Breves reflexões acerca da interpretação do art. 1º-F da Lei 9.494/97 à luz da protetividade previdenciária

Autor: Adriano Copetti

Juiz Federal

publicado em 28.06.2013



Resumo

Este trabalho tem por objetivo traçar alguns elementos que permitam a compreensão da protetividade previdenciária e, a partir, disso, propor uma leitura do art. 1º-F da Lei 9.494/97 em sua conformidade. Para tanto, situa o direito à proteção previdenciária como direito fundamental, destaca algumas normas e princípios que o integram e contextualiza o panorama de sua aplicação, sugerindo, a partir desse quadro, uma exegese do art. 1º-F da Lei 9.494/97 que se coadune com os postulados concernentes à protetividade previdenciária, em contraposição à interpretação pretendida pela Advocacia Pública.

Palavras-chave: Protetividade. Direito fundamental. Previdência. Benefícios. Correção monetária. Valor real. Manutenção.

Sumário: Introdução. 1 Elementos para intelecção e adequada aplicação da denominada proteção previdenciária. 2 Exegese do art. 1º-F da Lei 9.494/97 à luz da protetividade previdenciária. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

O direito à proteção previdenciária é um direito fundamental. Dessa forma, mercê da superioridade das normas constitucionais e dos atributos dos direitos fundamentais, tanto o legislador quanto o intérprete devem maximizar o âmbito de proteção previdenciária. Considerando o histórico déficit de implementação dos direitos fundamentais e as características da demanda previdenciária, tem o juiz o poder-dever de interpretar ativamente a lei, extraindo norma que se coadune com o plexo de regras e princípios que enfeixam o direito fundamental à proteção previdenciária. Observando essas premissas, propõe-se uma leitura do art. 1º-F da Lei 9.494/97 que salvaguarde o hipossuficiente, conferindo-lhe um indexador que, efetivamente, recomponha monetariamente os atrasados do benefício previdenciário.

1 Elementos para intelecção e adequada aplicação da denominada proteção previdenciária

Para efeitos deste texto, denominamos de proteção previdenciária o arcabouço normativo a tutelar o indivíduo dos agravos sociais, de modo a fornecer-lhe, concretamente, meios de subsistência digna. O conceito engloba, portanto, indistintamente, normas de direito material e processual, previstas na Constituição e na legislação ordinária e amalgamadas todas pela inexorável leitura sob a ótica constitucional.

A República Federativa do Brasil tem como fundamentos (art. 1º), dentre outros, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho, constituindo objetivos (art. 3º) fundamentais da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos.

A Constituição Federal incorporou, portanto, as ideias do chamado “Welfare State”, mercê das quais, em suma, o Estado deve promover a Justiça Social e a dignidade da pessoa humana, quer por meio da oferta de trabalho, quer mediante a proteção aos agravos sociais. Por isso, a CRFB guindou à condição de direito fundamental os direitos sociais, em que se destacam, para os objetivos deste trabalho, os direitos ao trabalho e à Seguridade Social (Previdência, Saúde e Assistência).

É consabido que os direitos fundamentais integram o âmago da Constituição material, vale dizer, os valores mais essenciais e importantes para dada sociedade constitucional (fundamentalidade material), irradiando efeitos por todo o ordenamento jurídico e impondo ao legislador e ao aplicador que obrem com atenção ao seu conteúdo, produzindo e aplicando normas que maximizem sua eficácia, dada a supremacia das normas constitucionais.

Um bem jurídico previdenciário consubstancia uma prestação indispensável à manutenção do indivíduo (necessidades vitais e urgentes), destinando-se a “prover recursos de subsistência digna para os beneficiários da Previdência Social que se encontrem nas contingências sociais definidas em lei” (SAVARIS, 2009, p. 56).

O direito à proteção previdenciária é um direito constitucional fundamental, intimamente ligado à dignidade da pessoa humana, na medida em que essa dignidade depende da proteção previdenciária que enseje ao indivíduo a segurança de contar com proteção social, caso cessada a fonte primária de sua subsistência.

Portanto, pode-se concluir que o bem da vida em jogo numa lide previdenciária apresenta a particularidade de ser presumivelmente imprescindível para o sustento digno do indivíduo (SAVARIS, 2009, p. 58).

Além disso, a relação processual previdenciária externa evidente desequilíbrio entre as partes: o autor é presumivelmente hipossuficiente (econômica e informacionalmente), enquanto o réu é a entidade pública que, em tese, violou o direito material do autor e que dispõe de toda a informação sobre a situação do indivíduo e, geralmente, de todos os documentos comprobatórios do direito pretendido.

Por isso, diz José Antônio Savaris que, “em uma demanda em que há fracos e fortes, impõe-se uma atuação judicial tendente a equilibrar as desigualdades”, alertando, todavia, que isso não parece tão óbvio, em uma conjuntura de crise econômica e de desregulamentação do Estado, que já resultou em reformas previdenciárias restritivas, sob o pálio do propalado “déficit da Previdência”, contexto no qual a situação parece se inverter: “não será mais o indivíduo hipossuficiente o carente de proteção e cuidado especial, antes o sistema previdenciário, cuja ruptura inviabilizará a proteção de todos” (SAVARIS, 2009, p. 62).

A necessidade de se levar em conta a perspectiva sociológica para garantir a adequada tutela previdenciária não escapa a Paulo Afonso Brum Vaz, quando aponta as profundas injustiças sociais em nosso País e o déficit de implementação efetiva dos direitos sociais. Por isso, defende que o juiz deve ter em mente essa situação e, a partir disso, em que pese a sobrecarga de serviço, não tenha uma eventual atuação inerte, burocrática, formalista e desinteressada, propugnando, ao revés, que o magistrado, na reconstrução do sentido da norma concreta, por estar a cuidar de direito fundamental, lhe dê a interpretação que maximize esse direito, relendo o texto normativo e a situação de aplicação à luz da Constituição Federal (filtragem e sentimento constitucional) (VAZ, 2011, p. 1-26). Obviamente, a empreitada para o juiz, nesses termos, implica-lhe maiores esforços pessoais.

Nada obstante, tal postura por parte do magistrado consubstancia poder-dever, mercê dos atributos da perspectiva objetiva e da projeção positiva dos direitos fundamentais envolvidos – direito à previdência e princípios do devido processo legal e da proteção judicial (inafastabilidade do controle jurisdicional) –, os quais, na concepção contemporânea, determinam que a resposta judicial seja efetiva e coincida, o máximo possível, à atuação espontânea do ordenamento jurídico. Trata-se, em sinopse, da decisão justa para o caso concreto, segundo as peculiaridades do direito material e os contornos fáticos da situação singular. 

Para além do exposto, realçando, uma vez mais, a protetividade ínsita do direito à previdência, e para os objetivos de, na sequência, bem interpretar o art. 1º-F da Lei 9.494/97, não custa revisar dois dos princípios que lhe são imanentes.

Princípio da proteção ao hipossuficiente – as normas do sistema de proteção social são fundadas na ideia de proteção ao menos favorecido (do outro lado da relação jurídica está o Estado). Disso resulta a regra de interpretação pro misero, pois este é o principal destinatário da norma previdenciária. Por ela, “o intérprete deve, dentre as várias formulações possíveis para um mesmo enunciado normativo, buscar aquela que melhor atenda à função social, protegendo, com isso, aquele que depende das políticas sociais para sua subsistência” (CASTRO e LAZZARI, 2007, p. 97). No dizer de Simone Barbisan Fortes,

“trata-se, na verdade, da explicitação de um princípio de seguridade social não elencado expressamente no art. 194 da Constituição Federal, a determinar que seja efetivada a interpretação em favor do hipossuficiente da relação previdenciária, isto é, da aplicação da norma mais favorável ao segurado.” (FORTES, 2005, p. 50)

Princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios da Seguridade Social: preservação, em caráter permanente, do valor real – abarca tanto a irredutibilidade nominal dos benefícios quanto a garantia da preservação do valor real das prestações da Seguridade Social. Nesse sentido, o § 4º do art. 201 da Constituição Federal garantiu a preservação, em caráter permanente, do valor real dos benefícios previdenciários, assegurando-se seu reajustamento periódico, conforme critérios estabelecidos em lei.

O princípio em causa, como todo direito fundamental, não é meramente admoestativo, impondo ações concretas no sentido de seu cumprimento:

“De fato, o princípio encerra o dever inderrogável das instâncias governamentais [e também do julgador, acrescentamos nós, ao interpretar a norma de correção monetária, por força da normatividade – supremacia da Constituição, perspectiva objetiva e projeção positiva – do direito fundamental em foco] de assegurar ao indivíduo dependente da ação protetora da Seguridade Social a preservação dos meios indispensáveis à sua manutenção contra processos de esvaziamento de conteúdo. É, de outra perspectiva, pressuposto de eficiência da Seguridade Social, já que o aviltamento do valor dos benefícios implica, de modo oblíquo, atentado contra o próprio direito à Previdência ou Assistência Social. A irredutibilidade é, pois, garantia de existência do benefício. Daquela desprovido, este tenderia à extinção, não sem antes agonizar frente aos efeitos do fenômeno inflacionário.” (SAVARIS, 2008, p. 155)

Em regra, quanto à escolha do índice de recomposição monetária, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é no sentido de que “a presunção da constitucionalidade da legislação infraconstitucional realizadora do reajuste previsto no art. 201, § 4º, CF, somente pode ser elidida mediante demonstração da impropriedade do percentual adotado para o reajuste” (RE 376.846-8/SC). Ou seja, não há, a princípio, inconstitucionalidade no índice legal eleito pelo legislador, donde resulta que “para essa declaração de inconstitucionalidade seria mister que se demonstrasse que o índice estabelecido em lei para esse fim é manifestamente inadequado” (RE 219.880/RN). Portanto, só haverá inconstitucionalidade no índice de correção monetária se demonstrado que o índice eleito é impróprio ou manifestamente inadequado para a recomposição dos valores em face da inflação.

À vista de todo esse manancial protetivo é que deve ser lido o art. 1º-F da Lei 9.494, de 10.09.1997 (publicada em 24.12.1997), com redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960, de 29.06.2009 (publicada em 30.06.2009).

2 Exegese do art. 1º-F da Lei 9.494/97 à luz da protetividade  previdenciária

As procuradorias da Fazenda Pública vêm discutindo relevante questão sobre a adequada aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494, de 10.09.1997 (publicada em 24.12.1997), com redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960, de 29.06.2009 (publicada em 30.06.2009).

O dispositivo em análise possui a seguinte redação:

“Art. 1º-F. Nas condenações impostas à Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.”

Nesse novo regime jurídico de incidência de atualização monetária e juros de mora do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09, as procuradorias da Fazenda Pública vêm alegando que os “juros aplicados à caderneta de poupança” devem incidir em um regime financeiro de capitalização simples (e, para isso ocorrer, segundo a Fazenda Pública, TR e juros de 0,5% ao mês deveriam ser aplicados separadamente), e não em um regime financeiro de capitalização composta, como acontece com a própria caderneta de poupança. Essa interpretação decorreria da expressão “haverá a incidência uma única vez” contida no artigo legal em exame.

Em suma, louvando-se na locução “haverá a incidência uma única vez”, a Fazenda Pública busca repelir a capitalização de juros, por meio da aplicação separada da TR (como índice de correção monetária) e dos juros remuneratórios de 0,5% a.m. (em substituição aos juros moratórios).

A Fazenda Pública normalmente não diz, mas a alegação de capitalização é o pretexto utilizado para alcançar seu verdadeiro intento (o que lhe dá maior vantagem econômica): dissociar a TR dos juros e, com isso, postergar a incidência dos juros para tão somente a partir da citação. Os desavisados podem se perguntar que mal há nisso, afinal, considerando que os juros moratórios sempre incidiram apenas após a citação. Pois o mal reside na TR, que não se presta, sozinha, a recompor a correção monetária, conforme será abordado adiante.

Cumpre, então, perquirir: 1) se o art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09, afasta a capitalização composta dos juros; 2) caso afaste, se, necessariamente, por força do citado dispositivo legal, os juros devem incidir somente a partir da citação, computando-se até então apenas a TR, ou, ao invés disso, se podem incidir conjuntamente com a TR, no vencimento de cada parcela, sem capitalização, incidindo o percentual acumulado (de forma simples, mediante mera soma dos índices) de juros em cada competência.

Entendemos que a interpretação de que o art. 1º-F da Lei 9.494/97 (com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09), fundada na expressão “haverá a incidência uma única vez”, afastaria a capitalização não merece guarida, pelos motivos que passamos a alinhar.

A um, porque, se a expressão “haverá a incidência uma única vez” se reportasse apenas à parte final do dispositivo, a taxa de atualização monetária da caderneta de poupança (“remuneração básica”) também deveria incidir uma única vez (portanto, em regime de capitalização simples, que, no caso, significaria correção monetária relativa a apenas 1 mês), com o que fica escrachado o absurdo da interpretação fazendária!

A dois, porque, na verdade, a oração “haverá a incidência uma única vez”, em um primeiro momento, se refere às três possibilidades de acréscimo ao valor histórico da obrigação, arroladas na parte exordial do artigo 1º-F (“atualização monetária”, “remuneração do capital” e “compensação da mora”), que passam a ser sub-rogadas pela incidência única (“incidência uma única vez”) “dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança”.

Vale dizer, o art. 5º da Lei 11.960/09, simplificando a matéria, substituiu a tríplice incidência dos juros moratórios e remuneratórios e da correção monetária pela incidência única do índice correspondente à remuneração da poupança, que, assim, carrega em si a recomposição simultânea dos juros e da correção monetária, nos moldes do que ocorre com a taxa Selic, também sucedânea da recomposição monetária e dos juros.

Portanto, a três, a expressão “incidência uma única vez”, em um segundo momento, atrela finalisticamente a sub-rogação dos juros e da correção monetária à incidência dos índices de remuneração básica e juros, aplicados à caderneta de poupança, querendo, justamente, significar a incidência única, conjunta, simultânea e incindível desses últimos, por integrarem e assim resultarem no índice de remuneração aplicado à poupança pelo Sistema Financeiro.

A propósito, cabe referir que a Lei nº 11.960/09 foi o resultado da conversão da Medida Provisória nº 457/09, que, em seu texto original, não trazia a alteração no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Durante o trâmite do projeto de lei de conversão no Senado Federal, foi apresentada emenda incluindo a referida alteração (Emenda nº 91 – PLEN ao PLV nº 10, de 2009), que foi justificada nos seguintes termos:

“7) uniformização da atualização monetária e dos juros incidentes sobre todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, de tal forma a assegurar aos credores os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, os quais julgamos suficientes para garantir a atualização da dívida, a remuneração do capital e a compensação da mora (art. 1º-F da Lei nº 9.494, de 1997);” (destaquei)

Logo, também em uma interpretação finalística ou teleológica do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação que lhe foi conferida pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09, é possível concluir a simbiose entre TR e juros de 0,5% a.m., donde resulta o índice único de remuneração que é aplicado à própria caderneta de poupança.

Deveras, da análise do excerto acima, denota-se clara a intenção do legislador de assegurar aos detentores de créditos decorrentes de condenações judiciais impostas à Fazenda Pública a mesma remuneração das cadernetas de poupança (ou seja, um índice único, composto de TR + juros de 0,5% a.m.), como forma de compensar a supressão dos juros compensatórios (existentes nas ações de desapropriação, p. ex.) e a diminuição dos juros moratórios (antes de 1% a.m. nas ações previdenciárias e em outras de caráter alimentar).

Parece mais do que evidente que o legislador tinha em mente que a adoção da nova sistemática, em detrimento da sistemática anterior (juros remuneratórios e moratórios de 1% + indexador monetário idôneo – INPC, IPCA-E, IDP-DI), não poderia penalizar o cidadão, deixando-o com a mísera correção monetária da TR e com juros de 0,5% a.m. a partir da citação, como defende a Advocacia Pública. Justamente por isso é que o legislador, para garantir a atualização monetária e os juros (conforme justificativa acima transcrita), estatuiu a adoção da remuneração da poupança (TR + juros, incidindo juntos, desde a época de cada parcela inadimplida), e não da TR como indexador monetário e dos juros de 0,5% a.m. como moratórios (somente a contar da citação), como quer a Advocacia Pública.

A título ilustrativo da disparidade de valores em jogo, consoante se adote um ou outro entendimento, vide o quadro abaixo, contendo simulação comparativa entre as diferentes sistemáticas de cálculo (cotejo entre a sistemática de cálculo antes da Lei 11.960 e as possibilidades, consoante a interpretação que se dê, após a citada lei), em que se partiu de um valor principal de R$ 100.00,00, posição em 07/2009 (vigência da Lei nº 11.960/09), e se considerou a citação em 04/2011, atualizando-se o cálculo até 01/2012.

TABELA 1 - Clique aqui para acessar a tabela

Da análise do citado comparativo, resta cristalina a imensa dissonância entre os cálculos e o absurdo prejuízo imposto ao indivíduo, caso adotada a exegese da Advocacia Pública: 1) na sistemática antiga, em trinta meses, o valor original aumentou cerca de 27%; 2) aplicando-se a remuneração da poupança (segundo quadro) desde quando devido o valor histórico principal (posição ora sustentada), o reajuste é de cerca de 18%; 3) utilizando-se a interpretação do INSS (TR + juros de 0,5% a partir da citação – último quadro), o reajuste é de cerca de minguados 6,5%, em trinta meses!!! Isso ocorre porque a TR está atrelada à taxa de juros praticada no mercado: em época de juros baixos, a variação da TR é desprezível; subindo os juros, a TR passa a apresentar alguma variação, sempre insignificante, comparativamente aos demais índices que medem a inflação (fonte: IBGE e portalbrasil.net, acesso em: 05.01.12):

TABELA 2 - Clique aqui para acessar a tabela

Para o ano de 2011, vide que a diferença entre os acumulados de TR e INPC foi de 4,87 pontos percentuais e de 5,35 pontos percentuais entre TR e IPCA-E, em um universo em que o maior acumulado chegou a 6,55 pontos percentuais! Ou seja, a variação da TR, no ano de 2011, alcançou apenas 19,73% da variação do INPC e 18,32% da variação do IPCA-E. Isso demonstra, à saciedade, que a TR simplesmente não se presta a medir a inflação, como, aliás, já reconheceu o STF na ADIN 493-0, porque, ao representar “as variações do custo primário da captação dos depósitos a prazo fixo, não constitui índice que reflita a variação do poder aquisitivo da moeda”.

Da simples comparação entre índices e compreensões diversas acerca do art. 1º-F da Lei 9.494/97 resulta translúcido que o legislador adotou a remuneração da poupança (TR + juros de 0,5% a.m. em incidência conjunta e simultânea, portanto, com capitalização mensal) como critério substitutivo da sistemática mais benéfica até então vigente (IPCA/INPC/IGP-DI + juros de 0,5 ou 1%, consoante a espécie de demanda), justamente para atenuar os prejuízos dos administrados com a inovação legislativa.

De fato, observe-se que, no exemplo do comparativo acima, há uma defasagem de 8,5% entre a remuneração pelo critério antigo e o ora tido por novo (poupança, capitalizada) e, muito pior, de cerca de 20% entre aquele (INPC/IGP-DI + JUROS DE 1% a.m.) e o critério pretendido pela Advocacia Pública. Rendendo pouco menos que a poupança, temos o terceiro quadro do anexo, em que se aplicou TR + JUROS DE 0,5% a.m. desde o início do período considerado, porém sem capitalização (incidência conjunta de TR e juros, mas não simultânea, acumulando-se o juro desde o início do período, com aplicação somente ao final), apurando-se o valor de R$ 117.399,54, montante 1% menor que o resultante da aplicação da poupança capitalizada e cerca de 10% menor que a soma alcançada com o critério INPC/IGP-DI + juros de 1% a.m.

Placitado que o art. 1º-F da Lei 9.494/97 estatui a aplicação da remuneração da poupança, portanto capitalizada mensalmente, não custa tecer algumas linhas sobre a liceidade da capitalização no ordenamento jurídico pátrio, desde que, como no caso, prevista em lei.

Historicamente, o sistema jurídico brasileiro vedou a capitalização composta de juros de forma mensal para períodos inferiores a um ano. Nesse sentido dispõe o art. 4º do Decreto nº 22.626, de 07.04.1933, ainda em vigor:

“Art. 4º É proibido contar juros dos juros: esta proibição não compreende a acumulação de juros vencidos aos saldos líquidos em conta corrente de ano a ano.”

Essa regra possui exceções. Por exemplo, nossa legislação ordinária permite que as instituições financeiras utilizem regime de capitalização composta de juros em períodos mensais. Essa exceção está prevista no art. 5º da Medida Provisória nº 2.170-36, de 23.08.2001, in verbis:

“Art. 5º Nas operações realizadas pelas instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, é admissível a capitalização de juros com periodicidade inferior a um ano.”

O art. 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09, estabeleceu nova hipótese de cabimento de capitalização composta de juros no sistema jurídico brasileiro.

A redação do dispositivo aplicou às condenações da Fazenda Pública o regime de atualização monetária e de juros das cadernetas de poupança, universo no qual a capitalização é composta, como em qualquer outra aplicação financeira.

Note-se que, atualmente, nossa Constituição não veda a capitalização composta de juros, competindo a matéria à legislação ordinária nacional.

Assim, nesse contexto, a nova norma instituiu uma nova exceção à vedação de capitalização composta de juros estabelecida desde o art. 4º do Decreto nº 22.626, de 07.04.1933.

Cumpre assinalar que é evidente que o presente entendimento não viola, em nada, a Súmula nº 121, de 13.12.1963, do Egrégio STF, a qual foi editada em momento bem anterior à nova legislação ora examinada.

Por todo o exposto, os juros decorrentes da aplicação do art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09, devem ser aplicados em um regime de capitalização composta.

Não obstante, mesmo que se interprete ser inviável a capitalização aos moldes do que ocorre com a poupança, nem por isso os juros de 0,5% a.m. deverão incidir somente a partir da citação. É que, pelos motivos amplamente elencados, ainda que se afaste a capitalização mensal, o art. 1º-F contempla a incidência única e conjunta de TR + JUROS de 0,5% a.m. em todo o período a ser corrigido, ou seja, desde que devida cada parcela, donde, para compatibilizar o teor do citado dispositivo com a não capitalização, basta acumular os juros em todo o período em que também incidente a TR, incidindo o percentual acumulado (soma de índices, portanto, sem capitalização) de juros apenas ao final da conta.

Isso significa que, ainda que se afaste a capitalização da poupança, não é possível a dissociação entre a TR e os juros, vale dizer, a incidência solitária da TR no valor histórico, como índice de correção monetária, para só depois da citação também incidirem os juros de 0,5%, como juros moratórios. De fato, cumpre lembrar que estamos a lidar com uma composição de índices (TR e juros de 0,5% a.m.) que veio em substituição à correção monetária e aos juros compensatórios e moratórios, nos moldes do que ocorreu com a criação da taxa Selic. Além disso, a dissociação entre TR e juros implicaria a ausência de verdadeira correção monetária, considerando a ridícula variação da TR frente aos índices de correção monetária, consoante se demonstrou alhures, situação passível de controle judicial, segundo a citada Jurisprudência do STF, haja vista a cabal demonstração de que a TR não recompõe a corrosão monetária, comparativamente ao que sucede com o INPC e IPCA-E (não alcançou 20% da variação desses índices em 2011).

Nesse passo, importa acentuar que o § 4º do art. 201 da Constituição Federal determina o reajustamento periódico dos benefícios, para preservar-lhes, em caráter permanente, seu valor real, e que o art. 41-A da Lei 8.213/91, desde 2006, estatui o reajuste (anual) conforme a variação do INPC, valendo lembrar, nada obstante e para júbilo geral, que os benefícios previdenciários, especialmente os de valor mínimo, têm obtido ganho real em alguns reajustamentos (Lei 12.254/10, por exemplo).

Como pretender, então, aplicar apenas a TR como indexador (de expressão miserável frente à variação do INPC) aos benefícios pagos judicialmente, sem violar a garantia da preservação do valor real?

Não se diga que as normas acima citadas valeriam apenas para os benefícios concedidos administrativamente e para todos os benefícios já em manutenção, não alcançando os que ainda não saíram da esfera judiciária, sob pena de brutal agressão à isonomia e ao acesso à justiça, sem falar no imoral incentivo financeiro ao indeferimento administrativo da concessão ou revisão de benefícios. Ora, as parcelas atrasadas decorrentes de decisão judicial correspondem a valores relativos a benefício previdenciário que deveriam ter sido pagos no tempo e modo oportunos, quando então teriam sido devidamente reajustados. Ademais, em regra, sempre se utilizaram, na correção dos débitos previdenciários judiciais, os indexadores de reajuste dos benefícios em manutenção.

A única forma, pois, de dar cumprimento à preservação real do valor dos benefícios obtidos judicialmente é interpretar que o art. 1º-F da Lei 9.494/97, na redação dada pelo art. 5º da Lei 11.960/09, significa a adoção da variação do índice integral da poupança (TR + JUROS de 0,5% a.m.), a contar da data em que as parcelas deveriam ter sido pagas ao segurado. E mesmo que se objete a capitalização a essa interpretação, é possível mantê-la, bastando acumular os juros em separado.

Conclusão

A aplicação irrefletida e mecânica do art. 1º-F, sem levar em conta a repercussão econômica que causa às parcelas vencidas de benefícios obtidos judicialmente, caso adotada a interpretação da Advocacia Pública, confronta a protetividade previdenciária.

Entronizada a protetividade no campo operacional, cabe ler o art. 1º-F como determinando a incidência conjunta e simultânea da TR + juros de 0,5% a.m., desde o vencimento de cada parcela de atrasados, como única forma de salvaguardar a correção monetária e o valor real dos montantes dos citados benefícios.

Modo diverso, entender que o art. 1º-F implicaria a incidência da TR como indexador, a partir de quando devidas as parcelas, e dos juros de 0,5%, estes somente a contar da citação – portanto, sucessivamente –, como quer a Advocacia Pública, redunda em arremedo de correção monetária, que não assegura a recomposição do valor real das parcelas dos benefícios, dada a impropriedade da TR para esse fim, como visto nos comparativos dos indexadores.

O argumento da Advocacia Pública de que sua interpretação visa afastar a capitalização não procede, pois a capitalização só está vedada no ordenamento quando não há previsão legal a permiti-la e, no caso, há. De todo modo, alternativamente, a capitalização pode ser extirpada, bastando acumular (soma de índices) os juros desde quando devida cada parcela, incidindo o percentual acumulado apenas ao final, após a incidência da TR.

A prevalecer a leitura da Advocacia Pública, o segurado será lesado por acudir ao Judiciário, em afronta às garantias da manutenção do valor real dos benefícios e do acesso à justiça, bem assim ao postulado da isonomia, frente à correção monetária aplicada aos valores dos benefícios obtidos extrajudicialmente, sem falar no imoral incentivo financeiro ao indeferimento administrativo da concessão ou revisão de benefícios.

Referências bibliográficas

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FORTES, Simone Barbisan; PAULSEN, Leandro. Direito da Seguridade Social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

ROCHA, Daniel Machado da; SAVARIS, José Antonio (coord.). Curso de Especialização em Direito Previdenciário. v. 1. 4. ed. Curitiba: Juruá, 2008.

SAVARIS, José Antonio. Direito Processual Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2009.

VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutela Jurisdicional da Seguridade Social. Disponível em: <http://www.trf4.jus.br/trf4/upload/editor/rlp_PABV_tutela_juris_seguridade.pdf>. Acesso em: 05 jan. 2012.

 

Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS