Investigação criminal promovida pelo Ministério Público |
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Autor: Renato Marcão Membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, Mestre em Direito, Professor convidado no curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Rede Luiz Flávio Gomes e em diversas Escolas do Ministério Público e da Magistratura, Membro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária publicado em 19.12.2012
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De interesse para a matéria, é oportuno lembrar que constitui função institucional do Ministério Público (CF, art. 129) promover, privativamente, a ação penal pública (inc. I); zelar pelo efetivo respeito dos Poderes Públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia (inc. II); expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva (inc. VI); exercer o controle externo da atividade policial (inc. VII); requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial (inc. VIII); e exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade (inc. IX). “A legitimidade do Ministério Público para a colheita de elementos probatórios essenciais à formação de sua opinio delicti decorre de expressa previsão constitucional, oportunamente regulamentada pela Lei Complementar nº 75/1993 (art. 129, incisos VI e VIII, da Constituição da República e art. 8º, incisos V e VII, da LC nº 75/1993). A Polícia Judiciária não possui o monopólio da investigação criminal. É consectário lógico da própria função do órgão ministerial – titular exclusivo da ação penal pública – proceder à realização de diligências investigatórias pertinentes ao respectivo âmbito de atuação, a fim de elucidar a materialidade do crime e os indícios de autoria.”(4) Dentro das regras analisadas, é absolutamente compatível com as finalidades do Ministério Público o exercício da atividade investigatória.(5) “A cláusula de exclusividade inscrita no art. 144, § 1º, inciso IV, da Constituição da República – que não inibe a atividade de investigação criminal do Ministério Público – tem por única finalidade conferir à Polícia Federal, dentre os diversos organismos policiais que compõem o aparato repressivo da União Federal (polícia federal, polícia rodoviária federal e polícia ferroviária federal), primazia investigatória na apuração dos crimes previstos no próprio texto da Lei Fundamental ou, ainda, em tratados ou convenções internacionais. – Incumbe à Polícia Civil dos Estados-membros e do Distrito Federal, ressalvada a competência da União Federal e excetuada a apuração dos crimes militares, a função de proceder à investigação dos ilícitos penais (crimes e contravenções), sem prejuízo do poder investigatório de que dispõe, como atividade subsidiária, o Ministério Público. Função de polícia judiciária e função de investigação penal: uma distinção conceitual relevante, que também justifica o reconhecimento, ao Ministério Público, do poder investigatório em matéria penal.” (STF, HC 94.173/BA, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27.10.2009, DJe 223, de 27.11.2009) Em verdade, o problema reside no fato de que o Ministério Público incomoda, e muito, marginais engravatados que se utilizam do voto popular para espoliar o erário; para ampliar as atividades ilícitas das organizações criminosas que sem qualquer pudor integram e patrocinam, daí os insistentes ataques diretos e pessoais a Promotores de Justiça e Procuradores da República; daí as reiteradas investidas contra a instituição defensora do Estado Democrático de Direito, como dão mostras os inúmeros projetos de lei que tramitam no Congresso Nacional com vistas a cercear as atividades ministeriais, a despeito da desaprovação popular de tais iniciativas. “É perfeitamente possível que o órgão do Ministério Público promova a colheita de determinados elementos de prova que demonstrem a existência da autoria e da materialidade de determinado delito. Tal conclusão não significa retirar da Polícia Judiciária as atribuições previstas constitucionalmente, mas apenas harmonizar as normas constitucionais (arts. 129 e 144) de modo a compatibilizá-las para permitir não apenas a correta e regular apuração dos fatos supostamente delituosos, mas também a formação da opinio delicti. O art. 129, inciso I, da Constituição Federal atribui ao parquet a privatividade na promoção da ação penal pública. Do seu turno, o Código de Processo Penal estabelece que o inquérito policial é dispensável, já que o Ministério Público pode embasar seu pedido em peças de informação que concretizem justa causa para a denúncia. Ora, é princípio basilar da hermenêutica constitucional o dos ‘poderes implícitos’, segundo o qual, quando a Constituição Federal concede os fins, dá os meios. Se a atividade fim – promoção da ação penal pública – foi outorgada ao parquet em foro de privatividade, não se concebe como não lhe oportunizar a colheita de prova para tanto, já que o CPP autoriza que ‘peças de informação’ embasem a denúncia.” (STF, HC 91.661/PE, 2ª T., rel. Min. Ellen Gracie, j. 10.03.2009, DJe 64, de 03.04.2009) No mesmo sentido: “O poder de investigar compõe, em sede penal, o complexo de funções institucionais do Ministério Público, que dispõe, na condição de dominus litis e, também, como expressão de sua competência para exercer o controle externo da atividade policial, da atribuição de fazer instaurar, ainda que em caráter subsidiário, mas por autoridade própria e sob sua direção, procedimentos de investigação penal destinados a viabilizar a obtenção de dados informativos, de subsídios probatórios e de elementos de convicção que lhe permitam formar a opinio delicti, em ordem a propiciar eventual ajuizamento da ação penal de iniciativa pública. Precedentes: RE 535.478/SC, rel. Min. Ellen Gracie; HC 91.661/PE, rel. Min. Ellen Gracie; HC 85.419/RJ, rel. Min. Celso de Mello; HC 89.837/DF, rel. Min. Celso de Mello.” (STF, HC 94.173/BA, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27.10.2009, DJe 223, de 27.11.2009) Como bem observou o Min. Hamilton Carvalhido, “O exercício desse poder investigatório do Ministério Público não é, por óbvio, estranho ao Direito, subordinando-se, à falta de norma legal particular, no que couber, analogicamente, ao Código de Processo Penal, sobretudo na perspectiva da proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que determina o ajuizamento tempestivo dos feitos inquisitoriais e faz obrigatória oitiva do indiciado autor do crime e a observância das normas legais relativas ao impedimento, à suspeição e à prova e sua produção.”(9) O procedimento investigatório instaurado pelo Ministério Público não pode ser sigiloso para o investigado e seu Defensor. Notas 2. Sobre a matéria, recomendamos consultar: MEDRONI, Marcelo Batlouni. Curso de investigação criminal. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002; RANGEL, Paulo. Investigação criminal direta pelo Ministério Público. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003; SANTIN, Valter Foleto. O Ministério Público na investigação criminal. São Paulo: Edipro, 2001. 5. Contra: “A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade de o parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime” (STF, RHC 81.326/DF, 2ª T., rel. Min. Nelson Jobim, j. 06.05.2003, DJ de 01.08.2003, p. 142). 7. “Tal norma constitucional, por fim, define, é certo, as funções das polícias civis, mas sem estabelecer qualquer cláusula de exclusividade” (STJ, HC 35.654/RO, 6ª T., rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 07.03.2006, DJ de 20.03.2006, p. 357, LEXSTJ 200/292). 8. “A outorga constitucional de funções de polícia judiciária à instituição policial não impede nem exclui a possibilidade de o Ministério Público, que é o dominus litis, determinar a abertura de inquéritos policiais, requisitar esclarecimentos e diligências investigatórias, estar presente e acompanhar, junto a órgãos e agentes policiais, quaisquer atos de investigação penal, mesmo aqueles sob regime de sigilo, sem prejuízo de outras medidas que lhe pareçam indispensáveis à formação da sua opinio delicti, sendo-lhe vedado, no entanto, assumir a presidência do inquérito policial, que traduz atribuição privativa da autoridade policial” (STF, HC 94.173/BA, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27.10.2009, DJe 223, de 27.11.2009). No mesmo sentido:STJ, REsp 738.338/PR, 5ª T., rel. Min. Gilson Dipp, j. 25.10.2005. 9. STJ, HC 35.654/RO, 6ª T., rel. Min. Hamilton Carvalhido, j. 07.03.2006, DJ de 20.03.2006, p. 357, LEXSTJ 200/292. 10. STF, HC 94.173/BA, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27.10.2009, DJe 223, de 27.11.2009. No mesmo sentido:STF, HC 87.610/SC, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27.10.2009, DJe 228, de 04.12.2009; STF, HC 90.099/RS, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 27.10.2009, DJe 228, de 04.12.2009; STF, HC 89.837/DF, 2ª T., rel. Min. Celso de Mello, j. 20.10.2009, DJe 218, de 20.11.2009.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT): |
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