Parecer: Comoriência. Art. 11 do Código Civil de 1916. Direito de sucessão.(1) |
||
Autor: Carlos Thompson Flores Ministro aposentado e ex-Presidente do STF publicado em 28.02.2012 |
||
"No dia 5 de março deste ano, em desastre de automóvel, faleceu, no mesmo momento (comorientes), o casal A.S.S. e U.T.S. I Os fatos 1. Os fatos são certos, tais como foram expostos na consulta. Verbalmente, acrescentou o consulente que os óbitos ocorreram na cidade de Belo Horizonte, Minas Gerais, e aí foram registrados no respectivo Cartório do Registro Civil, deles constando que se verificaram às 13 horas do citado dia. Esclareceu, ainda, o consulente que nenhum dos falecidos deixou testamento. E mais, que o inventário foi aberto em Porto Alegre, onde o casal residia e tinha domicílio, por iniciativa de B.S.T., que foi investida na inventariança, nele também tendo-se habilitado como herdeiros os citados parentes do falecido. II O direito aplicável 1. Parte da questão se tornou de mais fácil solução ante a certeza, ao menos a esta altura dos acontecimentos, em face dos registros dos óbitos, consignando não só a mesma ocasião, mas, precisamente, a simultaneidade das mortes. 2. Em casos de acidente, a discussão maior se orienta, na generalidade dos casos, para a investigação tendente a apurar qual dos comorientes precedeu ao outro, ou aos outros. E isso para o efeito da transmissão da herança, nos termos do art. 1.572 do Código Civil. Expressivo é o julgado do primitivo Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de 08.11.1957, proferido na Ap. Civ. nº 44.256, in Revista Forense, v. 194, p. 204-10. Igualmente elucidativa é a lição de Eduardo Espínola Filho, arrimado em numerosos autores, in Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, v. 10, p. 27-35. 3. In casu, a presunção a que se refere o art. 11 do Código Civil perdeu o interesse em face dos registros dos óbitos, os quais prevalecem, na sua integralidade, até que, porventura, venham a ser retificados pelos meios legais, o que, neste momento, não está em cogitação. 4. Assim sendo, como realmente é, que ocorreu comoriência dos cônjuges, dissolvida ficou a sociedade conjugal, nos termos do art. 29, I, da Lei nº 6.515, de 26.12.77, que deu nova redação ao art. 315 do Código Civil, mas manteve a mesma redação do seu inc. I, verbis: “Art. 315 – A sociedade conjugal termina: E, casados que eram pelo regime legal da comunhão de bens, a morte simultânea de ambos importou, também, na cessação da até então existente comunhão universal, tal como é expresso o citado Código, arts. 267, I, e 262. 5. E, como nenhum dos cônjuges falecidos transmitiu ao outro a meação que lhe poderia caber, caso não ocorresse a comoriência deles, como sucedeu, impende perquirir como se há de proceder à sucessão. Essa é, em realidade, a consulta formulada. 6. Se o acervo fosse incindível, como faz presumir o consulente, prevaleceria, por certo, a força da hierarquia sucessória (ordem de vocação hereditária), prevista no art. 1.603 e seus incisos do Diploma citado. E, na hipótese em exame, todo o acervo caberia, segundo o inciso II daquele preceito, à B.S.T., na qualidade de mãe da cônjuge desaparecida. 7. Acontece, como se afirmou anteriormente, que o acervo hereditário consequente à comunhão universal dos bens dos cônjuges cindiu-se pela morte de ambos (art. 267, I). E, assim ocorrendo, desde aquele momento (morte), o domínio e a posse se transmitiram, ope legis, aos herdeiros de cada um, tal como é expresso o art. 1.572 do invocado Código. Ou, mais concretamente, o patrimônio do extinto casal há de ser dividido em duas partes iguais. E cada uma delas tocará, respectivamente, aos herdeiros de cada um dos falecidos. 8. Essa é a solução que decorre do nosso Estatuto Civil, amparada pelos nossos melhores doutrinadores que examinaram o assunto. “(...) No mesmo sentido é o ensinamento do Prof. Washington de Barros Monteiro, com estas palavras: "(...) De resto, o princípio já vinha expresso no vetusto Código da Suécia, art. 19 do Cap. IV do título das Sucessões, transcrito por Espínola em seu trabalho antes citado, p. 28, 1ª coluna. Depois de admitir a comoriência, finaliza, textualmente, em tradução do citado autor: "(...) a herança de cada uma (refere-se aos comorientes) passa a seus herdeiros mais próximos". 9. Da pesquisa por mim procedida, dois julgados, apenas, encontrei focando o assunto: um do Tribunal de Justiça de São Paulo e o outro do Tribunal de Justiça do extinto Estado da Guanabara, seguindo a orientação antes propugnada, sem maior fundamentação, salvo o último, invocando a lição de Agostinho Alvim. Estão eles publicados na Revista dos Tribunais, vs. 100 e 452, respectivamente, p. 550 e 213. O primeiro dos julgados também é encontrado, na íntegra, no Repertório de Jurisprudência do Código Civil. Lei de Introdução e Parte Geral, de Castro Garms, Tomo I, 1952, p. 99, n. 239. Conclusão Ante o que acaba de ser exposto, resta, simplesmente, responder, objetiva e concretamente, à única questão proposta. A resposta é: não. A ascendente viva, B.S.T., mãe da cônjuge falecida, não afasta, para efeito sucessório, os colaterais do marido, falecido simultaneamente com ela. A herança deixada, com a concomitância da morte dos cônjuges, dividida em partes iguais, caberá aos herdeiros de cada um deles. Porto Alegre, 27 de maio de 1988. 1. Parecer lavrado em 27.05.1988.
|
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
||
|