Direito fundamental à probidade administrativa e as convenções internacionais de combate à corrupção

Roberto Lima Santos

Autor: Roberto Lima Santos

Juiz Federal Substituto, Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade Estadual do Norte do Paraná

 publicado em 30.10.2012

 

Resumo

O artigo analisa a esfera de responsabilidade em que estão inseridas as sanções por atos de improbidade administrativa previstas na Lei 8.429/92, que, por não possuir fronteiras nitidamente delimitadas, é palco de uma série de controvérsias na doutrina e na jurisprudência. Examina a imbricação do fenômeno da corrupção com a violação dos direitos humanos. Afirma a existência de um direito fundamental à probidade administrativa decorrente dos direitos implícitos, do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal. Observa a inserção da Lei 8.429/92 no âmbito do combate internacional à corrupção, uma vez que a tutela da probidade administrativa não mais se limita à ordem doméstica, realçando a interação e o impacto, no ordenamento jurídico interno, das três convenções internacionais de combate à corrupção firmadas pelo Estado brasileiro.

Palavras-chave: Probidade administrativa. Convenções internacionais. Corrupção. Direitos humanos.

Sumário: Introdução. 1 Corrupção, moralidade e improbidade administrativa. 2 Natureza jurídica das sanções por atos de improbidade administrativa. 3 Probidade administrativa como direito fundamental. 4 Convenções internacionais de combate à corrupção. Considerações finais.

Introdução

A Lei de Improbidade Administrativa (nº 8.429/1992), doravante LIA, alcançou sua maioridade no ano de 2010, mas ainda busca afirmar sua identidade. Esse importante instrumento de tutela da probidade administrativa procura demonstrar que possui efetividade, ou, como vulgarmente se diz, que é uma lei que “pegou”.

Alvo de constantes ataques que buscam enfraquecê-la ou diminuir o seu âmbito subjetivo de aplicação, mediante alterações no plano infraconstitucional(1) ou constitucional,(2) a LIA vem tendo sua constitucionalidade questionada sob os aspectos formal(3) e material,(4) o que demonstra o desconforto por parte dos agentes públicos e administradores, potenciais alvos de persecução por meio desse relevante instrumento da probidade administrativa.

Isso porque as consequências de uma condenação por improbidade administrativa podem ser muito mais pesadas do que a própria condenação criminal, já que há a possibilidade de receber sanções de variados matizes, como perda do cargo, suspensão de direitos políticos, multas, proibição de receber incentivos fiscais de qualquer espécie, além da pecha de ímprobo ao administrador condenado por improbidade.

Quase duas décadas após vir a lume no ordenamento jurídico pátrio, a LIA ainda é palco de muitas controvérsias na doutrina e oscilações na jurisprudência,(5) cuja interpretação muitas vezes enfraquece a sua aplicação e gera insegurança jurídica.

Neste estudo, destacaremos alguns aspectos relacionados à tutela da probidade administrativa, notadamente a natureza jurídica das sanções por atos de improbidade administrativa previstas na LIA, que, por não possuir fronteiras nitidamente delimitadas, é alvo de várias controvérsias. Analisaremos a imbricação da probidade administrativa com a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos. Ainda, considerando que a tutela da probidade administrativa não mais se limita à ordem doméstica, examinaremos a inserção da LIA no âmbito do combate internacional à corrupção, realçando a interação e o impacto das três convenções internacionais de combate à corrupção firmados pelo Estado brasileiro no ordenamento jurídico interno.

Corrupção, moralidade e improbidade administrativa                             

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, expressão de um cenário histórico marcado pelo ideário do jusnaturalismo secularizado, entende certos direitos como preexistentes à instituição do poder civil, pois derivam da natureza humana, e afirma, em seu art. 15, que a sociedade tem o direito de pedir, aos agentes públicos, as contas de sua administração”. No art. 12 está previsto que a “garantia dos direitos do homem e do cidadão necessita de uma força pública; esta força é, pois, instituída para fruição por todos, e não para utilidade particular daqueles a quem é confiada”.

O filósofo holandês Baruch Spinoza (1994, p. 26), em seu Tratado Político, no século XVII, vaticinava que, para um Estado poder subsistir, seria “necessário ordenar as coisas de tal modo que os administradores do Estado, quer guiados pela razão, quer movidos por uma paixão, não possam ser levados a agir de maneira desleal ou contrária ao interesse geral”, pois a prática reiterada ensina que, enquanto houver homens, sempre haverá vícios (SPINOZA, 1994, p. 24).

Norberto Bobbio (2005, p. 28), dissertando sobre as várias nuances da dicotomia público/privado, afirma que a história do poder político, entendido como poder aberto ao público, pode-se iniciar em Kant, que considera como “fórmula transcendental do direito público” o princípio segundo o qual “todas as ações relativas ao direito de outros cuja máxima não é conciliável com a publicidade são injustas”. Exemplificando, Bobbio (2005, p. 29) indaga:

“Com referência à realidade que temos continuamente sob os olhos, qual funcionário público poderia declarar, no momento em que é empossado em seu cargo, que ele se servirá para extrair vantagens pessoais ou para subvencionar ocultamente um partido ou para corromper um juiz que deve julgar um seu parente?”

A corrupção acompanha a história da humanidade e a temática acerca da responsabilização dos agentes públicos é antiga. Várias teorias buscam explicar o fenômeno da corrupção,(6) bem como conceituá-la, sob os pontos de vista econômico, moral, político e sociológico.(7) Do ponto de vista jurídico-normativo, a corrupção é tratada no Código Penal(8) e em diversas leis penais esparsas.(9)

No Brasil, sempre houve uma tradição de proteção penal do Erário e da probidade. No entanto, como alertava Seabra Fagundes (apud DECOMAIN, 2007, p. 16):

“O controle, exercido através do juízo criminal, não reveste a importância prática do controle que se exerce na ordem civil. Há muitos casos em que não é cabível, só tendo lugar, a propósito da violação dos direitos subjetivos ou da execução das obrigações públicas, o controle da jurisdição civil. Ainda nas espécies em que tenha cabimento, não resolve, por si só, os interesses postos em jogo pela atividade administrativa. O seu alcance é meramente punitivo. Não cancela nem repara os efeitos resultantes do procedimento administrativo ou da ação individual, o que somente pelo controle de ordem civil se pode obter.”

O legislador, atento a essa realidade, buscou outros mecanismos, a par da punição criminal, que buscassem também a recuperação do Erário e o ressarcimento do prejuízo sofrido, já que a tutela penal não era suficiente para a proteção do patrimônio público e da probidade administrativa.(10)

Para o estudo da improbidade administrativa, importa observar que a CF de 1988 inaugurou um novo capítulo na história brasileira, com a intenção de deixar o passado autoritário e de abuso dos direitos fundamentais para trás, e refletindo, também, na relação da Administração Pública com os administradores públicos mediante a introdução do capítulo da “Administração Pública” (Capítulo VII do Título III), que trouxe, além de regras, verdadeiros princípios norteadores da atuação administrativa.

O caput do art. 37 diz que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (este último acrescentado pela EC 19/1998). E o § 4º estabelece que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e na gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.(11)

Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2009, p. 804) explica que

“A inclusão do princípio da moralidade administrativa na Constituição foi um reflexo da preocupação com a ética na Administração Pública e com o combate à corrupção e à impunidade no setor público. Até então, a improbidade administrativa constituía infração prevista e definida apenas para os agentes políticos. Para os demais, punia-se apenas o enriquecimento ilícito no exercício do cargo. Com a inserção do princípio da moralidade na Constituição, a exigência de moralidade estendeu-se a toda a Administração Pública, e a improbidade ganhou abrangência maior, porque passou a ser prevista e sancionada com rigor para todas as categorias de servidores públicos e a abranger outras que não apenas o enriquecimento ilícito.”

A doutrina que se dedica ao estudo da improbidade administrativa, mais especificamente da LIA, que regulamentou o § 4º do art. 37 da CF, vem associando o conceito de moralidade administrativa ao de probidade.(12) Para alguns autores, o princípio da probidade administrativa está contido no princípio da moralidade administrativa,(13) enquanto para outros a probidade administrativa seria mais abrangente do que a moralidade.(14)

Para André de Carvalho Ramos (2002, p. 19),

“a improbidade administrativa é a designação técnica da chamada corrupção administrativa, pela qual é promovido o desvirtuamento dos princípios basilares de uma administração eficiente, transparente e equânime, em prol quer de vantagens patrimoniais indevidas, quer para beneficiar, de modo ilegítimo, servidores ou mesmo terceiros.”

De fato, moralidade e probidade são conceitos imbricados, que envolvem noções de honestidade, lealdade, transparência, diligência, eficiência etc. No entanto, na LIA a “lesão à moralidade administrativa é apenas uma das inúmeras hipóteses de atos de improbidade previstos em lei” (DI PIETRO, 2009, p. 805). Importante salientar que referida lei constitui-se “em um dos meios de concretização dos princípios da moralidade e da probidade, mas não o único” (GARCIA, 2007, p. 229).

Com efeito, a probidade administrativa é tutelada por diversos instrumentos jurídicos, que reflexamente também propiciam a tutela do patrimônio público, a saber: (i) normas administrativas, definidoras de ilícitos administrativos ou político-administrativos, aplicadas via processo administrativo disciplinar ou político-disciplinar; (ii) normas penais, definidoras de crimes, aplicadas via processo criminal; (iii) normas civis, determinantes do ressarcimento ou da anulação do ato praticado, aplicáveis via processo civil (ação popular, mandado de segurança, ação civil pública); (iv) normas definidoras de ato de improbidade administrativa, aplicadas via ação de improbidade administrativa (GARCIA, 2007, p. 231); e, acresçam-se, (v) as convenções internacionais de combate à corrupção.

O combate a toda forma de corrupção e à improbidade administrativa, por diversos instrumentos jurídicos, nacionais ou internacionais, de forma preventiva ou repressiva, é um imperativo das sociedades democráticas. Neste artigo, o enfoque recai sobre as normas descritas nos itens (iv) e (v) supra, iniciando-se pela análise da esfera de responsabilidade em que se inserem as condutas definidoras de atos de improbidade, a partir da natureza jurídica das sanções da LIA, já que o equacionamento de várias controvérsias envolvendo esse diploma depende dessa definição.(15)

Natureza jurídica das sanções por atos de improbidade administrativa

Segundo Mireille Delmas-Marty (2004, p. 195), foi o sociólogo Durkheim,(16) em sua busca de um método para determinar a “função da divisão do trabalho”, o pioneiro em propor um estudo transversal consistente “em classificar as regras jurídicas segundo as diferentes sanções que lhe são vinculadas”.

As sanções repressivas seriam aquelas que consistem essencialmente em um castigo ou pelo menos em uma redução infligida ao agente. As sanções restitutivas seriam aquelas que consistem apenas no restabelecimento do estado de coisasanterior, na renovação das relações afetadas na sua forma normal. Em termos jurídicos, a análise de Durkheim coloca as sanções penais na categoria repressiva e todas as outras (civis, comerciais, processuais, administrativas, constitucionais) na categoria restitutiva ou cooperativa (DELMAS-MARTY, 2004, p. 195).

“Em todos eles, porém, está presente a sanção, ora sob a forma de pena, ora na figura da restituição. A função da sanção, seja repressiva, seja restitutiva, será sempre restabelecer vínculos, conexões ou liames sociais rompidos.” (SÁ, 2010, p. 8363)

As sanções por atos de improbidade administrativa, de acordo com o § 4º do art. 37 da CF, importarão(17) a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário. No entanto, tanto a indisponibilidade dos bens quanto o ressarcimento ao erário visam apenas a restabelecer as coisas ao seu estado anterior, estando ausente o elemento aflitivo da medida. Dessa forma, as verdadeiras “sanções previstas na Constituição são a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública” (GARCIA, 2007, p. 263).

Além dessas, o art. 12 da LIA previu(18) a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, o pagamento de multa civil e a proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, independentemente das sanções penais, civis e administrativas.

O feixe de sanções cominadas aos atos de improbidade é variado, e muitas vezes guardam similitude, assim

“é que o ressarcimento do dano pode-se dar nas esferas civil e de improbidade; a perda dos bens e valores acrescidos ilicitamente, nas esferas criminal e de improbidade; a perda da função pública, nas esferas criminal, administrativa e de improbidade; a suspensão dos direitos políticos, na criminal e de improbidade.” (GARCIA, 2007, p. 321)

Por essa razão, não é fácil classificar as sanções por atos de improbidade administrativa em um determinado campo de responsabilização do direito. Para Fábio Medina Osório (2008):

“Pela primeira vez, no constitucionalismo pátrio, a probidade é tratada como fonte de responsabilidade autônoma na Carta Magna, fora dos marcos mais estreitos dos crimes de responsabilidade. E o Constituinte buscou, com tal iniciativa, fugir aos limites da dogmática penal, para adentrar a seara mais ampla do Direito Administrativo, especialmente o terreno do Direito Administrativo Sancionador,(19) com isso reduzindo, certamente, o rol de garantias dos acusados em geral e ganhando celeridade e eficiência no combate a esse ilícito.”

Segundo Mônica Nicida Garcia (2007, p. 235), a responsabilização pela prática dos atos de improbidade definidos na LIA é apenas mais um meio de repressão da improbidade administrativa, que não exclui as demais esferas – a criminal, a administrativa (inclusive a político-administrativa) e a civil –, diferenciando-se das demais esferas de responsabilização simplesmente porque assim o quis o legislador.(20)

Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2010, p. 527), as sanções para os atos de improbidade administrativa possuem natureza extrapenal, e sua aplicação, eventualmente, haverá de ser direcionada pelos princípios básicos norteadores do direito penal, que sempre assume uma posição subsidiária no exercício do poder sancionador do Estado. Os autores discordam que o sistema de coibição da improbidade administrativa esteja incluído sob a epígrafe do direito administrativo (sancionador):

“É importante ressaltar que esse esforço criativo em nada reforça os instrumentos de proteção do agente público, já que as cláusulas gerais de garantia, em especial o devido processo legal, macroprincípio que aglutina a essência de todos os demais, são extensivas ao direito sancionador em geral, não havendo qualquer possibilidade de ser proscrito das distintas instâncias de responsabilização. Vislumbrar o devido processo legal como algo inerente ao direito administrativo (sancionador), buscando erigir este último ao status de tábua de salvação dos agentes públicos, é algo que destoa de qualquer balizamento lógico ou constitucional, não podendo ser compartimentado pelo intérprete com o objetivo de legitimar conclusões a fortiori.”(GARCIA; ALVES, 2010, p. 528)

Esses autores concluem que o ilícito de improbidade administrativa não tem natureza administrativa e suas sanções não são administrativas, mas, sim, ostentam características de natureza cível, cuja aplicação deve observar as garantias prevalecentes nessa seara e com o necessário influxo do direito penal, fonte mor do direito sancionador (GARCIA; ALVES, 2010, p. 529-530).

Nessa linha, Walter Claudius Rothenburg (2002, p. 462) propõe

“um diálogo com o Direito Criminal, permeado por momentos de distanciamento e aproximação. Se a competência jurisdicional (em razão da natureza civil da ação) e a estrutura das hipóteses (que não compõem verdadeiros tipos no sentido criminal e, portanto, permitem maior versatilidade no enquadramento legal) relativas aos atos de improbidade administrativa em questão afastam-se do Direito Criminal, a necessidade de uma responsabilidade subjetiva, o princípio da insignificância, a proporcionalidade quanto às sanções e a garantia de ampla defesa convidam a um congraçamento entre as searas.”

Acompanhamos o entendimento de José Jairo Gomes (2002, p. 292), segundo o qual a “responsabilidade aqui é civil-administrativa, apresentando natureza sui generis, diferente das tradicionalmente conhecidas (civil, penal e administrativa)”. Em que pese algumas interfaces com o direito penal, entendemos que, no âmbito do direito sancionador da improbidade administrativa, a “importação” do discurso dogmático-penal deve ser exceção, sob pena de enfraquecer-se o campo dessa responsabilização, pois, como leciona Cárcova (1998, p. 183):

“Tanto mais eficaz será o subsistema jurídico quanto maior for o grau de sua diferenciação interna. Todavia, esse processo de diferenciação, que supõe um aumento correlativo da complexidade, deve ter um limite que impeça sua autodestruição, como consequência da sobrecarga de prestações contraditórias requeridas pelos outros sistemas. É este limite que nosso autor [Luhmann] vincula à ideia de ‘justiça’ que não remete mais a um critério ético, mas a um critério de ‘consistência’ do sistema com relação às decisões que oferece.”
 
A defesa do agente público envolvido de forma alguma é violada ou enfraquecida, pois terá respeitado seu direito fundamental a um processo equitativo, menos fortalecido do que se envolvesse “matéria penal”, mediante o respeito das garantias constitucionais do processo, que conferem a unidade do sistema. A responsabilização do agente público por improbidade administrativa possui uma dogmática própria, que reflete a sua complexidade, voltada à salvaguarda da moralidade e da probidade administrativa que, em última análise, visam a assegurar a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

Probidade administrativa como direito fundamental

De acordo com Bobbio (2004, p. 21), o tema dos direitos do homem, cujo reconhecimento e proteção estão na base das Constituições democráticas modernas, está diretamente relacionado com a paz e a democracia.

“Direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e protegidos, não há democracia; sem democracia, não existem as condições mínimas para a solução pacífica dos conflitos.” (Cf. BOBBIO, 2004, p. 21)

A democracia – segundo a célebre frase de Churchill, “a pior forma de governo, salvo todas as demais formas que têm sido experimentadas de tempos em tempos”, na medida em que permite a constante ascensão do povo ao poder e a renovação de seus representantes eleitos pelo sufrágio – exige, por sua própria natureza, o combate a toda forma de corrupção no exercício das funções públicas e aos atos de corrupção especificamente vinculados a seu exercício.

O próprio regime democrático é um facilitador da prática de atos de corrupção, violadores de direitos civis e políticos, como pode ocorrer com a compra de votos, os financiamentos ilícitos de campanha, os repasses de verbas aos partidos políticos para aprovarem determinado projeto de lei do governo, o aparelhamento do Estado com indicação de apaniguados em cargos de comissão etc.

Outra faceta da corrupção são os seus custos sociais, pois há a retirada de recursos do Estado que seriam investidos em políticas públicas, destinados à concretização de direitos sociais, econômicos e culturais, verificando-se uma “relação simbiótica entre corrupção e comprometimento dos direitos fundamentais do indivíduo” (GARCIA; ALVES, 2010, p. 25).

A tutela constitucional e internacional da probidade no Estado de Direito é essencial para assegurar os meios necessários para efetivação dos direitos fundamentais, pois, se o Estado e seus agentes são corruptos ou ímprobos, os recursos ficarão comprometidos, e as consequências serão sentidas pelos administrados. Como refere André de Carvalho Ramos (2002, p. 06-07):

“esse agir em prol dos direitos humanos é erodido pelas práticas de corrupção, ou seja, para que o homem possa viver uma vida digna com a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais básicas, devem atuar os agentes públicos com probidade, devendo o ordenamento jurídico possuir instrumento para zelar por tal conduta e reprimir, sancionando, os faltosos.”

Dessa forma, devemos falar em um “direito fundamental(21) à probidade administrativa”, pois há um verdadeiro direito fundamental coletivo da sociedade a uma Administração Pública honesta, que apresenta os contornos identificadores dos direitos difusos. Como leciona Pedro Roberto Decomain (2007, p. 27): “Tanto o patrimônio público quanto o direito a que, no exercício de suas atividades funcionais, os agentes públicos atuem com a mais estrita observância da probidade administrativa apresentam os elementos característicos dos direitos difusos”.

Da perspectiva da dogmática constitucional, a existência de um “direito fundamental à probidade administrativa” pode ser extraída da “cláusula de abertura” do art. 5º, § 2º, da CF, segundo a qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.

Essa “cláusula de abertura” de direitos fundamentais expressos no art. 5º, § 2º, da CF permite a possibilidade de identificação e construção pela jurisprudência de direitos materialmente fundamentais não escritos, no sentido de não expressamente positivados, assim como de direitos fundamentais espraiados em outras partes da Constituição e nos tratados internacionais.

Dessa forma, o “direito fundamental à probidade administrativa” decorre, na Constituição Federal de 1988: (i) do princípio republicano (art. 1º, caput); (ii) do princípio democrático (art. 1º, par. único); (iii) de seus fundamentos (art. 1º, incisos I a V: soberania; a cidadania; a dignidade da pessoa humana; os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político); (iv) dos objetivos fundamentais da República (art. 3º, incisos I a IV: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação); (v) da prevalência dos direitos humanos e da defesa da paz nas suas relações internacionais (art. 4º, I e VI); e (vi) dos demais princípios constitucionais administrativos, previstos no caput do art. 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência). 

Discorrendo sobre o campo dos direitos implícitos e/ou decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Constituição, Ingo Sarlet (2008, p. 102) cita alguns exemplos da doutrina, dentre eles, mais recentemente, o “direito à boa administração pública”.(22) As posições enquadradas nessa categoria de direitos se revestem da mesma força jurídica dos direitos fundamentais do catálogo expresso da Constituição, constituindo direito imediatamente aplicável (art. 5º, § 1º, da CF) e passando a integrar o rol das “cláusulas pétreas” (art. 60, § 4º, inciso IV, da CF) (SARLET, 2008, p. 156).

 Juarez Freitas (2009, p. 22) desenvolve um conceito-síntese de “direito fundamental à boa administração pública”, que pode ser compreendido como:

“o direito à administração pública eficiente e eficaz, proporcional cumpridora de seus deveres, com transparência, motivação, imparcialidade e respeito à moralidade, à participação social e à plena responsabilidade por suas condutas omissivas e comissivas. A tal direito corresponde o dever de a administração pública observar, nas relações administrativas, a cogência da totalidade dos princípios constitucionais que a regem.”

De acordo com o jurista gaúcho, o “direito fundamental à boa administração” possui um caráter vinculante e é um somatório de direitos subjetivos públicos, que abriga, entre outros,(23) o direito à administração pública proba (FREITAS, 2009, p. 42). Na lição de Ingo Sarlet (2008, p. 385-386), há a vinculação do poder público aos direitos fundamentais.

Para Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2010, p. 859),

“os Poderes Legislativo e Executivo, no Brasil, teimam em não aceitar aquilo que o nosso texto constitucional tem de mais contemporâneo, vale dizer, o seu forte conteúdo normativo, a sua vocação para criar direitos fundamentais de plena e imediata fruição – no caso, o direito fundamental à probidade – e a consagração, fruto da experiência constitucional norte-americana, de ampla possibilidade de intervenção do Poder Judiciário na garantia de tais direitos fundamentais.”

A afirmação da existência de um direito fundamental à probidade não é uma questão meramente semântica, destituída de importância prática, pois essa consideração traz consequências jurídicas que refletem na seara da hermenêutica, já que, como é sabido, a interpretação das normas constitucionais e legais deve ser feita a partir das normas de direito fundamental. Noutra quadra, o reconhecimento de um direito fundamental à probidade administrativa vai repercutir no status hierárquico das convenções internacionais firmadas pelo Estado brasileiro nessa matéria.

As convenções internacionais de combate à corrupção

A concepção histórica de conquista dos direitos humanos surge como uma reivindicação do povo para limitar o arbítrio do poder do Estado. Essa limitação, que se deu inicialmente no âmbito interno dos Estados, paulatinamente estendeu-se para o âmbito internacional, justamente pela insuficiência de relegar a proteção de tais direitos apenas à órbita doméstica dos Estados.

Como visto, existe uma relação muito estreita entre a corrupção e a violação de direitos humanos, que vulneram a democracia e a república. Em um mundo globalizado, o combate à corrupção não pode se ater aos limites rígidos das fronteiras dos países, pois ela as ultrapassa, já que, com a globalização dos mercados, houve também a globalização do crime organizado e da corrupção, que se desenvolvem por meio de organizações criminosas transnacionais que cometem diversos ilícitos transfronteiriços, tais como tráficos de armas, de drogas, de seres humanos, crimes financeiros, lavagem de dinheiro, novas formas de terrorismo, praticadas por células espalhadas em diversas partes do globo, etc.

Dessa forma, o combate à corrupção também deve se dar de forma integrada com os outros Estados que, nesse intento, vêm firmando várias convenções internacionais de combate à corrupção, pois, nas palavras do internacionalista André de Carvalho Ramos (2002, p. 7),

“a tutela da probidade administrativa não é mais um imperativo meramente nacional, mas sim internacional, baseado na análise de diplomas normativos internacionais, explicitando o fundamento atual dessa internacionalização do combate a práticas de corrupção, que é a implementação de direitos humanos.”

O autor informa que, no âmbito internacional, o combate à corrupção inicia-se com estudos, na década de 70, da Securities and Exchange Commission dos Estados Unidos, que deram ensejo à expedição do Foreign Corrupt Practices Act, de 1977. Esses estudos relacionavam-se não com a proteção do patrimônio público, mas sim do particular, em prol de interesses de empresas atuantes no comércio internacional, relacionados a subornos pagos a agentes públicos estrangeiros por empresas norte-americanas para obtenção de vantagem competitiva sobre as empresas rivais (RAMOS, 2002, p. 07-08).

A partir de então, várias convenções internacionais de combate à corrupção foram elaboradas e aprovadas. O Estado brasileiro é signatário das seguintes convenções: (i) Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 125, de 14 de junho de 2000, e promulgada pelo Decreto nº 3.678, de 30 de novembro de 2000; (ii) Convenção Interamericana contra a Corrupção, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 152, em 25.06.2002, e promulgada pelo Decreto nº 4.410, de 07.10.2002, sofrendo pequena alteração pelo Decreto 4.534, de 19.12.2002; e (iii) Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, aprovada pelo Decreto Legislativo nº 348, de 18.05.2005, e promulgada pelo Decreto nº 5.687, de 31.01.2006.

Todas essas convenções anticorrupção estão em pleno vigor no ordenamento jurídico pátrio, e o cumprimento de seus objetivos vem sendo monitorado por organismos internacionais,(24) cuja avaliação insatisfatória pode acarretar sanções econômicas, além de exposição negativa perante a comunidade internacional.

Em linhas gerais, pode-se afirmar que a consecução dos objetivos das convenções internacionais de combate à corrupção está estruturada em três pilares: (i) estabelecimento e aperfeiçoamento de uma legislação compatível com os ditames, cuja aplicação deve ser realizada pelos órgãos e pelas estruturas oficiais dos países; (ii) intensa cooperação internacional; e (iii) incentivo e criação de mecanismos de participação da sociedade (GARCIA, 2007, p. 336).

A Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, após trazer o conceito de “delito de corrupção de funcionários públicos estrangeiros”, alude à possibilidade de imposição, além das sanções criminais, de sanções civis ou administrativas adicionais à pessoa sobre a qual recaiam sanções por corrupção de funcionário público estrangeiro, art. 3º (4), “o que abre campo à incidência das sanções previstas na Lei 8.429/92” (GARCIA; ALVES, 2010, p. 980).

Em decorrência da determinação, em seu art. 1º, de tipificação do delito de corrupção de funcionários públicos estrangeiros, foi incluído no Código Penal brasileiro, por meio da Lei 10.467, de 11.06.2002, o Capítulo II-A, no Título XI, denominado “Dos crimes praticados por particular contra a Administração Pública estrangeira”, contendo os artigos 337-B, 337-C e 337-D, criminalizando a corrupção ativa em transação comercial internacional e o tráfico de influência em transação comercial internacional e definindo funcionário público estrangeiro.
 
Mônica Nicida Garcia (2007, p. 328-329) alerta, no entanto, que essa convenção não é a base para a responsabilização dos agentes públicos brasileiros que forem corrompidos em transações internacionais, pois tais agentes sempre puderam ser e devem ser responsabilizados, nos termos da legislação já existente no ordenamento jurídico. A inovação diz respeito à responsabilização dos particulares, corruptores de funcionários públicos estrangeiros.

A Convenção Interamericana contra a Corrupção, além de veicular normas de natureza penal e penal internacional, buscou introduzir modificações no próprio sistema administrativo dos Estados-partes, cuja atuação deveria ser necessariamente direcionada por critérios de equidade, publicidade e eficiência (GARCIA; ALVES, 2010, p. 37).

Para André de Carvalho Ramos (2002, p. 30), a natureza não penal das sanções previstas na LIA “faz com que não sejam aplicáveis quer os tratados internacionais genéricos de cooperação judicial, quer a cooperação judicial prevista nos tratados específicos anticorrupção [...], que são destinados à cooperação penal entre os Estados contratantes”.(25)

Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves (2010, p. 983), no entanto, entendem que tais restrições não se verificam no tocante à Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, pois essa utiliza em vários momentos, de forma preponderante, o termo “delito” em um sentido amplo, o que permitiria alcançar delitos administrativos, criminais e civis. Ademais, seu art. 43 é expresso no sentido de permitir a cooperação internacional “nas investigações e procedimentos correspondentes a questões civis e administrativas relacionadas com a corrupção”.

Noutra quadra, considerando que a tutela internacional da probidade insere-se “no contemporâneo rol dos ‘direitos humanos internacionalmente protegidos’, como o direito a uma administração proba ou o chamado good governance” (RAMOS, 2002, p. 10), toda essa normativa internacional vai impactar o ordenamento jurídico brasileiro de uma maneira peculiar, pois tais convenções de combate à corrupção, na medida em que estão inseridas na seara do “Direito Internacional dos Direitos Humanos”, devem ser compreendidas como tratados internacionais(26) de direitos humanos.  

Dessa forma, de acordo com a “cláusula de abertura” do § 2º do art. 5º da CF, os direitos previstos em tais instrumentos internacionais, ainda que não sejam expressamente veiculados por normas constitucionais, mas por tratados internacionais, integram o “bloco de constitucionalidade”, estando alçados ao catálogo de direitos constitucionalmente protegidos,(27) pois, como leciona Canotilho (2003, p. 921),

“o programa normativo-constitucional não se pode reduzir, de forma positivística, ao ‘texto’ da Constituição. Há que densificar, em profundidade, as normas e princípios da constituição, alargando o ‘bloco da constitucionalidade’ a princípios não escritos desde que reconduzíveis ao programa normativo-constitucional, como formas de densificação ou revelação específicas de princípios ou regras constitucionais positivamente plasmadas.”

Ainda que se considere que os dispositivos dessas convenções internacionais tenham cunho programático, impende observar a sistematização da doutrina, lembrada por Luís Roberto Barroso (2002, p. 156), que elenca algumas hipóteses de efetividade das normas dessa natureza: “(1) revogam as leis anteriores com elas incompatíveis; (2) vinculam o legislador, de forma permanente, à sua realização; (3) condicionam a atuação da administração pública; (4) informam a interpretação e a aplicação da lei pelo Poder Judiciário”.

Logo, o “importante resultado da plêiade de tratados de direitos humanos que o Brasil vem ratificando é o congelamento do retrocesso da agenda interna, pois há compromissos internacionais que o Estado brasileiro comprometeu-se a cumprir e que não pode violar” (RAMOS, 2002, p. 30). Dessa forma, devem-se preservar os comandos da LIA em face dos desejos legislativos de enfraquecê-la, bem como há de se buscar o avanço do quadro normativo internacional para o estágio no qual se encontra a própria lei de improbidade interna (RAMOS, 2002, p. 30).

Assim, seriam inconstitucionais tanto a tentativa de ressuscitar o foro por prerrogativa de função em relação aos atos de improbidade administrativa, pois em desacordo com o art. 30 (2) da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção,(28) quanto a interpretação que exclui os agentes políticos do alcance da LIA, já que em dissonância com o art. 1º da Convenção da OEA(29) e com o art. 2º, a, da Convenção da ONU.(30)

Para Mônica Nicida Garcia (2007, p. 335-336), no entanto,

“Não obstante a maior parte das disposições das convenções seja programática, há algumas que são desde logo aplicáveis, valendo lembrar que, no Brasil, os tratados e as convenções internacionais, após sua promulgação, têm status de lei, exceto aqueles relativos aos direitos humanos que, por força das modificações trazidas pela EC nº 45/2004, têm status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF). Apesar de toda a imbricação com os direitos humanos, o fato é que as convenções contra a corrupção não tratam propriamente de direitos humanos, de tal forma que não parece ser possível dar a ela status de emenda constitucional.”

Na verdade, com a inclusão do § 3º ao art. 5º da Constituição Federal, somente após a aprovação pelas duas casas do Congresso Nacional, em votação em dois turnos e com pelo menos três quintos dos votos, é que os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, posteriores à EC nº 45/2004, passam a ter status de “emenda constitucional”.

A polêmica, contudo, persiste em relação aos tratados de direitos humanos ratificados anteriormente a essa emenda, v.g. a Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais e a Convenção Interamericana contra a Corrupção, e aos que, ratificados posteriormente à essa emenda, não tenham sido submetidos ao quórum qualificado de aprovação, v.g. a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção.(31)

Vale lembrar, porém, que para o STF, a partir de 2008, os tratados internacionais e as convenções de direitos humanos passaram a possuir força supralegal,(32) isto é, seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outras palavras, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico.

As questões envolvendo a interpretação das convenções anticorrupção como tratados internacionais de direitos humanos e o status hierárquico que ocupam no ordenamento jurídico interno são fascinantes e controversas, merecendo futuras reflexões pela doutrina. Mas, independentemente do status hierárquico, o fato é que essas normas possuem força de lei e aplicabilidade imediata, reforçando o arcabouço normativo no combate à corrupção, cujos dispositivos podem ser aplicados tanto às ações de improbidade, quanto às ações penais e aos procedimentos investigatórios.

A fim de que não se tornem letra morta e apenas mais um emaranhado de dispositivos sem aplicação prática, é de suma importância a divulgação dessas convenções e de seus mecanismos de funcionamento, densificando e concretizando suas normas e regras, o que poderá contribuir para o fortalecimento dos instrumentos de combate à corrupção e da tutela da probidade administrativa no país.

Considerações finais

Os comandos normativos da LIA ainda geram muitas divergências na jurisprudência, que necessita uniformizar alguns temas relativos à sua aplicação, levando-se em consideração que o direito sancionador por atos de improbidade administrativa possui uma dogmática própria, voltada à salvaguarda da moralidade e da probidade administrativa, que visam assegurar a proteção dos direitos fundamentais dos cidadãos.

A probidade administrativa constitui-se em direito fundamental difuso da sociedade, que integra o “direito fundamental à boa administração”, e decorre dos direitos implícitos, do regime e dos princípios adotados pela Constituição Federal, revestindo-se da mesma força jurídica dos direitos fundamentais do catálogo expresso da Constituição, possuindo um caráter vinculante à administração e de plena e imediata aplicação.

A tutela da probidade administrativa é concretizada em várias frentes, e as normas definidoras de atos de improbidade administrativa, previstas na LIA, também se inserem no âmbito do combate internacional à corrupção, que se desenvolve no campo do Direito Internacional dos Direitos Humanos e tem como fundamento a efetivação dos direitos humanos, cuja violação coloca em xeque os pilares da democracia e da república.

As convenções internacionais firmadas pelo Brasil vêm reforçar o arcabouço normativo no combate à corrupção, vedando retrocessos nos instrumentos que tutelam a probidade administrativa e impelindo o país a buscar, cada vez mais, os parâmetros de boa governança estabelecidos pela comunidade internacional.

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Notas

1. A Lei 10.628, de 24.12.2002, acresceu os §§ 1º e 2º ao art. 84 do CPP. O § 1º tentou ressuscitar a regra da prevalência do foro por prerrogativa de função, em que pese o cancelamento da Súmula 394 pelo próprio STF, por ocasião do julgamento do Inquérito 687-4-SP. O § 2º ampliou o foro por prerrogativa criminal ao âmbito da ação de improbidade administrativa. Foram ajuizadas a ADI 2.797/DF e a ADI 2.860/DF, que foram julgadas procedentes para declarar a inconstitucionalidade da Lei 10.628/02. Já na Reclamação nº 2.138-6, julgada procedente por maioria, o STF entendeu haver imunidade dos agentes políticos à Lei 8.429/92, partindo-se da premissa de que os atos de improbidade administrativa praticados por tais agentes subsumem-se exclusivamente ao campo dos crimes de responsabilidade (Lei 1.079/1950; e artigos 85, V, e 102, I, c, da CF).

2. Proposta de Emenda Constitucional nº 385/05, cujo art. 2º acresce à CF o art. 97-A, in verbis:
“Art. 97-A. A competência especial por prerrogativa de função, em relação a atos praticados no exercício da função pública ou a pretexto de exercê-la, subsiste ainda que o inquérito ou a ação judicial venham a ser iniciados após a cessação do exercício da função.
Parágrafo único. A ação de improbidade de que trata o art. 37, § 4º, referente a crime de responsabilidade dos agentes políticos, será proposta, se for o caso, perante o tribunal competente para processar e julgar criminalmente o funcionário ou autoridade na hipótese de prerrogativa de função, observado o disposto no caput deste artigo.”

3. Na ADI 2.182, o Partido Trabalhista Nacional questionou a constitucionalidade formal da LIA, tendo em vista que a lei teria sido sancionada sem ser submetida ao processo legislativo bicameral (Câmara e Senado), previsto no artigo 65 da Constituição. O STF, por maioria, vencido o ministro Marco Aurélio, relator do processo, julgou improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade ao entender que o caminho percorrido no Congresso Nacional não teve vícios.

4. Sob o aspecto material, a constitucionalidade da LIA está sendo contestada na ADI 4.295, ajuizada pelo Partido da Mobilização Nacional, ainda pendente de julgamento pelo STF. 

5. A título de exemplo, registre-se que a 1ª Seção do STJ recebeu, em 18.08.2010, Embargos de Divergência contra acórdão da 2ª Turma, no REsp 1.143.484-SP, em que será analisada a (im)prescindibilidade da presença de dolo do agente e a necessidade de lesão ao erário, para se caracterizar a hipótese prevista no art. 11 da Lei 8.429/92, bem como a possibilidade de exame sobre o excesso na aplicação das penas previstas na referida lei. O processo foi concluso ao Relator, Ministro Arnaldo Esteves Lima, em 10.09.2010, e, até o término deste trabalho, permanecia nesta situação processual.

6. São elas: (i) public choice, (ii) rent seeking e (iii) gerencialismo. Sobre as duas primeiras, ver: MACIEL, Felipe Guatimosim. O Controle da Corrupção no Brasil. 1º Concurso de Monografia da CGU, 2005. Sobre o gerencialismo, ver: SENNA, Naira Gomes Guaranho de. Improbidade administrativa: é constitucional a modalidade culposa? 5º Concurso de Monografia da CGU, 2010.

7. “Do ponto de vista econômico, ela será descrita eminentemente como uma transação onde as pessoas auferem vantagens competitivas ou ganhos pecuniários ilicitamente, por exemplo, mediante o pagamento de propinas. Sob o ângulo moral, a corrupção é o contrário da virtude, do bem e do justo, seja na vida pessoal, seja na vida pública. Dentro do recorte político, a corrupção significa a confusão entre o público e o privado. Do prisma sociológico, é comum fazer menção ao patrimonialismo, ao nepotismo e ao clientelismo como formas de corrupção.” (SENNA, 2010)

8. Crimes de peculato, emprego irregular de verbas ou rendas públicas, concussão, excesso de exação, corrupção passiva e ativa, facilitação de contrabando ou descaminho, prevaricação, condescendência criminosa etc. Com a Lei 10.028/2000 foram incluídos os crimes de contratação de operação de crédito, inscrição de despesas não empenhadas em restos a pagar, assunção de obrigação no último ano do mandato ou legislatura, ordenação de despesa não autorizada, prestação de garantia graciosa, não cancelamento de restos a pagar e oferta pública ou colocação de títulos no mercado. 

9. V.g., Lei de Licitações (8.666/93), que tipifica os crimes contra as licitações, e o Código Eleitoral (4.737/65), que define os crimes eleitorais.

10. Para uma visão histórica da evolução das normas de controle da probidade administrativa, ver: DECOMAIN, Pedro Roberto. Improbidade Administrativa. São Paulo: Dialética, 2007. p. 11-19; e GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade Administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p. 209-220.

11. Em nível constitucional, a tutela da probidade administrativa tem assento em mais três artigos: art. 14, § 9º, art. 15, V, e art. 85, V.

12. Para Maria Silvia Zanella Di Pietro (2009, p. 801): “Não é fácil estabelecer a distinção entre moralidade administrativa e probidade administrativa. A rigor, pode-se dizer que são expressões que significam a mesma coisa, tendo em vista que ambas se relacionam com a ideia de honestidade na Administração Pública. Quando se exige probidade ou moralidade administrativa, isso significa que não basta a legalidade formal, restrita, da atuação administrativa, com observância da lei; é preciso também a observância de princípios éticos, de lealdade, de boa-fé, de regras que assegurem a boa administração e a disciplina interna na Administração Pública”.

13. “Contido no princípio da moralidade administrativa está o da probidade.” (MARTINS JÚNIOR, 2009, p. 101) Marcelo Figueiredo (2009, p. 47) entende “que a probidade é espécie do gênero ‘moralidade administrativa’ a que alude, v.g., o art. 37, caput e seu § 4º, da CF. O núcleo da probidade está associado (deflui) ao princípio maior da moralidade administrativa (...)”.

14. “Em que pese ser a observância ao princípio da moralidade um elemento de vital importância para a aferição da probidade, não é ele o único. Todos os atos dos agentes públicos devem observar a normatização existente, o que inclui toda a ordem de princípios, e não apenas o princípio da moralidade. Assim, quando muito, será possível dizer que a probidade absorve a moralidade, mas jamais terá a sua amplitude delimitada por esta.” (GARCIA; ALVES, 2010, p. 58) Para Pedro Roberto Decomain (2007, p. 27): “O conceito de improbidade, todavia, pode ter alcance mais amplo, abrangendo não apenas atos atentatórios ao princípio constitucional da moralidade administrativa, como também outros atos que, embora eventualmente não se os reconheça violadores de tal princípio, não obstante agridem outros dentre os norteadores da Administração Pública, também relacionados pelo art. 37, caput, da Constituição Federal”.

15. Em virtude da limitação do trabalho, não empreenderemos análise detalhada dessas controvérsias. No entanto, podem-se citar algumas questões que dependem dessa definição, tais como: (i) a delimitação do juiz natural; (ii) a aplicação do foro por prerrogativa de função para o julgamento das ações de improbidade; (iii) a (in)existência de imunidade dos agentes políticos à Lei 8.429/92, já que, para alguns, os atos de improbidade administrativa praticados por tais agentes subsumem-se exclusivamente ao campo dos crimes de responsabilidade (Lei 1079/1950; e artigos 85, V, e 102, I, c, da CF); (iv) a aproximação da dogmática penal na seara da improbidade administrativa.

16. “Émile Durkheim (1858-1917) foi um cartesiano de formação e convicção, um positivista confesso, lúcido e polêmico, que dialogou com antecessores seus, como Cesare Bonesana, Marquês de Beccaria (1738-1794), sobretudo, com o conteúdo do livro Dos delitos e das penas, publicado em 1764. Polemizou com criminólogos de sua época, com grande destaque e sucesso, como C. Lombroso, E. Ferri, Moselli, Garofalo, entre outros, além de debater com sociólogos famosos, como G. Tarde. Foi lido e citado por filósofos, adversários do positivismo, da segunda metade do Século XX, como M. Foucault, com repercussões visíveis na obra Vigiar e punir. Dialogou com o sentimento, principalmente, com o denominado sentimento coletivo, ou seja, um dos campos da irracionalidade, porém, de forma racional. [...] Ao focalizar o direito, como objeto de estudo da Sociologia, o referido autor deteve-se, da mesma forma, no campo da repressão, refletindo-se particularmente sobre o crime, como fato social que perpassa toda a história da humanidade.” (SÁ, 2010, p. 8359-8360)

17. “‘Importar’ é ‘ter como consequência ou resultado; causar, produzir, originar, implicar’, donde a conclusão de que o que o dispositivo constitucional estabelece são as consequências ou os resultados dos atos, que podem não ser, necessariamente, sanções.” (GARCIA, 2007, p. 262)

18. O STJ já teve a oportunidade de se manifestar sobre a constitucionalidade do acréscimo de sanções feito pela lei ordinária e que não foram previstas no § 4º do art. 37 da CF: “[...] V – O disposto no art. 12 da Lei nº 8.429/92 se coaduna com a ordem constitucional vigente, mais precisamente com o art. 37, § 4º, da atual Constituição Federal, sendo cabível a aplicação de sanções outras que não as previstas no referido dispositivo constitucional” (STJ, 1ª T., REsp 440.178-SP, rel. Min. Francisco Falcão, j. em 08.06.2004, DJU de 16.08.2004, p. 135).

19. “As normas definitórias da improbidade administrativa são normas de Direito Administrativo Sancionatório, ainda que essa expressão seja utilizada, no direito comparado, muito comumente para expressar o poder punitivo que está nas mãos da Administração Pública. Trata-se, inegavelmente, de normas de Direito Administrativo, seja pela direta vinculação aos princípios que presidem a Administração, seja pelo objeto (punição de atos atentatórios aos princípios administrativos), seja pelos sujeitos (agentes públicos), seja, finalmente, pelas finalidades presentes naquela legislação. Não se trata, evidentemente, de normas penais, porque não se autodefinem como tais, e porque, fundamentalmente, não apresentam características essencialmente penais, pelo menos não pretendem imposição de penas privativas de liberdade, cuja aplicação, aí sim, dependeria de normas penais.” (OSÓRIO, 2000, p. 61-62)

20. A autora não discorda ou entende que seu posicionamento seja incompatível com a posição de Fábio Medina Osório: “A disciplina dos atos de improbidade administrativa definidos pela Lei nº 8.429/1992 está, de fato, sujeita ao Direito Administrativo, sem que isso signifique, contudo, que a responsabilidade decorrente de sua aplicação esteja dentro da esfera específica da responsabilidade administrativa. Sob o pálio do Direito Administrativo podem se abrigar duas esferas de responsabilidade” (GARCIA, 2007, p. 235).

21. A doutrina faz uma separação terminológica entre “direitos fundamentais”, direitos do ser humano reconhecidos e positivados pelo Direito Constitucional de um Estado específico, e “direitos humanos”, que seriam os direitos estabelecidos em tratados internacionais sobre a matéria (SARLET, 2008, p. 35; RAMOS, 2005, p. 26).

22. Para Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p. 112), o princípio da eficiência “é uma faceta de um princípio mais amplo já superiormente tratado, de há muito, no Direito italiano: o princípio da ‘boa administração’”.

23. No conceito proposto por Juarez Freitas (2009, p. 22-23), além do direito à administração proba, abrigam-se ainda o direito à administração transparente; o direito à administração pública dialógica; o direito à administração pública imparcial; o direito à administração pública respeitadora da legalidade temperada, ou seja, sem a “absolutização” irrefletida das regras; e o direito à administração pública preventiva, precavida e eficaz (não apenas eficiente), pois comprometida com resultados harmônicos com os objetivos fundamentais da Constituição.

24. As avaliações da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE sobre a implementação da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais no Brasil estão disponíveis no endereço <http://www.cgu.gov.br/ocde/avaliacoes.asp>. A Convenção das Nações Unidas possui um capítulo específico destinado aos mecanismos de aplicação (Capítulo VII, artigos 63 e 64), e as medidas adotadas pelo Brasil para o cumprimento desta Convenção podem ser conferidas no endereço <http://www.cgu.gov.br/onu/convencao/implementacao/index.asp>. Quanto à Convenção Interamericana, também existe um mecanismo de acompanhamento em funcionamento chamado “Mecanismo de Acompanhamento da Convenção Interamericana contra a Corrupção” (Mesicic). O relatório sobre a implementação da Convenção Interamericana pelo Brasil está disponível em <https://www.cgu.gov.br/oea/publicacoes/Arquivos/avaliacao2.pdf>.

25. “A Lei nº 8.429/92, em seu art. 16, § 2º, dá margem a que os tratados internacionais firmados pelo Brasil cuidem de medidas constritivas de bens titularizados pelo indiciado no exterior, o que, contudo, vem sendo olimpicamente ignorado.” (GARCIA; ALVES, 2010, p. 982)

26. “[...] existe certa unanimidade no seio da doutrina no sentido de que o termo ‘tratados internacionais’ engloba diversos tipos de instrumentos internacionais, tratando-se de gênero, em relação ao qual as convenções e os pactos (apenas para citar alguns dos mais importantes) são espécies [...].” (SARLET, 2008, p. 134)

27. Firmaram-se quatro correntes interpretativas na doutrina acerca desse assunto: a) hierarquia supraconstitucional dos tratados internacionais de direitos humanos; b) hierarquia constitucional desses tratados; c) hierarquia infraconstitucional, mas supralegal; d) paridade hierárquica entre tratado e lei ordinária (PIOVESAN, 2007, p. 68). O STF, como se verá adiante, passou a encampar a tese da supralegalidade, superando a tese da paridade entre tratado e lei ordinária.

28. “Cada Estado Participante adotará as medidas que sejam necessárias para estabelecer ou manter, em conformidade com seu ordenamento jurídico e seus princípios constitucionais, um equilíbrio apropriado entre quaisquer imunidades ou prerrogativas jurisdicionais outorgadas a seus funcionários públicos para o cumprimento de suas funções e a possibilidade, se necessário, de proceder efetivamente à investigação, ao indiciamento e à sentença dos delitos qualificados de acordo com a presente Convenção.”

29. Entende-se por “‘Funcionário público’, ‘funcionário de governo’ ou ‘servidor público’, qualquer funcionário ou empregado de um Estado ou de suas entidades, inclusive os que tenham sido selecionados, nomeados ou eleitos para desempenhar atividades ou funções em nome do Estado ou a serviço do Estado em qualquer de seus níveis hierárquicos.”

30. “a) Por ‘funcionário público’ se entenderá: i) toda pessoa que ocupe um cargo legislativo, executivo, administrativo ou judicial de um Estado-Parte, já designado ou empossado, permanente ou temporário, remunerado ou honorário, seja qual for o tempo dessa pessoa no cargo; ii) toda pessoa que desempenhe uma função pública, inclusive em um organismo público ou numa empresa pública, ou que preste um serviço público, segundo definido na legislação interna do Estado-Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado-Parte; iii) toda pessoa definida como ‘funcionário público’ na legislação interna de um Estado-Parte. Não obstante, aos efeitos de algumas medidas específicas incluídas no Capítulo II da presente Convenção, poderá entender-se por ‘funcionário público’ toda pessoa que desempenhe uma função pública ou preste um serviço público segundo definido na legislação interna do Estado-Parte e se aplique na esfera pertinente do ordenamento jurídico desse Estado-Parte;”

31. Num precedente do STJ, envolvendo a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (Convenção de Mérida), Reclamação nº 2645, em que se discutia um pedido de remessa de provas extraprocessuais produzidas pela Procuradoria-Geral da República do Brasil à Procuradoria-Geral da Rússia, reconheceu-se apenas o caráter comum desse tratado: “[...] 5. Conforme reiterada jurisprudência do STF, os tratados e convenções internacionais de caráter normativo, ‘(...) uma vez regularmente incorporados ao direito interno, situam-se, no sistema jurídico brasileiro, nos mesmos planos de validade, de eficácia e de autoridade em que se posicionam as leis ordinárias’ (STF, ADI-MC 1480-3, Min. Celso de Mello, DJ de 18.05.2001), ficando sujeitos a controle de constitucionalidade e produzindo, se for o caso, eficácia revogatória de normas anteriores de mesma hierarquia com eles incompatíveis (lex posterior derrogat priori) [...]” (STJ, Corte Especial, Reclamação 2645, rel. Min. Teori Albino Zavascki, j. em 18.11.2009, DJE de 16.12.2009, RSTJ v. 00217, p. 308).

32. A decisão foi tomada na conclusão do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) 349.703 e 466.343 e do Habeas Corpus (HC) 87585, em que se discutia a prisão civil de alienante fiduciário infiel. “[...] parece mais consistente a interpretação que atribui a característica de supralegalidade aos tratados e convenções de direitos humanos. Essa tese pugna pelo argumento de que os tratados sobre direitos humanos seriam infraconstitucionais, porém, diante de seu caráter especial em relação aos demais atos normativos internacionais, também seriam dotados de um atributo de supralegalidade. Em outros termos, os tratados sobre direitos humanos não poderiam afrontar a supremacia da Constituição, mas teriam lugar especial reservado no ordenamento jurídico. Equipará-los à legislação ordinária seria subestimar o seu valor especial no contexto do sistema de proteção dos direitos da pessoa humana.” Excerto do voto do Min. Gilmar Mendes.

 

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REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS