Contrato de concessão de serviços públicos, intervenção judicial e equilíbrio econômico-financeiro – a questão da assinatura básica de telefonia fixa

Autor: Anderson Barg

Juiz Federal Substituto, Especialista em Direito Processual Civil

 publicado em 28.06.2013


Resumo

Os serviços públicos necessários aos cidadãos são prestados pelo Estado, ora diretamente, por seus próprios agentes, ora por terceiros, concessionários, delegatários ou permissionários de serviços públicos. A estabilidade dos contratos de concessão de serviços públicos, especialmente pelo seu longo prazo de duração, constitui elemento essencial para a adequada prestação do serviço à coletividade. Assim é que a Constituição Federal e a Lei nº 8.987, de 13.02.1995, estabelecem a necessidade de observância do equilíbrio econômico-financeiro do contrato como garantia de continuidade da prestação do serviço. Tal equilíbrio, contudo, sofre constantes abalos, sejam decorrentes das modificações na economia, sejam decorrentes da própria interferência do Estado na execução do serviço, impondo-se, em alguns casos, o reajuste do contrato para estabelecer, novamente, o equilíbrio inicial. De igual forma, as decisões judiciais que potencialmente interfiram na concessão de serviços públicos também podem, em alguns casos, gerar o dever de readequação do contrato.

Sumário: Introdução. 1 Noção de serviço público. 2 Concessão de serviço público e seu regime jurídico. 3 Equilíbrio econômico-financeiro na concessão de serviço público. 4 Revisão judicial do contrato e equilíbrio econômico-financeiro. Conclusão. Referências bibliográficas.

Palavras-chave: Serviços públicos. Concessão de serviço público. Equilíbrio econômico-financeiro. Revisão judicial do contrato.

Introdução

O Estado, a fim de poder prestar aos cidadãos os serviços públicos – assim entendidos aqueles que, prestados pela Administração Pública, são essenciais à realização das necessidades básicas da população –, de há muito vem se valendo dos institutos da concessão, da autorização e da permissão de serviços públicos. E ao particular, concessionário, autorizatário ou permissionário do serviço público, cabe a exploração da atividade, por sua conta e risco, observando o regime jurídico previsto nas normas de direito administrativo.

Assim, impõe-se conciliar o interesse da Administração Pública, de prestação aos administrados do serviço público com qualidade, continuidade e a custos módicos, com o interesse do concessionário, autorizatário ou permissionário, de obter o maior retorno financeiro possível. Para tanto, faz-se necessário observar a manutenção, durante o período da concessão, do equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Muitas variáveis devem ser observadas nessa equação, cabendo ao Poder Público, de ofício ou por provocação do concessionário, recompor o contrato a fim de resguardar a manutenção desse equilíbrio. Ao mesmo passo, também há o interesse dos administrados, destinatários do serviço prestado, de obterem o melhor serviço, pela menor tarifa possível.

Nesse anseio, muitas vezes o Poder Judiciário é chamado a intervir na relação contratual, seja na relação entre concedente e concessionário, seja na relação concessionário-usuário do serviço. Contudo, é importante atentar para os efeitos dessa intervenção judicial na relação entre o poder concedente e o concessionário, sobretudo na necessária manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, uma vez que sua inobservância pode, em certa medida, impactar a própria continuidade da prestação do serviço, na qualidade esperada pelos destinatários.

Com esse propósito, buscamos demonstrar, ilustrando com a situação recentemente posta à apreciação do Poder Judiciário em relação à cobrança da assinatura básica mensal do serviço de telefonia fixa, como a alteração de um simples aspecto – aparentemente meramente jurídico – da relação entre concessionário e usuário do serviço tem potencial de modificar substancialmente o equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de serviço público.

1 Noção de serviço público

De acordo com Léon Duguit,

“a noção de serviço público substitui o conceito de soberania (puissance) como fundamento do Direito Público. Seguramente a noção de serviço público não é nova. Já no momento em que, por uma série de razões (...), se produziu a distinção entre governantes e governados, a noção do serviço público nasceu do espírito dos homens. Com efeito, a partir desse momento se compreendeu que há certas obrigações dos governantes para com os governados e que a realização desses deveres é, ao mesmo tempo, a consequência e o fundamento da sua força superior.” (citado por Alexandre dos Santos Aragão, p. 78-79)

É a partir daí que, de maneira fortemente influenciada pela grande mudança que o Estado sofria no início do século XX, Duguit traça a sua Teoria dos Serviços Públicos, definindo serviço público como

“toda atividade cujo cumprimento deve ser regulado, assegurado e fiscalizado pelos governantes, por ser indispensável à realização e ao desenvolvimento de interdependência social, e de tal natureza que só possa ser assegurado plenamente pela intervenção da força governante (...). Dizer que um serviço é um serviço público quer dizer que esse serviço é organizado pelos governantes, funcionando sob a sua intervenção e devendo ter por eles assegurado o seu funcionamento sem interrupção.”

Dessa sorte, ainda que não sejam geridos diretamente pelo Estado, mas sim por entidades descentralizadas da Administração Indireta ou por delegatários privados, por meio da concessão, os serviços públicos permanecem sob a responsabilidade do Estado.

Percebe-se, assim, que a noção de serviço público acolhida pela Escola Francesa mostra-se extremamente ampla, uma vez que equipara os serviços públicos a toda atividade estatal. Aragão (2008) atribui isso “ao caráter mítico que os serviços públicos adquiriram ao longo do tempo, como se a exclusão de alguma atividade estatal do seu conceito representasse uma capitis diminutio, uma desvalorização dessa atividade, lançando-a em um limbo jurídico”. De acordo com o citado autor, o fundamento da atividade estatal – o bem comum ou a satisfação das necessidades dos cidadãos – não deve ter maior importância para fins de conceituação dos serviços públicos, mas precipuamente o regime jurídico a que estão submetidos. Diante dessa razão, excluem-se do conceito de serviço público as atividades legislativas e jurisdicionais.

A Constituição Federal de 1988, a exemplo de outras que lhe antecederam, em diversas passagens tratou dos serviços públicos, de modo que, no nosso ordenamento, a definição de serviço público sempre esteve, senão explícita, ao menos implicitamente prevista no texto constitucional. Por isso que, na visão de Ruy Cirne Lima (1963, p. 122),

“a definição do que seja, ou não, serviço público pode, entre nós, em caráter determinante, formular-se somente na Constituição Federal e, quando não explícita, há de ter-se suposta no texto daquela. A lei ordinária que definir o que seja, ou não, serviço público terá de ser contrastada com a definição expressa ou suposta pela Constituição.”

Embora a Constituição Federal de 1988 possua diversas regras sobre serviços públicos, ela não utiliza de forma precisa a sua nomenclatura, pois ora se refere a serviços públicos apenas em sentido econômico, como atividades da titularidade do Estado que podem gerar lucro, ora como sinônimo de Administração Pública, ora para tratar do serviço de saúde prestado pelo Estado, ou, ainda, referindo-se a “serviços” e a “serviços de relevância pública”. Assim, Aragão defende que a Constituição Federal de 1988 poderia, em tese, contemplar diversas concepções doutrinárias de serviços públicos, a saber:

a) concepção amplíssima de serviço público: decorrente da escola clássica de serviço público de Léon Duguit, equivalente o serviço público a todas as atividades exercidas pelo Estado, sejam elas externas ou internas, inerentes ou não à soberania, econômicas/potencialmente lucrativas ou não, prestacionais, de polícia administrativa ou de fomento;

b) concepção ampla de serviço público: pela qual os serviços públicos corresponderiam às atividades prestacionais em geral do Estado, ou seja, às funções que exerce para proporcionar diretamente aos indivíduos comodidades e utilidades, independentemente de poderem deles ser cobradas individualmente ou não, ou de serem de titularidade exclusiva do Estado;

c) concepção restrita de serviço público: que abrange apenas as atividades prestacionais que tiverem um liame imediato com os indivíduos, podendo os seus beneficiários ser identificados, e a sua fruição, quantificada;

d) concepção restritíssima de serviço público: decorrente dos arts. 145, II, e 175 da Constituição, essa concepção contemplaria apenas os serviços que pudessem ser financiados por taxa ou tarifa (serviços públicos específicos e divisíveis, sendo possível identificar de quem usufruiu o serviço e em que proporção), devendo ainda ser de titularidade exclusiva do Estado, exploráveis pela iniciativa privada apenas mediante concessão ou permissão.

De qualquer forma, não há, na legislação, definição de serviço público. A própria Constituição Federal, em diversos de seus dispositivos, ora se refere a serviços públicos, ora a atividades públicas, termos, no entanto, distintos, seja em relação à sua natureza, seja quanto às suas consequências jurídicas.

Em sentido amplo, nas palavras de Luiz Antonio Rolim (2004),

“consideram-se serviços públicos todos aqueles prestados diretamente pelo próprio Estado, como também aqueles serviços e atividades executados, de forma indireta, por seus delegados. São assim considerados porque têm como única finalidade o atendimento a um interesse público.”

Hely Lopes Meirelles (2010), de seu turno, conceituava serviço público como “todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniência do Estado” (Direito administrativo brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 311). Nesse contexto, incluem-se tanto as funções do Poder Executivo como as do Poder Legislativo e do Poder Judiciário. Já Celso Antônio Bandeira de Mello considera serviço público somente as atividades

“de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo.”

No entanto, serviços públicos strictu sensu correspondem: (a) àqueles que o Estado executa diretamente ou por seus próprios órgãos e agentes, cuja execução não pode ser delegada a terceiros, pois são essenciais à manutenção do Estado e do próprio grupo social; (b) àqueles que são prestados pelas autarquias, pessoas jurídicas de direito público especialmente criadas por lei com a finalidade de executarem serviços públicos típicos do Estado; (c) àqueles cuja execução é transferida pelo Estado a pessoas jurídicas de direito privado por meio dos institutos da concessão ou de permissão “bilateral” (CF, art. 175); e (d) àqueles assim definidos em lei, considerados como “toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público” (DI PIETRO, 1999, p. 97).

Justamente em função do regime público a que estão submetidos, os serviços públicos sujeitam-se a princípios próprios. A doutrina francesa arrola três princípios como comuns à generalidade dos serviços públicos: mutabilidade, continuidade e igualdade. Ora, como bem destaca Bandeira de Mello (2010, p. 677), “no serviço público a figura estelar não é seu titular nem o prestador dele, mas o usuário. Com efeito, é em função dele, para ele, em seu proveito e interesse que o serviço existe”. Por isso, o citado autor aponta os seguintes princípios do serviço público, que constituem seu regime jurídico:

a) dever inescusável do Estado de promover-lhe a prestação, seja diretamente, nos casos em que é prevista a prestação direta, seja indiretamente, mediante autorização, concessão ou permissão, nos casos em que é prevista tal modalidade, que, de resto, é a regra geral;

b) princípio da supremacia do interesse público;

c) princípio da adaptabilidade, ou seja, atualização e modernização do serviço público;

d) princípio da universalidade – o serviço é indistintamente aberto à generalidade do público;

e) princípio da impessoalidade, do qual decorre a inadmissibilidade de discriminações entre os usuários;

f) princípio da continuidade, que significa a impossibilidade de sua interrupção e o pleno direito dos administrados a que não seja suspenso ou interrompido;

g) princípio da transparência;

h) princípio da motivação, impondo o dever de fundamentar todas as decisões atinentes ao serviço;

i) princípio da modicidade das tarifas, de acordo com o qual o serviço público, “para cumprir sua função jurídica natural, terá de ser remunerado por valores baixos, muitas vezes subsidiados”, já que se trata de atividade de relevância para o conjunto de membros do corpo social; e

j) princípio do controle (interno e externo) sobre as condições de sua prestação.

2 concessão de serviço público e seu regime jurídico

Para Rolim (2004), a partir do momento em que o Estado, afastando-se do Liberalismo Clássico, passou a interferir diretamente no exercício de determinadas atividades, percebeu-se que ele não dispunha de organização adequada para a execução de todos os serviços que lhe competia realizar. A partir de tal constatação, verifica-se que o Estado, movido por contextos sócio-político-econômicos específicos, pode centralizar a realização de todos os serviços públicos, como também pode transferir a execução desses serviços e atividades a pessoas jurídicas de direito privado ou a entidades por ele mesmo criadas ou autorizadas para esse fim. Essa descentralização, na lição do citado autor, pode se dar de duas formas: descentralização funcional ou técnica e descentralização por colaboração.

Na descentralização funcional ou técnica (ou descentralização de serviço público), o Estado cria, por lei, pessoas jurídicas de direito público ou privado e transfere a titularidade e a execução de um serviço público a elas, que passam a prestá-lo em seu próprio nome e por sua conta e risco. Já na descentralização por colaboração, o Estado transfere, por delegação, a pessoas jurídicas de direito privado apenas a execução de determinados serviços públicos stricto sensu ou de determinadas atividades de interesse público. A titularidade do serviço, nesse caso, continua sendo do Estado, que pode fiscalizá-lo, nele intervir e mesmo retomá-lo, nos termos da lei.

Alexandre Santos de Aragão leciona que o Poder Público, na prestação de serviço de forma descentralizada, transfere a titularidade ou simplesmente a execução do serviço público, por outorga ou por delegação, a entidade da Administração Indireta ou a particular. Essa transferência, segundo o citado autor, pode se dar por lei, por contrato ou por ato administrativo, distinguindo-se as modalidades de outorga e de delegação:

“Há outorga quando a transferência se dá por lei a entidade criada por determinado ente federativo e integrante da sua Administração Indireta, seja ela autarquia, fundação pública, empresa pública ou sociedade de economia mista. Alguns autores denominam essa espécie de prestação descentralizada de delegação legal. (...)

Já pela delegação, o Estado transfere por contrato (concessão) ou ato administrativo (permissão ou autorização) a execução de serviço a particular, sob condições regulamentares e controle do Estado.”

Assim, Aragão afirma que a delegação de serviços é gênero, do qual a concessão, a permissão e a autorização constituem espécies, conceituando concessão de serviços públicos como

“a delegação contratual e remunerada da execução de serviço público a particular para, por sua conta e risco, explorá-lo de acordo com as disposições contratuais e regulamentares pertinentes, por determinado prazo, findo o qual os bens afetos à prestação do serviço, devidamente amortizados, voltam ou passam a integrar o patrimônio público.

Pela concessão, o poder público se desonera da prestação de serviços públicos de sua titularidade em relação aos quais não tem condições financeiras ou não entende ser conveniente a sua prestação direta.”

De acordo com Bandeira de Mello, a concessão de serviço público é “instituto por meio do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá-lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público”. Trata-se, portanto, de modalidade de prestação de serviços estatais na qual o particular, embora realize a atividade por sua conta e risco, não detém a titularidade do serviço, que permanece sob o domínio do Estado. Isso decorre da previsão expressa no art. 175 da Constituição, que estatui: “Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Ainda, a relação entravada entre o Estado e o particular, nas concessões de serviço público, difere da relação havida no contrato de prestação de serviço público. Neste, o contratado se vincula a prestar os serviços ao Estado, figurando o ente público na posição de tomador do serviço. Já na concessão de serviço público, o particular é investido em titulação para prestar serviços ao público. Disso resulta que a concessão de serviço público se caracteriza pela presença de condições especiais, como a garantia contratual de um equilíbrio econômico-financeiro, sendo remunerada pela própria exploração do serviço, por meio da política tarifária adotada. Tal diferenciação – entre contratos de prestação de serviço público e de concessão de serviço público – fica ainda mais evidente porquanto nos simples contratos de prestação de serviço o prestador é um simples executor material para o Poder Público contratante, não lhe sendo transferidos poderes públicos. O Poder Público permanece como sujeito diretamente relacionado com os usuários e é o responsável direto pelos serviços. A relação jurídica trava-se entre o usuário e o Poder Público, e entre este e o prestador. Não há relação direta entre o usuário e o prestador do serviço. De outro lado, na concessão e na permissão de serviço público “o concedente se retira do encargo de prestar diretamente o serviço e transfere para o concessionário a qualidade, o título jurídico, de prestador de serviço ao usuário, isto é, de pessoa interposta entre o Poder Público e a coletividade”.

De acordo com Bandeira de Mello, é característica indispensável à concessão de serviço público que o concessionário se remunere pela “exploração” do serviço concedido. Tal remuneração faz-se, em geral e basicamente, pela cobrança de tarifas dos usuários. Contudo, a remuneração pode se dar, em determinadas modalidades de concessão de serviços públicos, por outros meios que não as tarifas.

Apenas as concessões de rádio e televisão excepcionam a regra, pois a remuneração do concessionário provém da divulgação de mensagens publicitárias, e não da cobrança de tarifa dos usuários. Também não se sujeitam à obrigatoriedade de licitação, consoante ressalva o art. 223 da Constituição, segundo o qual a outorga, concessão, permissão ou autorização para radiodifusão sonora e de sons e imagens competem ao Poder Executivo, submetendo tais atos à aprovação do Congresso Nacional. Ainda, o regime constitucional diferenciado das concessões de rádio e televisão exige a deliberação de pelo menos 2/5 do Congresso Nacional, em votação nominal, para não ser renovada concessão ou permissão. Outro aspecto diferencial dessa modalidade de concessão ou permissão é a exigência de decisão judicial para o seu cancelamento, contrariando, assim, a regra que faculta ao concedente extinguir concessões ou permissões de serviço público.

O já citado artigo 175 da Constituição, em seu parágrafo único, estabelece que a lei regulatória do regime das concessões e permissões de serviço público deverá dispor sobre:

“I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço público, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
III – política tarifária;
IV – a obrigação de manter serviço adequado.”

Atendendo a esse comando, foi editada a Lei nº 8.987, de 13.02.1995, excluídas expressamente do regime as concessões e permissões (e autorizações) para os serviços de rádio e televisão.

Na definição da Lei nº 8.987, a concessão de serviço público é distinguida entre concessão precedida de obra pública e concessão não precedida de obra pública. A última é conceituada como “a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstrem capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado”. Já a concessão precedida de obra pública, na definição legal, é “a construção, total ou parcial, conservação, reforma, ampliação ou melhoramento de quaisquer obras de interesse público, delegada pelo poder concedente, a pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para sua realização, por sua conta e risco, de forma que o investimento da concessionária seja remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou obra por prazo determinado”. Todavia, Celso Antônio Bandeira de Mello tece crítica às definições legais adotadas.

Para o citado autor, os conceitos estampados na lei padecem de qualidade técnica, porquanto incluem na sua definição elementos que são requisitos de sua válida formação, mas não são requisitos de existência. Ainda, esqueceu-se o legislador de acrescentar, na definição de concessão não precedida de obra pública, o elemento que é condição essencial para caracterizá-la, que é o de que o beneficiário da delegação será remunerado pela própria exploração de tal serviço, sendo esse o traço que a distingue do mero contrato administrativo de prestação de serviços. E, no conceito de concessão de serviço público precedida de obra pública, a lei confunde os elementos da concessão de serviço público e da concessão de obra pública.

A respeito da natureza jurídica da concessão de serviço público, Celso Antônio Bandeira de Mello aponta tratar-se de

“uma relação jurídica complexa, composta de um ato regulamentar do Estado que fixa unilateralmente condições de funcionamento, organização e modo de prestação do serviço, isto é, as condições em que será oferecido aos usuários; de um ato-condição por meio do qual o concessionário voluntariamente se insere debaixo da situação jurídica objetiva estabelecida pelo Poder Público; e de contrato, por cuja via se garante a equação econômico-financeira, resguardando os legítimos objetivos de lucro do concessionário.”

As concessões de serviço público, ainda de acordo com a Constituição Federal e com a Lei nº 8.987/95, são necessariamente precedidas de licitação, nas modalidades de concorrência ou de leilão, e formalizadas por meio de contrato de concessão que deverá, nos exatos termos do art. 23 da Lei nº 9.897, conter cláusulas necessárias que versem, entre outros, sobre o objeto, a área e o prazo da concessão, o preço do serviço, os critérios e procedimentos para reajuste e revisão das tarifas, os direitos e deveres dos usuários, a enumeração dos encargos do concessionário, os direitos e deveres relativos a alterações e expansões futuras, as penalidades contratuais e administrativas. Mas, mais importante dentre todas, deve conter todos os elementos necessários para a identificação dos termos em que foi composta a equação econômico-financeira, que compreende não só a margem de lucro como também a amortização do capital, o equipamento implantado, sua permanente atualização e sua reversão quando finda, por qualquer razão, a concessão.

De acordo com o comando do art. 175 da CF e dos arts. 9º a 13 da Lei nº 8.987/95 – e a par das discussões doutrinárias a respeito –, a remuneração do concessionário dá-se geralmente, de forma exclusiva ou não, mediante o pagamento de tarifas pelos usuários. Admite-se, ainda, a complementação da remuneração do concessionário pelo Poder Público – concessão patrocinada ou subsidiada –, não quando representar benefício injustificado ao concessionário, destinado a eliminar de modo absoluto o risco intrínseco e inafastável da exploração da atividade, mas notadamente como instrumento para garantir a modicidade das tarifas ou a realização de funções estatais inerentes à persecução do interesse coletivo.

Ora, a tarifa pelo serviço será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação e será preservada pelas regras de revisão previstas na lei, no edital e no contrato de concessão, podendo este, ainda, fixar critérios de revisão a fim de preservar o equilíbrio econômico-financeiro. Todavia, ela sempre deve observar a necessária modicidade tarifária, ou seja, deve ser acessível aos usuários.

3 Equilíbrio econômico-financeiro na concessão de serviço público

Diversamente do que ocorre nos contratos privados, os contratos de direito administrativo, em geral, possuem uma salvaguarda em relação a fatos, sejam naturais ou humanos, que alterem seus elementos constitutivos. Essa é a noção de equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos.

Nos contratos de concessão de serviço público, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro ganha especial relevo, não apenas por sua longa duração, mas principalmente pelo fato de visarem ao exercício de uma atividade-fim do Estado. Por isso, antes de constituir um privilégio do concessionário, o equilíbrio econômico-financeiro representa em si mesmo a garantia da continuidade da prestação do serviço público. Assim, como de forma bastante feliz lembrou Celso Antônio Bandeira de Mello,

“cumpre esclarecer que a garantia econômica do concessionário na concessão de serviço público não é, contudo, uma proteção total que lhe dá o concedente contra qualquer espécie de insucesso econômico ou diminuição de suas perspectivas de lucro.

Com efeito, uma vez que o concessionário exerce um serviço estatal, mas por sua conta, risco e perigos, é natural que, à moda de qualquer empreendimento comercial ou industrial, se sujeite a certa álea, a certo risco.”

Dessa forma, como a garantia do equilíbrio econômico-financeiro não é irrestrita, a doutrina costuma distinguir os riscos que correrão por conta do concessionário – álea ordinária – daqueles a serem cobertos pelo poder concedente, aos quais denomina álea extraordinária, que se subdivide em álea administrativa e álea econômica.

No direito francês, a álea administrativa corre inteiramente por conta do poder concedente, e concerne aos riscos derivados da modificação unilateral das cláusulas da concessão ou de medidas do concedente alheias à sua posição contratual, mas que repercutem especialmente sobre a equação econômico-financeira do contrato. Trata-se da teoria do fato do príncipe, segundo a qual

“o poder concedente deverá indenizar integralmente o concessionário quando, por ato seu, agravar a equação econômico-financeira da concessão em detrimento do concessionário, salvo se a medida gravosa corresponder a ônus imposto aos administrados em geral cuja repercussão não atinja direta ou especificamente as prestações do concessionário.” (MELLO, 2010)

Já a álea econômica, intimamente ligada à teoria da imprevisão, diz respeito aos riscos derivados de situações anômalas, excepcionais e imprevisíveis que afetam violentamente o equilíbrio econômico-financeiro e levariam à ruína do concessionário. No direito francês, pela teoria da imprevisão, o Poder Público deve arcar parcialmente com os prejuízos que resultam para o concessionário de acontecimento imprevisível e que acarrete profundo e substancial desequilíbrio na equação econômico-financeira.

Entre nós, no entanto, as teorias da imprevisão e do fato do príncipe têm aplicação mais ampla, já que nosso Direito Positivo orientou-se de maneira a oferecer ao concessionário uma garantia mais ampla do que a que lhe é dispensada na França. Nessa mesma linha, a noção de álea ordinária, no direito pátrio, tem aplicação mais restrita. Tal entendimento, com efeito, é decorrência direta do disposto no art. 37, XXI, da Constituição Federal, que estatui que as obras e serviços públicos serão contratados “com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta”.

Assim, de acordo com os ensinamentos de Alexandre Santos de Aragão:

“O equilíbrio contratual resulta de uma equação econômico-financeira complexa, inclusiva de todos os fatores favoráveis e desfavoráveis a ambas as partes. Se as áleas extraordinárias em questão ocorrerem desonerando o concessionário, o contrato deve ser revisto em benefício do poder concedente ou dos usuários. Não se trata de sanção ou gravame para o concessionário, mas apenas da manutenção do contrato em seus termos econômicos iniciais, da mesma forma que ocorreria caso a álea extraordinária estivesse onerando o concessionário. O que se visa em ambos os casos é evitar o enriquecimento injustificado de qualquer das partes. O equilíbrio econômico-financeiro é, portanto, uma garantia de mão dupla, razão pela qual os reguladores também devem estar constantemente atentos para eventuais desequilíbrios em favor dos concessionários.”

É importante, contudo, ter em mente que apenas os eventos que integram a álea extraordinária, e não aqueles acontecimentos previsíveis, inerentes ao ramo negocial de que se trate, conduzem à recomposição da equação econômico-financeira. A única exceção admitida, nesse ponto, é a desvalorização da moeda, que, com periodicidade mínima de um ano, acarreta o reajuste de preços segundo o índice de correção monetária previsto contratualmente. Veja-se, aqui, a distinção entre o reajuste – decorrente do fato previsível da desvalorização da moeda – e a revisão, que decorre de fatos imprevisíveis.

Celso Antônio Bandeira de Mello leciona:

“Estamos em que o reajuste configura uma hipótese em que a tarifa substancialmente não muda; altera-se, apenas, o preço que a exprime. Como persistem os mesmos fatores inicialmente levados em conta, a tarifa é apenas atualizada, a fim de acompanhar a variação normal do preço dos insumos, sem que se lhe agreguem acréscimos, pois não há elementos novos interferentes com ela.

Já a revisão das tarifas é uma reconsideração ou reavaliação do próprio valor original tomado em conta como adequado para enfrentar equilibradamente os encargos.

Assim, na revisão, dada a irrupção de encargos excedentes dos originais, a tarifa efetivamente muda, não apenas em sua expressão numérica, mas também na qualificação do próprio valor que lhe deve corresponder para que seja mantido o equilíbrio inicial entre os encargos dantes previstos e a correspondente retribuição.”

Visto que apenas a álea extraordinária conduz ao reequilíbrio do contrato, seja ela administrativa ou econômica, impõe-se destacar os acontecimentos que caracterizam cada uma delas. Nesse ponto, esclarecedora a lição de Alexandre Santos de Aragão. Segundo o autor, dá-se hipótese de álea administrativa: (a) quando há alteração unilateral do contrato; (b) por fato da administração; e (c) por fato do príncipe. Distinguem-se as duas últimas em que, no fato da administração, ocorre uma ação ou omissão da Administração contratante que atinge concreta e diretamente a concessão; de sua vez, ocorre o fato do príncipe quando determinação geral e imprevisível da própria Administração contratante atinge o contrato, mas de forma reflexa, e não direta.

Tem-se, ainda segundo o citado autor, aplicação da teoria da imprevisão (álea econômica) quando acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, causa um desequilíbrio considerável, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para uma das partes.

4 revisão judicial do contrato e equilíbrio econômico-financeiro

Visto isso, cumpre verificar em qual álea poderiam se situar as situações em que o contrato de concessão, ou algum de seus aspectos – neste estudo, restringimos a análise à discussão judicial envolvendo a validade da cobrança de assinatura básica mensal nos contratos de prestação de serviços de telefonia fixa (Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC) –, é objeto de questionamento perante o Poder Judiciário, bem como se tal circunstância gera, em favor do concessionário, o direito a revisão contratual com vistas a recompor o equilíbrio econômico-financeiro.

De fato, na concepção clássica do direito francês, o enquadramento da revisão judicial do contrato entre álea econômica ou álea administrativa teria significativa diferença. Isso porque, no direito francês, como visto, há distinção quanto aos direitos do concessionário, notadamente em relação à álea econômica (teoria da imprevisão), em que os prejuízos advindos são partilhados entre o concedente e o concessionário.

Entre nós, contudo, tal enquadramento perde relevo, porquanto, partindo do comando encartado no art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988, há substancial ampliação da proteção ao concessionário. Isso se vê, com clareza, na aplicação da teoria da imprevisão, quando o resguardo do concessionário é completo, e não parcial, como ocorre na França.

Assim, de início, impõe-se verificar se a revisão judicial do contrato situa-se, de fato, no conceito de álea extraordinária ou no de álea ordinária, já que, nesta última hipótese, não constituirá causa de revisão contratual a fim de restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro. Entendemos, contudo, que nem toda decisão judicial constituiria álea extraordinária capaz de justificar a revisão do contrato de concessão, mas apenas a revisão judicial do contrato em que o objeto da discussão atinge a prestação do serviço, alterando seja sua matriz remuneratória, sejam as obrigações do concessionário.

Com efeito, para estar caracterizada a álea extraordinária é imperioso que a decisão judicial modifique o contrato em pontos extraordinários, que escapem daqueles aspectos inerentes ao próprio ramo negocial. Ora, se o concessionário presta o serviço público por sua conta e risco, por decorrência lógica ele deve assumir os riscos da sua atividade. Assim, como lembra Marçal Justen Filho (1997, p. 157), “os eventos econômicos, embora imprevisíveis, que se insiram na normalidade do processo econômico não autorizam modificações de preço”.

De outro lado, dentro da álea extraordinária, deve-se também distinguir se a revisão judicial encontra-se na álea administrativa ou na álea econômica. Tal distinção, contudo, tem importância secundária, visto que as consequências práticas não diferem em qualquer das hipóteses. Isso porque, como vimos linhas acima, a Constituição Federal de 1988 (art. 37, XXI) garante a manutenção das condições da contratação nas concessões de serviços públicos.

Ora, sabe-se que a álea administrativa concerne aos atos emanados do próprio poder concedente, como a modificação unilateral das cláusulas da concessão ou de medidas alheias à sua posição contratual. Compreende tanto as hipóteses de alteração unilateral do contrato quanto os fatos da administração – assim tidos as ações ou omissões da administração que atingem concreta e diretamente a concessão – e o fato do príncipe – determinação geral e imprevisível, jurídica ou material, da própria administração contratante.

De seu turno, compreende-se na álea econômica, ligada à teoria da imprevisão, “todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio considerável, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para uma das partes” (ARAGÃO, 2008).

Vê-se que, para a caracterização da álea administrativa, é imperiosa a presença de um ato emanado do próprio poder concedente, quer seja ele concreta e diretamente destinado à concessão (fato da administração), quer seja geral e abstrato e atinja a concessão somente de forma reflexa (fato do príncipe).

Dessarte, tem-se que o ato judicial que implica modificações na concessão do serviço público, importando alteração na matriz remuneratória ou alteração da forma de prestação do serviço, ou, ainda, dos direitos e deveres das partes ou dos usuários, e que impliquem desequilíbrio na equação econômico-financeira do contrato, enquadra-se na noção de álea econômica, pois não decorre de ato da administração, ainda que o Poder Judiciário integre a noção de Poder Público. Daí que, nessas hipóteses, impõe-se a revisão do contrato de concessão a fim de restaurar-lhe o equilíbrio econômico-financeiro.

É necessário, porém, destacar que tal revisão, como já dito, não constitui privilégio do concessionário, mas necessária condição de prosseguimento da prestação do serviço público, atendendo assim aos anseios de seus usuários, que desejam, antes de mais nada, receber serviço público de qualidade, ao pagamento de tarifas módicas.

Dito isso, vemos que a discussão envolvendo a assinatura básica mensal nos contratos de prestação de Serviço Telefônico Fixo Comutado, objeto de apreciação pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento do REsp nº 911.802/RS, vai além da própria validade da cobrança e da sua natureza jurídica.

Sobre o tema, a posição adotada pelo Tribunal da Cidadania foi externada no acórdão relatado pelo Min. José Delgado, nestes termos:

“RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ANULATÓRIA C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. SERVIÇO DE TELEFONIA. COBRANÇA DE ‘ASSINATURA BÁSICA RESIDENCIAL’. NATUREZA JURÍDICA: TARIFA. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. EXIGÊNCIA DE LICITAÇÃO. EDITAL DE DESESTATIZAÇÃO DAS EMPRESAS FEDERAIS DE TELECOMUNICAÇÕES MC/BNDES Nº 01/98 CONTEMPLANDO A PERMISSÃO DA COBRANÇA DA TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA. CONTRATO DE CONCESSÃO QUE AUTORIZA A MESMA EXIGÊNCIA. RESOLUÇÕES Nos 42/04 E 85/98, DA ANATEL, ADMITINDO A COBRANÇA. DISPOSIÇÃO NA LEI Nº 8.987/95. POLÍTICA TARIFÁRIA. LEI 9.472/97. AUSÊNCIA DE OFENSA A NORMAS E PRINCÍPIOS DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. PRECEDENTES DA CORTE ADMITINDO O PAGAMENTO DE TARIFA MÍNIMA EM CASOS DE FORNECIMENTO DE ÁGUA. LEGALIDADE DA COBRANÇA DA ASSINATURA BÁSICA DE TELEFONIA. PROVIMENTO DO RECURSO ESPECIAL.
1. Cuidam os autos de ação declaratória de nulidade cumulada com repetição de indébito ajuizada por Camila Mendes Soares em face de Brasil Telecom S/A objetivando obstar a cobrança da chamada ‘assinatura mensal básica’ e a sua devolução em dobro. Sentença julgou improcedente o pedido. A autora interpôs apelação e o TJRS deu-lhe provimento à luz do entendimento segundo o qual é abusiva a exigência de contraprestação por serviço não fornecido, inexistindo previsão legal para a cobrança e tendo aplicação ao caso as normas do Código de Defesa do Consumidor. Recurso especial da operadora indicando violação dos arts. 3º, IV, 5º, 19, VII, 63, 83, 93, II, III e IX, e 103 da Lei 9.472/97; 3º, 48 e 52 da Resolução nº 85 da Anatel; 7º da Lei 8.078/90; e 877 do Código Civil/2002, além de divergência jurisprudencial com julgados oriundos do TJMG. Sustenta, em suma, que os direitos previstos no CDC não excluem os decorrentes da legislação ordinária preexistente: a Lei Geral das Telecomunicações; que a tarifa mensal não é voltada apenas à cessão de linha ou de terminal telefônico, mas também à infraestrutura fornecida; que o art. 52 da Resolução nº 85 da Anatel autoriza a cobrança da tarifa de assinatura; e somente cabe a repetição do indébito quando demonstrado o erro do pagamento voluntário, nos termos do atual art. 877 do Código Civil.
2. Recurso especial conhecido pela letra a do inciso III do art. 105 da CF, bem como pela divergência.
3. Matéria jurídica abordada no acórdão, cobrança pela recorrente da assinatura mensal básica para prestação de serviços telefônicos, amplamente debatida. Divergência demonstrada.
4. A tarifa, valor pago pelo consumidor por serviço público voluntário que lhe é prestado, deve ser fixada por autorização legal.
5. A prestação de serviço público não obrigatório por empresa concessionária é remunerada por tarifa.
6. A remuneração tarifária tem seu fundamento jurídico no art. 175, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal, pelo que a política adotada para a sua cobrança depende de lei.
7. O art. 2º, II, da Lei nº 8.987/95, que regulamenta o art. 175 da CF, ao disciplinar o regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos, exige que o negócio jurídico bilateral (contrato) a ser firmado entre o poder concedente e a pessoa jurídica concessionária seja, obrigatoriamente, precedido de licitação, na modalidade de concorrência.
8. Os concorrentes ao procedimento licitatório, por ocasião da apresentação de suas propostas, devem indicar o valor e os tipos das tarifas que irão cobrar dos usuários pelos serviços prestados.
9. As tarifas fixadas pelos proponentes servem como um dos critérios para a escolha da empresa vencedora do certame, sendo elemento contributivo para se determinar a viabilidade da concessão e estabelecer o que é necessário ao equilíbrio econômico-financeiro do empreendimento.
10. O artigo 9º da Lei nº 8.987, de 1995, determina que ‘a tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação (...)’.
11. No contrato de concessão firmado entre a recorrente e o poder concedente, há cláusula expressa refletindo o constante no Edital de Licitação, contemplando o direito de a concessionária exigir do usuário o pagamento mensal da tarifa de assinatura básica.
12. A permissão da cobrança da tarifa mencionada constou nas condições expressas no Edital de Desestatização das Empresas Federais de Telecomunicações (Edital MC/BNDES nº 01/98) para que as empresas interessadas, com base nessa autorização, efetuassem as suas propostas.
13. As disposições do Edital de Licitação foram, portanto, necessariamente consideradas pelas empresas licitantes na elaboração de suas propostas.
14. No contrato de concessão firmado entre a recorrente e o poder concedente, há cláusula expressa afirmando que, ‘para manutenção do direito de uso, as prestadoras estão autorizadas a cobrar tarifa de assinatura’, segundo tabela fixada pelo órgão competente. Estabelece, ainda, que a tarifa de assinatura inclui uma franquia de 90 pulsos.
15. Em face do panorama supradescrito, a cobrança da tarifa de assinatura mensal é legal e contratualmente prevista.
16. A tarifa mensal de assinatura básica, incluindo o direito do consumidor a uma franquia de 90 pulsos, além de ser legal e contratual, justifica-se pela necessidade da concessionária de manter disponibilizado o serviço de telefonia ao assinante, de modo contínuo e ininterrupto, o que lhe exige dispêndios financeiros para garantir a sua eficiência.
17. Não há ilegalidade na Resolução nº 85, de 30.12.1998, da Anatel, ao definir: ‘XXI – Tarifa ou Preço de Assinatura – valor de trato sucessivo pago pelo assinante à prestadora, durante toda a prestação do serviço, nos termos do contrato de prestação de serviço, dando-lhe direito à fruição contínua do serviço’.
18. A Resolução nº 42/05 da Anatel estabelece, ainda, que ‘para manutenção do direito de uso, caso aplicável, as Concessionárias estão autorizadas a cobrar tarifa de assinatura mensal’, segundo tabela fixada.
19. A cobrança mensal de assinatura básica está amparada pelo art. 93, VII, da Lei nº 9.472, de 16.07.1997, que a autoriza, desde que prevista no Edital e no contrato de concessão, como é o caso dos autos.
20. A obrigação do usuário de pagar tarifa mensal pela assinatura do serviço decorre da política tarifária instituída por lei, sendo que a Anatel pode fixá-la, por ser a reguladora do setor, tudo amparado no que consta expressamente no contrato de concessão, com respaldo no art. 103, §§ 3º e 4º, da Lei nº 9.472, de 16.07.1997.
21. O fato de existir cobrança mensal de assinatura, no serviço de telefonia, sem que chamadas sejam feitas não constitui abuso proibido pelo Código de Defesa do Consumidor, por, primeiramente, haver amparo legal e, em segundo lugar, tratar-se de serviço que, necessariamente, é disponibilizado, de modo contínuo e ininterrupto, aos usuários.
22. O conceito de abusividade no Código de Defesa do Consumidor envolve cobrança ilícita, excessiva, que possibilita vantagem desproporcional e incompatível com os princípios da boa-fé e da equidade, valores negativos não presentes na situação em exame.
23. O STJ tem permitido, com relação ao serviço de consumo de água, a cobrança mensal de tarifa mínima, cuja natureza jurídica é a mesma da ora discutida, a qual garante ao assinante o uso de, no máximo, 90 pulsos, sem nenhum acréscimo ao valor mensal. O consumidor só pagará pelos serviços utilizados que ultrapassarem essa quantificação.
24. Precedentes do STJ garantindo o pagamento de tarifa mínima: REsp 759.362/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ 29.06.2006; Resp 416.383/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, DJ 23.09.2002; REsp 209.067/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 08.05.2000; REsp 214.758/RJ, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ 02.05.2000; REsp 150.137/MG, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ 27.04.1998, entre outros. Idem do STF: RE 207.609/DF, decisão da relatoria do Ministro Néri da Silveira, DJ 19.05.1999.
25. Precedente do STJ, em medida cautelar, sobre tarifa de assinatura básica em serviço de telefonia: ‘PROCESSUAL CIVIL. MEDIDA CAUTELAR. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA RECURSAL. RECURSO ESPECIAL PENDENTE DE ADMISSÃO NO TRIBUNAL DE ORIGEM. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DAS SÚMULAS 634 E 635 DO STF. SERVIÇO DE TELEFONIA FIXA. TARIFA DE ASSINATURA BÁSICA. 1. Em conformidade com a orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal nas Súmulas 634 e 635, em casos excepcionais, em que estiverem conjugados os requisitos (a) da verossimilhança das alegações (= probabilidade de êxito do recurso interposto) e (b) do risco de dano grave e irreparável ao direito afirmado, esta Corte vem admitindo o cabimento de medida cautelar destinada a atribuir efeito suspensivo ou a antecipar tutela em recurso especial ainda não admitido pelo Tribunal de origem. 2. No caso, milita em favor da requerente a presunção de legitimidade dos atos normativos e administrativos que dão suporte à cobrança da tarifa de assinatura básica dos serviços de telefonia (verossimilhança das alegações). A supressão da cobrança, por medida liminar, compromete cláusula financeira do contrato de concessão do serviço, pesando sobre a requerente o risco maior da improvável e difícil reversibilidade da situação (risco de dano). 3. Pedido deferido’ (MC 10.235/PR, Rel. Min. Teori Zavascki, Primeira Turma, DJ 01.08.2005).
26. Os artigos 39, § 6º, I, III e V; e 51, § 1º, III, do Código de Defesa do Consumidor não são violados com a cobrança mensal da tarifa de assinatura básica nos serviços de telefonia.
27. Recurso especial provido para permitir a cobrança mensal da tarifa acima identificada.” (REsp 911802/RS, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Seção, julgado em 24.10.2007, DJe 01.09.2008)

A questão foi, posteriormente, sumulada no enunciado da Súmula 356 do Superior Tribunal de Justiça, com o seguinte teor: “É legítima a cobrança da tarifa básica pelo uso dos serviços de telefonia fixa”.

Contudo, transcendendo a questão objeto da controvérsia judicial, caso o resultado do julgamento fosse diverso, não há dúvidas de que o afastamento da cobrança importaria severo impacto na matriz remuneratória da concessão, trazendo inevitável desequilíbrio à equação econômico-financeira. Com efeito, tal redução da remuneração do concessionário demandaria medidas compensatórias, fossem elas por alteração na política tarifária, fossem pela instituição de fontes alternativas de remuneração do concessionário.

Note-se que o próprio relator, Min. José Delgado, destacou em seu voto a necessidade de observância, quanto à política tarifária, do quanto estipulado na licitação para a concessão do serviço, assentando:

“No momento em que o licitante apresenta a sua proposta, é obrigado a indicar o valor da  tarifa a ser cobrada dos usuários do serviço público, que servirá como um dos critérios para seleção da empresa vencedora do certame, conforme previsto no art. 15, I, da Lei nº 8.987/95.

É de se considerar, ainda, que o art. 9º da Lei nº 8.987, de 1995, determina que ‘a tarifa do serviço público concedido será fixada pelo preço da proposta vencedora da licitação preservada pelas regras de revisão previstas nesta Lei, no edital e no contrato’.

Em face das razões supra-alinhadas, tem-se por certo que a norma referida (art. 9º da Lei nº 8.987, de 1995) autoriza a fixação da tarifa do serviço público concedido no momento em que o contrato de concessão é firmado, obedecendo-se ao preço contido na proposta vencedora da licitação.”

E, mais adiante, elucidou:

“Acrescento, aos fundamentos já postos, que a cobrança mensal da tarifa de assinatura telefônica, além de estar amparada juridicamente (lei, edital e contrato de concessão), tem por base o fato de o serviço de telefonia ser disponibilizado ao consumidor assinante. A sua exigência é uma retribuição pelos gastos com a manutenção do serviço para que possa ser usado quando dele necessitar o usuário. É remuneração para que seja eficiente, isto é, contínuo e com condições técnicas para bem funcionar.”

Restou, ainda, assentado que a cobrança objurgada, além de encontrar respaldo legal, não poderia ser afastada sem abalo ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Portanto, pensamos que as decisões judiciais, notadamente quando envolvam questões que superam os limites da lide judicial, têm potencial de interferir na própria atividade econômica subjacente à lide. E, nesse ponto, a decisão citada constitui a materialização dessa preocupação.

Conclusão

O Estado, a fim de prestar aos cidadãos os serviços essenciais para satisfação de suas necessidades básicas, ora os realiza por si próprio, ora delega a terceiros a sua realização, mediante a concessão da prestação dos serviços. Nessa hipótese, contudo, o concessionário presta os serviços por sua conta e risco, mas permanece o Estado como titular do serviço.

Com o objetivo de garantir que o serviço público concedido aos particulares seja realizado de forma que atenda ao interesse público de continuidade, eficiência e modicidade tarifária, assegura-se ao concessionário a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão. Vimos que tal garantia, antes de representar um privilégio para o concessionário, constitui uma salvaguarda para os próprios usuários, que dessa forma terão assegurada a continuidade da execução dos serviços.

Vários são os fatores que potencialmente interferem na equação econômico-financeira do contrato de concessão. Contudo, apenas parte delas justifica a revisão contratual. Assim, os acontecimentos naturais na evolução do contrato, aqueles que se encontram dentro do risco esperado do negócio, ou seja, que pertencem à álea ordinária, não autorizam a alteração da equação econômico-financeira. De outro lado, aqueles acontecimentos que fogem ao risco esperado do ramo negocial, sejam eles concernentes a eventos imprevisíveis no panorama econômico, sejam decorrentes da intervenção da Administração na execução do serviço concedido, contidos na denominada álea extraordinária, autorizam a revisão do contrato de modo que o equilíbrio econômico-financeiro original seja restabelecido.

Nessa perspectiva, observamos que a atividade jurisdicional, em diversas oportunidades, acaba repercutindo na esfera econômica das relações, ainda que essa não seja objeto da lide. Tal também ocorre, com efeito, nos contratos de concessão de serviço público, especialmente quando há discussão judicial envolvendo questões tarifárias ou mesmo aspectos ligados à própria prestação do serviço. Exemplo disso é a recente discussão judicial envolvendo a validade da cobrança da assinatura básica mensal nos contratos de prestação do Serviço Telefônico Fixo Comutado, tomando como leading case o REsp nº 911.802/RS.

Assim, uma vez que a solução judicial da controvérsia atinge, ainda que de maneira reflexa, a constituição da matriz remuneratória do contrato de concessão, entendemos que o afastamento da cobrança – caso tivesse sido acolhida – implicaria a necessidade de reajuste do contrato, uma vez que a equação econômico-financeira estaria abalada. Evidentemente, pautando-se o contrato de concessão pela proposta vencedora no processo licitatório, e havendo alteração dos parâmetros de remuneração do concessionário, tornar-se-ia imperiosa a reestruturação da matriz remuneratória – independentemente de constituir a intervenção álea administrativa ou álea econômica – como forma de garantir, muito além da expectativa de lucro do concessionário, a própria continuidade do serviço público concedido.

Referências bibliográficas

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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS