Decadência no Direito Previdenciário


Autor: Adriano Enivaldo de Oliveira

Juiz Federal

 publicado em 19.12.2012


Resumo

O paper trata a distinção entre decadência e prescrição, o conhecimento ex officio do instituto, sua aplicação ao ramo do Direito Previdenciário e o entendimento jurisprudencial sobre a temática.

Introdução

O livro do Eclesiastes nos ensina, no capítulo 3, que para tudo há um tempo: “Tudo tem a sua ocasião própria, e há tempo para todo propósito debaixo do céu” (versículo 1). No versículo 9, pergunta: “Que proveito tem o trabalhador naquilo em que trabalha?”. Dentre esses proveitos, estão os benefícios previdenciários; mas, para recebê-los, também há um tempo adequado. De modo que, para exercer o direito a qualquer benefício previdenciário pago pelo INSS, precisamos, também, observar um tempo.

Uma breve análise das disposições legais e das interpretações jurisprudenciais sobre a decadência do Direito Previdenciário será o objeto deste paper.

Regra geral

O art. 103 da Lei nº 8.213/91 é a regra matriz para o instituto da decadência no Direito Previdenciário.
Na sua redação original, tal dispositivo legal dizia:

"Sem prejuízo do direito ao benefício, prescreve em 5 (cinco) anos o direito às prestações não pagas nem reclamadas na época própria, resguardados os direitos dos menores dependentes, dos incapazes ou dos ausentes."

Após a nova reedição da Medida Provisória nº 1.523, de 27 de junho de 1997, posteriormente convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, a redação foi alterada para:

"É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo."

Nova alteração legislativa, em 1998, reduziu o prazo para cinco anos:

"Art. 103.  É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo." (Lei nº 9.711, de 20 de novembro de 1998, decorrente da conversão em Lei da MP 1663-15, de 22 de outubro de 1998)

Em 20 de novembro de 2003, foi publicada a Medida Provisória nº 138/03, alterando novamente o prazo decadencial para 10 anos:

"Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo."

É importante observar, sob o ponto de vista histórico, que, antes da modificação provocada pela MP 1523-9/1997 na Lei 8.213/91, não existia previsão de prescritibilidade ou caducidade do direito do segurado da Previdência Social de postular a revisão do ato de concessão e da fixação da Renda Mensal Inicial (RMI) de seu benefício previdenciário. Apenas no Direito Previdenciário Estatutário, dos servidores públicos, se reconhecia a prescrição do fundo de direito de postular revisão dessa espécie após transcorrido quinquênio do ato de instituição do benefício, com base no Decreto n° 20.910/32.

Aplicação da lei no tempo

No mínimo três posições podem ser encontradas, em razão da confusão legislativa acima exposta, sobre a aplicação do instituto da decadência:

a) Há decadência tanto para situações anteriores como para situações posteriores à nova lei;

b) A contagem do prazo decadencial começa, para situações anteriores, a partir da nova lei;

c) Não há prazo decadencial para situações anteriores à nova lei.

De acordo com a primeira posição, os efeitos da decadência seriam aplicados para os casos posteriores à entrada em vigor da norma, e também para os casos pretéritos à sua vigência.

Pela segunda corrente, minoritária, a partir de 27 de junho de 1997, teria início a contagem do prazo para situações anteriores.

E, conforme a terceira posição, todo e qualquer benefício concedido após o dia 27 de junho de 1997 tem seu prazo de decadência.

Essa terceira posição, mais restritiva, foi a que prevaleceu na jurisprudência, tendo em vista a natureza do instituto da decadência.

Natureza do instituto da decadência

Para dirimir corretamente as dúvidas quanto à aplicação do instituto da decadência, faz-se mister definir, precipuamente, sua natureza jurídica: se de direito material ou de direito processual.

O termo “decadência” provém da forma verbal “cado”, cuja origem é o verbo latino “cadere”, que, em português, significa cair. A ele é acrescido o sufixo – “ência”, do latim “entia”, que, em vernáculo, significa ação, estado. Decadência significa, conseguintemente, a ação de cair do direito subjetivo. Logo, o próprio direito substantivo é fulminado pelo instituto.

É por esse motivo que, por analogia, aos casos de Direito Previdenciário, aplica-se o vetusto verbete nº 359 do STF:

“Ressalvada a revisão prevista em lei, os proventos da inatividade regulam-se pela lei vigente ao tempo em que o militar, ou o servidor civil, reuniu os requisitos necessários.” (13.12.1963 – IN, 1964, p. 155)

O Superior Tribunal de Justiça também considera a decadência um direito substancial, razão pela qual não pode retroagir seu instituto a fim de abarcar situações já completadas antes da vigência da lei. Nesse sentido:

“PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. LEI N° 9.528/1997. BENEFÍCIO ANTERIORMENTE CONCEDIDO. DECADÊNCIA. NÃO CONFIGURAÇÃO. APURAÇÃO DO SALÁRIO DE BENEFÍCIO. APLICAÇÃO DOS ARTS. 21 E 23 DO DECRETO N° 89.312/1984. SISTEMA HÍBRIDO. NÃO ADMISSÃO. PERÍODO COMPREENDIDO ENTRE 05.10.1988 E 05.04.1991. APLICAÇÃO DO ART. 144 E PARÁGRAFO ÚNICO DA LEI N° 8.213/91. SUBSTITUIÇÃO DA RENDA MENSAL ANTERIOR.

1. O prazo decadencial previsto no caput do artigo 103 da Lei de Benefícios, introduzido pela Medida Provisória n° 1.523-9, de 27.06.1997, convertida na Lei n° 9.528/1997, por se tratar de instituto de direito material, surte efeitos apenas sobre as relações jurídicas constituídas a partir de sua entrada em vigor. Precedentes.” (AgRg no REsp 1223695/SC, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 15.05.2012, DJe 22.05.2012)

Matéria de ordem pública

Ordem pública é um conceito indeterminado; uma linguagem de textura aberta. Daí a razão da dificuldade de interpretação, uma vez que se caracteriza pela falta de precisão e de determinação quanto ao seu conteúdo.

Do Vocabulário Jurídico, de Plácido e Silva, extrai-se o seguinte conceito de ordem pública:

“ORDEM PÚBLICA. Entende-se a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma consequência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada.”

Daí se vê a dificuldade em aplicar esse conceito ao instituto da decadência, uma vez que parece mais adequado à Ciência Política.

Outrossim, unanimemente, no RE 66.103, o STF declarou que “A decadência é matéria de ordem pública e pode ser declarada em qualquer fase processual, mesmo no recurso extraordinário, e ainda que não prequestionada” (RTJ 56/642 e RT 430/290).

De modo semelhante também o Superior Tribunal de Justiça tem se manifestado:

“As matérias de ordem pública podem ser conhecidas nesta Corte, se preenchido o requisito constitucional do prequestionamento. Caso dos autos, nos quais a Corte de origem abordou a questão da decadência, firmando conclusão de que o direito do segurado não havia decaído.” (EDcl no REsp 1304433/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 08.05.2012, DJe 15.05.2012)

Conclusão

Considerados os pressupostos apontados nos itens anteriores, chega-se ao entendimento de que o prazo de decadência pode atingir, exclusivamente, as relações jurídicas constituídas a partir da vigência da nona edição da MP 1.523/97, uma vez que a norma não é expressamente retroativa e trata de instituto de direito material.

Desse modo, o prazo de decadência do direito ou da ação visando à sua revisão tem, como termo inicial, a data em que entrou em vigor a norma fixando o referido prazo decenal (28.06.1997) (REsp 1.303.988/PE, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Seção, DJ 21.03.2012; REsp 1.302.661/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 23.04.2012)

Assim, concedidos os benefícios antes da Medida Provisória 1.523-9/1997 e decorrido o prazo decadencial decenal entre a publicação dessa norma e o ajuizamento da ação com o intuito de revisão de ato concessório ou indeferitório, deve ser extinto o processo, com resolução de mérito, por força do art. 269, IV, do CPC.


Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2012. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS