Condições de elegibilidade e inelegibilidades(1)


Autor: Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz

Desembargador Federal

 publicado em 19.12.2012


Maintenant, il ne suffit pas que le citoyen soit à l’abri de tout acte arbitraire, qui’il ait l’inviolabilité de sa personne et l’inviolabilité de sa pensée; il faut qu’il ait l’inviolabilité de ses préférences, lorsqu’il est appelé à élire celui qui doit représenter son opinion, et la porter dans les conseils de la nation.

Il s’agit ici de la liberté des élections.” (M. Thiers, Discours, Paris, 1867, p. 131)

Introdução

Cabe-me, inicialmente, agradecer ao ilustre Diretor da Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Desembargador Federal Mairan Maia – e eu o faço com profundo desvanecimento –, a honra deste convite para proferir uma conferência sobre “Condições de Elegibilidade e Inelegibilidades” na Jornada de Direito Eleitoral.

1 Distinção entre inelegibilidade e incompatibilidade

Para que se possa definir a inelegibilidade, é necessário, preliminarmente, distingui-la de outro instituto que com ela não se confunde: a incompatibilidade.

Na doutrina estrangeira, principalmente na francesa e na italiana, é clássica essa distinção, como referem André e Francine Demichel, na sua obra Droit Électoral:

Il y a inéligibilité lorsque la situation d’un cantidat fait obstacle à ce qu’il soit légalement élu. Il y a simplement incompatibilité lorsqu’un candidat peut légalement acquérir un mandat, mais ne peut l’exercer, donc le conserver, s’il n’est pas mis fin à une situation préexistante qui le concerne ou qui concerne éventuellement tel ou tel de ceux qui ont été élus en  même temps que lui. L’inéligibilité es donc une impossibilité juridique d’acquisition d’un mandat; l’incompatibilité, une simple impossibilité de coexistance de ce mandat et d’une autre situation.(2)

O nosso legislador constituinte distingue perfeitamente as duas situações. A Constituição Federal estabelece as incompatibilidades no seu art. 54 e as inelegibilidades no art. 14, §§ 4º e seguintes, e nos demais casos fixados na Lei Complementar nº 64/90.

Inelegibilidades, pois, são os impedimentos, de natureza constitucional ou legal (se forem os previstos na lei complementar que regula a matéria das inelegibilidades), que impossibilitam a alguém o seu registro como postulante a todos ou a alguns cargos eletivos, ou, se supervenientes ao registro, servem de embasamento à impugnação de sua diplomação, tornando nulos os votos porventura dados ao cidadão sufragado.

As incompatibilidades são, da mesma forma, impedimentos, embora de natureza diversa, que proíbem que o parlamentar, desde a expedição do diploma ou desde a sua posse, obtenha, direta ou indiretamente, vantagens do Poder Público, ou se utilize do mandato para obtê-las com maior facilidade.

Enquanto a inelegibilidade é um impedimento prévio à eleição, tornando nulos os votos dados ao cidadão inelegível, a incompatibilidade é um impedimento posterior ao pleito eleitoral e proibitivo do exercício do mandato.
 
Se o parlamentar infringir as proibições constantes do art. 54 da Constituição Federal, ele perderá o seu mandato. Cabe, portanto, a ele, parlamentar, optar ou pela permanência no legislativo, abandonando o cargo incompatível com o exercício do seu mandato, ou, então, por continuar no exercício do cargo incompatível, perdendo, no entanto, o mandato legislativo.
 
2 O efeito moralizador das inelegibilidades

Nas inelegibilidades é cristalino o efeito moralizador que inspirou o legislador constituinte de 1967, 1969 e 1988, com especial desvelo no que concerne à probidade administrativa e à moralidade para o exercício do mandato, evitando, com essas medidas preventivas, que indivíduos indignos da grandeza que cerca o exercício da função pública, seja no Executivo, seja no Legislativo, possam comprometer, se acaso eleitos, a imagem desses dois Poderes, o que em nada estimularia o aperfeiçoamento das instituições democráticas do país.

A Lei Complementar que cuida das inelegibilidades atualmente – Lei Complementar nº 64/90 –, é preciso enfatizar, não pode se afastar dos princípios e limites estabelecidos pela Constituição, sob pena de incorrer em vício de inconstitucionalidade.

A esse respeito, é translúcida a lição do consagrado jurista Pontes de Miranda, ao comentar o alcance da lei complementar prevista no art. 151 da Constituição Federal de 1969, verbis:

“Daí o problema de técnica legislativa, cuja solução tem de atender aos princípios constitucionais, notadamente aos arts. 153, §§ l°, 2°, 4°, 8°, 13, 15, 16, 23 e 28, e 154.

As medidas contra a atividade antiliberal, sem ser concernente a eleições, nada têm com a defesa do regime democrático. Nem se trata de defesa da democracia se as medidas se referem à igualdade, ou à ideologia anti-igualitária.”

Adiante, acrescenta o saudoso jurista, verbis:
 
“Nenhuma lei brasileira pode ser interpretada ou executada em contradição com os enunciados da Declaração de Direitos, nem em contradição com quaisquer outros artigos da Constituição de 1967; porém, alguns dos incisos do art. 153 são acima do Estado, e as próprias Assembleias Constituintes, em emenda, não os podem revogar ou derrogar. Tais incisos são os que contêm declaração de direitos fundamentais supraestatais.”(3)
 
3 Pressupostos de elegibilidade e inelegibilidades

No Estatuto Constitucional em vigor no Brasil, são inconfundíveis os pressupostos de elegibilidade e as inelegibilidades, apesar do fato de que a ausência de qualquer daqueles ou a ocorrência de qualquer destas configure um impedimento para que determinado cidadão possa candidatar-se às eleições, em nível federal, estadual ou municipal.

Os pressupostos de elegibilidade são condições ou requisitos que devem ser preenchidos pelo candidato para que possa concorrer às eleições, como, por exemplo, estar no gozo dos seus direitos políticos, estar alistado como eleitor, estar filiado a um partido político.

As inelegibilidades, como já foi referido, constituem impedimentos que obstam ao candidato que preencha os pressupostos de elegibilidade de concorrer ao pleito eleitoral, ou, se posteriores ao registro, servem de fundamento à impugnação de sua diplomação, se for eleito.

Giuseppe Grasso, com base na distinção feita pela Carta Magna da Itália, nos arts. 51, 65 e 122, entre requisiti stabiliti dalla legge per accedere alle cariche elettive e casi di ineleggibilità, conclui, verbis:

I) requisiti della prima categoria hanno, infatti, lo scopo di garantire che le persone chiamate ai pubblici uffici siano adatte allo svolgimento delle funzioni inerenti agli uffici stessi. Essi rendono la persona idonea ad essere validamente scelta dai suffragio popolare e debbono, quindi, sussistere al momento dell'elezione ossia nel giorno della votazione, salvo che la legge non prescriva un altro trermine ancora anteriore.

Mais adiante, o mesmo autor define a inelegibilidade como:

(...) impedimento, per la persona che ne sia colpita, ad essere validamente eletta e deve, quindi, non sussistere, o eventualmente cessare, prima del giorno della votazione.(4)

Por conseguinte, como bem lembrou o eminente Ministro Moreira Alves, em excelente e erudito artigo de doutrina, para que determinada pessoa possa concorrer a algum cargo eletivo, é necessário que ela preencha, primeiramente, os pressupostos de elegibilidade (requisito positivo) e que não incida em impedimentos (ou seja, inelegibilidade – requisito negativo).(5)

As inelegibilidades, como é sabido, salvo aquelas estabelecidas  na Constituição Federal, só podem ser criadas por lei complementar (CF, art. 14, § 9º).

Já os pressupostos de elegibilidade ou estão fixados na Lei Maior (por exemplo, o que faz referência à filiação político-partidária que seja ou venha a ser exigida por lei), ou em leis ordinárias, como o Código Eleitoral e a Lei Orgânica dos Partidos Políticos.

Questão que bem ilustra o tema acima comentado foi a discussão que se estabeleceu na década de setenta acerca da constitucionalidade do § 3° do art. 67 da Lei Orgânica dos Partidos Políticos (Lei nº  5.682/71), cujo texto tinha a seguinte redação:     

“Art. 67. (...)
§ 3° – Desligado de um partido e filiado a outro, o eleitor só poderá candidatar-se a cargo eletivo após o decurso do prazo de 2 (dois) anos da data da nova filiação.”

Não foram poucos os juristas que tacharam esse dispositivo da Lei Orgânica dos Partidos Políticos de inconstitucional, pois nele viam uma inelegibilidade instituída por simples lei ordinária, enquanto a Constituição exige para tal a lei complementar.(6)

Ora, o § 3° do art. 67 da Lei nº 5.682/71, então em vigor, ao reclamar o prazo de dois anos para que alguém que era filiado a um partido político e o deixa para se filiar a outro possa concorrer a um cargo eletivo, não estabeleceu um caso de  inelegibilidade, mas, isso sim, um pressuposto de elegibilidade, que pode ser criado por lei ordinária, como o fez a antiga Lei Orgânica dos Partidos Políticos, que apenas exigiu mais uma condição para que as pessoas elegíveis pudessem candidatar-se a cargos eletivos.

4 Constitucionalidade da lei complementar das inelegibilidades. Antecedentes históricos e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

A alínea n do inciso I do art. 1° da Lei Complementar nº 5/70, na sua redação originária, tinha o seguinte teor:
       
n) os que tenham sido condenados ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público recebida pela autoridade judiciária competente, por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública, o patrimônio ou pelo delito previsto no art. 22 desta Lei Complementar, enquanto não absolvidos ou penalmente reabilitados.”

Muito se discutiu a respeito da constitucionalidade da expressão "ou respondam a processo judicial, instaurado por denúncia do Ministério Público, recebida pela autoridade judiciária competente", pois, segundo alguns, o simples fato da pendência de um processo, com denúncia oferecida e recebida, não podia acarretar um ônus tão grave como a inelegibilidade, ferindo, segundo eles, não só a Constituição, mas, igualmente, princípios eternos e universais, como o da presunção de inocência do acusado, até que a sua culpabilidade tenha sido provada.
 
A questão foi longa e exaustivamente debatida em memorável julgamento levado a efeito pela Suprema Corte, que, por maioria de votos, repeliu a pretendida arguição de inconstitucionalidade do preceito legal impugnado (Recurso Extraordinário Eleitoral nº 86.297-SP, rel. Min. Thompson Flores, in RTJ 79/671).

Nesse julgamento, o relator, o saudoso Ministro Thompson Flores, fez as seguintes considerações em seu douto voto:

“Considero, assim, que, ao editar a Lei Complementar nº 5/1970 e ao estatuir entre os casos de inelegibilidade o do art. 1º, l, n, ora em debate, conteve-se o legislador na autorização constitucional.

Não considerou ele qualquer infração penal, mas aquelas que, afetando candidatos a cargos eletivos, porque nelas envolvidos, pudessem comprometer o regime democrático (segurança nacional, ordem política e social, economia popular etc.), a probidade administrativa ou a moralidade para o exercício do mandato (fé pública, a administração pública e o pratrimônio).

Demais, exigiu a instauração da ação penal; e foi além, por denúncia do Ministério Público; e, somente, após recebida.

Por fim, para prevenir abusos na arguição de infundada inelegibilidade, considerou crime eleitoral dito procedimento (Lei Complementar nº 5/1970, art. 22) última das infrações consideradas, certo visando preservar o regime democrático.

Viu o aresto impugnado, o recebimento da denúncia, atentado à Constituição, porque anteciparia inculpação, sem sentença condenatória, obstando o candidato de um dos direitos imanentes à cidadania, o de ser votado.

Seria, data venia, confundir causa de inelegibilidade com presunção de culpabilidade, de conceituação jurídica diversa e com reflexos distintos.

(...)

Não se cuida de dita presunção, mas de medida cautelar, preventiva, provisória, desrecomendando o sufrágio sobre aquele que está sendo processado criminalmente por uma das infrações já referidas.

(...)

O recebimento de denúncia oferecida pelo MP e pelas infrações que enumerou tem caráter meramente preventivo.

É o que se deflui, claramente, do art. 151 da Constituição, quando, ao referir os casos de inelegibilidade, o fez para (sic) preservar os princípios da ordem político-jurídica que instituiu.”(7)

Com inteiro acerto decidiu a Corte Suprema, no regime constitucional pretérito, pois que índice mais seguro e acertado, dentro de um critério de conveniência adotado pelo legislador, com a finalidade de preservar a probidade e a moralidade  administrativa, do que impedir de postular um mandato, legislativo ou executivo, aqueles que se achavam sob a acusação dos crimes enumerados na alínea n do inciso I do art. 1° da Lei Complementar nº 5/70?

Ora, se a Constituição então em vigor permitia que a inelegibilidade pudesse ter por base a vida pregressa do candidato, como capaz de lhe retirar as condições de moralidade para o exercício do mandato, não exigindo sequer que esses fatos configurassem ilícitos penais, nada impedia, pois, a exclusão da disputa eleitoral daqueles candidatos que foram denunciados pelo Ministério Público e cuja denúncia havia sido recebida pelo juiz, naqueles delitos enumerados na Lei Complementar nº 5.

Minime sunt mutanda, quae interpretationem certam semper habuerunt.

A redação da alínea n do inciso I do art. 1° da Lei Complementar nº 5 foi alterada pela Lei Complementar nº 42, de 01.02.82, e passou a ter o seguinte texto:

n) os que tenham sido condenados (vetado) por crime contra a segurança nacional e a ordem política e social, a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio, ou pelo delito previsto no art. 22 desta Lei Complementar, enquanto não penalmente reabilitados.”

Novamente, o Supremo Tribunal Federal pronunciou-se sobre a constitucionalidade desse dispositivo, agora  na sua nova redação, no Agravo de Instrumento Eleitoral nº 92.794-SP, sendo relator o eminente Ministro Moreira Alves:

“Inelegibilidade. Alínea n (em sua nova redação) do inciso I do art. 1º da Lei Complementar 5/70.
Interpretação no sentido de que basta a condenação, ainda que não transitada em julgado.

(...)

Ademais, se esta Corte já declarou constitucional a norma anterior, que tornava inelegível candidato denunciado, com mais razão é constitucional a interpretação de que a condenação, a que alude a nova redação dessa norma, não necessita de haver transitado em julgado.”(8)

Na lei atual que disciplina as inelegibilidades, a Lei Complementar nº 64/90, com as alterações subsequentes, dispõe o art. 1º, I, e, verbis:

“e) os que forem condenados, em decisão transitada em julgado ou proferida por órgão judicial colegiado, desde a condenação até o transcurso do prazo de 8 (oito) anos após o cumprimento da pena, pelos crimes:  (Redação dada pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

1. contra a economia popular, a fé pública, a administração pública e o patrimônio público;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

2. contra o patrimônio privado, o sistema financeiro, o mercado de capitais e os previstos na lei que regula a falência;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

3. contra o meio ambiente e a saúde pública;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

4. eleitorais, para os quais a lei comine pena privativa de liberdade;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

5. de abuso de autoridade, nos casos em que houver condenação à perda do cargo ou à inabilitação para o exercício de função pública;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

6. de lavagem ou ocultação de bens, direitos e valores;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

7. de tráfico de entorpecentes e drogas afins, racismo, tortura, terrorismo e hediondos;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

8. de redução à condição análoga à de escravo;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

9. contra a vida e a dignidade sexual; e  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)

10. praticados por organização criminosa, quadrilha ou bando;  (Incluído pela Lei Complementar nº 135, de 2010)”

Na França, muito mais rigorosa em matéria de inelegibilidades do que o Brasil, o Conselho de Estado considerou válido o decreto do Presidente da República, por ocasião da crise da Argélia, versando sobre inelegibilidades, verbis:

Ainsi le Conseil d'Etat a-t-il validé le décret du 12 mai 1960 interdisant en Algérie l'enregistrement des candidatures ou la proclamation de l'élection d'un candidat inculpé d'un crime ou délit contre la sûreté de l'Etat, ou poursuivi, de ce chef, pour complicité; ce décret était en effet légalement fondé sur la loi du 16 mars 1956 autorisant à prendre en Algérie toutes les mesures aient pour objet le rétablissement de l'ordre, la protection des personnes et des biens et la sauvegarde du territoire  (C.E., 27 mai 1960, Lagailarde, R p. 369).”(9)

Realmente, com a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº 14, de 3 de junho de 1965, à Constituição de 1946, foi rompida a tradição constitucional brasileira de que só o próprio texto da Constituição, dada a relevância da matéria, fixava os casos de inelegibilidade.

A mencionada Emenda Constitucional, por meio de seu artigo 2º, permitiu que lei especial instituísse casos de inelegibilidade, além daqueles estabelecidos na Carta Magna, respeitados os princípios insculpidos na Constituição Federal.

Trata-se, portanto, de uma inovação à prática constitucional brasileira, que foi mantida e aperfeiçoada pelas Constituições de 1967 e 1988.

Com efeito, dispõe o art. 14, § 9º, da Constituição em vigor que lei complementar estabelecerá os casos de inelegibilidade e os prazos nos quais cessará esta, visando à preservação do regime democrático, da probidade administrativa, da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego públicos da administração direta ou indireta, ou do poder econômico e, por fim, da moralidade para o exercício do mandato.

Ao comentar a Lei nº 93.122, de 1993, aprovada pelo Parlamento da França, visando a combater a corrupção na vida política francesa, anotou Christophe Guettier, verbis:

Loin d’épuiser le délicat problème de la moralisation de la vie politique, cette loi en précise quelques aspects, à travers des dispositions multiples et de valeur inégale. Elle complète ainsi un dispositif déjà riche en mesures diversifiées, et sans doute promises à se renouveller dans l’avenir, puisqu’au cours des débats parlementaires l’opposition, peu satisfaite par le texte, a annoncé son intention d’en corriger le contenu, le moment venu.

Pour l’heure, on peut se poser la question de savoir s’il ne conviendrait pas désormais d’envisager une codification de ces différents textes, tant les matières appréhendées risquent d’échapper dans toute leur diversité et leur ampleur à ceux – et ils sont nombreux, élus et fonctionnaires, entre autres – qui auront à les mettre en oeuvre. La transparence ne supposet-elle pas aussi des facilités d’accès à la connaissance ? En tout cas, ces mesures ne seront véritablement efficaces qu’à la condition d’être effectivement respectées par ceux qui s’y trouveront assujettis à un titre ou à un autre, tant il est vrai que les textes ne valent que par ce que les hommes en font.

Quant à l’objectif poursuivi: la moralisation de la vie politique française, force est de constater que les scandales politico-financiers de ces dernières années auront eu au moins l’avantage d’en faire progresser la réalisation. La confiance des citoyens en leurs représentants et donc le bon fonctionnement de la démocratie en dépendent.”(10)

No Brasil, como observa Fávila Ribeiro,(11) a Constituição Federal limita-se a delinear os princípios fundamentais referentes às inelegibilidades, para que sejam detalhados, pormenorizadamente, pela legislação complementar.

O legislador brasileiro, inspirado nos mais elevados princípios, atento à advertência de Edmund Burke, “bad laws are the worst sort of tyranny”,(12) aperfeiçoando a legislação eleitoral, teve em mira preservar os mandatos executivo e legislativo daqueles cidadãos cuja conduta seja incompatível com a alta política da Nação, procurando promover a maior participação dos verdadeiros políticos e do próprio eleitor na vida pública, esposando a doutrina do notável estadista francês Thiers, em célebre discurso, verbis:

“(...) je soutiens que l’absence de tout esprit public, de toute participation réelle du pays à la conduite de ses affaires, finirait par devenir un grand malheur pour la nation et pour le Gouvernement lui-même. Car, lorsque les citoyens s’habituent à abdiquer ainsi toute initiative, l’égoïsme particulier se développe et grandit; les vertus civiques disparaissent; la société s’absorbe dans la poursuite des intérêts matériels; la jeunesse, dédaignant les nobles ambitions, qui la passionnaient autrefois, s’alanguit dans les jouissances d’une vie trop facile, ne se préoccupe plus que de luxe, de jeu, de spéculations immorales, et perd, dans une oisiveté déplorable, l’élévation des sentiments patriotiques, aussi bien que la dignité des moeurs.”(13)

E, para concluir, são de recordar estas palavras da Suprema Corte Americana, ao julgar o caso Wesberry v. Sanders, 376 U.S. (1964),(14) verbis:

“(...) [n]o right is more precious in a free country than that of having a voice in the election of those who make the laws under which, as good citizens, we must live. Other rights, even the most basic, are illusory if the right to vote is undermined.”

Senhor Presidente:

Ao participar desta Jornada de Direito Eleitoral, sinto-me feliz em prestar homenagem a esta Corte, herdeira da melhor tradição da Justiça Federal brasileira.
Muito obrigado.

Notas


1. Conferência proferida na Escola da Magistratura do TRF da 3ª Região, em São Paulo, na data de 24.08.2012.

2. DEMICHEL, André; DEMICHEL, Francine. Droit Électoral. Paris: Dalloz, 1973. p. 223. No mesmo sentido: LAFERRIÈRE, Julien. Manuel de Droit Constitutionnel. 2. ed. Paris: Domat Montchrestien, 1947. p. 669; BISCARETTI DI RUFFIA, Paolo. Direito Constitucional. Revista dos Tribunais, São Paulo, 1984, n. 119. p. 291 e segs; GALATERIA, Luigi. Gli organi collegiali amministrativi. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1975. v. I. p. 69-91; No Direito argentino, a propósito das incompatibilidades, ver BIELSA, Rafael. Derecho Constitucional. 2. ed. Buenos Aires: Roque Depalma, n. 158, p. 404 e segs.

3. MIRANDA, Pontes de. Coments. à Constituição de 1967 c. a Em. nº 1/69. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1970. Tomo IV. p. 596 e 624.

4. GRASSO, Giuseppe P. Le norme sull’eleggibilità nel Diritto Pubblico italiano. Revista Trimestrali di Diritto Pubblico, a. VII, 1957, p. 739-40 e 743. Igual distinção é feita no Direito Francês, como referem André et Francine Demichel, op. cit., p. 92 e segs.

5. MOREIRA ALVES, J.C. Pressupostos de elegibilidades e inelegibilidades. In: Estudos de Direito Público em homenagem a Aliomar Baleeiro. Brasília: Universidade de Brasília, 1976. p. 229.

6. Nesse sentido: PINTO FERREIRA. Manual prático de Direito Eleitoral. São Paulo: Saraiva, 1973. p. 148; MEIRELLES, Hely L. Estudos e pareceres de Direito Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986. v. IX. p. 459; MELLO Fº, José C. de. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 1984. p. 132.

7. In RTJ 79/685.

8. In RTJ 107/654.

9. DEMICHEL, André; DEMICHEL, Francine. Op. cit., p. 73.

10. In La Loi Anti-Corruption. Paris: Dalloz, 1993. p. 39.

11.  In Direito Eleitoral. Rio de Janeiro: Forense, 1976. p. 183.

12. In The Works of Edmond Burke. Boston: Charles C. Little and James Brown, 1889. v. 2. p. 257.

13. In Discours de M. Thiers. Paris: E. Dentu, 1867. p. VII.

14. In University of Pennsylvania Law Review, v. 145, p. 353.

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2012. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS