O combate ŕ improbidade administrativa como forma de fomentar o crescimento sustentável da economia brasileira |
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Autor: Emanuel Alberto Sperandio Garcia Gimenes
Juiz Federal Substituto publicado em 03.05.2012
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Introdução Compulsando dados de PIB per capita real, referentes a 2009, fornecidos pelo Ipeadata, complementados por dados do Banco Central do Brasil, do Ministério da Fazenda, do IBGE, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, fica evidente que o Brasil tem um padrão de crescimento muito volátil e errático, o qual contribui para explicar a evolução da renda e de indicadores socioeconômicos. Os dados apresentados na palestra revelam que o crescimento econômico brasileiro é baixo e muito irregular, sendo que a trajetória do crescimento caracteriza-se pela elevada volatilidade e pelo baixo crescimento médio. Nas décadas de 1960, 1970, 1980, 1990 e 2000, a alta taxa de crescimento verificada em uma década era sucedida por um pequeno crescimento na seguinte, constatando-se inclusive um elevado desvio padrão entre os números. Ainda que comparada à de outros países em desenvolvimento, como China, Índia e outros países da América Latina e do Caribe, a volatilidade percebida no Brasil permanece alta. A trajetória do crescimento brasileiro também é caracterizada por três longas fases. Uma fase de rápida expansão durante os anos 60 a meados dos 70, sucedida pela fase de contração nos anos 80 e 90, seguida por uma fase de recuperação iniciada nos anos 2000. Essa trajetória irregular acarretou um crescimento de apenas 2,5 vezes do PIB per capita real nas últimas cinco décadas. Nas décadas de 1980 e 1990, anos de crescimento foram seguidos por anos de recessão, o que ensejou que o progresso verificado fosse praticamente anulado, tanto que nesse período o crescimento médio foi de apenas 0,05%. Isso porque, enquanto nos 11 anos de crescimento positivo a economia expandiu em média 3,18%, nos anos de crescimento negativo a economia contraiu-se em média 2,95%. Enquanto em alguns anos a economia cresceu mais de 5%, em outros ela se contraiu mais de 5%. Durante episódios de aceleração, a economia cresce muito acima da tendência, mas, durante episódios de colapso, a economia experimenta substancial contração. A consequência disso é que muitos dos ganhos conquistados durante episódios de aceleração são perdidos durante episódios de colapso. Por exemplo, quedas da desigualdade e da pobreza observadas durante acelerações são praticamente anuladas durante os colapsos. Outra conclusão que se extrai dessa verificação é que os pobres estão mais expostos aos efeitos adversos da volatilidade. Observam-se aumento dos investimentos e das trocas comerciais e melhoria dos termos de troca durante episódios de aceleração e rápida expansão da indústria e dos serviços. Porém, embora os investimentos cresçam rapidamente durante episódios de aceleração, contraem-se muito durante episódios de colapso. Da mesma forma, a participação da indústria no PIB cresce velozmente durante episódios de crescimento, mas contrai-se durante os colapsos. Comparando os dados dos períodos de 1965-1974 e 2004-2010, dois episódios de crescimento acelerado, observa-se que guardam algumas similaridades, mas muitas diferenças, o que sugere que o crescimento atual está assentado em bases mais sólidas. Felizmente, verifica-se mudança do patamar e do padrão do crescimento do PIB desde 2004, visto que desde então se constatou uma volatilidade muito inferior, especialmente quando comparamos esse período ao interstício de 1980-2003. Considerando que o diagnóstico do crescimento sugere que a baixa taxa de crescimento médio não resulta da incapacidade de crescer a taxas elevadas, mas da incapacidade de crescer de forma sustentável, o professor Jorge Arbache apresentou em sua palestra uma proposta de agenda para o país crescer mais e com menos volatilidade, sugerindo atenção a seis áreas com elevado potencial para impactar o padrão de crescimento brasileiro: 1) produtividade; 2) capital humano; 3) financiamento de investimento; 4) governança; 5) mudanças demográficas; e 6) pobreza e desigualdade. Sob o prisma interno da administração pública, merecem destaque o “Capital Humano” e a “Governança”. Quanto à primeira, é preciso melhorar a gestão das firmas e do governo, sendo o capital humano um dos principais fatores para explicar a desigualdade de renda entre as pessoas e as regiões. Mas uma atenção especial deve ser dedicada à “Governança”, pois para melhorá-la devemos combater a corrupção, um grave problema no Brasil que impede um Estado mais eficiente e equitativo. É necessário aprimorar o monitoramento e a avaliação dos programas e projetos públicos, além de encorajar a maior transparência, a melhor governança da gestão dos recursos públicos e a maior participação da população nos orçamentos públicos. Mas, principalmente, combater a corrupção. Nesse particular, destaca-se o combate à improbidade, tanto na esfera administrativa como na judicial. Para que nosso país possa crescer de forma consistente e pouco volátil, é imperioso que seja realizado um forte combate a improbidade administrativa, responsável pelo desvio de recursos públicos, impedindo sua aplicação em infraestrutura, políticas públicas e projetos que ensejariam o crescimento econômico e social de nosso país. 2 Improbidade administrativa A partir do momento em que os agentes públicos deixam de agir sob a égide e a luz da moral, configura-se no plano material a improbidade administrativa, o ato ímprobo que traz prejuízos à ordem pública e social, a médio ou a longo prazo. Enquanto a atuação dos particulares funda-se no princípio da autonomia da vontade, a atuação do Poder Público é orientada por princípios como o da legalidade, o da supremacia do interesse público sobre o privado e o da indisponibilidade dos interesses públicos. O interesse público consiste no interesse dos indivíduos enquanto membros da sociedade, não se confundindo com os interesses peculiares de cada indivíduo. Por esse motivo, o interesse público é considerado indisponível. Dessa forma, nota-se que ao agente público não é permitido atuar da mesma maneira que é permitida ao particular, ou seja, de maneira pessoal, que não prevista em lei, defendendo interesses que não os públicos. Em decorrência da indisponibilidade do interesse público até então mencionada, advém o princípio da legalidade, segundo o qual o administrador, no exercício de sua função, deve limitar-se às exigências previstas em lei. Os limites da atuação administrativa serão estabelecidos por lei, de modo que o agente público poderá somente fazer o que ela lhe permitir. É de extrema importância a distinção entre probidade administrativa e moralidade administrativa. A Constituição Federal estabeleceu no artigo 37 a moralidade como princípio aplicável à Administração Pública. O referido artigo dispõe que "a Administração Pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (...)". Sendo assim, a relação entre o dever da Administração Pública de atuar e o fim almejado pela lei não pode dispensar a observância da lealdade e da boa-fé, conceitos formadores do princípio da moralidade. É notório que a moralidade administrativa difere das normas morais comuns. Aquela é composta por regras de boa administração, ou seja, pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas, não apenas pela distinção entre o bem e o mal, mas também pela ideia geral de administração e pela ideia de função administrativa. Isso porque os fins a serem cumpridos pela Administração Pública diferenciam-se dos fins buscados pelo ser humano no exercício de sua liberdade. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos. Isso porque a Administração Pública tem como fim o bem comum da coletividade e a defesa do interesse público. Qualquer ato que contrarie esse interesse público é considerado imoral, tornando-se inválido. Improbidade administrativa se trata da conduta de um agente público que contraria as normas morais, a lei e os costumes, indicando falta de honradez e atuação ilibada no que tange aos procedimentos esperados da administração pública, seja ela direta, seja indireta ou fundacional, não se limitando apenas ao Poder Executivo. O vocábulo improbidade é de origem latina – "improbitate" – e significa, dentre outras coisas, desonestidade, falsidade, desonradez, corrupção. Enfim, o vocábulo veio a ser adotado para adjetivar a conduta do administrador desonesto. Trata-se, portanto, de conduta humana positiva ou negativa, ilícita, que, também, poderá acarretar uma sanção civil, administrativa e penal, em virtude dos bens jurídicos atingidos pelo fato jurídico. Para estar configurada a improbidade administrativa basta que haja afronta aos princípios previstos no caput do artigo 37 da Constituição Federal, não sendo imperiosa a necessidade de que haja prejuízo financeiro ao erário. Os grandes exemplos de improbidade no Brasil são aplicação irregular de verba pública, desvio de verba pública, falta de prestação de contas, frustração de concurso de processo licitatório, superfaturamento de obra pública – esses são os mais comuns atos de improbidade administrativa praticados diariamente pelos administradores públicos brasileiros. E esses atos são classificados como atos de improbidade administrativa. 3 Controle dos atos de improbidade administrativa pela própria União No controle interno dos atos de improbidade na esfera federal, destaca-se a Controladoria-Geral da União (CGU), criada por meio da Medida Provisória n° 2.143-31, de 2 de abril de 2001, com a denominação inicial de Corregedoria-Geral da União, tendo, originalmente, como propósito declarado o de combater, no âmbito do Poder Executivo Federal, a fraude e a corrupção, além de promover a defesa do patrimônio público. A Medida Provisória n° 103, de 1° de janeiro de 2003, convertida na Lei n° 10.683, de 28 de maio de 2003, alterou a denominação para Controladoria-Geral da União, assim como atribuiu ao seu titular a denominação de Ministro de Estado do Controle e da Transparência. Mais recentemente, o Decreto n° 5.683, de 24 de janeiro de 2006, alterou a estrutura da CGU, conferindo maior organicidade e eficácia ao trabalho realizado pela instituição. Efetivou-se, dessa forma, o agrupamento das principais funções administrativas de controle, correição, prevenção e ouvidoria, consolidando-as em uma única estrutura funcional. Atualmente a Controladoria-Geral da União é o órgão do Governo Federal responsável por assistir direta e imediatamente o Presidente da República quanto aos assuntos que, no âmbito do Poder Executivo federal, sejam relativos à defesa do patrimônio público e ao incremento da transparência da gestão, por meio das atividades de controle interno, auditoria pública, correição, prevenção e combate à corrupção e ouvidoria. A CGU realiza trabalhos de auditoria em órgãos da administração direta e indireta do Governo Federal e ações de fiscalização da aplicação de recursos públicos federais por organizações não governamentais, estados, municípios, inclusive por meio do programa de fiscalização a partir de sorteios públicos. Além disso, atua como órgão central do Sistema de Correição e do Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo Federal, bem como na formulação de políticas de prevenção e combate à corrupção, de incremento da transparência dos gastos públicos e de estímulo ao controle social. É responsável pelo sítio "Portal da Transparência". A CGU também deve exercer, como órgão central, a supervisão técnica dos órgãos que compõem o Sistema de Controle Interno e o Sistema de Correição e das unidades de ouvidoria do Poder Executivo Federal, prestando a necessária orientação normativa, tendo suas competências definidas pela Lei n° 10.683, de 28 de maio de 2003. As principais competências, estipuladas entre os artigos 17 e 20 da referida lei, são: d) encaminhar à Advocacia-Geral da União os casos que configurem improbidade administrativa e todos quantos recomendem a indisponibilidade de bens, o ressarcimento ao erário e outras providências a cargo daquele órgão, bem como provocará, sempre que necessária, a atuação do Tribunal de Contas da União, da Secretaria da Receita Federal, dos órgãos do Sistema de Controle Interno do Poder Executivo Federal e, quando houver indícios de responsabilidade penal, do Departamento de Polícia Federal e do Ministério Público, inclusive quanto a representações ou denúncias que se afigurarem manifestamente caluniosas. 4 Lei n° 8.429, de 02 de junho de 1992 Muito antes da criação da Controladoria-Geral da União, o combate à improbidade administrativa foi incrementado com a edição da Lei nº 8.429, em 02 de junho de 1992, possibilitando a aplicação de diversas sanções pelo Poder Judiciário. A Lei nº 8.429/92 explicita situações consideradas violadoras da "probidade". Tipifica as figuras do enriquecimento ilícito, do prejuízo ao erário e da infringência aos princípios administrativos como condutas tidas por atentatórias à probidade. O sujeito ativo do ato de improbidade é o agente público, assim qualificado nos termos do artigo 2º da Lei 8.429/92, sendo que, ao seu lado, poderão figurar particulares colaboradores ou beneficiários dos atos de improbidade. De maneira genérica, conceitua-se agente público como pessoa física que toma decisões ou executa medidas relativas ao serviço público, no exercício de suas atribuições formais ou materiais. Conforme seu artigo 2º, a Lei de Improbidade amplia o conceito de agente público, englobando neste um número considerável de hipóteses. De acordo com o referido dispositivo legal, "reputa-se agente público, para os efeitos dessa lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior". Não obstante, o artigo 3º da Lei de Improbidade amplia o rol dos sujeitos ativos passíveis de responsabilização, compreendendo também, no que couber, aquele “que, mesmo não sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele se beneficie sob qualquer forma, direta ou indireta". O sujeito passivo ou vítima do agente ímprobo é a Administração Pública direta, indireta ou fundacional de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e as entidades particulares que tenham participação de dinheiro público em seu patrimônio ou receita, conforme prescreve o artigo 1º da Lei nº 8.429/92. A Lei de Improbidade Administrativa enumera, nos artigos 9º, 10 e 11, as hipóteses de responsabilização administrativa, antecedentes lógicos ao sancionamento posterior dos agentes públicos ou a eles equiparados para efeito da proteção à probidade. Esses dispositivos indicam, de forma exemplificativa, as condutas que importam em enriquecimento ilícito e prejuízo ao erário e atentem contra os princípios da administração pública. O artigo 9º envolve 12 diferentes hipóteses de atos de improbidade que importam enriquecimento ilícito. O enriquecimento ilícito administrativo sem justa causa caracteriza-se pelo acréscimo de bens ao patrimônio do agente público, em detrimento do erário, sem que para isso tenha havido motivo determinante justificável. Não é necessário, para tanto, enriquecimento de grande porte econômico, bastando apenas a ocorrência de acréscimos indevidos. São três os requisitos essenciais para a configuração do enriquecimento ilícito, quais sejam: a prática do ato por um agente público; a inexistência de fundamento que justifique a apropriação alheia; e a obtenção da vantagem por parte do agente público em virtude da sua condição profissional. O artigo 10 da Lei de Improbidade Administrativa fixa que "constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei". Por sua vez, tratando dos atos que atentam contra os princípios da administração pública, dispõe o artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, em seu caput, que "constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições". Sobre as sanções, a Constituição Federal dispõe em seu artigo 37, § 4º, que "os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos públicos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível". Regulamentando e complementando essa disposição constitucional, o artigo 12 da Lei nº 8.429/92 estabeleceu em seus incisos as penas devidas em razão da perpetração de atos de improbidade, sanções que se encontram escalonadas de acordo com a gravidade de cada uma das modalidades de ato ímprobo correspondente. ConclusãoDiante de todo o exposto, constata-se que, para que nosso país possa “crescer mais e com menos volatilidade”, dentre as medidas abordadas pelo professor Jorge Arbache em sua palestra, merece destaque a melhoria na “Governança”, especialmente no ponto referente ao implemento de medidas dedicadas ao combate à improbidade administrativa. Conforme exposto, a legislação pátria conta com importantes instrumentos para que a perpetração de atos de improbidade seja coibida. Quer na esfera administrativa federal, com a instituição da Controladoria-Geral da União, quer na judicial, com a aplicação da Lei n° 8.429/92, as instituições estão dotadas de meios, procedimentos e estrutura para combater atos de corrupção, evitando que os já parcos recursos sejam desviados de sua finalidade constitucional e pública. O combate aos atos de improbidade ensejará uma melhor aplicação de recursos no crescimento do país, com fomento da economia mediante a edificação de obras de infraestrutura, estímulo ao crédito, mais e melhores programas sociais que acarretem o aumento de renda da população de mais baixa renda, produzindo, assim, um crescimento econômico menos volátil e muito mais constante e sustentável. Isso contribuirá para a interrupção das fases de contração da economia, que normalmente se verificaram após fases de expansão, o que praticamente anulava o crescimento verificado no período anterior.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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