Breves considerações sobre o conceito legal de segurado especial


Autor: Paulo Rui Kumagai de Aguiar Pupo

Juiz Federal

 publicado em 19.12.2012


O conceito de segurado especial é dado pela Lei 8.213/91, cujo artigo 11, inciso VII, dispõe o seguinte:

“Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas: (Redação dada pela Lei nº 8.647, de 1993)

(...)

VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de: (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade: (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

2. de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida; (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

b) pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

c) cônjuge ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo. (Incluído pela Lei nº 11.718, de 2008)

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes. (Redação dada pela Lei nº 11.718, de 2008)

A redação do citado dispositivo, anteriormente ao advento da Lei 11.718/2008, dava-se nos seguintes termos:

“Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(...)

VII – como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo. (O garimpeiro está excluído por força da Lei nº 8.398, de 07.01.92, que alterou a redação do inciso VII do art. 12 da Lei nº 8.212, de 24.07.1991)

§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.”

De início, tem-se que a primeira alteração perceptível feita pela Lei 11.718/2008 ao texto da Lei 8.213/91 refere-se à inserção no conceito de segurado especial de informação pertinente à residência da pessoa física (considerada segurado especial) “no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele”. Assim, a lei não exige que o segurado especial seja residente no imóvel rural no qual exerce sua atividade agropecuária ou extrativista. Basta que resida em zona urbana ou zona rural próxima do imóvel rural onde exerce sua atividade. 

Ainda, percebe-se que, com as alterações promovidas pela  Lei 11.718/2008 no texto da Lei 8.231/91, houve um maior detalhamento das condições das pessoas físicas consideradas segurados especiais, quais sejam: a) o produtor, seja proprietário, seja usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgado, comodatário ou arrendatário rural, que explore atividade agropecuária, de seringueiro ou extrativista vegetal; b) o pescador artesanal ou a este assemelhado; c) o cônjuge ou companheiro, bem como o filho maior de 16 anos ou a este equiparado, dos segurados especiais mencionados nos itens a) e b) acima.

Quanto ao produtor rural, a exploração agropecuária deve se dar em área não superior a 04 (quatro) módulos fiscais. Verifica-se que a Lei 11.718/2008 ampliou o número de módulos fiscais suscetíveis de exploração agropecuária até o limite de 04 (quatro) para a configuração da condição de segurado especial. Anteriormente, a exploração tinha que se dar em até 02 (dois) módulos fiscais, nos termos do art. 1º, inciso I, alínea b, do Decreto-Lei 1.166/71, que conceitua empresário ou empregador rural: “quem, proprietário ou não, e mesmo sem empregado, em regime de economia familiar, explore imóvel rural que lhe absorva toda a força de trabalho e lhe garanta a subsistência e o progresso social e econômico em área superior a dois módulos rurais da respectiva região”.  

Com relação à atividade de seringueiro ou extrativista vegetal, ela deve, segundo a dicção legal, ser “o principal meio de vida” do segurado. No que toca ao pescador artesanal ou a este assemelhado, a pesca deve ser sua profissão habitual ou seu principal meio de vida.

Questão interessante que se coloca é se o vulgo “pirangueiro”, profissional que acompanha pescadores esportivos (aqueles que praticam a pesca apenas por lazer, não se enquadrando como segurados especiais), ajudando-os a pescarem, fornecendo seu conhecimento e seu trabalho para o sucesso da pesca de lazer e fazendo disso sua atividade habitual, poderia ou não ser considerado assemelhado ao pescador artesanal. No nosso sentir, definitivamente tal profissional, denominado “pirangueiro”, desde que comprove que seu principal sustento decorre de sua atividade habitual de acompanhar e auxiliar pescadores esportivos, deve ser considerado um segurado especial.
   
No tocante à consideração dos cônjuges, companheiros ou filho maior de 16 anos ou equiparado como segurados especiais, é de se ver que a Lei 11.718/2008  não trouxe inovação ao rol existente na redação anterior da Lei 8.231/91. Todavia, a fim de adequar a alteração em sede constitucional, promovida pela EC nº 20/98, de vedação ao trabalho das pessoas menores de 16 anos (art. 7º, inciso XXXIII, da CF/88),  a Lei 8.213/91, na sua redação atual, apenas considera segurado especial o filho ou a ele equiparado maior de 16 anos.  

Também para a consideração, como segurados especiais, do cônjuge, companheiro, filho maior de 16 anos ou a ele equiparado, devem os mesmos comprovadamente laborar com o grupo familiar respectivo.

A ideia de segurado especial está intrinsecamente relacionada ao regime de economia familiar.

O parágrafo 1º do art. 11 da Lei 8.213/91 conceitua o regime de economia familiar da seguinte forma:

“1º  Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.”
 
A inovação da nova redação consiste em permitir a contratação eventual de empregados, sem que se descaracterize o regime de economia familiar. Assim, a título exemplificativo, se o trabalho ou a atividade é, na maior parte do tempo, exercido pelo grupo familiar respectivo, mas se há a contratação temporária, por poucos meses, de empregados para auxiliarem em um período de incremento da atividade, como, por exemplo, na época de uma colheita, não há descaracterização do regime de economia familiar.

Todavia, se forem contratados empregados permanentes, haverá a descaracterização do regime de economia familiar e, consequentemente, da condição de segurado especial daquele que contratou. Nesse caso, o contratante de empregados permanentes será considerado empregador rural, outra espécie de segurado obrigatório do Sistema Previdenciário.

Por fim, quer-nos parecer que o regime de economia familiar é aquele em que o trabalho da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar, consoante a dicção legal, de modo que, se houver rendas provenientes de outras fontes, reputadas como fontes principais de renda, relegando os recursos provenientes da atividade de segurado especial a um segundo plano,   descaracterizado estará o regime de economia familiar, por não ser indispensável à subsistência do núcleo familiar, e consequentemente os protagonistas da atividade não poderão ser considerados segurados especiais. A jurisprudência de nossos E. Tribunais avaliza esse entendimento, a teor dos seguintes r. julgados:

“Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO

Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL – 989390

Processo: 200261230018127 – UF: SP – Órgão Julgador: NONA TURMA

Data da decisão: 20.06.2005 – Documento: TRF300094682

Fonte: DJU – DATA:10.08.2005 – PÁGINA: 512

Relator(a): JUIZ SANTOS NEVES

Decisão: A Nona Turma, por unanimidade, deu provimento à apelação interposta pelo INSS.

Ementa

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE. RURÍCOLA.
DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. INVERSÃO DO ÔNUS DA SUCUMBÊNCIA. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

1 – No que tange à aposentadoria por idade de rurícola, basta o preenchimento dos requisitos idade e comprovação da atividade rural pelo período estabelecido no artigo 142 da Lei nº 8.213/91.

2 – Segundo o artigo 11, § 1º, da Lei nº 8.213/91, 'entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados'.

3 – Havendo outra fonte de renda distinta da atividade rural, salário do marido da autora decorrente de atividade urbana, descaracterizado está o alegado regime de economia familiar.

4 – Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento), calculados sobre o valor atualizado da causa, ficando suspensa sua execução, a teor do que preceitua o artigo 12 da Lei nº 1.060/50.

5 – Excluídas as custas processuais a cargo da parte-autora.

6 – Apelação do INSS provida. Sentença reformada.”

“Origem: TRIBUNAL – TERCEIRA REGIÃO

Classe: AC – APELAÇÃO CÍVEL – 843551

Processo: 200203990450886 – UF: SP – Órgão Julgador: DÉCIMA TURMA

Data da decisão: 19.10.2004 – Documento: TRF300087005

Fonte: DJU – DATA: 08.11.2004 – PÁGINA: 649

Relator(a): JUIZ SERGIO NASCIMENTO

Decisão: A Turma, por unanimidade de votos, não conheceu da remessa oficial, negou provimento ao agravo retido e deu provimento à apelação do réu, nos termos do voto do Relator.
 
Ementa

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. RURÍCOLA. REMESSA OFICIAL. AGRAVO RETIDO. CERCEAMENTO DE DEFESA.  DISPENSA DA PROVA TESTEMUNHAL. INEXISTÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. IMPROVIMENTO. DESCARACTERIZAÇÃO DO REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. CUSTAS. ISENÇÃO.

I – Remessa oficial não conhecida, tendo em vista a nova redação do artigo 475, § 2º, do Código de Processo Civil, alterado pela Lei nº 10.352/2001.

II – A dispensa da inquirição de testemunhas não constitui cerceamento de defesa, quando o fato que se pretende demonstrar estiver sobejamente comprovado por documentos ou quando inexistir início de prova material.

III – Em face do recebimento de aposentadoria pelo marido da demandante e do exercício de atividade urbana, é de se concluir pela inexistência de regime de economia familiar, não havendo que se falar, portanto, em início razoável de prova material da atividade laborativa da autora, na condição de rurícola.

IV – A qualidade de segurado especial somente é dada à pessoa que, apresentando início de prova material relativa à atividade rurícola desempenhada, tenha suas afirmações corroboradas por testemunhas.
V – A ausência de provas robustas e a fragilidade do depoimento testemunhal inibem a qualificação da autora como segurada especial.

VI – Configurada a sua condição de contribuinte individual e não havendo comprovação do recolhimento do número suficiente de contribuições, é de ser negado o benefício de aposentadoria por idade.

VII – Não há condenação da autora aos ônus da sucumbência, pois o E. STF já decidiu que a aplicação do disposto nos arts. 11 e 12 da Lei nº 1.060/50 torna a sentença um título judicial condicional (STF, RE 313.348/RS, Min. Sepúlveda Pertence).

VIII – Remessa oficial não conhecida. Agravo retido improvido.
Apelação do réu provida.”

Em conclusão, tem-se que as principais alterações trazidas pela Lei 11.718/2008 ao texto da Lei 8.213/91 foram salutares para melhor definir quais pessoas físicas podem ser consideradas segurados especiais e para permitir a contratação de empregados, temporariamente, sem a descaracterização do regime de economia familiar e da condição de segurado especial daquele que procede a essa contratação efêmera. Além disso, ampliaram o montante de módulos fiscais para exploração da atividade agropecuária pelo segurado especial em regime de economia familiar, permitindo-a em número de até 04 (quatro) módulos.

Assim, a Lei 11.718/2008 foi fundamental para ampliar as situações em que poderá ser reconhecida a condição de segurado especial das pessoas físicas que se enquadrem em seus requisitos.

 


Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2012. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS