Parecer: Condomínio. Direito de preferência. Cessão de direitos hereditários.(1) |
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Autor: Carlos Thompson Flores Ministro aposentado e ex-Presidente do STF publicado em 28.02.2012 |
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Os fatos 1. No município de Itaqui, alguns irmãos detinham a copropriedade em terras e benfeitorias. Havia, pois, um condomínio. Consultaa) O direito de preferência é exercitável no caso de cessão de direitos hereditários? I Discussão da matéria objeto da consulta 1. A matéria que fez o nobre consulente entrar em dúvidas encontra-se, predominantemente, consubstanciada no art. 1.139 do Código Civil, ao qual se deve relacionar os arts. 623, III, e 53 e seus incisos, ambos do mesmo Código. Dizem eles: "Art. 1.139 – Não pode um condômino em coisa indivisível vender a sua parte a estranhos, se outro consorte a quiser, tanto por tanto. O condômino a quem não se der conhecimento da venda poderá, depositando o preço, haver para si a parte vendida a estranho, se o requerer no prazo de seis meses. "Art. 53 – São indivisíveis: 2. Ao que se deduz dos dispositivos transcritos, em princípio, assegurado ficou ao condômino o direito de alienar a respectiva parte indivisa. É o que estatui o inciso III do art. 623. Todavia, com a referência que faz ao primeiro dos artigos mencionados, limita o direito do condômino às exigências impostas pelo preceito referido. 3. Dito preceito garante aos demais condôminos o direito de preferência ao estranho na venda em questão. Mister, porém, que sejam atendidas as exigências seguintes: a) que exerça judicialmente o seu pedido de preferência; É a lição indiscrepante dos comentadores aceita nos Tribunais, inclusive no Pretório Excelso, desde o julgamento proferido no vetusto R.E. nº 10.562/SP (in Revista dos Tribunais, v. 176, p. 403, e Revista do STF, v. VI, p. 47). E, convém esclarecer, o prazo para o ajuizamento do pedido de preferência é de decadência, preclusivo e, como tal, não autoriza interrupção; decai, extingue o direito, desde que decorrido (Voto do Min. Orozimbo Nonato, in Revista Forense, v. 110, p. 82). E merece ser contado dito prazo a partir do momento no qual o condômino, inconformado com a transmissão, tenha inequívoca ciência do respectivo ato. Assim, não flui ele nem da era da escritura, nem da sua transcrição, mas somente do momento de sua ciência, e de maneira que não deixe dúvidas de sua ocorrência. É a jurisprudência do STF (RTJ 7/340, 57/549, 59/591), de resto, acolhendo a melhor doutrina (Maximiliano, arrimado a Dias Ferreira, in Condomínio, 1961, p. 197). 4. Na vigência do Código de Processo Civil de 1939, estatuía o seu art. 410 procedimento especial a ser usado pelo condômino que quisesse proceder à venda de seu quinhão na coisa indivisível. No estatuto processual vigente já não existe tal modalidade específica de proceder. De qualquer forma, o que interessa aqui é esclarecer que o pedido de preferência seja ajuizado no semestre, contado como antes aclarado. 5. Requisito outro e essencial é que o bem usado em condomínio seja indivisível, nos termos previstos nos incisos do art. 53. 5.1. Versasse a coisa objeto da consulta sobre um simples trato de terras, um campo, divisível seria ela; e a venda não encontraria óbice, a menos que a sua área fosse inferior ao do módulo rural, nos termos do Estatuto da Terra, art. 65 (Lei 4.504, de 30.11.64). 5.2. Entretanto, a questão se complica porque, segundo expõe o consulente, existem sobre as terras benfeitorias. Afirma ele, outrossim, que ditas benfeitorias são indivisíveis. Não as descreve, admitindo, todavia, que se trata de construções. A rigor, se são construções, não são benfeitorias. Estas são relacionadas no art. 516; aquelas, no art. 545 e seguintes, todos do Código Civil, classificadas as primeiras no art. 63 e seus parágrafos, do mesmo Código. 5.3. Mas, sejam as obras encontradas nas terras verdadeiras construções e impropriamente denominadas benfeitorias, confusão que já vinha do Direito Português, como informa Cunha Gonçalves, citado no julgado do Tribunal de São Paulo (in Revista dos Tribunais, v. 125, p. 573), o que realmente interessa, agora, é a afirmação de que são elas, as obras, indivisíveis. 5.4. Quando o Código trata da indivisibilidade da coisa em seu art. 53 e incisos, conceituou, desde logo, o seu sentido. A espécie acolhe-se no primeiro dos incisos, o qual, para uma melhor compreensão, merece ter presente o art. 52. Não se trata, aqui, de divisão material, sempre viável, mas de divisão econômica e jurídica, mais precisamente indicada no art. 632, segunda hipótese, verbis: "quando (referindo-se à coisa) pela divisão se tornar imprópria ao seu destino". Essa é a orientação firmada na lição dos doutrinadores e aceita pelos Tribunais, inclusive pela Corte Suprema (in Arquivo Judiciário. v. 180. p. 350). A respeito, anota Biondo Biondi, verbis: “La nozione giuridica di indivisibilità si trova enunciata nell’art. 1112, che stabilisce che lo scioglimento della comunione non può essere chiesto ‘quando si tratta di cose che, se divise, cesserebbero di servire all’uso a cui sono destinate’. Qui si mette in evidenza il concetto di funzione, confermato dall’art. 1117, che determina quali cose devono restare in comunione.” (in I Beni. 2. ed. UTET, 1956. p. 58) 6. No caso, não esclareceu o consulente nem a destinação da área utilizada em condomínio, nem em que consistiam as benfeitorias. Assim, admitindo que se trate de campos de criação de gado, pecuária, é possível que as obras sejam banheiro de carrapaticida para o gado, ou mangueiras, bretes, depósitos, bebedouro, etc. A divisão que se viesse a fazer tornaria a coisa “imprópria a seu destino” e, como tal, juridicamente indivisível. Mas pode acontecer que as terras sejam usadas pelos condôminos para plantação, agricultura; e que as obras, supostamente, decorram de açudes, destinados à irrigação, beneficiando todos os condôminos. Em tais condições, a divisão, como na hipótese anterior, tornaria o bem “impróprio ao seu destino” e, assim, jurídica e economicamente indivisível. 7. O que, pois, se há de impor é a realização de perícia técnica no imóvel em comentário. Serão os louvados, pelas inspeções que fizerem no local, que irão dar ao julgador os elementos necessários para decidir, afinal, pela divisibilidade ou não da coisa litigiosa. 8. Resta, por fim, o exame da última das questões propostas. Reside ela no fato de todos os herdeiros do condômino falecido terem cedido a estranho a totalidade dos direitos herdados. 8.1. Presumo que a dúvida tenha decorrido de imprópria compreensão do art. 1.580 do Código Civil. Diz ele: "Art. 1.580 – Sendo chamadas simultaneamente, a uma herança, duas ou mais pessoas, será indivisível o seu direito, quanto à posse e ao domínio, até se ultimar a partilha. O dispositivo, para o seu devido entendimento, deve ser examinado ante o que dispõem os artigos 53, II, e 57, ambos do citado Código. O preceito transcrito significa que a herança é uma universalidade. E, como tal, um todo indivisível, segundo o citado art. 57, combinado com o art. 53, II. A indivisibilidade da qual se cogita, porém, é a dos direitos dos herdeiros, não a da coisa herdada, a qual pode ou não ser dividida. O certo é que, antes da partilha, nenhum deles tem a posse ou o domínio de parte certa e determinada nos bens herdados, senão o direito à parte ideal, neles correspondentes (Carvalho Santos, in Código Civil Interpretado, v. XXII, p. 78). Nesse sentido, ainda, o pensar dos seguintes autores: M. Planiol, in Traité Élémentaire de Droit Civil. Paris: L.G.D.J., 1918. Tomo 3º. p. 537; R. Savatier, in Cours de Droit Civil. Paris: L.G.D.J., 1951, Tomo 3º. p. 337 e segs; A. Colin e H. Capitant, in Cours de Droit Civil. Paris: Dalloz, 1950. Tomo 3º. p. 525, nº 1.023. 8.2. Daí resulta que ditos herdeiros podem alienar a sua parte ideal da herança recebida, como dispõe o já comentado art. 623, III, mas sujeita à restrição imposta pelo art. 1.139, ambos do Código Civil, e já examinados anteriormente. No caso, como a herança recebida pelos cedentes provém do imóvel usado em condomínio, igual direito é que passariam a ter os cessionários. Inobstante, tal direito é de ineficácia relativa. Poderá decair, caso seja julgada procedente a ação de preferência, ajuizada que seja por qualquer condômino originário. II Conclusões Considerando que, com o estudo a que se procedeu a respeito da matéria, resultaram, a meu ver, elucidadas as dúvidas ocorridas, resta apenas responder, clara e objetivamente, às questões propostas. É o que passo a fazer. Quanto à 1ª: sim. O direito de preferência é exercitável por qualquer condômino, mesmo no caso de cessão de direitos hereditários a estranho. Quanto à 2ª: sim. Os irmãos do falecido condômino podem exercer o direito de preferência em consequência da cessão dos direitos hereditários do condômino/irmão falecido, satisfeitas que sejam as exigências estatuídas no art. 1.139 do Código Civil. É o parecer. Nota |
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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