vida de um povo, sendo muitas vezes um instrumento de interesses individuais  ou  grupais contrários ao de todo o povo.”(30)

5.2 O juiz previdenciário na aplicação do direito: o movimento pela superação do consequencialismo econômico utilitarista

Esse segundo aspecto traduz uma análise crítica da jurisprudência previdenciária, isto é, da atuação do juiz enquanto aplicador do direito previdenciário. Aqui é indubitável a percepção de que algumas das principais decisões em matéria previdenciária negaram a proteção social porque os julgadores, em meio a uma séria e ameaçadora atmosfera de um suposto colapso na Previdência, orientaram suas decisões a partir dos efeitos que elas poderiam gerar nos orçamentos públicos.

É possível identificar em algumas decisões do Poder Judiciário uma certa ética utilitarista, assim compreendida, uma parte da ética que aprova determinada ação de acordo com suas consequências. Para o consequencialismo, não importa a ação em si. A justiça da decisão de agir é medida pelas consequências. No plano social, esse utilitarismo é regido pela máxima segundo a qual se deve buscar a maior felicidade para o maior número (Bentham). A ação social justa é aquela que trará como consequência a maximização da média de satisfação (ou felicidade, ou utilidade) quanto aos seus resultados. É ponto comum que Rawls comprovou a desvalia da prevalência do utilitarismo, ao sustentar que o utilitarismo não leva a sério os direitos fundamentais dos indivíduos. Dworkin chegou a escrever o “levando os direitos a sério”. A crítica principal era a de que, na ótica do utilitarismo, determinada política pública seria moralmente aceita, ainda que violasse direitos fundamentais individuais, se a sociedade, como um todo, obtivesse, em média, um estado de coisas mais vantajoso. O que importa é a satisfação da maioria, em suma.   
 
Pois bem. As reformas previdenciárias operadas nesses dez últimos anos têm, em minha maneira de ver, um forte cunho utilitarista. Não levaram em conta a segurança jurídica, reduziram o nível de proteção social dos indivíduos, apertaram os requisitos para a concessão de benefícios etc. O que se buscava era a proteção do maior número, isto é, partindo de uma premissa falaciosa de que a previdência social entraria em colapso, reduziu-se o nível de benefícios de seus titulares, em nome de toda a sociedade, isto é, em nome da preservação de um seguro coletivo que é de interesse (útil) a todos desta geração e das próximas. A máxima satisfação para o maior número de pessoas.

Não consigo ver na efetivação de direitos fundamentais colisão entre interesses individuais e coletivos (da maioria, segundo o raciocínio utilitarista), à míngua de um elemento de concretude. O interesse coletivo contido na contingência de recursos públicos (leia-se: economia de dinheiro público ou verbas orçamentárias) e todo o mais que inspira o raciocínio utilitarista da reserva do possível constituem presunção abstrata e perspectiva, e não elemento concreto, dado real, e muitas vezes é mesmo argumento definido por uma conspiração falaciosa, a exemplo do mito da quebra da Previdência, quando é cediço que o orçamento da seguridade social é superavitário, estando o desequilíbrio insistentemente alardeado no orçamento fiscal, que consome parte substancial daquele.(31)

Conclusões

O que proponho?

1. Que a atuação judicial, ao tutelar os direitos da seguridade social, observe a variável socioeconômica do país, caracterizada pelo aumento das situações de riscos e incertezas decorrentes da pobreza, da precariedade e da informalidade nas relações de trabalho, enquanto consequências do neoliberalismo econômico, bem assim a inoportunidade dos movimentos de retirada do Estado do setor social (desmonte do welfare state).

2. Que os princípios humanitários constitucionais consagradores dos valores éticos e sociais relevantes para a sociedade se sobreponham às regras limitadoras e constituam filtro hermenêutico inafastável quando se discute sobre os alcances subjetivo e objetivo dos direitos fundamentais sociais.

3.  A igualdade de fato como fim a ser perseguido, de modo que o princípio igualitário seja tomado enquanto necessidade de igualização dos necessitados, e que essa premissa se reflita como pressuposto para a incidência da “regra de justiça”, possibilitando que as distorções possam ser corrigidas ou atenuadas por meio da atuação jurisdicional.

4. A superação do formalismo positivista, algo que se diz faz mais de 50 anos, mas que, na prática, ainda vigora, produto de uma formação baseada na tradição legalista que tivemos, ensinados a decorar textos de lei.

5. Que, no trabalho de flexibilização dos requisitos legais e no juízo de equidade, o juiz deve levar em conta as consequências que, uma vez alcançadas, reforçam os fundamentos axiológico-normativos do sistema constitucional da seguridade social, em suma: as consequências humanas para o indivíduo do problema concreto, não as consequências econômicas, de suposta utilidade para uma maioria.

Se me perguntarem a que corrente do pensamento filosófico me filio, diria que ao pragmatismo jurídico, que é baseado no realismo jurídico americano, também conhecido como “jurisprudência sociológica”, cuja principal característica é o contextualismo, o que implica dizer que toda e qualquer proposição seja julgada de acordo com as necessidades humanas e sociais, e sobretudo, como diria o saudoso professor Luis Alberto Warat, com uma boa pitada de amor.

Notas

1. Vide, sobre o tema, o excelente artigo de Vladimir Passos de Freitas, sob título Responsabilidade Social do Juiz e do Poder Judiciário (in Revista CEJ – Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, n. 51, out./dez. 2010, p. 6-13), em que deixa assentado que “Juízes e Judiciário, como Poder de Estado, não podem ser insensíveis aos problemas sociais vividos por grande parte da população brasileira. No uso de suas atribuições constitucionais e legais, muito podem fazer para minimizar a situação grave que se atravessa. Assim, no exercício da jurisdição ou nas atividades administrativas, cumpre dar soluções que se vinculem sempre a uma ação social ativa e solidária”.

2. É lapidar a lição do professor Luís Roberto Barroso: “O discurso acerca do Estado atravessou, ao longo do século XX, três fases distintas: a pré-modernidade (ou Estado liberal), a modernidade (ou Estado social) e a pós-modernidade (ou Estado neoliberal). A constatação inevitável, desconcertante, é que o Brasil chega à pós-modernidade sem ter conseguido ser liberal nem moderno. Herdeiros de uma tradição autoritária e populista, elitizada e excludente, seletiva entre amigos e inimigos – e não entre certo e errado, justo ou injusto –, mansa com os ricos e dura com os pobres, chegamos ao terceiro milênio atrasados e com pressa” (BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3208>. Acesso em: 20 abr. 2011).

3. Considera-se elevado o índice de informalidade, apesar de o percentual de mulheres no mercado de trabalho formal (que têm carteira assinada, incluindo domésticas, militares e funcionárias públicas estatutárias, são empregadoras ou trabalhadoras por conta própria que contribuíam para a previdência social) ter subido de 41,5%, em 1999, para 48,8% em 2009. Entre os homens, houve um incremento de 45,9% para 53,2% (Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – Indicadores sociais 2010 <http://www.ibge.gov.br/home/presidencia/
noticias/noticia_visualiza.php?id_noticia=1717&id_pagina=1>. Acesso em 22 jun. 2011).

4. Quando pela primeira vez, há mais de 30 anos, li um estudo sobre o assunto, lá estava estampado que a Previdência Social iria quebrar. É um discurso ameaçador que constrange e inibe o aplicador do direito, mas que não tem qualquer fundamento. Ao contrário, a Previdência Social, longe de ser deficitária, subsidia outros gastos públicos.

5. BARR, Nicholas. The Welfare State as Piggy Bank: Information, Risk, Uncertainty, at the Role of the State. Oxford/New York: Oxford University Press, 2003. p. 272.

6. Prefiro reconhecer que são os efeitos da chamada “globalização negativa”, assim descritos por Beck: “La globalización, entendida en términos económicos, no sólo significa intercambio comercial y apertura de los mercados. Ocasiona también una competencia más fuerte, un ritmo más acelerado, una maior presión innovadora; y, como consecuencia del imperativo de adaptación global, un mayor desmantelamiento de los derechos sociales y garantias de protección” (BECK, Ulrich; BECK-GERNSHEIM, Elisabeth. Generación Global [parte do livro Generation Global, publicado originalmente em alemão, em 2007, por Suhrkamp]. Tradução de Richard Gross. Barcelona: Paidós, 2008. p. 59).

7. Fonte: IBGE. Síntese de indicadores sociais: uma análise das condições de vida da população brasileira 2010. Dados disponíveis em: <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/condicaodevida/
indicadoresminimos/
sinteseindicsociais2010/SIS_2010.pdf>. Acesso em: 22 jun. 2011.

8. Uma sociedade com total igualdade teria um coeficiente de 0, enquanto 1 representaria a desigualdade absoluta. Para ilustração, o Relatório de Desenvolvimento Humano 2009, das Nações Unidas, traz como indicadores mais recentes: 0,743 para a Namíbia e 0,247 para a Dinamarca.

9. CASTEL, Robert. As metamorfoses da questão social: uma crônica do salário. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998. p. 23.

10. “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (LICC, art. 5º).

11. BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos e filosóficos do novo Direito Constitucional brasileiro. Jus Navigandi, Teresina, a. 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/3208>. Acesso em: 20 abr. 2011.

12. CUNHA, José Ricardo. A garantia dos direitos humanos na reconstrução do Estado de Direito: a luta contra a exclusão. In CUNHA, José Ricardo (org.). Direitos Humanos e Poder Judiciário no Brasil. Rio de Janeiro: Escola de Direito do Rio de Janeiro da Fundação Getúlio Vargas, Centro de Justiça e Sociedade, 2009. p. 23.

13. Como bem refere Edgard de Moura Bittencourt, “o magistrado, doublé de sociólogo, deve antecipar-se sobre a reforma legislativa, que segue com passo coxo os progressos das ciências humanas, e fazer exaltar de sua sentença esta grande verdade: a uma desigualdade social deve corresponder uma desigual apreciação” (BITTENCOURT, Edgard de Moura. O juiz. São Paulo: EUD, 1982. p. 104).

14. PORTANOVA, Rui. Os Princípios Constitucionais do Processo Civil. Revista da ESMESC, n. 06, p. 63.

15. SOUZA, Artur César de. A Parcialidade Positiva do Juiz. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 214.

16. Cf. posição defendida, entre inúmeros outros constitucionalistas, por Gomes Canotilho, Ingo W. Sarlet, Paulo Bonavides, Gilmar Mendes, Daniel Sarmento, Dimitri Dimoulis e Jairo Schäfer.

17. A seguridade social compreende, consoante dispõe o art. 194 da CR, um conjunto integrado de ações de iniciativas do poder público e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.

18. No Estado Constitucional de Direito não é a vontade do legislador que deve prevalecer para conter o arbítrio do governante, mas sim a vontade da Constituição que deve se sobrepor tanto ao legislador como ao governante.

19. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Traduzido por Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24.

20. FACHIN, Luiz Edson. A Constituição nossa de cada dia. Jornal Carta Forense. Abr. 2011, p. 16.

21. Idem, ibidem.

22. Assistência Social como Direito Fundamental: uma análise da evolução da concretização judicial do benefício assistencial. Revista da Ajufergs, n. 01, mar. 2003, Porto Alegre. p. 111.

23. Comentando a decisão do STF, Daniel Machado da Rocha assim se manifesta: “Sem medo de errar, podemos afirmar que a decisão em foco é mais um exemplo dos nocivos efeitos provocados por uma dogmática jurídica anacrônica que, por deixar de reconhecer as diferentes posições jurídicas negativas e positivas que podem resultar das normas de direitos fundamentais, sejam eles de primeira, segunda ou terceira dimensão, é incapaz de dialogar adequadamente com o sistema jurídico e com a realidade social por ele regulada” (Op. cit., p. 128).

24. ALVIM, Arruda. Tratado de Direito Processual Civil. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1990. p. 33.

25. Nesse sentido, MARINONI, Luiz Guilherme. A Legitimidade da atuação do juiz a partir do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Revista da Escola Nacional da Magistratura (AMB), a. 1, n. 1, abr. 2006.

26. Compuseram a comissão os juízes federais Vivian Josete Pantaleão, João Lazzari, José Savaris e Eduardo Picarelli.

27. Os princípios constitucionais humanistas manifestam a prevalência da pessoa e sua dignidade como centro de interpretação das normas constitucionais. Um sentido, portanto, antropocêntrico.

28. SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2009. p. 40-41.

29. BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do Juiz. 4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p. 104.

30. DALLARI, Dalmo de Abreu. O poder dos Juízes. 3. ed. revista. São Paulo: Saraiva, 1992. p. 59.

31. Conforme Nota Técnica do Sindfisco Nacional, Financiamento da Seguridade Social: do déficit da Previdência ao superávit da Seguridade (Brasília-DF, Setembro de 2010, p. 16), “uma vez desfeita a lógica financeira e reestabelecido o equilíbrio da Seguridade Social, algumas políticas públicas, ainda não colocadas em prática no Brasil, contribuiriam para maior sustentabilidade do Sistema de Seguridade Social”.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2011. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS