Sujeito processual e deficiência social
As “condições peculiares do indivíduo” como fatores determinantes da análise da deficiência nos processos previdenciários para fins de benefício assistencial

Autora: Bianca Georgia Arenhart Munhoz da Cunha

Juíza Federal

publicado em 28.06.2013

Resumo

O benefício assistencial é a expressão máxima do direito fundamental à Assistência Social, portanto, de observância obrigatória pelo Estado Social de Direito. Tem por finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social. Assim, uma práxis libertadora, pelo juiz previdenciarista, e que atente à deficiência sob o prisma eminentemente social, surge como obrigatória, relevando-se a alteridade em prol da inclusão.

Palavras-chave: Benefício assistencial. Deficiência social. Sujeito processual. Indivíduo. Práxis emancipatória.

Sumário: Introdução. 1 Da Assistência Social. 1.1 Do benefício assistencial. 1.2 Do benefício mensal à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. 1.2.1 Do conceito clássico e legal de deficiência. 1.2.2 Da deficiência social consideradas as “condições peculiares do indivíduo”. 2 Da Assistência Social no processo previdenciário. 2.1 Do processo previdenciário: conceito emancipatório. 2.2 Do sujeito processual deficiente. 2.3 Do juiz na interpretação da deficiência social nos processos previdenciários para fins de benefício assistencial. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Nos processos previdenciários diuturnamente submetidos à análise jurisdicional, muito se debate acerca de quais padrões devem ser utilizados na interpretação de conceitos apostos legalmente, tais como o da “deficiência” para fins de obtenção do benefício mensal de prestação continuada, hoje insculpido no artigo 2º, inciso I, alínea e, c/c artigo 20, § 2º, da Lei 8.742, de 07.12.1993 (na redação dada pelas Leis 12.435, de 06.07.2011, e 12.470, de 31.08.2011).

O texto adiante, embasado nas recentes alterações legislativas e na tendência demonstrada pelos julgamentos da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais, da Turma Regional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região e das Turmas Recursais da 4ª Região, visa a apresentar uma sugestão de análise voltada diretamente ao âmbito social, sob o prisma das “condições peculiares do indivíduo”, ora deficiente.

Dessarte, passa-se a considerá-lo como “sujeito ativo” em um processo previdenciário, conceitualmente embasado no discurso coisificante, negativo, de toda a alteridade.

Para tal fim, o estudo, obrigatoriamente, passa pela conceituação, pelos princípios e pelos objetivos da Assistência Social, assim também por uma abordagem quase filosófica do processo previdenciário, a fim de propugnar por uma práxis libertadora, fixada na realidade social brasileira.

1 Da Assistência Social

Na forma da lei, a Assistência Social constitui “direito do cidadão e dever do Estado”. Além disso, “é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” (art. 1º da Lei 8.742/1993).

De fato, e como já bem determinado por Sergio Moro,(1) a Constituição Federal de 1988, própria de um Estado Social e Democrático de Direito, veio dotada de nítido conteúdo programático a atender às aspirações do povo brasileiro, tendo a erradicação da pobreza enquanto objetivo fundamental da nova república (art. 3º, III).

Dentro de tal perspectiva, consagrou-se o assistencialismo e o benefício (art. 203, V) que assegura o pagamento de um salário mínimo à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meio de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Constitucionalizou-se “um nítido direito antipobreza”,(2) assegurando ao idoso e ao deficiente pobres que o Estado lhes resgatará do estado de miséria em que eventualmente se encontrem.

Em uma análise mais específica do tema, estatui-se um direito fundamental a prestação positiva,(3) de observância obrigatória pelo Estado Social de Direito, que tem por finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social (art. 1º, IV, da Constituição Federal).

E isso tudo detém importância crucial.

A uma, porque eleva ao nível de direito fundamental que, por meio do Estado, o mais carente, mais pobre, mais excluído seja atendido em seu mínimo essencial de modo a assegurar sua dignidade.

Conforme menciona Marcelo Leonardo Tavares:

“A assistência social é um plano de prestações sociais mínimas e gratuitas a cargo do Estado para prover pessoas necessitadas de condições dignas de vida. É um direito social fundamental e, para o Estado, um dever a ser realizado por meio de ações diversas que visem atender às necessidades básicas do indivíduo em situações críticas de existência humana, tais como maternidade, infância, adolescência, velhice, e de pessoas portadoras de limitações físicas. As prestações de assistência social são destinadas aos indivíduos sem condições de prover o próprio sustento de forma permanente ou provisória, independentemente da exigência de contribuição para o sistema de seguridade social.”(4)

A duas, porque obriga à sensibilização do Judiciário em relação à temática social quando trata, essencialmente, do benefício de Assistência.

De fato, enquanto política pública de distribuição de renda, é inevitável considerar que constitui importante fórmula de garantia de condições mínimas de sobrevivência àqueles que demandam processualmente, o que exige, de parte do julgador, que analise o contexto e, sobretudo, as consequências sociais de suas decisões.

Nesse sentido, e analisando especificamente a concretização dos direitos sociais pela jurisdição, bem conclui Zenildo Bodnar:

“A sistematização de uma hermenêutica própria para o Direito Previdenciário, segundo a qual toda e qualquer decisão relacionada com a matéria deve considerar que o objetivo essencial de um sistema de seguridade social é assegurar proteção às pessoas fragilizadas, em função dos riscos sociais, é extremamente relevante para se conferir sistematização, coerência e segurança jurídica às decisões judiciais e administrativas.

A jurisdição prestada pelo Poder Judiciário pode contribuir para a concretização dos direitos fundamentais relativos à seguridade social quando é administrada com mecanismos e procedimentos céleres e com decisões adequadas e socialmente consequentes, fundamentadas na efetiva proteção dos direitos fundamentais legítimos, os quais são indispensáveis para a construção de uma sociedade mais digna, solidária e com menos desigualdade social.”(5)

1.1 Do benefício assistencial

É dentro de tal perspectiva que há, portanto, de ser estudado o benefício assistencial.

Em conceito definido como “a garantia de 1 (um) salário mínimo de benefício mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família”, é também conhecido como benefício de amparo social, benefício da Loas, benefício mínimo.

Possui fundamento – como já visto – no art. 203, V, da Constituição Social, sendo regulamentado pela Lei 8.742, de 07.12.1993, e pelas alterações posteriormente promovidas pelas Leis 12.435, de 06.07.2011, e 12.470, de 31.08.2011.

De cunho personalíssimo, é voltado, também como já dito, para a garantia da concessão de mínimas condições de vida aos indivíduos idosos e portadores de deficiência que não possam manter-se sozinhos nem com o auxílio de sua família.

Enfim, poderia ser tido como o núcleo essencial ou mínimo vital garantido como assistência aos desamparados, idosos ou deficientes, para que possam gozar, por meio do Estado, de um padrão mínimo de vida.

Trata-se, em apertada síntese, de amparo destinado àqueles que estão excluídos da órbita protetiva da previdência social, socorrendo o indivíduo e as famílias que estão incapacitadas de prover, com suas próprias forças, as necessidades básicas, razão pela qual o Estado é chamado para suprir aquilo que for absolutamente indispensável para fazer cessar o atual estado de necessidade dos assistidos.

Nas palavras da doutrina, é um elemento próprio de cidadania:

“A renda não é a única forma de inclusão social, mas é fundamental, pois é ela que garante ao cidadão acesso aos meios básicos de sobrevivência, como alimentação, habitação, vestuário, cultura, entre outros. A exclusão, em uma sociedade capitalista, em geral se dá justamente quando o indivíduo se encontra fora do mercado, sem possibilidades de acesso aos bens sociais que o coloquem acima da linha da pobreza, como incluído socialmente e, portanto, cidadão, separando-o de quem estiver abaixo dessa linha como excluído e, portanto, não cidadão. Isso porque a cidadania, para Marshall, se apresenta segundo três componentes, o civil, que é o direito legal de expressão, religião, propriedade, entre outros; o político, que é o poder de eleger e ser eleito; e o social, que é o direito de gozar de um padrão mínimo de vida, de bem-estar e de seguridade econômica. Assim, quem está abaixo da linha de pobreza pode até gozar de direitos civis e políticos, mas não tem o último componente, que é a garantia de um mínimo social, faltando esse componente para que o indivíduo se transforme em um cidadão.”(6)

Já nos termos da lei, é um benefício que apenas pode ser compreendido de acordo com os princípios que a própria lei elenca (no caso, a 8.792/93, art. 4º), quais sejam: I – supremacia do atendimento às necessidades sociais sobre as exigências de rentabilidade econômica; II – universalização dos direitos sociais, a fim de tornar o destinatário da ação assistencial alcançável pelas demais políticas públicas; III – respeito à dignidade do cidadão, à sua autonomia e ao seu direito a benefícios e serviços de qualidade, bem como à convivência familiar e comunitária, vedando-se qualquer comprovação vexatória de necessidade; IV – igualdade de direitos no acesso ao atendimento, sem discriminação de qualquer natureza, garantindo-se equivalência às populações urbanas e rurais;  V – divulgação ampla dos benefícios, serviços, programas e projetos assistenciais, bem como dos recursos oferecidos pelo Poder Público e dos critérios para sua concessão.

Dessarte, e em resumo, há de sempre atentar à necessidade do indivíduo, à sua incapacidade contributiva, sem distinção, e, de outro lado, à disponibilidade de recursos do Estado, não podendo constituir a fortaleza orçamentária como único limite da assistência social.

1.2 Do benefício mensal à pessoa com deficiência que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família

Consoante delimitado supra, o benefício mensal é devido ao portador de deficiência e ao idoso, desde que comprovem a ausência de meios de prover sua própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

No caso do idoso, a questão é submetida unicamente à necessidade de prova documental do requisito etário. Para tanto, serviriam certidões de nascimento e de casamento civil e religioso, certificado de reservista, carteira de identidade, CTPS, certidão de inscrição eleitoral e declaração expedida pela Funai, para o indígena. Para os estrangeiros, título declaratório de nacionalidade brasileira, certidão de nascimento ou casamento, passaporte, documento de identidade estrangeiro, guia de inscrição consular e certidão de desembarque também poderiam ser admitidos.

No ponto, ainda e aliás, a alteração promovida pela Lei nº 12.435/2011 ao art. 20 da Lei 8.742/1993 fixou claramente o termo em “65 (sessenta e cinco) anos ou mais”, dispensando qualquer integração com o Estatuto do Idoso (Lei 10.741/2003).

Já no que concerne ao deficiente, a questão se mostra bem mais tortuosa.

É que o benefício assistencial passa a ter como pressuposto objetivo o fato de a pessoa ser portadora de deficiência, ou, nos termos da nova redação legal, ser pessoa “com deficiência”.

1.2.1 Do conceito clássico e legal de deficiência

Já houve um tempo em que a jurisprudência, em especial a das Turmas Recursais dos Juizados Especiais Federais, partia da distinção técnica entre os conceitos de “deficiência” e de “incapacidade”.

De acordo com tal entendimento, a deficiência, segundo conceito normativo (art. 3º, inciso I, do Decreto nº 3.298/99), seria “toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano”, requisito específico que legitimaria a concessão da prestação assistencial, não se confundindo ou se equiparando ao conceito de incapacidade (pressuposto dos benefícios previdenciários contributivos).

De sua parte e diante de tal, o INSS utilizava-se de critérios bastante restritivos na avaliação dos portadores de deficiência, o que poderia ser ilustrado pela Resolução INSS/PR nº 435, de 18.03.95, segundo a qual, por meio de uma soma de “pontos”, o médico perito haveria de qualificar o impedimento apresentado. Assim, por exemplo, a inaptidão para o trabalho outorgaria 6 pontos ao periciado, enquanto a impossibilidade de locomoção lhe atribuiria idênticos 6 pontos; a oligofrenia receberia apenas um ponto. Se o avaliado atingisse 17 pontos, o acróstico da análise pericial sugeriria o enquadramento para fins de concessão do benefício. Pontuação inferior indicaria conclusão médica contrária.

Chamava atenção, ainda, o fato de que, segundo o entendimento administrativo, a inaptidão para o trabalho não constituía, por si só, requisito para a concessão do benefício. A incapacidade para o trabalho e também para a vida independente eram tidos como requisitos cumulativos pelo INSS. Ou seja, a pessoa, além de não conseguir trabalhar em razão de sua deficiência clinicamente constatável, teria de provar, também, que não podia cuidar de si mesma, necessitando, como exemplo, da ajuda contínua de outrem para alimentar-se, vestir-se, cuidar da própria higiene e de atos da vida cotidiana.

Enfim, apenas as pessoas de vida vegetativa findavam por ser consideradas deficientes para o benefício.

É certo que a análise sob tal prisma destoava dos critérios constitucionais, além de provocar inúmeras injustiças sociais.

1.2.2 Da deficiência social consideradas as “condições peculiares do indivíduo”

No julgamento do Incidente de Uniformização JEF nº 2007.70.95.001688-0/PR, em 13.09.2007, a Turma Regional do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por maioria, estabeleceu que a expressão “portadora de deficiência”, até então contida no artigo 20 da Lei 8.742/93, abrangeria “pessoa absolutamente incapaz de prover a própria subsistência e de tê-la provida por sua família, independentemente da origem da incapacidade”.

Destaque-se, do inteiro teor do voto reportado, o seguinte trecho:

“Em que pese a possibilidade de uma distinção, em nível gramatical, sobre os significados das expressões ‘deficiência’ e ‘incapacidade’, na forma apresentada pela 2ª Turma Recursal do Paraná, me parece que o legislador não se orientou por aquele critério semântico, preferindo estabelecer que a incapacidade, como manifestação da deficiência, com ela se confunde e a caracteriza, ao contrário da conclusão a que chegou a 2ª Turma Recursal paranaense. Em suma, o § 2º do art. 20 da Lei 8.742/93, no meu sentir, conceitua a ‘pessoa portadora de deficiência’ como sendo a ‘pessoa incapacitada para a vida independente e para o trabalho’, alheio à causa ou à origem da incapacidade. Por isso, mesmo o deficiente físico, por exemplo, o que se utiliza de cadeira de rodas, encontrando-se capacitado para a vida independente e para o trabalho, não teria direito ao benefício. De outro lado, a pessoa permanentemente incapacitada para a vida independente e para o trabalho, ainda que em razão de moléstia adquirida em determinado momento da vida, é tida como deficiente, nos termos do § 2º do art. 20 da Lei nº 8.742/93, e, por conseguinte, faz jus ao benefício. O amparo social é destinado à pessoa impossibilitada de gozar uma vida independente e de exercer atividade laboral capaz de prover a sua própria manutenção e de tê-la provida pela própria família.” (destacamos)

O julgamento supra coadunou-se com a noção aventada pela melhor doutrina, em especial aquela de José Antonio Savaris, segundo a qual:

“a incapacidade para o trabalho não pode ser identificada apenas a partir de uma perspectiva médica. Não são raros os casos em que o segurado, embora portador de uma incapacidade funcionalmente parcial, se encontra incapacitado para o exercício de qualquer atividade que possa lhe garantir subsistência. É o caso típico do trabalhador braçal, que desempenha suas atividades mediante intenso esforço físico. Uma vez que se encontre incapacitado para o exercício de atividades que demandem esforço físico acentuado, conte com idade relativamente avançada e não apresente formação social ou educacional para desempenho de função que dispense tal esforço físico, na verdade ele se encontra sem condições reais de autoprover-se. (...) A análise da incapacidade para o trabalho deve levar em conta, assim, não apenas a limitação de saúde da pessoa, mas igualmente a limitação imposta pela sua história de vida e pelo seu universo social.”(7)

De igual modo, passou-se a compartilhar um conceito de “deficiente” muito mais social do que técnico.

Nesse modo, e com Débora Diniz, poderíamos mesmo começar a considerar a deficiência como “experiência da exclusão sofrida por aquelas pessoas que apresentam capacidades consideradas desvantajosas para uma determinada sociedade”(8) (destacamos).

Consigne-se, outrossim, que a exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, já não encontraria mais qualquer respaldo no ordenamento jurídico nacional.

Ao contrário, tal exigência afrontaria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com o princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), com o objetivo da assistência social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e com a ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput).

Nesse modo – e ao menos pela jurisprudência –, o requisito da “incapacidade para a vida independente” (a) não exigiria que a pessoa possuísse uma vida vegetativa ou que fosse incapaz de locomover-se; (b) não significaria incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não imporia a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; (d) não pressuporia a dependência total de terceiros; e (e) apenas indicaria que a pessoa portadora de deficiência não possui condições de autodeterminar-se completamente ou depende de algum auxílio, acompanhamento, vigilância ou atenção de outra pessoa para viver com dignidade.(9)

A respeito, e aliás, também ficou expresso o enunciado da Súmula 29 da TNU.(10)

Para uma melhor análise, e em julgamento do precedente do referido verbete (muito antes, pois, da alteração promovida pela Lei 12.435/2011), a Turma Nacional de Uniformização decidiu que:

“(...) 1. O conceito de vida independente da Lei nº 8.742/93 não se confunde com o de vida vegetativa, ou, ainda, com o de vida dependente do auxílio de terceiros para a realização de atos próprios do cotidiano. 2. O conceito de incapacidade para a vida independente, portanto, deve considerar todas as condições peculiares do indivíduo, sejam elas de natureza cultural, psíquica, etária – em face da reinserção no mercado do trabalho – e todas aquelas que venham a demonstrar, in concreto, que o pretendente ao benefício efetivamente tenha comprometida sua capacidade produtiva lato sensu. 3. A interpretação não pode ser restritiva a ponto de limitar o conceito dessa incapacidade à impossibilidade de desenvolvimento das atividades cotidianas. 4. Incidente de uniformização improvido.”(11) (destacamos)

Com as Leis 12.435/2011 e 12.470/11, a questão pareceu até mais bem resolvida.

Já na forma estabelecida pela primeira alteração do art. 20, em 06 de julho de 2011, passou-se a considerar pessoa com deficiência “aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”. Ou seja, deficiente não seria apenas aquele clinicamente afetado, mas, sobremaneira, o detentor de impedimentos que, analisados em conjunto com barreiras sociais, pudessem prejudicar o seu sustento. Se tal não bastasse, ditos impedimentos seriam “aqueles que incapacitam a pessoa com deficiência para a vida independente e para o trabalho pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos”.

Na última redação, exige-se para a concessão do benefício assistencial a avaliação da deficiência e do grau de impedimento por análise médica e avaliação social, realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social – INSS (§ 6º do novo art. 20), definindo-se o impedimento de longo prazo apenas como aquele que “produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos” (novo § 10 do art. 20).

Ou seja, fica agora obrigatório que, para encontrar o requisito “deficiência”, sejam avaliadas as “condições peculiares do indivíduo”, por meio de um estudo médico e social, em que se analisem as características clínicas do impedimento e também as barreiras que impedem que aquela pessoa possa participar plena e efetivamente da sociedade (e do trabalho) em igualdade de condições com os demais.

Nesse ponto, não há como fugir, agora, de demonstrações concretas de elementos como: (a) escolaridade; (b) profissão; (c) qualificação profissional ou viabilidade de seu aprimoramento no local onde reside; (d) aptidão atual do indivíduo para as atividades laborais para as quais se preparou; (e) idade e viabilidade de inserção/reinserção no mercado de trabalho; (f) situação do mercado de trabalho no lugar específico em que reside; (g) necessidades específicas que o impedimento apresentado pelo deficiente requer; (h) preconceito social; etc.

Se tal não bastasse, é evidente que limitações parciais ou adquiridas haverão de ser albergadas, pois, uma vez consideradas as deficitárias condições pessoais e sociais da parte, é possível que não seja mais viável sua reintegração ao trabalho em igualdade de condições com os demais. Nesse ponto, aliás, são muitos os precedentes. Apenas a título de ilustração, podemos citar, de ordem da TRU, o IUJEF 2007.72.95.008526-2/SC:

“Ainda que parcial a incapacidade, fatores de ordem pessoal do requerente, como idade elevada, baixíssimo nível de instrução, natureza estigmatizante da doença, necessidade de intervenção cirúrgica complexa etc., que evidentemente impeçam uma absorção da pessoa pelo mercado de trabalho, podem ensejar, segundo as peculiaridades do caso concreto, a concessão do benefício assistencial.”

2 Da Assistência Social no processo previdenciário

O processo judicial é, por excelência, instrumento de realização constitucional.
Assim, e quando se apresenta um requerimento de fins assistenciais, o papel jurisdicional de eficácia se mostra em plenitude.

Dentre os três elementos da trilogia fundamental estruturante do Direito Processual, é evidente que o processo constitui a seara onde, ao menos em termos visíveis ou exteriorizados, ter-se-ão como efetivamente realizados e assegurados (ou não) os direitos fundamentais, tal como concebidos constitucionalmente.

Em termos práticos, pois, isso significa que o processo previdenciário aparece, sobremaneira, como o lugar onde é possível o controle, por meio de regramento mais específico, da forma de execução dos atos a serem praticados, bem como a viabilização essencial de uma práxis libertadora e verdadeira garantia à dignidade da pessoa humana (cidadã), pois é ele quem efetivará (ou não) a realização de uma prática social.

2.1 Do processo previdenciário: conceito emancipatório

Para conceituar o processo previdenciário, é necessário remeter às noções clássicas do Direito.

Em breve análise, poderíamos dizer então que, de uma forma geral, o processo é definido com base em um conceito praticamente unívoco, com raras exceções, tratando-o como “jurisdição em exercício”, “atos pré-ordenados em uma série sucessiva com um fim determinado, qual seja, a sentença judicial”, ou “o sistema de atos interligados por um princípio unificador”.(12)

O importante a se ressaltar é que, ao se conceituar o processo como mera sequência (quase que autônoma) de atos, releva-se a sua exteriorização, olvidando-se da realidade dos fatos – e das pessoas – que se envolvem no referido processo.

Ora, já com Liebman ressaltava-se que o processo não poderia ser compreendido apenas como “procedimento”, mas também como uma relação interpartes.(13)

Do mesmo modo, atentava Calamandrei:

“(...) el proceso es esencialmente estudio del hombre: no olvidarse nunca que todas nuestras simetrías sistemáticas, todas nuestras elegantiae iuris, se convierten en esquemas ilusorios, si no nos damos cuenta de que por debajo de ellas, de verdadero y de vivo no hay más que los hombres, con sus luces y con sus sombras, con sus virtudes y con sus aberraciones. (...) Hoy se habla mucho en el campo del derecho penal de la necesidad de hacer humanas las penas, y esta exigencia se expresa con una palabra no elegante, actualmente de moda entre los penalistas: ‘humanización’. Preferiría llamarla ‘repecto del hombre’, ‘respecto de la persona’; y querría que este ‘personalismo’ viniese de ahora en adelante a corrigir los excesos del abstractismo y del dogmatismo, también en el estudio del proceso.(14) (destacamos)

Explique-se.

A inúmera maioria dos manuais de Direito Processual reproduz a ideia de que o “processo” pode ser visto como um “procedimento”, quanto ao seu aspecto exterior (conceito suprarreferido de “conjunto de atos preordenados”), e como “relação jurídica”, em sua essência ou natureza jurídica.

De uma forma bastante sintetizada, o que se prega é que, com o processo, instaura-se uma relação de Direito Público que liga o Estado-jurisdição (juiz), o autor e o réu por meio de vínculos jurídicos, ora de forma angular, ora triangular (variantes da teoria embrionária), os quais se qualificam a partir de direitos, faculdades, encargos e obrigações recíprocas. Nesse patamar, a teoria da “relação jurídica” teve como propício para sua propagação o momento histórico de sua elaboração. Era uma época de tentativa de submissão do poder político ao Direito, de difusão do individualismo, e isso, como sabido, servia àquelas construções.

Ocorre que a ideia filosófico-sociológica de sujeito de direitos não deixava também  de ser eminente e essencialmente uma nova forma de dominação, originária do sistema capitalista no qual o modelo central de produção é baseado em uma força de trabalho comprada como mercadoria (coisa). Com efeito, no sistema de capital (ou mesmo neoliberal moderno), o salário não pode representar nem representa o equivalente do dispêndio da força de trabalho, mas unicamente uma parte dela. Não se paga a força de trabalho do empregado, mas se a valoriza tão somente fazendo aquele produzir um rendimento (a mais-valia), do qual se apropria o dono do capital. Esse rendimento, por sua vez, não significa uma acumulação matemática de dinheiro; para que haja capital, é preciso que ele seja valorizado – que ele produza “filhos”, na fórmula de Marx –, quer dizer, é preciso que ele compre no mercado uma mercadoria particular: a força de trabalho humana, mercadoria que tem a particularidade de criar o valor.(15)

Desse modo, pensar talvez com Goldshmidt(16) no processo como uma “sucessão de situações jurídicas favoráveis e desfavoráveis” parece retratar de uma forma muito mais honesta a realidade com que ele se apresenta. Além disso, admite-se uma participação muito mais verdadeira e ativa das partes no acertamento do caso, ressaltando os sujeitos do processo, considerados em suas individualidades e realidades sociais.

Assim, veja-se que, em vias de dita concepção, no processo, os laços jurídicos dos indivíduos que se constituem correspondentemente tornam-se meras expectativas de uma sentença favorável ou perspectivas de uma sentença desfavorável, e não direitos das partes e correspondente obrigação judicial a tal sentença ou decisão concreta.

À dita sentença precede o processo, que nada mais é do que uma luta pelo direito; assim, as expectativas de uma sentença favorável dependem geralmente de um ato processual anterior da parte interessada, a qual, com dita atuação, tem êxito.

Ao contrário, as perspectivas de uma sentença desfavorável dependem, em geral, da omissão de um ato processual pela parte interessada. A parte que se encontra em situação de proporcionar-se, por um ato, a vantagem processual tem uma possibilidade ou ocasião e oportunidade (e não uma obrigação) de fazer ou não fazer algo. Por outro lado, quando a parte tem de praticar um ato para prevenir uma desvantagem processual, ou, em último caso, a sentença desfavorável, incumbe-lhe uma carga processual – e não um dever, propriamente dito.

Seguindo-se o autor supracitado, ainda, excepcionalmente, a lei poderia dispensar a uma parte o ônus diante de uma situação que a lei lhe impõe (independentemente de qualquer ato seu antecessor, por exemplo, o onus probandi).

Trata-se de uma concepção dinâmica do processo, considerando-se que “la situación jurídica se diferencia de la relación jurídica no sólo por su contenido, sino también porque depende, no de la ‘existencia’, sino de la ‘evidencia’ y muy especialmente de la prueba de sus presupuestos(17) (destacamos).

Quer dizer, afasta-se a já bastante impugnada sustentação da garantia efetiva de uma segurança jurídica, bem como do alcance de uma verdade absoluta no processo, tornando o juiz processual um efetivador de garantias, e não mero intérprete legal.

2.2 Do sujeito processual deficiente

A proposta seria tratar, pois, o sujeito processual deficiente, nos autos previdenciários, não como um sujeito de direitos, no discurso totalitário, coisificante.

Seria concebê-lo como o “Outro”, rompendo com o discurso da totalidade e partindo da alteridade, de modo a desencadear um novo pensar não já dialético, mas analético.

Para isso, urgiria seguir para uma enorme e aprofundada análise da Filosofia da Libertação,(18) dentre todos por Enrique Dussel, o que, todavia, foge às limitações deste curto texto.

De todo modo, a ideia aqui seria basicamente imaginar que, partindo-se da noção de que todo o meio totalizante (discurso único, “O mesmo”) produz algo que não é real e provoca a opressão, a única saída para a libertação de tal mundo (irreal e de negação) seria pensar por meio do método da ética, tomando por base um ser-ético.

Nesse modo, observe-se que a ideia que hoje se tem sobre o processo, como já dito, busca instaurar uma totalidade, ou seja, um ser absoluto, com o qual se predica a alteridade, dado que se ontologizam os atos (aspecto objetivo ressaltado no conceito e na natureza jurídica do processo), em prol do sujeito acusado, que, de sua conta, é transformado em apenas um objeto (dominado). Quer dizer, uma construção totalizante europeia, mítica (inverossímil), que, cumprindo sua função ideológica intrínseca e permanecendo repetida diuturnamente, cada vez mais, abraça a dominação opressora.

Ou seja, constrói-se uma imagem chamada processo, em que os atores sobre tal tela são considerados partes no sentido de sujeitos de direitos subjetivos processuais; a tanto, restariam consolidadas, naquela seara, a egualité des armes, em plena equiparação, em perfeita igualdade material.

O ser recebe um estatuto de igual, por definição, e aposta na crença (estrategicamente perfeita em termos de dominação ideológica) de que tem a mesma força que os demais integrantes da “relação jurídica processual simétrica e sinalagmática”: defesa, acusação e juiz (superpartes).

Nesse item, veja-se novamente que a noção de processo como o “conjunto de atos preordenados a um fim” busca materializar a relação interpartes que se dá. O mais grave, entretanto, é que, com isso, equipara (formalmente) os sujeitos autores dos atos processuais (enquanto ações/condutas) e impõe uma visão ontológica que se instaura frente à negatividade (predicada) daqueles que estão fora das possibilidades de realmente participar da atuação de forma consciente e igualitária – aquele enorme percentual de excluídos em nosso país. Importam-se noções europeias do instituto jurídico, acatando-se o mesmo princípio da dominação incutido em toda a nossa formação a partir de uma concepção de “Outro” como coisificação e negação de seu ser, como partícipe de uma realidade distinta.

Mais do que na teoria, o efeito é sentido de forma direta na prática, tal como sempre assinalou Dussel. Por certo que “é na prática que o paciente sofre a ação do agente. É na prática que sinto a dor, a fome, o frio, a inferioridade... A consequência da dominação é a opressão”.(19) Enfim, é na prática que se sofrem o drama do processo, a dor, a prisão, quiçá a absurda e paradoxal injustiça.

É preciso, portanto, romper com o saber acumulado, afastando os obstáculos epistemológicos, única forma de evolução científica.

A proposta é a de pensar um processo mais real, cujo objetivo seja ver, conhecer, analisar, criticar para transformar, libertar o homem atual a partir de uma nova práxis de tomada de consciência do Ser Negado.

A isso se chama ethos da libertação, que se expressa com a própria unidade da existência humana.

Em âmbito mais restrito, mais do que qualquer coisa, é hora de cumprir a Constituição da República, com toda sua força normativa, na integralidade da eficácia de suas normas que se propagam por toda a legislação infraconstitucional, bem como sobre todo o comportamento humano.

O projeto dusseliano implica justamente isso. A prática de uma ética da alteridade, mais especificamente, uma ética antropológica da solidariedade (em que há espaço para os excluídos), não fundada em valores (como técnica), mas em um reconhecimento da realidade que assola o país e nosso povo. “Nada de idealismos, nada de juízos de valor. Uma ética construída sobre juízos de fato: ‘Aquilo que causa dor’ (juízo de fato, de ‘ser’) é a premissa da fundamentação do ético deôntico.”(20)

2.3 Do juiz na interpretação da deficiência social nos processos previdenciários para fins de benefício assistencial

Ora, diante de tais patamares, como imaginar não considerar as condições peculiares do indivíduo na análise da deficiência impeditiva de sua integração social?

Pergunta-se, ainda: nas definições técnicas e legais até então enunciadas, onde estaria inserto o sujeito, miserável, que não consegue obter sustento próprio nem ter-se provido pela família?

Mais do que isso: como sobrepor a análise da deficiência, segundo um ponto de vista eminentemente técnico/clínico, à sua análise social, mediante a análise das condições socioeconômicas de um indivíduo que é a própria expressão de uma alteridade; ou seja, que não consegue trabalhar, sustentar-se; que não consegue falar, produzir prova por si só, explicar suas dificuldades, pois não integra aquele mundo tal e como qualquer outro requerente previdenciário (o qual, este sim, está integrado no mundo do capital, trabalha, fala, produz)?

Se é que restou mesmo estatuído um direito fundamental à prestação positiva,(21) de observância obrigatória pelo Estado Social de Direito, que tem por finalidade a melhoria das condições de vida dos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social (art. 1º, IV, da Constituição Federal); se é, ainda, que esse direito será realizado essencialmente por meio do processo previdenciário judicial; se é que apenas nessa seara tem o juiz o poder de incluir o excluído, é hora de consolidar essas mudanças.

Ora, não há mais como duvidar de que a interpretação sistemática da legislação permite a concessão de um benefício assistencial se, por exemplo e diante do caso concreto, os fatores pessoais e sociais impossibilitarem a reinserção do segurado no mercado de trabalho, ainda que não exista impedimento total para o trabalho, do ponto de vista médico.

O juiz, segundo o seu livre convencimento, pode e deve exercer esse processo emancipatório, afinal, conforme o brocardo, judex peritus peritorum, ou seja, é o perito dos peritos.

Não há mais também, e nessa linha, como rechaçar um benefício assistencial porque o laudo clínico não restou absolutamente claro acerca da natureza do impedimento, ou porque o impedimento não foi pericialmente destacado como produtor de efeito a longo prazo (prazo mínimo de 2 anos, consoante novo § 10 do art. 20), pois, como visto, a deficiência que se busca é eminentemente a social, não a clínica.

Resta, pois, saber: há exclusão em razão de deficiência incapacitante? Há miséria a erradicar? Há direito fundamental a concretizar?

Enfim, e nas palavras de Paulo Afonso Brum Vaz, “juiz previdenciarista é essencialmente um juiz social”;(22) mais do que isso:

“Cada decisão proferida em matéria previdenciária e assistencial  tem o potencial de interferir diretamente no plano da satisfação dos direitos sociais e, portanto, no contexto social, na medida em que permite a  inclusão social. Por  isso, impõe-se  ao  juiz,  a  menos  que  duvide  do  seu  papel  de  agente  de  transformação social,  encontrar  o  sentido  da  decisão  que  seja  mais  consentâneo  com  os valores  que  a  Constituição  consagra  a  título  de  direitos  sociais,  a  que, subjetivamente, correspondem direitos fundamentais; de lhes dar sensibilidade social, para que passem do plano do  reconhecimento para o da efetivação e deixem de ser mera manifestação de propósitos sem consequências práticas no mundo fenomênico.”(23)

Conclusão

A Assistência Social constitui, de acordo com nossa Carta Máxima, “direito do cidadão e dever do Estado”.

O benefício assistencial é a sua maior expressão, de modo a garantir ao mais carente, ao mais pobre, ao mais excluído, que seja atendido em seu mínimo essencial a fim de assegurar sua dignidade.

Nesse patamar, e enquanto tratar do deficiente, a mera conceituação técnica e médica da limitação física ou mental apresentada não cumprirá o seu papel constitucional.

Urge que se perquira um conceito em que o impedimento seja analisado muito mais pela história de vida e pelo universo social daquele “Outro”, excluído, não ouvido.

Deixar de trabalhar, de prover, não é sua maior miséria.

As “condições peculiares do indivíduo”, nesse modo, apresentam-se como elemento crucial para que seja instaurado um verdadeiro diálogo dentro do processo previdenciário, o qual há de sobrepor a seus atos, exteriormente visíveis, as relações interpartes e a vida do cidadão que se põe.

Importa efetivar a prática de uma ética da alteridade, mais especificamente, uma ética antropológica da solidariedade (em que há espaço para os excluídos), não fundada em valores (como técnica), mas em um reconhecimento da realidade que assola o país e nosso povo.

Veja-se que o juiz não possui, no real processo, a obrigação judicial a uma sentença ou decisão concreta, pois a parte não tem o direito a tal. O que se criam são expectativas e situações favoráveis ou desfavoráveis a uma determinada sentença.

Assim, o juiz é, essencialmente, um efetivador de garantias, e não mero intérprete legal. Há de, sobremaneira nos pleitos assistenciais, encontrar a decisão que seja mais coordenada com os projetos constitucionais, sempre sobrepondo sua devida sensibilidade social.

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Notas

1. MORO, Sergio Fernando. Questões controvertidas sobre o benefício da assistência social. In: ROCHA, Daniel Machado da (org.). Temas atuais de Direito Previdenciário e assistência social. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 143-160.

2. Na trilha do mesmo doutrinador, Sergio Moro. Op. cit., p. 144.

3. Na conhecida classificação de Robert Alexy, para quem “Los derechos de defensa del ciudadano frente al Estado son derechos a acciones negativas (omisiones) del Estado. Pertenecen al status negativo en sentido amplio. Su contrapartida son los derechos a acciones positivas del Estado, que deben ser incluídas en el status positivo en sentido estricto” (ALEXY, Robert. Teoria de los Derechos Fundamentales. Madri: Centro de Estúdios Políticos y Constitucionales, 2002. p. 419)

4. TAVARES, Marcelo Leonardo. Previdência e assistência social. Legitimação e fundamentação constitucional brasileira. Rio de Janeiro: Renovar, 2003. p. 215.

5. BODNAR, Zenildo. A concretização jurisdicional dos direitos previdenciários e sociais no estado contemporâneo. In: LAZZARI, João Batista (coord.). Curso Modular de Direito Previdenciário. Florianópolis: Conceito, 2007. p. 11-28.

6. ALMEIDA, Evaristo. Programas de garantia de renda mínima. São Paulo: Educ, 2000. p. 32.

7. SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. Curitiba: Juruá, 2008. p. 225-226.

8. DINIZ, Débora. Quem é deficiente no Brasil? In: COSTA, Sérgio; DINIZ, Débora. Ensaios: Bioética. Brasília: Letras Livres, 2006. p. 175-176.

9. Assim, TRF 4ª – 200071080087375/RS – 5ª T – Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU 05.10.2005, p. 878.

10. “Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a que a impossibilita de prover o próprio sustento.”

11. TNU, Pedido de Uniformização nº 2004.30.00.702129-0/AC, Relator Wilson Zauhy Filho.

12. Para uma análise mais pormenorizada do tema, sugere-se nossa dissertação de Mestrado, UFPR, 2002, Teoria Emancipatória da Ontologização do processo penal brasileiro (à luz da Filosofia da Libertação de Enrique Dussel).

13. LIEBMAN, Enrico Tullio. Manuale di diritto processuale civile: principii. Quinta edizione. Milano: Giuffrè, 1992. p. 35.

14. CALAMANDREI, Piero. Instituciones de Derecho Procesal Civil. Traduzido por de Santiago Sentís Melendo. Buenos Aires: El Foro, 1996. v. III. Proceso y Justicia. p. 219: “(...) o processo é essencialmente estudo do homem; não se olvide nunca de que todas as nossas simetrias sistemáticas, todas as nossas ‘elegantiae iuris’, se convertem em esquemas ilusórios se não nos damos conta de que, por debaixo delas, de verdadeiro e de vivo, não há mais que homens, com suas luzes e com suas sombras, com suas  virtudes e aberrações. (...) Hoje se fala muito, no campo do direito penal, da necessidade de se ter como humanas as penas, e essa exigência se expressa com uma palavra não elegante, atualmente de moda entre os penalistas: ‘humanização’. Preferiria chamá-la ‘repeito do homem’, ‘respeito da pessoa’; e queria que esse ‘personalismo’ viesse de agora em diante a corrigir os excessos do abstratismo e do dogmatismo, também no estudo do processo” (tradução livre).

15. A respeito e para uma análise mais aprofundada, consulte-se, como exemplo, DOBB, M. Études sur le développement du capitalisme. Paris: Maspero, 1971. p. 150 e ss.

16. GOLDSCHMIDT, James. Derecho Procesal Civil. Traducido de la segunda edición alemana por Leonardo Prieto Castro con adiciones sobre la doctrina y la legislación española por Niceto Alcalá-Zamora y Castillo. [S.l.]: Labor, 1936.

17. Id.

18. DUSSEL, E. Para uma ética da libertação latino-americana: I – Acesso ao ponto de partida da ética. Traduzido por Luiz João Gaio. São Paulo: Loyola, 1977.

19. ZIMMERMANN, Roque. América Latina – o não-ser: uma abordagem filosófica a partir de Enrique Dussel (1962-1976). São Paulo: Vozes, 1987. p. 45.

20. DUSSEL, Enrique. Ética da libertação: na idade da globalização e da exclusão. Traduzido por Ephraim Ferreira Alves, Jaime Clasen e Lúcia Orth. Petrópolis: Vozes, 2000. p. 463.

21. Vide supra.

22. Palavras proferidas na aula inaugural do Curso de Currículo Permanente – Módulo III – Direito Previdenciário – 2011, Emagis, Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

23. VAZ, Paulo Afonso Brum. Tutela Jurisdicional da Seguridade Social. Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, v. 22, n. 79, p. 53-79, 2011.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2013. Disponível em:
<>
Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS