Projetos de jurisdição e responsabilidade socioambiental – o TRF-4ª Região e a Justiça Federal na Rio+20(1)

Atividade vinculada à Resolução nº 70/2009 – CNJ


Autora: Marga Inge Barth Tessler

Desembargadora Federal, Presidente do TRF4, Mestre em Direito pela PUC/RS

 publicado em 30.08.2012


Introdução

A Justiça Federal é uma exigência da República e foi criada pelo Decreto nº 848, de 11.10.1890. Foi extinta durante o denominado Estado Novo, pelo Decreto nº 6, de 16.12.1937, e reimplantada em 1965, pelo Ato Institucional nº 2, de 27.10.1965.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem sede em Porto Alegre e jurisdição sobre os três Estados do Sul do País (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul).(2) É um tribunal sintonizado com a sociedade e enfrenta há mais de dez anos o desafio de atuar de forma sustentável, com uma administração pública judiciária vinculada à economia verde e ao desenvolvimento sustentável.

A denominada Rio+20 é a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Tem essa denominação em razão de se dar após 20 anos da Conferência das Nações Unidas realizada em 1992, a Rio-92, durante a qual foi estabelecida a importância da colaboração das nações em torno das questões ambientais e sociais, ocasião em que se deu nova dimensão ao princípio do desenvolvimento sustentável.

Em primeiro lugar, convém esclarecer o que significa o termo “economia verde”. Na definição do Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), trata-se de um desenvolvimento que resulta em “improved human well-being and social equity, while significantly reducing environmental risks and ecological scarcities”, assim resulta em bem-estar humano, equidade social e redução dos riscos ambientais e de escassez ecológica. Há controvérsias sobre o seu exato conceito. Há aqueles que entendem que o conceito implica o abandono do objetivo do crescimento econômico (expansão do PIB), com a fixação na tarefa de melhorar a qualidade de vida dos cidadãos sem ampliação do consumo. É certo que o conceito faz apelos à frugalidade no consumo dos bens da vida.(3) Há quem diga que o conceito não se aplica aos países em desenvolvimento. O documento em que está centrada a discussão é o “The Future we want”, que se desenvolve na busca da economia verde e na construção de um desenvolvimento com a erradicação da pobreza. Por outro lado, a expressão “desenvolvimento sustentável” teve a sua origem no Relatório Brundtland de 1983, nascido dos esforços empreendidos na construção de um quadro de perspectivas sociais menos adverso do que se anunciava na ocasião. Pretendia obter uma distribuição de riquezas mais equânime, mas se revelou insuficiente. Não é também um conceito uniforme e revela pelo menos cinco dimensões(4): a social, a econômica, a ecológica, a cultural e a geográfica, tudo para dar conta da contradição existente entre a natureza e o modelo econômico da sociedade pós-industrial. No Painel Global Sustainability (GSP), é referido que “o desenvolvimento sustentável consiste fundamentalmente em que as pessoas tenham oportunidades para influir, exigir os seus direitos e expressar as suas preocupações. A governança democrática e o pleno respeito aos direitos humanos são requisitos indispensáveis para empoderar as pessoas e conseguir que façam opções sustentáveis”.

Em resumo, o desenvolvimento sustentável não existe quando necessidades de primeira ordem de muitos (necessidades básicas) são sacrificadas em favor do consumo conspícuo e irresponsável de poucos.(5)
Feitos os esclarecimentos iniciais, remarcado que os conceitos citados são imprecisos, pessoalmente penso que o desenvolvimento sustentável é uma “imagem horizonte”, e sempre devemos tê-lo como objetivo.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região desenvolveu diversos projetos socioambientais, construindo-os e efetivando-os no seu dia a dia. Estão internalizados na cultura da instituição. Além da prestação de jurisdição ambiental qualificada, tem projetos de gestão ambiental e de responsabilidade social e continuada governança no apontado caminho.

Este pequeno texto destina-se a explicar de forma resumida a participação do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na Rio+20, fato inédito nas Cortes Federais, que deve ser creditado à conjugação de esforços de magistrados e servidores tanto do 1º Grau quanto do Tribunal Regional Federal da 4ª Região,(6)  bem como fazer o registro da participação da Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região na reunião do Pnuma.(7)

Nessa área, como diz Ignacy Sachs, estamos condenados a inovar.

Pois bem, a Administração da Justiça é a parte da administração pública judiciária voltada a construir, criar, pensar, efetivar e manter estruturas para a apropriada execução das atividades judiciais e administrativas, garantindo e facilitando o acesso à Justiça e, por óbvio, a agilidade dos trâmites judiciais. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região tem fomentado soluções e construído alternativas para uma jurisdição de qualidade e efetividade. Inclui-se ainda nesse âmbito de governança assegurar ou garantir recursos orçamentários à execução das atividades. Neste passo, as iniciativas atendem ao disposto na Resolução nº 70/2009, do CNJ, atributos de valor judiciário para a sociedade, a saber: credibilidade, acessibilidade, celeridade, modernidade, probidade, transparência.
Assim relacionamos:

1  Eixo nº 1 – A jurisdição ambiental

Estrada do Colono

A primeira ação civil pública ambiental ajuizada pelo Ministério Público Federal percorreu as instâncias federais a partir do Paraná(8) e pedia o fechamento da denominada Estrada do Colono, que cortava o Parque Nacional do Iguaçu, Patrimônio da Humanidade.(9) Tal via tinha sido aberta ilegalmente por líderes municipais. Controvertida, praticamente comprometia a sobrevivência do parque, de sua fauna e de sua flora. Teve percurso acidentado, com muitos conflitos. Foi reaberta após anos, sendo recuperada, e novamente foi determinado o seu fechamento, tendo sido necessária a presença da Polícia Federal e do Exército. Confirmada a sentença de 1º grau recentemente pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que prestigiou a manutenção do parque, dando plena aplicabilidade ao artigo 225 da Constituição Federal de 1988 e as leis sobre Parques Nacionais. A vegetação voltou a cobrir o trecho de 18km dentro do parque. Em pauta, os princípios da natureza pública e compulsória da proteção ambiental, os compromissos ambientais internacionais, o princípio do desenvolvimento sustentável, em especial, o subprincípio do aesthetic value of nature (Decleris).

Carboníferas de Criciúma

A região de Criciúma suportou durante décadas a mineração massiva com expressivo comprometimento da saúde dos trabalhadores e do meio ambiente, especialmente os recursos hídricos, o ar e a paisagem irremediavelmente cinza. Uma sentença da Justiça Federal de Criciúma/SC mudou a realidade da região carbonífera. A decisão foi confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e, doze anos após, com um extraordinário esforço e inovação judicial para tornar efetivo o comando sentencial, os resultados são evidentes. A mineração está sob controle, todavia, as obras com a recuperação seguirão adiante.(10) Em questão, os princípios do meio ambiente sadio como um direito da comunidade (artigo 225, CF/1988) e do poluidor-pagador (as empresas carboníferas estão pagando a recuperação, bem como a União). À luz da sustentabilidade, o subprincípio da obligatory restoration of disturbed ecosystems (Decleris). Recupera-se a natureza e garante-se mais saúde à comunidade.

Extração e depósito de areia no Morro da Fumaça

Condenação criminal de pessoa jurídica, a primeira decisão criminal com base na Lei dos Crimes Ambientais,(11) Lei nº 9.605/1998. A decisão marcou a jurisprudência, abriu caminho para outros precedentes, foi confirmada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Proibição da caça no Rio Grande do Sul

Sentença da Vara Federal Ambiental de Porto Alegre,(12) confirmada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que terminou com a prática centenária nos pampas gaúchos. Desde 2005, a caça amadorística esportiva não pode mais ser liberada pelo Ibama. É considerada hoje prática cruel e expressamente vedada pela Constituição Federal de 1988, não tem finalidade social relevante. No entanto, era prática tradicional. Em questão, o princípio do acesso equitativo aos recursos naturais, o da natureza pública da proteção, no desenvolvimento sustentável, o subprincípio da sustentabilidade em grau superlativo e o subprincípio do aesthetic value of nature, a sensibilização e a proteção. É a flauta de Pan, que tocou fundo, a ecologia profunda, a fragilidade do mundo. O contrato natural de Michel Serres, uma segunda aufklärung, segundo Meyer-Abich, Aufstand für die Natur.

É um desafio muito grande mudar uma cultura arraigada.(13)

O santuário ecológico do Parque Nacional da Lagoa do Peixe – Rio Grande do Sul

No extremo sul do Brasil (o fim do mundo), mar, campo e lagoa formam um ecossistema delicado, um santuário ecológico para milhares de aves migratórias de diversos pontos do planeta. Estão ali só de passagem (como todos nós). Várias decisões de Vara Ambiental de Porto Alegre garantiam, por exemplo, a penalização da caça ilegal, da retirada ou do bombeamento ilegal de água, da pesca nos períodos proibidos; a regularização fundiária, em que os proprietários buscavam receber indenização da União; a eliminação da espécie exótica pinus, que traz prejuízos, pois seca o entorno. O ICMBIO (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade) foi condenado a elaborar plano de manejo para retirada de pinus. Em foco nas decisões, diversos princípios ambientais, como os princípios da precaução, da prevenção, da natureza pública da proteção ambiental, da função socioambiental da propriedade e do patrimônio comum da humanidade, ou solidariedade planetária (sustainable, carrying capacity, common natural heritage – subprincípios do desenvolvimento sustentável).

Orla marítima preservada

Em 2002, a União lançou o Projeto Orla, para disciplinar o uso e a ocupação da orla marítima, das praias e das margens de rios. A Justiça Federal nos três estados do Sul(14) recebeu e decidiu inúmeras ações com essa temática. A ocupação desordenada na orla traz prejuízos às dunas, que atuam como barreiras protetoras para conter marés. Por outro lado, as construções precárias acabavam por lançar dejetos no entorno e nas águas, o que é prejudicial à saúde humana. Houve a determinação de demolição ou retirada voluntária de quiosques, trapiches, etc. Uma alternativa para não prejudicar a renda dos pequenos comerciantes foi a autorização para bancas ou quiosques móveis e com condições de higiene. Nos casos em pauta, os princípios da prevenção, da precaução, ponderações sociais e subprincípio do princípio do desenvolvimento sustentável, o princípio Spatial Planning (que recomenda planejamento por parte dos órgãos públicos). Um bom exemplo de economia verde.

2  Eixo nº 2 – Jurisdição social

Passando agora à jurisdição mais voltada para o social.

Deve ser observado que em 2004 foi realizado o primeiro mutirão de conciliação do Judiciário Federal do país,(15) em Porto Alegre (gestão do Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas), após mutirões nas três capitais, tudo com o objetivo de agilizar e ajudar na solução de demandas dos mutuários do SFH (Sistema Financeiro da Habitação). Houve a parceria com a CEF. Após, em 2005, com o objetivo de regularizar área invadida, realizou-se mutirão no local Parque dos Maias, regularizando a situação dos moradores.

Obras públicas – Conciliação pré-processual

Em diversos empreendimentos públicos construtivos, como a BR-101 e a  duplicação de trechos entre Rio Grande e Pelotas, houve mutirões de conciliação pré-processual. O índice de acordos firmados entre as partes foi de 98%.

O projeto Mediação Pré-Citação em Desapropriações em Massa foi o vencedor do II Prêmio Conciliar é Legal do Conselho Nacional de Justiça, em 2011, na categoria Justiça Federal.

Juizados Especiais Federais – JEFs

Ainda é de citar as primeiras experiências nacionais dos Juizados Especiais Federais – JEFs. Em 2002, a cidade de Rio Grande recebeu o primeiro JEF do país. Continuamos investindo para a ampliação dos juizados.

3  Eixo nº 3 – Responsabilidade socioambiental

Em matéria de responsabilidade social, uma favela urbana localizada em terreno da União, lindeiro do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, da Receita Federal e do Incra, tornou-se referência mundial quando o assunto é responsabilidade social. Trata-se da denominada Vila Chocolatão. A mobilização de servidores federais e a construção de parceria com a Prefeitura Municipal de Porto Alegre e outros órgãos públicos e privados transformou o discurso em realidade e mudou a vida de mais de 180 famílias. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região teve uma participação importante na rede social.(16) Os 730 moradores, entre eles, muitas crianças e adolescentes, viviam em condições insalubres e perigosas. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região criou ações voltadas para a geração de renda e o fomento ao associativismo, proporcionando qualidade de vida. Os moradores foram transferidos pela Prefeitura para outro local, onde receberam casas com os requisitos de habitabilidade. Foi construído um barracão onde continuam recebendo materiais para reciclagem, como outras doações. O projeto Vila Chocolatão foi selecionado pela ONU e pela UNGC Cities Programme e foi apresentado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região e também pela Prefeitura de Porto Alegre na Rio+20.

Neste passo, perfeito exemplo de desenvolvimento sustentável com promoção da cidadania e da inclusão social, encontra expresso cumprimento do disposto na Resolução nº 70/2009 do Conselho Nacional de Justiça, entre os quinze objetivos estratégicos, letra c, promover a cidadania, e letra e, no sentido de fortalecer vínculos institucionais, harmonizar relações, disseminar valores éticos e morais. Efetivou-se o princípio do ambiente salubre como um direito do cidadão(17) (artigo 225, CF/1988).

Programa de Educação pelo Trabalho – PET

Virando a Página

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em parceria com a Fase-RS (Fundação de Atendimento Socioeducativo do Rio Grande do Sul), implantou um projeto que oferece uma oportunidade de ressocialização e experiência de trabalho aos adolescentes que cumprem medias socioeducativas. O programa está alinhado com os atributos de valor judiciário para a sociedade, itens III, h, e IV, c, da Resolução nº 70, de 2009, e foi implantado em 2003.

Na mesma linha e sob mesma perspectiva, existe o projeto “Virando a Página”, que a cada ano lança uma coletânea de textos dos estagiários do PET, com o objetivo de resgatar a cidadania e a autoestima, bem como exercitar a reflexão por meio da linguagem escrita.

Promovendo a cidadania

Dentro do programa de atenção aos funcionários terceirizados, das áreas de limpeza, copa e manutenção, muitos em situação de vulnerabilidade social, promovem-se oficinas para o aprimoramento de alguma atividade como, por exemplo, culinária, padaria, estímulo à escolarização formal ou outras para auxiliar na construção de uma vida mais digna e gerar alguma outra fonte ou possibilidade de renda. Há, ainda, o Brechó dos Terceirizados. A ação está inserida na estratégia da Resolução nº 70/2009 do CNJ.

Promovendo a Educação Jurídica

Desde 2003 o Tribunal Regional Federal da 4ª Região vem atendendo a convites das Universidades e realiza sessões de julgamento fora de sua sede, no âmbito universitário. Enquadrável nos objetivos 5 e 8 da Resolução nº 70/2009 do CNJ.

Responsabilidade ambiental

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região possui um programa de gestão ambiental desde 2000, a Justiça Federal de primeiro grau também tem gestão ambiental,(18) que está sendo disseminada pelas varas do Interior. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região integra redes de parceria para encaminhamento do lixo reciclável com a Associação de Catadores Residencial Vila Chocolatão. Trata-se de um atributo de valor judiciário para a sociedade, conforme consta do objetivo estratégico, letra b, da Resolução nº 70/2009 do CNJ. O projeto garante o destino correto para lâmpadas fluorescentes usadas e óleo de cozinha das copas e do restaurante, buscando ainda economia de água e energia e reaproveitamento de inúmeros insumos.

4  Eixo nº 4 – A Administração de Justiça – Governança

O Professor Ladislau Dowbor,(19) da PUC/SP, salienta que estamos apenas aprendendo a articular a administração para o bem comum e isso, gostemos ou não, é política. Enfrentamos problemas globais quando as estruturas políticas realmente existentes estão fragmentadas em 194 Estados-nações. Ao tripé que aparentemente recolhe a nossa unanimidade – para uma sociedade economicamente viável, socialmente justa e ambientalmente sustentável –, precisamos, portanto, hoje acrescentar o pilar da governança (saber quem tomará as decisões, de onde virá o financiamento, como será realizado o controle). A governança seria um dilema. A governança é a criação de estruturas político-institucionais que façam acontecer. A governança não é uma opção, é uma necessidade.

Especialização de Varas(20)

Em 2005, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região instalou a Vara Ambiental de Curitiba, primeira no país, e, a seguir, a Vara Ambiental de Florianópolis, depois a Vara Ambiental de Porto Alegre.

Essa iniciativa teve o escopo de agilizar o andamento das ações de cunho ambiental, bem como submeter o seu trâmite a magistrados e servidores especialmente preparados para o atendimento das demandas. O resultado foi extremamente positivo, tendo a jurisdição sido altamente qualificada e, tanto quanto possível, ágil.

Promoção do estudo do Direito Ambiental

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi o primeiro dos Tribunais a incluir o Direito Ambiental como matéria destacada do Direito Administrativo nos concursos para o cargo de Juiz Federal Substituto e para servidor do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Para perceber a dimensão da capacidade de irradiação e disseminação desses conhecimentos, basta observar que, para o cargo de Juiz, se inscrevem cerca de três mil candidatos e, para o de servidor, em torno de dez mil. Todos de alguma forma tomam conhecimento da disciplina e dos principais pontos, a iniciar pela leitura atenta da Constituição Federal de 1988 e das demais leis, além de consultas doutrinárias.

Promoção do conhecimento da matéria

Direito Ambiental, Educação Ambiental Continuada, Direito Sanitário

Os juízes e servidores, bem como a comunidade de colaboradores, além dos advogados em geral, são convidados a participar de palestras e seminários envolvendo os temas, incluídos no curriculum da Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região – Emagis.

Jurisdição federal nas fronteiras

Os juízes federais da zona de fronteira são incentivados a encontrar os magistrados das cidades estrangeiras vizinhas para tratar de problemas comuns. Aspecto incluído na Resolução nº 70/2009 do Conselho Nacional de Justiça, objetivos estratégicos das letras c e e.

Juízes federais são juízes planetários

A meta para o futuro é capacitar todos os juízes na matéria ambiental, todo o juiz federal é juiz “planetário” na expressão cunhada pelo Ministro Herman Benjamin na palestra da Reunião do Pnuma da Rio+20.
As referidas iniciativas estão envolvidas pelo eixo Governança/Administração da Justiça e ancoradas no princípio da natureza pública e compulsória da proteção ambiental (art. 225 da CF/1988), na sua feição ativa, pois não basta que o poder público não cause danos ambientais, mas é necessária postura ativa. Cumpre-se, ademais, o Princípio 10 da Declaração Rio-92, no sentido de disseminar as informações relativas ao meio ambiente. Por fim, os atributos de valor judiciário da responsabilidade social e ambiental, objetivo 5, promovendo a cidadania, na Gestão de Pessoas, os objetivos 11 e 12 da Resolução nº 70/2009 do CNJ.

Administração da Justiça – Governança

Eliminação de autos findos – Memória – Ações geminadas


O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em iniciativa conjunta com o Conselho da Justiça Federal, promoveu a primeira eliminação de autos findos, antecedida pela prévia relação de processos históricos (Projeto Memória).(21) A medida libera área física nos prédios públicos e incentiva a reciclagem. No Projeto Memória, efetiva-se uma política de valorização sustentável na função de testemunho para as presentes e futuras gerações. “Somos o que lembramos”, Norberto Bobbio.

Administração da Justiça – Governança

Sistema processual eletrônico – e-Proc

Trata-se de uma sistema processual eletrônico que começou no Tribunal Regional Federal da 4ª Região em 2003 (nos Juizados) e, em 2010, estava disseminado na 4ª Região,(22) hoje são mais de 3 milhões de processos no sistema. A única maneira de ingressar com uma ação no Tribunal Regional Federal da 4ª Região é por meio eletrônico. Não se utiliza papel, e a economia na 4ª Região gira em torno de 20 milhões de reais a cada ano.

A Justiça Federal da 4ª Região é a mais virtual do Brasil, segundo o estudo “Justiça em Números”, do CNJ. De 2000 até maio de 2012, mais de 253 toneladas de papel foram encaminhadas à reciclagem, 5.574 árvores foram poupadas e 24,8 milhões de litros de água e 633,4 MW/h de energia elétrica, economizados. O “e-Proc” foi desenvolvido por magistrados e servidores de tecnologia da informação e teve baixo custo para os cofres públicos. É acessível 24 horas por dia de qualquer lugar do mundo.

Administração da Justiça – Governança

Processo Administrativo virtual e ecológico – SEI

Assim como no processo judicial, nos processos administrativos do Tribunal Regional Federal da 4ª Região não há mais papel. O software foi desenvolvido por servidores do Tribunal,(23) sem custos para a administração pública. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região cedeu a tecnologia para diversos órgãos públicos, prestando suporte e treinamento.

Na Administração da Justiça ou Governança, como diz Ignacy Sachs, com o agravamento dos processos planetários, estamos condenados a inovar, e o Tribunal Regional Federal da 4ª Região inovou no sentido da sua gestão, práticas continuadas por mais de 10 anos. Enfrentamos o desafio da governança, criando estruturas e programas institucionais.

Eis um resumo dos principais aspectos levados à Rio+20.

Conclusão

Concluindo, a Conferência Rio+20 encerrou-se com generalizado sentimento de fracasso por parte dos negociadores das delegações dos países participantes. O motivo do sentimento de frustração repousa nos poucos avanços que teriam sido obtidos. Entre as causas para o sentimento de estagnação, pode-se alinhar a falta de flexibilidade de alguns países. Sem concessões, os acordos ficam mais difíceis. A crise econômica europeia também teve a sua parcela de responsabilidade, foi a responsável pela negativa para a criação de um fundo anual de US$ 30 bilhões destinados a promover a sustentabilidade. Estiveram ausentes importantes lideranças mundiais, como o Presidente Barack Obama e a Chanceler Angela Merkel. Questões religiosas(24) também impediram, na área social, a afirmação do direito das mulheres à escolha sobre a reprodução e ao acesso livre a serviços de saúde.(25)

Ao contrário, resultou positiva a participação das instituições judiciárias na reunião. O Conselho Nacional de Justiça esteve presente divulgando iniciativas, em especial, as normas socioambientais, assim como o Tribunal Superior do Trabalho.

A participação da Justiça Federal da 4ª Região na Rio+20(26) foi uma iniciativa do Juiz Federal Cândido Alfredo Silva Leal Júnior e da Juíza Federal Substituta Ana Inés Algorta Latorre, constituindo uma exitosa experiência.(27) Agora a missão é trazer o debate para as nossas varas ambientais e a comunidade. Disseminar e socializar informações. Sensibilizar todos para a importância da reflexão sobre a temática socioambiental. Participando do debate, o juiz federal, que se quer “planetário”, garante uma melhor resposta para a sociedade, uma jurisdição de qualidade.(28)

Notas

1. Texto-base para palestras na Rio+20, pela Desembargadora Federal Presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, explicação adicional ao “TRF4 na Rio+20”, pela jornalista Analice Bolzan, e anotações sobre a reunião do Pnuma.

2. Seção Judiciária do Paraná, em maio de 2012, 63 Varas Federais, 13 Juizados Especiais Federais exclusivos, 30 adjuntos e 2 avançados. Seção Judiciária de Santa Catarina, 43 Varas Federais, 10 Juizados Especiais Federais exclusivos, 23 adjuntos e 1 avançado. Rio Grande do Sul, 76 Varas Federais, 21 Juizados Especiais Federais exclusivos, 30 adjuntos e 3 avançados.

3. Teses defendidas na Rio+20 por James Gustave Speth, da Universidade de Yale, EUA; e Tim Jackson, Professor de Sustentabilidade da Universidade de Surrey, RU.
Recomendações Rio+20.
Não temos muito tempo. Não podemos falhar. Ações imediatas (é a dificuldade do sistema político).

4. DECLERIS, Michael. The Law of sustainable development: general principles. European Commission. Belgium, 2000.

5. TESSLER, Marga Inge Barth. Os princípios no direito ambiental: da construção doutrinária à aplicação jurisprudencial. 2003. 160 f. Dissertação (Mestrado em Direito – Instituições de Direito do Estado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2003.
Princípio aesthetic value of nature: é o valor da paisagem que não é propriedade de ninguém.
Princípio da environmental awareness: procura despertar a consciência ecológica e o ativismo pessoal.
Princípiodo spatial planning: planejamento, posturas municipais, zoneamento.
Princípio do cutural heritage: alta proteção aos locais em que há monumentos históricos, as culturas tradicionais.
O principle of Sustainalibity proclama a identidade de interesses entre o homem e a natureza. É sustentabilidade em grau superlativo.
O princípio da carrying capacity: a capacidade de consumo dos humanos não pode ultrapassar a capacidade de suporte.
Princípio da obligatory restoration: é a reparação específica do dano.
Princípio da biodiversity: postula a perenidade de toda e qualquer espécie.
Princípio do common natural heritage: reconhece a água, o ar, etc. como patrimônio comum da humanidade.

6. Sobre competência, ver PONCIANO, Vera Lúcia Feil. Justiça Federal: organização, competência, administração e funcionamento. Curitiba: Juruá, 2008.
Sobre o histórico da Justiça Federal, ver TESSLER, Marga Inge Barth. A Justiça Federal no Brasil: histórico, revolução e casos célebres. Revista do Tribunal Regional Federal da 4. Região, n. 81, Porto Alegre, 2012. Prelo.

7. Durante o período da Rio+20, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro promoveu, em parceria com o Superior Tribunal de Justiça e outras instituições, o “Colóquio Judicial Rio+20 de Direito Ambiental”. A reunião do Pnuma realizou-se em Mangaratiba/RJ, e as reuniões preparatórias, em Buenos Aires (23 e 24.04.2012), com a presença do Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região Cândido Silva Leal Junior.

8. A liminar determinando o fechamento da estrada foi concedida pelo Ministro Milton Pereira, então juiz federal.

9. Parque Nacional do Iguaçu, criado em 10 de janeiro de 1939, pelo Decreto-Lei nº 1.035, agora Lei nº 9.9985/2000, artigo 11. Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), criada em 1945, após Organização das Nações Unidas (ONU); na noção de patrimônio cultural se inclui também a natureza. São bens únicos e insubstituíveis. Não configura tombamento. Pode ser assistido ou auxiliado pelo Fundo do Patrimônio Mundial. Na região Sul, temos apenas as Missões Jesuíticas dos Guaranis (listadas pela Argentina) e o Parque Nacional do Iguaçu, pelo Brasil, em 1984.

10. A execução do julgado prossegue em Criciúma, com o Juiz Federal Marcelo Cardozo da Silva, tendo sido objeto de palestra na Rio+20.

11. Esta decisão teve como Relator o Desembargador Federal Élcio Pinheiro de Castro.

12. Sentença de lavra do Juiz Federal Cândido Alfredo Leal Júnior, hoje Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

13. Nos dizeres da Juíza Federal Ana Inés Latorre, gestora dos projetos estratégicos de gestão socioambiental da Justiça Federal do Rio Grande do Sul: “a mudança cultural acontece gradativamente, é uma ação continuada, e quem a realiza deve ser bastante idealista e não se apegar a resultados imediatos”. Sentença de lavra do Juiz Federal Cândido Alfredo Leal Júnior, hoje Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

14. A Vara Ambiental, Agrária e Residual de Porto Alegre tem como Juiz Federal Titular o Juiz Cândido Alfredo Silva Leal Júnior e como Juíza Federal Substituta a JuízaClarides Rahmeier; a de Curitiba tem como Juiz Federal Titular o Juiz Nicolau Konkel Júnior e como Juíza Federal Substituta a Juíza Pepita Durski Tramontini; a Vara Federal Ambiental de Florianópolis tem como Juiz Federal Titular o Juiz Júlio Guilherme Berezoski Schattschneider e como Juíza Federal Substituta a Juíza Marjôrie Cristina Freiberger Ribeiro da Silva (posição em junho de 2012).

15.  Tudo começou no Paraná, com iniciativa do Juiz Federal Erivaldo José dos Santos, hoje convocado pelo Conselho Nacional de Justiça, após institucionalizado e criadas as Varas do SFH (Porto Alegre e Curitiba).

16. Gestores do projeto, servidores Ronaldo Dreger e, após, Cátia Segabinazzi, assistente social do TRF4ª Região, palestrante na Rio+20.

17. Observe-se que a mesma situação foi tratada de forma diversa em São Paulo, conforme notícia da Folha de S. Paulo de 25.01.2012. Cotidiano. Posse na Favela Pinheirinho.

18. Destacam-se na Justiça Federal do Rio Grande do Sul a Juíza Federal Substituta Ana Inés Algorta Latorre e o servidor José Antônio Antunes, com participação destacada na Rio+20, onde proferiram palestra e receberam visitantes.
O Espaço Institucional na Rio+20 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região abrigou também palestras dos servidores do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro) sobre os programas ambientais, a saber: a Supervisora de Gestão Ambiental, Terezinha Ribeiro, e a servidora Fernanda Morais, a Diretora da Secretaria de Documentação e Disseminação da Informação, Lenora Schwaitzer, e a Diretora da Divisão da Biblioteca, Débora Costa.

19. É consultor das Nações Unidas, os textos estão em http://dowbor.org, Creative Comons, um roteiro para tentar entender a Rio+20.

20. Sobre o tema “Por que especializar Varas Ambientais?”, ocorreu a palestra do Desembargador Federal Vladimir Passos de Freitas na Rio+20, bem como da servidora da Vara Ambiental de Curitiba Mariana Passos de Freitas, Mestre em Direito Ambiental, PUC/PR.

21. Um exemplo do Projeto Memória consiste na edição do livro “O caso das Mãos Amarradas”.

22. Atendendo ao apelo do então Presidente do Superior Tribunal de Justiça Ministro Asfor Rocha.

23. Gestora do Projeto: Servidora Patrícia Valentina Ribeiro Santanna Garcia.

24. VATICANO faz pressão em trechos que reafirmam direito da mulher. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 de jun. 2012. Cotidiano, p. C9.
CENTRO do Rio é tomado por todo tipo de protesto. Folha de S. Paulo, São Paulo, 21 jun. 2012. Cotidiano, p. C10.
TEXTO final do Brasil é considerado fraco por EU. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 jun. 2012. Cotidiano, p. C9.

25. RIO+20: a terra que queremos. Veja, São Paulo, 13 jun. 2012. Para uma visão geral dos temas e estatísticas relevantes de forma compreensível.

26. A colaboração do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, Presidente Desembargadora Federal Maria Helena Cisne, foi fundamental para o sucesso, com o apoio logístico e a infraestrutura. Sem eles não teria sido possível.
TESSLER, Marga Inge Barth. Uma via de mão dupla. Zero Hora, Porto Alegre, 20 jun. 2012. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi notícia.
Jornal Zero Hora, 24 jun. 2012. Foto da instalação.
Poliedro do Arquiteto Mario Occhiuto, Parque dos Atletas.
Pavilhão da Itália sobre as cidades sustentáveis.
Palestra no Centro Universitário Ritter dos Reis, Rio+20 e Justiça Federal da Região Sul, participação que deu início à intenção de trazer as ideias e socializar conhecimentos.
Aspectos negativos na Rio+20 – Protestos de parar o trânsito. Policiais Federais que fizeram a escolta dos Chefes de Estado chamaram a terça-feira, dia 19, de “Dia do Caos”. Diversas passeatas, especialmente de indígenas e movimentos sem terra e dos atingidos pela Usina Hidrelétrica Belo Monte. Verificar Folha de S. Paulo, 19.06.2012, em especial, com foto, Índio quer protesto: com arco e flecha, indígena impede que carro se aproxime de manifestação contra o BNDES no Rio.
A Rio+20 repercutiu pela imprensa no mundo, como se pode ver na reportagem da Folha de S. Paulo: SÁ, Nelson de. Eleições nos EUA rouba cena da conferência. Folha de S. Paulo, 21 jun. 2012. Cotidiano.

27. Estiveram presentes ainda os servidores: jornalista Analice Marques Bolzan, Diretora de Divisão de Comunicação Social; Luciana Tornquist, Diego Beck, Ângela Gil e Patrícia Picon; do Setor de Ações Socioambientais, Cátia Segabinazzi; José Antônio Berta Antunes, Gestor Ambiental da Justiça Federal do Rio Grande do Sul; e Mariana Passos de Freitas, da Seção Judiciária do Paraná.

28. Anotações sobre a Reunião Pnuma – Implementação da legislação ambiental pelo Judiciário
Na governança do Judiciário deve ser incluído o marco ambiental. Houve considerações em torno da transformação do Pnuma em agência internacional como outras organizações das Nações Unidas, com o fortalecimento do Pnuma, sendo mais independente. A questão não está definida. Nos diversos painéis, destaca-se o Painel 1, em que o tema foi a promoção de vínculos mais fortes entre os direitos humanos e o meio ambiente. A proteção dos direitos humanos e do direito ambiental deve ser assegurada com abordagem ancorada no direito. Há evidente nexo entre os direitos humanos e o direito ambiental, o que é a base para o desenvolvimento sustentável. Os ecossistemas fazem parte de tudo isso. O acesso à informação ambiental e a participação da coletividade são parte da sustentabilidade. Há que ter informação, treinamento e recursos financeiros. Deve ser aplicada a lei, os mecanismos processuais para garantir a sustentabilidade. Levar adiante a ideia exige o aumento da responsabilidade do Judiciário e o trabalho em equipe nacional e internacionalmente.
No segundo painel, a questão debatida versava em torno da promoção do acesso à informação e do acesso aos recursos naturais. Em especial, foi debatido o Princípio nº 10 – a participação do cidadão na gestão ambiental. Dever-se-ia ir mais além, fortalecendo as leis ambientais e adotando instrumentos vinculantes. Convenção de Aarhus. Os juízes deveriam ser mais flexíveis para dar acesso à informação. Foi sugerido o compartilhamento de informações entre os Tribunais, seguir as decisões e recomendações do Pnuma e compilar e divulgar. Foi questionado até que ponto os juízes podem ser militantes, sem conclusões. Foi considerada a necessidade de melhorar as estruturas e criar Tribunais Verdes. Grandes discussões sobre o papel do direito na causa ambiental, em especial, o da jurisprudência.
Foram sugeridas medidas, como a certificação de juízes ambientais e a importância de os juízes terem uma educação ambiental, bem como a importância da cooperação judicial transfronteiriça.
Proteção dos Oceanos. A grande derrota foi no tema da proteção dos Oceanos. O Brasil defendeu, junto com a Europa, a criação de um mecanismo legal para proteção do oceano em alto-mar, regulamentando a exploração de pesquisa. A resistência foi posta pelo Japão e pelo Canadá, que têm grandes interesses na exploração da pesca.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2012. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS