A eleição do conselho fiscal na sociedade anônima (comentário ao art. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76) |
||
Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz Desembargador Federal do TRF da 4ª Região publicado em 03.05.2012
|
||
Com efeito, tanto a Lei nº 6.404/76 como a lei anterior – arts. 161, § 4º, a, e 125 do Decreto-Lei nº 2.627/40 – consignam a regra assegurando aos acionistas titulares de ações preferenciais e aos dissidentes ou minoritários o direito de comparecer à assembleia geral e eleger, em votação em separado, cada grupo, um membro do conselho fiscal e o respectivo suplente. É este o teor do art. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76, verbis: “Art. 161. A companhia terá um conselho fiscal e o estatuto disporá sobre seu funcionamento, de modo permanente ou nos exercícios sociais em que for instalado a pedido de acionistas. Trata-se, pois, de um direito intangível do acionista que lhe permite fiscalizar, na forma da lei, a gestão dos negócios sociais. Dessa forma, sequer os estatutos da sociedade anônima, ou mesmo deliberação da assembleia geral, poderão privar qualquer acionista desse direito. Verificando-se tal ilegalidade, impõe-se a intervenção judicial, sempre discreta, sem comprometer a vida da sociedade anônima. Nesse sentido, o voto do Justice Brandeis, no célebre case Ashwander v. Tenessee Valley Authority, julgado pela Suprema Corte em fevereiro de 1936, verbis: “Within recognized limits, stockholders may invoke the judicial remedy to enjoin acts of the management which threaten their property interest. But they cannot secure the aid of a court to correct what appear to them to be mistakes of judgment on the part of the officers. Courts may not interfere with the management of the corporation, unless there is bad faith, disregard of the relative rights of its members, or other action seriously threatening their property rights.” (In Supreme Court Reporter. St. Paul, Minn.: West Publishing, 1936. v. 56. p. 481) Da mesma forma, a lição de Louis Fredericq, in Précis de Droit Commercial. Bruxelles: Émile Bruylant, 1970. p. 391-2, nº 357, verbis: “Si l’assemblée générale a délibéré en violation des formalités légales ou statutaires, la nullité de la décision peut être poursuivie en justice. Comme la loi n’édicte aucune sanction expresse, les juges appréciant librement ne prononceront la nullité que lorsque l’omission des formalités vicie essentiellement la décision prise, de manière telle qu’un nouveau scrutin pourrait altérer le résultat du premier. Na mesma esteira, o pronunciamento de Pierre Coppens, in L’Abus de Majorité dans les Sociétés Anonymes. Louvain: René Fonteyn, 1947. p. 10-1, nº II, verbis: “De bonne foi les actionnaires majoritaires peuvent voter des résolutions malencontreuses. Errare humanum est. Il ne serait pas admissible de recourir en justice contre ces délibérations. Mais s’il est établi que la majorité ne s’est prononcée que pour se réserver des avantages anormaux, la décision ne peut alors être considérée comme inattaquable. A l’usage, ces garanties ne se sont pas affirmées suffisantes. Les délibérations doivent aussi pouvoir se réclamer d’une régularité intrinsèque, c’est-à-dire ne pas comporter une exploitation de la minorité des associés.” Nesse sentido, ainda, Dominique Schmidt, in Les Droits de la Minorité dans la Société Anonyme. Paris: Sirey, 1970. p. 175, nº 232; Henry W. Ballantine, in Cases and Materials on the Law of Corporations. Chicago: Callaghan, 1939. p. 289-290; A. Berle, Corporate Power as Powers inTrust, in Harvard Law Review, v. XLIV, 1930-1, p. 1.049-1.074; Willian H. Fain, Limitations of the Statutory Power of Majority Stockholders to Dissolve a Corporation, in Harvard Law Review, v. XXV, 1911-2, p. 677-690. No que diz respeito ao procedimento a ser adotado pela sociedade anônima para proceder à eleição de membros do seu Conselho Fiscal, nos termos do disposto no art. 161, § 4º, “a”, da Lei nº 6.404/76, deliberou o Eg. Supremo Tribunal Federal ao julgar o RE nº 92.609-GO, sendo relator o Ministro Thompson Flores, verbis: “Sociedade Anônima. Ação visando à declaração de nulidade de assembleias que elegeram o Conselho Fiscal (25.04.77) e a nova diretoria (02.05.78) e aprovou o novo Estatuto Social (31.10.77). Medida cautelar deferida. Demandas acolhidas em ambas as instâncias. Nesse julgamento, após transcrever excertos de autorizada doutrina, o eminente Ministro Cunha Peixoto profere substancioso voto nestes termos, verbis: “8 – A lei anterior, como a atual, sobre sociedade anônima, atribuiu à minoria dissidente e aos acionistas preferenciais o direito à eleição de membro no conselho fiscal. Dizia o art. 125 do Decreto-Lei nº 2.627, de 1940: ‘É assegurado aos acionistas dissidentes, que representarem um quinto ou mais do capital social, e aos titulares de ações preferenciais o direito de eleger, separadamente, um dos membros do conselho fiscal e o respectivo suplente. a) os titulares de ações preferenciais sem direito a voto, ou com voto restrito, terão direito de eleger, em votação em separado, um membro e respectivo suplente; igual direito terão os acionistas minoritários, desde que representem, em conjunto, 10% (dez por cento) ou mais das ações com direito a voto. ‘Não se admite voto múltiplo para eleição dos conselheiros fiscais. Entretanto, os titulares de ações preferenciais, sem direito a voto, ou com direito a voto restrito (art. 111), poderão eleger, em votação em separado, na própria assembleia geral (sem necessidade de assembleia especial), um membro e respectivo suplente. Igual direito terão os acionistas minoritários representando, em conjunto, dez por cento ou mais das ações com o direito a voto. Os outros acionistas elegerão igual número mais um, desde que sejam titulares de direito de voto.’ (Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, v. II, p. 743) a) os acionistas minoritários, desde que representem 10% ou mais do capital votante, poderão eleger um membro e respectivo suplente, em votação em separado; Por aí se verifica que queria ter um elemento, no Conselho Fiscal, como representante das preferenciais; e outro como dissidente. Para ter um representante no Conselho Fiscal como dissidente, seria indispensável que o autor, ora recorrido, tivesse comparecido à assembleia geral e votado em seu candidato. A lei exige a eleição, e não simples indicação, não sendo a maioria obrigada a dar seu voto à pessoa indicada pelo acionista ou pelos acionistas dissidentes, mesmo que esses tenham o percentual que lhes conferiu tal direito. Dessa forma, o que é assegurado pelo art. 161, § 4º, a, da Lei nº 6.404/76 aos acionistas preferenciais, sem direito a voto, e aos ordinários dissidentes é o direito a eleger, separadamente, um membro de cada classe e o respectivo suplente, e não simplesmente o de indicar o nome para que a maioria o faça. Impõe-se, pois, o comparecimento dos titulares dessas ações à assembleia geral e, via de consequência, a eleição de seus candidatos pelos acionistas ali presentes. A Lei nº 6.404/76 requer a eleição, e não a simples indicação, consoante decidido pelo Pretório Excelso no RE nº 92.609-GO, não sendo a maioria obrigada a meramente chancelar o nome da pessoa indicada pelo acionista dissidente ou pelos acionistas dissidentes, ou mesmo pelos acionistas minoritários que representem, em conjunto, 10% ou mais das ações com direito a voto, ainda que esses possuam o percentual que lhes concedeu tal direito. Non ex regula jus sumatur, sed ex jure, quod est, regula fiat. Essa é a lição da doutrina mais autorizada (Trajano de Miranda Valverde, in Sociedade por Ações, v. II, p. 351, nº 651; Wilson de Souza Campos Batalha, in Comentário à Lei de Sociedades Anônimas, Forense, 1977, v. II, p. 743; Min. Carlos F. Cunha Peixoto, in Sociedade por Ações, v. IV, p. 137, nº 997; Fran Martins, in Comentários à Lei das Sociedades Anônimas, 2. ed., Rio: Forense, 1984, v. 2, Tomo I, p. 424, nº 715; Modesto Carvalhosa, in Comentários à Lei de Sociedades Anônimas, 5. ed., Saraiva, 2011, v. 3, p. 514-516). Ademais, o legislador, por meio do mencionado dispositivo legal, visou, também, a integrar os acionistas minoritários na administração da sociedade, procurando evitar o lamento de Pierre Vigreux, quando registrou em obra já clássica, verbis: “(...) les actionnaires ont donc pris l’habitude, d’une façon quasi générale, de ne pas assister aux assemblées des sociétés dans lesquelles ils ont une participation. Tel est le fait. Ne pas assister à l’assemblée générale des actionnaires, ce n’est pas seulement ne pas répondre à une convocation. C’est renoncer au droit de venir demander des explications au conseil d’administration, à celui de formuler des critiques ou des suggestions, à celui surtout enfin de voter éventuellement contre les décisions qui seront soumises à l’assemblée. Ce pouvoir des actionnaires est ainsi tombé en désuétude. Non pas qu’il n’existe plus en droit; mais simplement parce qu’il n’est plus exercé en fait.” (In Les Droits des Actionnaires dans les Sociétés Anonymes. Paris: R. Pichon et R. Durand-Auzias, 1953. p. 36-7, § 1º)
|
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
||
|