A destinação das receitas oriundas das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico

Autor: Bruno Henrique Silva Santos

Juiz Federal Substituto

publicado em 28.06.2013


Resumo

Trata do destino que pode ou deve ser conferido aos recursos obtidos com as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Questiona a tese praticamente assente nos meios jurídicos de que referidas receitas devem obrigatoriamente ser empregadas na própria atividade interventiva.

Palavras-chave: Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico. Vinculação. Receitas. Desnecessidade.

Sumário: Introdução. 1 A atuação do Estado na ordem econômica. 1.1 Modalidades/classificação. 1.2 A intervenção do Estado no domínio econômico. 1.2.1 O incentivo do comportamento dos particulares como mecanismo de intervenção. 2 A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. 2.1 Generalidades. 2.2 A feição essencialmente extrafiscal da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. 2.3 Características. 3 A destinação dos recursos provenientes das Cides.      3.1 Posição da doutrina e da jurisprudência. 3.2 Finalidade x destinação de recursos.          3.2.1 Distinção semântica. 3.2.2 Distinção constitucional. 3.2.3 Extrafiscalidade. 3.2.4 Evolução histórica. 3.2.5 Métodos interpretativos que conduzem à distinção. 3.3 A incidência da Cide como forma de intervenção. 3.4 Os destinos orçamentários dos recursos das Cides. 3.5 Objeções da doutrina e contra-argumentos. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

A tributação realizada pelo Estado brasileiro por meio das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico ganha relevo a cada dia que passa diante de sua progressiva utilização, seja em razão de uma efetiva necessidade de constante intervenção estatal no domínio econômico como forma de assegurar os ditames constitucionais relativos ao Estado Democrático de Direito, seja em razão da ausência de maiores rigores formais exigidos pela Constituição Federal para a sua instituição, ao contrário do que ocorre em relação aos impostos.

O fato é que, após o advento de nossa atual Constituição, a figura da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico vem sendo cada vez mais utilizada pelo legislador como mecanismo de tributação.

De acordo com praticamente toda a doutrina e toda a jurisprudência que se detiveram sobre a questão, os recursos obtidos pela União Federal por meio das Cides devem, obrigatoriamente, ser destinados ao financiamento da atividade interventiva do Estado na ordem econômica, sob pena de desvirtuamento dessa espécie tributária, que passaria, caso ausente a afetação, a consubstanciar verdadeiro imposto ou típica taxa.

Cumpre, no entanto, analisar de forma mais detida essa premissa, verificando se realmente a afetação dos recursos advindos das Cides constitui requisito de sua validade jurídica.

A relevância deste estudo reside no fato de que várias contribuições desta espécie instituídas pelo legislador pátrio têm sido severamente combatidas pelos afetos ao direito tributário, sob a alegação de que estaria ausente a vinculação de suas receitas à atividade de intervenção do Estado no domínio econômico.

Assim, a importância de uma profunda análise sobre essa alegada necessidade de afetação de recursos é evidente, haja vista ser ela, atualmente, um dos parâmetros mais utilizados para se aferir a constitucionalidade das Cides.

1 A atuação do Estado na ordem econômica

1.1 Modalidades/classificação

Da mesma forma como ocorre em relação aos demais institutos jurídicos, a atuação do Estado na ordem econômica pode ser classificada de diversas formas, segundo variados critérios, conforme o propósito a que se destina e o jurista que a analisa.

Para os específicos fins deste estudo, adotaremos a tão propalada classificação realizada por Eros Grau. Para esse insigne jurista, o Estado atua na ordem econômica das seguintes maneiras:

a) por absorção ou participação: neste caso, a atuação estatal na economia é direta. O Poder Público age nos moldes em que o fazem os particulares, exercendo diretamente a atividade econômica, seja em caráter de monopólio (absorção), seja em concorrência com as empresas privadas (participação).

Segundo Eros Grau:

“(...) o Estado intervém no domínio econômico, isto é, no campo da atividade econômica em sentido estrito. Desenvolve ação, então, como agente (sujeito econômico).

Intervirá, então, por absorção ou participação.

Quando o faz por absorção, o Estado assume integralmente o controle dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de monopólio.

Quando o faz por participação, o Estado assume o controle de parcela dos meios de produção e/ou troca em determinado setor da atividade econômica em sentido estrito; atua em regime de competição com empresas privadas, que permanecem a exercitar suas atividades nesse mesmo setor.”(1)

b) por direção: aqui, o Estado não atua no domínio econômico, mas sobre ele, determinando o modo de agir dos agentes econômicos no mercado – sempre respeitada a livre iniciativa e a livre concorrência –, com o intuito de preservar os interesses coletivos e públicos, bem como a própria ordem econômica.

c) por indução: na intervenção por indução, o Estado procura criar condições econômicas favoráveis à prática de determinadas atividades que, segundo ele, devem ser estimuladas, ou condições desfavoráveis ao desenvolvimento das que seriam inconvenientes ao interesse público. Trata-se de um mero estímulo aos particulares, sem o caráter cogente da direção. Nesse sentido são precisos os esclarecimentos de Eros Grau:

“Nos casos das normas de intervenção por indução, defrontamo-nos com preceitos que, embora prescritivos (deônticos), não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Trata-se de normas dispositivas. Não, contudo, no sentido de suprir a vontade dos seus destinatários, porém, na dicção de Modesto Carvalhosa, no de ‘levá-lo a uma opção econômica de interesse coletivo e social que transcende os limites do querer individual’. Nelas, a sanção, tradicionalmente manifestada como comando, é substituída pelo expediente do convite ou, como averba Washington Peluso Albino de Souza, de ‘incitações, dos estímulos, dos incentivos, de toda ordem, oferecidos, pela lei, a quem participe de determinada atividade de interesse geral e patrocinada, ou não, pelo Estado.”(2)

Dentro dos objetivos deste trabalho, é importante deixar consignado que o Estado só pode atuar de forma direta na ordem econômica nas excepcionais hipóteses previstas no art. 173 da Constituição (casos de segurança pública ou relevante interesse coletivo) e nos casos de monopólio de determinadas atividades econômicas consideradas pela Constituição de relevante interesse público, como ocorre em relação àquelas que envolvem os minérios e as jazidas em geral (arts. 176 e 177).

A regra geral é a de que o Poder Público atua no domínio econômico de forma indireta, consoante se passa a demonstrar.

1.2 A intervenção do Estado no domínio econômico

Foi demonstrado acima que o principal papel do Estado em relação à atividade econômica é nela intervir, atuar de forma indireta, com o objetivo de assegurar a eficácia dos princípios, objetivos e fundamentos da ordem econômica encampados pela Constituição Federal.

Em feliz metáfora, já foi dito que o Estado deve em regra atuar como diretor e, somente em casos excepcionais, como ator na ordem econômica.

A intervenção pública nesta área de atuação privada encontra seus nortes, basicamente, no art. 174 da Constituição. De acordo com esse dispositivo, cabe ao Estado, como agente normativo e regulador da atividade econômica, exercer, nas formas da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este último determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

Dessarte, na qualidade de agente normativo da atividade econômica, cumpre ao Estado editar, sempre com suporte em lei autorizadora, normas que regulamentem a atuação dos agentes econômicos, de forma a pautar a conduta destes dentro dos limites traçados pela Constituição.

A primeira forma de intervenção arrolada pelo art. 174 da Constituição é a fiscalização. Aqui o Estado exercita o poder de polícia inerente à sua soberania, supervisionando a atividade dos particulares, exercendo sobre ela um controle externo, sempre com o escopo de verificar e impedir eventuais excessos ou irregularidades praticados por estes. Por meio do poder de polícia, o ente público regulamenta e fiscaliza os direitos individuais, para impedir que eles se sobreponham aos interesses públicos.

Também por meio do planejamento o Estado pode intervir na ordem econômica. Cumpre aos órgãos governamentais estabelecer e implementar políticas públicas destinadas a atender aos anseios da coletividade. Dentre a gama de interesses públicos e sociais a serem resguardados, o Estado elege aqueles valores que, em dado momento e em determinado local, devem ser atendidos com maior premência.

Uma das maneiras de se fomentar essas políticas públicas, ao lado do desenvolvimento dos serviços públicos, é justamente estabelecer os planos, os rumos que a ordem econômica deve seguir. É de suma importância ponderar, contudo, que o Brasil continua a ser um Estado que preserva a liberdade de iniciativa. Em razão disso, eventual planejamento da ordem econômica a ser realizado pelo Poder Público tem caráter meramente indicativo para o setor privado, como deixa claro o art. 174 da Constituição. Somente em relação ao setor público (empresas estatais que atuam na ordem econômica) esse planejamento é determinante.

A intervenção por meio do incentivo será tratada no tópico seguinte.

1.2.1 O incentivo do comportamento dos particulares como mecanismo de intervenção

A terceira maneira de intervenção do Estado na ordem econômica estabelecida pelo art. 174 da Constituição é o incentivo.

De forma aliada ao planejamento, o Estado, com o fito de implementar ou fomentar políticas públicas, ou simplesmente para resguardar determinado interesse coletivo ou princípio constitucional da ordem econômica, pode ainda utilizar o mecanismo do incentivo dos atores do domínio econômico ao desenvolvimento ou à abstenção de determinadas atividades em consonância com os interesses a serem perseguidos.

Prevalece ainda em nosso direito a garantia constitucional da livre iniciativa, motivo pelo qual o Poder Público jamais poderá coagir, obrigar, forçar o exercício ou a abstenção de determinada atividade econômica. Pode sim regulamentá-la, caso o particular deseje praticá-la. Isso não afasta, entretanto, a prerrogativa – diríamos, com mais propriedade, o próprio dever – do Estado de, na qualidade de planejador da ordem econômica, incentivar certos comportamentos que repercutem na economia do País.

Esse incentivo por parte dos entes públicos pode ocorrer de inúmeras maneiras, tais como o financiamento ou subsídio de certas atividades, o fornecimento de estrutura, maquinário ou mão de obra para a produção de bens ou prestação de serviços, a concessão de incentivos fiscais, etc.

De outro lado, o desestímulo à prática de determinados atos também constitui mecanismo de intervenção estatal na economia por indução ou incentivo, não obstante a aparente contradição dessa premissa. Expliquemo-nos.

O desestímulo nada mais é do que um estímulo a não fazer. Incentivar significa criar condições ou situações favoráveis à prática de determinado comportamento, que pode ser positivo (ato) ou negativo (abstenção). Dessa forma, o incentivo pode ser à prática de um ato ou à sua abstenção. Essa segunda hipótese configura o desestímulo.

Podemos, portanto, para os fins deste estudo, e sem a preocupação de sermos etimologicamente impecáveis, estabelecer que o gênero incentivo abrange as espécies estímulo e desestímulo.

Daniel de Carvalho Guimarães, em brilhante artigo acerca das Cides e do princípio da proporcionalidade, tece as seguintes considerações sobre a questão de que ora tratamos:

“Já na modalidade de intervenção por indução, a atuação estatal se concretiza mediante a adoção de técnicas regulatórias de estímulo e desestímulo de determinadas condutas, em consonância com as leis do mercado. Aqui, os preceitos, embora deônticos, não são dotados da mesma carga de cogência que afeta as normas de intervenção por direção. Na lição de Eros Grau, trata-se de normas dispositivas, com a função de induzir os agentes econômicos a uma opção de comportamento que transcenda os limites do querer individual, em consonância com o interesse econômico e social cuja consecução é o objetivo almejado por elas. Portanto, diante desse ‘convite’ ofertado pelo Estado, ao agente econômico cumpre escolher qual o caminho a ser tomado, se em direção à finalidade da norma – gozando, assim, de condições mais favoráveis para o exercício de sua atividade – ou no sentido oposto, havendo que se submeter a um tratamento mais restritivo.

(...)

No entanto, não se deve pensar a atuação interventiva-regulatória do Estado apenas como a concessão de vantagens aos agentes econômicos para que se alcance determinadas finalidades. A intervenção, nos termos do art. 174 da CR/88, pode assumir um viés negativo, impondo um ônus (tributário, por exemplo) àqueles que não se conduzirem no sentido de efetivação da finalidade almejada pela medida.”(3)

No mesmo sentido são as lições de Eros Grau:

“Dois aspectos devo, no entanto, ainda pontualizar.

O primeiro respeita ao fato de nem sempre a indução manifestar-se em termos positivos. Também há norma de intervenção por indução quando o Estado, v.g., onera por imposto elevado o exercício de determinado comportamento, tal como no caso de importação de certos bens. A indução, então, é negativa. A norma não proíbe a importação desses bens, mas a onera de tal sorte que ela se torna economicamente proibitiva.”(4)

Partindo desse ponto, é possível concluir que o Estado pode intervir na ordem econômica de forma indireta, estimulando ou desestimulando a prática de atos ou o exercício de atividades que surtam efeitos na economia. Não pode obrigar ou vedar, salvo nas hipóteses previstas na Constituição, mas pode incentivar.

Nada impede que o Poder Público, em determinadas hipóteses, possa inclusive optar entre o estímulo e o desestímulo na ordem econômica para atingir determinada finalidade constitucionalmente qualificada. Aliás, caracterizar determinado ato do interventor como uma coisa ou outra nem sempre é uma tarefa que leva o intérprete a uma conclusão única. Esse problema pode sim possuir mais de uma resposta correta.

Valendo-nos de um raciocínio lógico, podemos facilmente perceber que estimular a prática de um ato é desestimular a sua abstenção, e vice-versa.

2 A Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

2.1 Generalidades

Com o advento da Constituição de 1988, não se pode mais analisar a atuação do Estado na ordem econômica sem um estudo conjunto da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

A atuação indireta do Poder Público na esfera econômica pode ocorrer de diversas maneiras, como já mencionado anteriormente. Uma dessas maneiras é o estímulo ou o desestímulo à prática de determinados atos ou atividades no domínio econômico.

Uma das formas mais utilizadas, talvez por ser a mais eficiente, de intervenção do Estado na ordem econômica mediante incentivo é o emprego da atividade tributária. O poder de tributar tanto pode ser usado para estimular a prática de atos, o que ocorre com a adoção de incentivos fiscais, como para inibi-los, mediante uma tributação específica ou mais onerosa sobre determinadas atividades econômicas.

Nesse sentido são precisos os ensinamentos de João Bosco Leopoldino da Fonseca:

“Também aqui o Estado permanece fora da atividade econômica, mas edita normas de conteúdo financeiro ou fiscal por meio das quais impulsiona medidas de fomento ou de dissuasão. Concedendo benefícios fiscais ou impondo cargas tributárias mais ou menos pesadas, o Estado estimula determinadas atividades econômicas ou desestimula outras.”(5)

Na mesma esteira está a doutrina de Paulo Roberto Lyrio Pimenta:

“Quanto às técnicas de intervenção, o Estado pode atuar para induzir, estimular a prática de certos comportamentos, visando implementar finalidades previstas na Constituição (...). No uso dessa técnica, poderá ser utilizado o mecanismo da instituição das contribuições interventivas.”(6)

A tributação em si é causa natural de intervenção na ordem econômica, tendo em vista que a mera instituição ou majoração de um tributo acarreta ônus aos particulares que repercutem no processo de produção de bens ou prestação de serviços.

Já no início dos estudos de Direito Tributário, aprendemos que os tributos podem assumir feição fiscal ou extrafiscal.

É principalmente com os tributos extrafiscais que o Estado intervém na economia privada, onerando ou desonerando propositadamente determinado setor. A tributação extrafiscal é a forma mais corriqueiramente adotada pelo Poder Público para intervir no domínio econômico por meio do incentivo, nos moldes previstos no art. 174 da Constituição Federal.

Alguns tributos, como o Imposto sobre Produtos Industrializados, os impostos aduaneiros, o Imposto Territorial Rural, dentre outros, podem assumir feição fiscal ou extrafiscal, conforme os principais objetivos perseguidos pelo Poder Público em determinada hipótese.

Existe uma espécie tributária, entretanto, que necessariamente possui caráter extrafiscal, por expressa determinação constitucional. Trata-se da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, prevista no art. 149 da Constituição de 1988. A própria denominação desse tributo faz transparecer com exatidão sua específica e inafastável finalidade: promover a intervenção do Estado no domínio econômico.

2.2 A feição essencialmente extrafiscal da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

O art. 149 da Constituição Federal tem a seguinte redação:

“Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas (...)”

A instituição de tributos é inquestionavelmente uma forma de restrição do direito de propriedade e da liberdade dos particulares pelo Poder Público. Sendo essa restrição uma exceção à regra da inviolabilidade, haja vista ser prevista pela própria Constituição de forma originária, deve ela ser interpretada restritivamente, conforme princípio basilar da hermenêutica jurídica.

Portanto, se o art. 149 da Constituição estabelece que a finalidade, o objetivo da contribuição de que tratamos é a intervenção no domínio econômico, não poderá essa espécie tributária ser instituída com fins meramente arrecadatórios.

A Cide é, dessa forma, um tributo essencialmente e inevitavelmente extrafiscal. Deve ser instituída com a única finalidade de promover a intervenção do Estado na ordem econômica.

2.3 Características

Cumpre enfatizar que o objetivo deste estudo não é analisar a figura da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, nem suas características, mas tão somente a questão da destinação dos recursos com ela angariados pelo Estado. Por essa razão, não abordaremos as diversas questões que envolvem essa espécie tributária no que tange à sua natureza jurídica, à classificação dentro dos tributos em geral, à sujeição ativa e passiva, ao fato gerador, à base de cálculo e à alíquota, aos instrumentos normativos para instituição, etc.

A doutrina tem se debruçado com considerável frequência sobre os aspectos acima mencionados, pacificando diversas controvérsias e fazendo surgir muitas outras.

Contudo, para não fugirmos de nosso propósito, tomaremos como pontos de partida da análise a ser realizada no item seguinte as seguintes proposições, estabelecidas e aceitas pela maior parte da doutrina, não olvidando a existência de controvérsias em relação a algumas delas:

a) a Cide possui natureza jurídica de tributo; b) somente a União tem competência para instituí-la; c) a instituição da Cide pressupõe a existência de um campo da ordem econômica suscetível de intervenção pelo Estado; d) a intervenção e a própria Cide devem estar circunscritas a uma específica área ou setor de intervenção; e) é a finalidade interventiva que qualifica a Cide, sendo ela um tributo de validação constitucional finalística; f) a avaliação da necessidade da intervenção por meio da Cide envolve juízo político do Poder Público, que deve obedecer a critérios de razoabilidade e proporcionalidade; g) deve existir um motivo que justifique a intervenção; h) a tributação por meio da Cide deve perdurar somente enquanto presentes os motivos que ensejaram a intervenção; i) os contribuintes devem pertencer ao grupo objeto da intervenção; j) não há necessidade de os contribuintes serem beneficiados com a intervenção, bastando que possuam alguma relação com o motivo ou a finalidade da atuação estatal; k) a Cide pode ser criada por lei ordinária, malgrado a existência de abalizados tributaristas que sustentam que há necessidade de lei complementar para sua instituição; l) não há fatos geradores ou bases de cálculo vedados pela Constituição, apesar de boa parte da doutrina entender que a Cide não pode incidir sobre fatos geradores idênticos aos dos impostos estaduais e municipais.

Esse rol de características tem grande similitude com aquele elaborado por Marco Aurélio Greco, em artigo intitulado “Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – Parâmetros para sua Criação”, publicado na obra por ele coordenada Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico e figuras afins.

Tomando essas proposições como válidas, adentraremos em seguida o cerne de nosso estudo. 

3 A destinação dos recursos provenientes das Cides

Este trabalho tem uma certa dose de audácia, uma vez que tentaremos, daqui por diante, fundamentar um entendimento que é veementemente refutado pela quase unanimidade da doutrina tributária.

Sabemos que as conclusões a que chegaremos são dissonantes daquelas preconizadas pelos mais brilhantes juristas que estudam o tema. Ainda assim, pensamos estar colaborando com novos argumentos que talvez possam instaurar algumas discussões jurídicas acerca da questão.

3.1 Posição da doutrina e da jurisprudência

É entendimento praticamente unânime na doutrina e na jurisprudência o de que os recursos angariados pelo Estado com a cobrança das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico devem necessariamente ser utilizados no financiamento da intervenção.

Entende-se que a União pode empregar esses recursos no fomento de determinada atividade exercida pelos particulares, ou para financiar a atividade diretamente desenvolvida pelo Poder Público, bastando que em um ou em outro caso essas receitas tributárias realmente destinem-se ao pagamento de despesas advindas da intervenção estatal no setor do domínio econômico sobre o qual incide a contribuição.

Dessa forma, a lei que eventualmente instituir uma Cide e destinar seus recursos a qualquer finalidade que não seja o financiamento da intervenção – direta ou indiretamente – seria inconstitucional, ou o tributo criado não seria Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

Nesse sentido, vejamos o que sustentam alguns de nossos doutrinadores, os quais representam com fidelidade a posição assumida pela doutrina tributária como um todo acerca das receitas angariadas pelo Poder Público com a cobrança das Contribuições de que tratamos.

“Se o legislador ordinário federal batiza de ‘contribuição’ um tributo, a finalidade em que deve ser aplicado o produto da sua arrecadação, necessariamente, será uma daquelas constitucionalmente previstas, quer no art. 149 da Constituição, quer nas outras disposições constitucionais referentes à matéria (arts. 212, § 5º; 239, § 4º; e 240).”(7)

“Noutro dizer, a regra-matriz constitucional dessas contribuições agrega, de modo indissociável, a ideia de destinação. Queremos, com tal assertiva, sublinhar que, por imperativo da Lei Maior, os ingressos advindos da arrecadação desses tributos devem necessariamente ser destinados à viabilização ou ao custeio de uma determinada atividade de competência federal.

(...)

Em síntese, a vinculação do produto da arrecadação torna inconstitucional a norma que institui impostos em geral, mas é essencial, em tais contribuições.

(...)

Em suma, é a destinação do produto da arrecadação que preserva a natureza constitucional das contribuições.”(8)

“(...) necessária a vinculação da receita para aplicação na intervenção, correção ou controle da atividade tomada como pressuposto da instituição. A receita arrecadada fica vinculada para ser aplicada na intervenção, tudo sob pena de desvirtuamento da finalidade, o que torna ilegal a instituição e a arrecadação.”(9)

Esse entendimento é acompanhado pela quase totalidade da jurisprudência pátria, nos termos em que demonstra o seguinte julgado, que reflete o entendimento que predomina nos tribunais espalhados por todo o país, como exemplifica esta decisão:

“TRIBUNAL – SEGUNDA REGIÃO
Classe: AMS – APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA – 56109
Processo: 200050010086191 UF: ES Órgão Julgador: SEXTA TURMA
Data da decisão: 16.11.2004 Documento: TRF200136237
DJU DATA: 25.02.2005 PÁGINA: 233
Relator(a) JUIZ SERGIO SCHWAITZER
CONSTITUCIONAL, COMERCIAL E TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÕES SOCIAIS E DE INTERVENÇÃO ECONÔMICA – SEBRAE, SESC, SESI, SENAI E SENAC – CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ALÍNEA A DO INC. III DO ART. 146) – INEXIGIBILIDADE DE LEI COMPLEMENTAR PARA CRIAÇÃO DE CONTRIBUIÇÃO – LEI Nº 8.029, DE 12.04.1990 (ART. 8º) – LEI Nº 8.154, DE 28.12.1990 (ART. 1º) – DECRETO-LEI Nº 2.318, DE 30.12.1986 – CLT, ARTS. 535, 576 E 577 – ENQUADRAMENTO SINDICAL – LIBERDADE ASSOCIATIVA – DIREITO DE EMPRESA EM FACE DO NOVO CÓDIGO CIVIL (LEI Nº 10.406, DE 10.01.2002, ART. 996). (...) II – De seu turno, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), cuja finalidade se manifesta ‘(a) na função da própria contribuição, que há de ser um instrumento da intervenção estatal no domínio econômico, e, ainda, (b) na destinação dos recursos com ela arrecadados, que só podem ser aplicados no financiamento da intervenção que justificou sua instituição’ (MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 21. ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 364), tem como desiderato estabelecer o equilíbrio da economia ou o fomento de atividades de relevância (...).”

Sem embargo, pensamos que a conclusão a que chegaram a doutrina e a jurisprudência acima citadas tem sido aceita de forma tão pacífica devido à falta de maiores questionamentos em relação às suas premissas, senão vejamos.

3.2 Finalidade x destinação dos recursos

3.2.1 Distinção semântica

Segundo entendimento unânime da doutrina – com o qual estamos de pleno acordo –, a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico é um tributo com validação constitucional finalística. Isso significa que é a finalidade para a qual foi criada que legitima uma Cide.

Ao contrário do que fez com os impostos e as taxas, a Constituição não estabeleceu causas que ensejam a tributação por meio da Cide, mas sim finalidades que devem ser por elas obrigatoriamente buscadas.

A Constituição estabeleceu que os impostos e as taxas devem ser cobrados desde que determinada situação fática venha a lume. Ocorrendo a hipótese “x”, a entidade de direito público competente estará em condições de instituir e cobrar esses tributos.

No que tange à Cide, a União estará autorizada a instituí-la e cobrá-la não em razão de determinado acontecimento, mas para atingir uma certa finalidade. Ao contrário de uma hipótese “x”, aqui se fala de uma finalidade interventiva.

É de extrema importância, todavia, distinguir finalidade de destinação dos recursos. Dizer que um tributo deve cumprir determinada finalidade não é o mesmo que dizer que seus recursos devem ser aplicados para cobrir determinada despesa. Essa é a ideia basilar deste trabalho.

Trazendo esse raciocínio para o caso das Cides, pode-se afirmar com segurança que intervir no domínio econômico (finalidade) não é o mesmo que financiar a atividade de intervenção.

Na realidade, a intervenção é um gênero do qual o financiamento é espécie. O Estado pode intervir no domínio econômico de diversas formas, conforme explanado no item 3 supra. Nada impede que uma dessas formas seja o financiamento de certa atuação estatal ou mesmo dos particulares na economia privada, que objetive atingir alguma finalidade prevista pela Constituição.

Para que uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico seja válida, basta, portanto, que ela constitua um instrumento que possibilite à União atuar nessa área segundo as regras constitucionais pertinentes.

Por essa razão, se, ao instituir uma Cide, a União realmente intervém no domínio econômico, e se essa intervenção é legítima, torna-se desnecessário, para a aferição da constitucionalidade do tributo, averiguar se os recursos obtidos foram destinados à atuação interventiva.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta nos fornece lições deveras esclarecedoras acerca da validação finalista das Cides, bem como da distinção semântica existente entre finalidade e destinação de recursos, fazendo-o nos seguintes termos:

“Numa perspectiva pragmática, verifica-se que foram utilizadas as duas técnicas de validação das normas jurídicas: causal e finalista. Na primeira, estabelecem-se os meios, deixando os fins em aberto, isto é, a norma superior (norma imunizante) define a materialidade da norma inferior (norma imunizada), imunizando-a contra impugnações. Já na validação finalista, os fins são desde logo definidos pela norma superior (norma imunizante), cabendo ao legislador a tarefa de escolher os meios mais adequados ao alcance dos mencionados escopos.

(...)

Disso se infere que o traço característico das contribuições especiais no direito brasileiro é que são exações instituídas para alcançar determinados fins qualificados constitucionalmente.

A finalidade significa que as contribuições em estudo devem ser criadas para instrumentar a atuação nas áreas expressamente indicadas nos arts. 149 e 195, o que não significa necessariamente que a exação terá por escopo custear a atividade da União em tais setores. A finalidade nem sempre se confunde com o objetivo financeiro de custeio, uma vez que a exação também pode ser utilizada para outros fins, tais como, por exemplo, estimular ou desestimular a prática de comportamentos.”(10)

No entanto, esse mesmo ilustre autor, de forma contraditória, em nosso entendimento, conclui em momento posterior pela necessidade da afetação dos recursos angariados com a Cide. São dele as seguintes palavras:

“O primeiro traço característico das contribuições interventivas é a finalidade. Em outros termos, o que individualiza essa exação é o escopo de intervenção no domínio econômico. Sendo assim, a arrecadação do tributo deve vincular-se a esse fim.”(11)

Esses excertos constituem uma amostra do entendimento prevalente na atual doutrina tributária, que, apesar de diferenciar a finalidade do tributo da destinação de seus recursos, acabam por concluir que a Cide deve obrigatoriamente seguir a regra da afetação de suas receitas.

3.2.2 Distinção constitucional

A distinção entre finalidade da instituição de um tributo e destinação de seus recursos foi feita pelo próprio Constituinte. Quando ele pretendeu vincular a receita de um tributo a certo fim específico, o fez expressamente.

Vejamos, nesse sentido, o teor do art. 148 da Constituição:

“Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios:

I – para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;

IIno caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b;” (destacamos)

No caso dos empréstimos compulsórios, o texto constitucional é explícito no sentido de que os recursos com ele angariados devem ser destinados ao pagamento das despesas relacionadas às atividades constantes nos incisos do art. 148.

Em sentido idêntico dispõe o art. 195 da Constituição:

"Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais (...).” (destacamos)

Também aqui o constituinte foi expresso ao determinar que os recursos advindos das contribuições sociais arroladas nos incisos I a IV do art. 195 devem obrigatoriamente ser destinados ao financiamento da seguridade social.

Cite-se, ainda, o art. 239 do Texto Magno, in verbis:

“Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação dessa Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o parágrafo 3º deste artigo.” (destacamos)

Novamente a redação da Constituição é clara ao vincular as verbas arrecadadas com o PIS e o Pasep ao financiamento de uma atividade/despesa específica.

Além desses dispositivos, poderíamos arrolar ainda o art. 149, parágrafo primeiro, e o art. 149-A da Constituição, que vinculam expressamente a destinação das receitas oriundas das contribuições dos servidores estatais e municipais ao custeio dos respectivos planos de previdência, e a contribuição de competência dos municípios destinada ao custeio dos serviços de iluminação pública.

Pretendemos com isso demonstrar que o próprio Constituinte reconhece a evidente distinção entre finalidade e destinação dos recursos, sendo expresso quando pretende vincular a receita proveniente de determinado tributo a uma certa despesa.

Daniel de Carvalho Guimarães, sensível a esse fato, concluiu, portanto, que:

“Observando-se o modelo adotado pelo constituinte para as contribuições sociais destinadas à Seguridade Social, cuja matriz inicial se encontra no próprio art. 149, revelar-se-ia, em princípio, um critério para sua interpretação. Tais contribuições refletem o modelo de identificação da finalidade com o destino do produto da arrecadação, já que o art. 195 determina que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade por meio das contribuições que elenca em seus três incisos. No entanto, a adoção desse modelo para tais contribuições foi explicitada pelo contribuinte no art. 195 e não deve ser considerada como decorrência lógica do art. 149.”(12)

Ao versar sobre a Cide, a Constituição não se preocupou com a destinação de seus recursos, mas com a finalidade – aqui tomada como gênero, vale dizer, em seu sentido lato – a ser buscada. Diferentemente do que fez em relação aos empréstimos compulsórios, às contribuições para a seguridade social e ao PIS/Pasep, como mencionado acima, ao dispor sobre a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico em seu art. 149, o Texto Constitucional estatui que esse tributo deve ser utilizado como instrumento de atuação do Estado nessa área.

Valemo-nos mais uma vez dos ensinamentos de Daniel de Carvalho Guimarães para deixar nosso argumento mais claro:

“A definição adotada pela Constituição para a contribuição interventiva apenas deixa claro que a exação deve servir de instrumento à intervenção pretendida. De uma forma ou de outra. Dessa feita, entendemos que a Constituição, por seu art. 149, autoriza a União a instituir uma contribuição interventiva que exerça, por si só, por meio da sua incidência, a intervenção sobre o domínio econômico. A finalidade da intervenção, que deve estar contida na hipótese de incidência dessa contribuição, não é desprezada nesse modelo, mas realizável segundo outros critérios.”(13)

Onde está, então, a exigência de que os recursos da Cide sejam destinados a custear a atividade de intervenção?

3.2.3 Extrafiscalidade

Uma outra forte razão para alimentar nossa convicção acerca da não obrigatoriedade da afetação das receitas da Cide é o seu necessário caráter extrafiscal, conforme foi demonstrado no item 2.2 supra.

Esse é um motivo irrefutável para sustentarmos que a destinação dos recursos com ela obtidos ao financiamento da atividade interventiva da União não é necessária para validá-la.

Com efeito, se uma Cide for instituída para o governo arrecadar recursos necessários à cobertura de despesas geradas com a intervenção, o caráter que lhe será imprimido é o de fiscalidade, haja vista o fim estritamente arrecadatório a ela imposto.

A extrafiscalidade ocorrerá justamente no caso contrário, quando a própria imposição tributária constituir mecanismo de intervenção, independentemente da aquisição de receita pelo Estado.

A Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região adotou uma posição de vanguarda acerca da questão, até então jamais verificada em nossa jurisprudência, defendendo a tese ora sustentada de que a extrafiscalidade das Contribuições Interventivas dispensa a afetação de suas receitas. Vejamos, a esse respeito, o seguinte julgado:

“Origem: TRIBUNAL – QUARTA REGIÃO
Classe: AG – AGRAVO DE INSTRUMENTO
Processo: 200304010109603 UF: PR Órgão Julgador: PRIMEIRA TURMA
Data da decisão: 08.10.2003 Documento: TRF400090804
Fonte DJU DATA: 22.10.2003 PÁGINA: 393
Relator(a) WELLINGTON M. DE ALMEIDA
TRIBUTÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CIDE INCIDENTE SOBRE OPERAÇÕES COM COMBUSTÍVEIS. EXTRAFISCALIDADE. LEI COMPLEMENTAR. DESNECESSIDADE. PRESUNÇÃO DE CONSTITUCIONALIDADE. DEPÓSITO JUDICIAL. (...) 2. Em juízo de prelibação, não há suspender-se a exigência da Cide instituída pela Lei 10.336/01 com fundamento na destinação das receitas, porquanto esta Turma tem entendido, em reiterados julgamentos, despicienda a vinculação das verbas coligidas a título de contribuição interventiva ao custeio da atividade estatal (...).”

O ilustre Relator do referido acórdão, Desembargador Federal Wellington M. de Almeida, sustentou em seu voto o posicionamento adotado de forma a nosso ver incombatível. São dele as seguintes palavras:

“(...) o r. decisum vergastado entendeu inconstitucional a exação porquanto hostilizado o princípio da vinculação finalística do produto da contribuição, assumindo a Cide vestes de imposto. O MM. Juiz a quo reconheceu que a destinação das receitas auferidas a título da Cide combustíveis estaria desgarrada do comando trazido pelo art. 177, § 4º, II e alíneas, da CF, uma vez que a Lei 10.336/01, no seu art. 1º, § 2º, remete à lei específica a fixação dos critérios e das diretrizes para a utilização dos recursos obtidos com a exação.

Entretanto, o argumento falece à medida que, em reiterados julgamentos sobre o tema, a Turma tem entendido desinfluente, ou, no mínimo, secundário, o endereçamento das verbas granjeadas a título de contribuição interventiva para o custeio da atividade estatal. Em rigor, dessa sorte, se os recursos obrigatoriamente estivessem endereçados ao financiamento de atividade estatal, a Cide sobejaria desnuda de seu caráter de extrafiscalidade, visto operar-se uma inversão nas prioridades visadas com a sua cobrança.

(...)

Claro, pois, se é certo que a marca distintiva da fiscalidade é a predominância do aspecto arrecadatório sobre a finalidade visada, cuja consecução é mediata relativamente à exigência do tributo, enquanto nos tributos extrafiscais a finalidade é direta em relação à cobrança, evidente que, em se exigindo que as verbas granjeadas sejam dirigidas ao custeio da atividade do Estado enquanto ente interventor, estar-se-ia invertendo a regra de prioridades que difere a extrafiscalidade da fiscalidade, visto que, na hipótese, o caráter arrecadatório imediato e finalístico mediato sobrepujaria o finalístico imediato e arrecadatório mediato na cobrança do tributo.

E, como a validação constitucional da lei instituidora da Cide é de índole finalística, não condicional, tem-se por desnecessário que o numerário obtido a tal título vincule-se ao custeio ou ao financiamento da entidade na atividade interventiva, bastando que o fim colimado seja conseguido pela própria tributação. É dizer, não há óbice a que os recursos sejam revertidos para subsidiar os instrumentos aptos a atingir o resultado de intervenção na seara econômica pretendido, mas não há elevar-se tal fator à condição inafastável para a instituição da Cide.”

O excerto do voto acima transcrito evidencia com feliz clareza que a extrafiscalidade da Cide pode ocorrer – e na maioria das vezes ocorre – a priori, no instante de sua incidência, e não no momento posterior da possível destinação de suas receitas à cobertura de despesas atinentes à intervenção.

A preocupação do legislador ao criar uma Contribuição Interventiva deve ser a de tributar determinado setor da economia privada de forma diferenciada, para assim intervir no domínio econômico. Facultativamente, poderá destinar os recursos dessa forma obtidos para financiar a própria intervenção. 

3.2.4 Evolução histórica

Existe ainda um outro aspecto, agora histórico, que serve para corroborar o entendimento por nós sustentado.

A Constituição de 1967 dispunha em seu art. 157, parágrafos 8º e 9º:

“Art. 157. (...)

(...)

§ 8º São facultados a intervenção no domínio econômico e o monopólio de determinada indústria ou atividade, mediante lei da União, quando indispensável por motivos de segurança nacional, ou para organizar setor que não possa ser desenvolvido com eficiência no regime de competição e de liberdade de iniciativa, assegurados os direitos e garantias individuais.

§ 9º Para atender à intervenção no domínio econômico, de que trata o parágrafo anterior, poderá a União instituir contribuições destinadas ao custeio dos respectivos serviços e encargos, na forma que a lei estabelecer.” (destacamos)

Note-se bem a diferença entre os textos das Constituições de 1967 e 1988: enquanto aquela dispunha que a União poderia instituir contribuições destinadas ao custeio dos serviços ou encargos que viabilizavam a intervenção no domínio econômico, esta estabeleceu que a Cide deve ser empregada como instrumento de atuação nessa área.

A alteração da redação do artigo que regulamenta a Cide não foi feita por acaso pelo Constituinte de 1988. Se antes esse tributo deveria ser utilizado para financiar a intervenção no domínio econômico, agora ele pode ser empregado também para viabilizar outras formas de intervenção.

É fácil perceber que a nova Constituição teve como intento ampliar os mecanismos de intervenção postos à disposição da União, conferindo a ela um leque mais amplo de instrumentação para a atividade interventiva.

3.2.5 Métodos interpretativos que conduzem à distinção

De forma a sistematizar os argumentos até aqui utilizados para demonstrar que os recursos angariados pelo Estado com a Cide não precisam necessariamente financiar a atividade interventiva, passamos a associá-los aos diferentes métodos clássicos de interpretação das normas jurídicas em geral e, em seguida, aos métodos próprios às regras constitucionais.

Vamos primeiro aos clássicos.

Partindo de uma interpretação literal ou gramatical do artigo 149 da Constituição, dessume-se que sua redação em nenhum momento vincula os recursos arrecadados com a Cide às despesas proporcionadas pela intervenção do Estado na ordem econômica. O dispositivo constitucional em comento estatui que o tributo deve ser utilizado como instrumento de ação pública nessa área, e mais nada.

Valendo-nos do método lógico de interpretação, devemos raciocinar da seguinte forma: se a Constituição estabelece de forma expressa os casos em que as receitas oriundas de certos tributos estão afetadas a despesas específicas (arts. 148, 195 e 239, dentre outros), e se não o fez dessa forma em relação à Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico, é porque a vinculação das receitas não é obrigatória em relação a esta exação.

Por outro lado, uma interpretação sistemática das normas constitucionais também possibilita concluir que não existe afetação obrigatória dos recursos advindos da Cide. Deveras, em seu art. 149, a Constituição confere à União o poder de instituir essa contribuição como mecanismo de atuação no domínio econômico. Já os arts. 173 e 174 do mesmo diploma arrolam as formas possíveis de atuação – direta ou indireta – do Estado na atividade econômica. Portanto, conjugando-se todos esses artigos, é certo que será válida a Cide desde que se constitua em um mecanismo que possibilite ao Poder Público uma dessas formas de intervenção (incentivo, planejamento, controle, etc.), e não só financiar certas atividades.

O método histórico também leva a essa mesma conclusão. Com efeito, foi demonstrado linhas acima que a Constituição de 1967 dispunha expressamente em seu art. 157, parágrafo 8º, que as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico eram destinadas ao custeio da atividade interventiva. A atual Constituição, ao modificar a redação desse dispositivo, certamente teve o propósito de ampliar o âmbito de utilização da Cide, possibilitando, agora, não só sua instituição como meio de obtenção de recursos, mas também para viabilizar outras maneiras de intervenção, como por exemplo o incentivo à prática ou à abstenção de certas condutas ou atividades por meio da tributação.

Outrossim, é de salutar importância interpretar o art. 149 da Constituição Federal segundo o método teleológico ou finalístico.

A Constituição de 1988, adotando o caráter social e igualitário do constitucionalismo moderno que teve início com as Constituições de Weimar e do México de 1917, impõe ao Estado o dever de atuar como agente mediador entre os direitos e garantias individuais e o desenvolvimento eficaz e equilibrado da ordem social. A manutenção de uma ordem econômica saudável a todos os cidadãos, indubitavelmente, faz parte desse dever.

Em razão disso, o Texto Constitucional estabelece em seus artigos 170 e seguintes os princípios da ordem econômica, os objetivos a serem por ela alcançados, seus fundamentos e a forma como o Estado deverá nela ou sobre ela atuar. No que tange a esse último aspecto, o art. 174 da Constituição previu três mecanismos pelos quais o Poder Público pode interferir no domínio econômico, na qualidade de agente normativo e regulador: fiscalização, incentivo e planejamento da economia.

Cabe aos governantes, dentro dos limites e das imposições constitucionais, eleger qual a medida mais eficaz a ser adotada em cada caso concreto para intervir na ordem econômica quando isso se fizer necessário.

Essas considerações dão conta de que a própria Constituição possibilitou ao Estado diversas maneiras de intervir na ordem econômica, com o escopo de garantir ao Poder Público meios de mantê-la sempre em coerência com os fundamentos e os princípios constitucionais, notadamente os de ordem social. Assim, torna-se imperioso conferir o máximo de eficácia a essas prerrogativas do Estado, sob pena de ser inviabilizada sua atuação no domínio econômico.

Desta forma, uma interpretação do art. 149 da Constituição, no que diz respeito à Cide, que restrinja sua instituição somente àqueles casos em que a União necessite de recursos para o financiamento da atividade interventiva vai de encontro ao princípio da máxima eficácia das normas constitucionais e não atende aos fins para os quais foi aquele dispositivo normativo editado.  

Portanto, qualquer dos métodos interpretativos clássicos nos levam à conclusão de que os recursos angariados com as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico não precisam necessariamente estar afetados ao financiamento da atividade interventiva. Essa conclusão ganha ainda mais força quando se analisam todos esses métodos exegéticos de forma conjunta, consoante determina a hermenêutica jurídica.

Não se pode olvidar, de outro lado, que as normas constitucionais, devido ao seu caráter político e jurídico, bem como à posição que ocupam no ordenamento jurídico, exigem métodos de interpretação que vão além daqueles tradicionalmente utilizados pelos juristas para a exegese das normas infraconstitucionais. Esses métodos têm como principal objetivo garantir a supremacia e a eficácia da Constituição. Busca-se, assim, como bem salientado por Konrad Hesse,(14) a ótima concretização das normas constitucionais, garantindo-lhes a força normativa necessária à ordenada manutenção do sistema jurídico como um todo.

Pelo princípio da máxima efetividade, as normas constitucionais devem ser interpretadas de forma que sua aplicabilidade seja potencializada. A Constituição não é um emaranhado de recomendações jurídicas, ou de meros programas sugeridos ao Poder Público. Suas normas não podem, por isso, deixar de ser aplicadas ou o ser de forma incompleta, ter seu alcance reduzido, a menos que se choque com outra norma constitucional.

Consequentemente, reduzir a possibilidade de instituição de uma Cide somente para o caso de seus recursos serem afetados ao financiamento da atividade interventiva, quando a Constituição não exige a afetação, é desconsiderar o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais, uma vez que essa exegese impede que as disposições dos arts. 149 e 170 e seguintes da Constituição sejam aplicados em sua plenitude. Com efeito, a União estaria impedida de se valer da tributação via contribuição para, por exemplo, simplesmente desestimular a prática de certas atividades econômicas, a despeito de o art. 174 do Texto Constitucional permitir que o Poder Público intervenha no domínio econômico por meio do incentivo.

É importante analisar a validade de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico também pelo princípio da integração das normas constitucionais ou da unidade da Constituição. Uma regra estabelecida na Constituição Federal jamais pode ser analisada isoladamente. Deve-se interpretá-la dentro do contexto constitucional em que está inserida.

Nesse contexto, as Cides devem inarredavelmente ser analisadas de forma conjunta com as regras constitucionais que versam sobre o domínio econômico, por ser esse seu âmbito de incidência. Para uma correta compreensão da atuação do Estado no domínio econômico, o intérprete deve, pelo princípio da integração, verificar quais as formas pelas quais o Poder Público pode atuar nessa área e quais mecanismos de atuação estão à sua disposição.

Uma das formas de intervenção é o incentivo (art. 174), e um dos mecanismos é a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (art. 149). Por isso, respeitados todos os limites constitucionais, nada impede que os recursos angariados com esse tributo não se destinem ao financiamento da atividade interventiva, desde que a contribuição efetivamente constitua uma forma de incentivar (estimulando ou desestimulando) a prática ou abstenção de certas atividades.

Por todas essas razões, afirmamos que o critério para a aferição da constitucionalidade de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico não reside na destinação de seus recursos, mas na finalidade para a qual foi instituída, posicionamento este compartilhado (e talvez apenas por ele) por Daniel de Carvalho Guimarães:

“Ademais, há de se salientar que em momento algum a CR/88 determina que a contribuição servirá para custear a atividade interventiva do Estado, a posteriori, mas apenas prevê que a União as instituirá como instrumento de sua intervenção, permitindo-se, assim, cogitar da forma de intervenção consubstanciada na própria incidência da contribuição, como norma de estímulo/desestímulo de comportamentos e modificação da dinâmica do mercado. Em outras palavras, caberá ao legislador escolher a forma mais eficiente de intervenção a ser instaurada, podendo, inclusive, optar por ambas, destinando-se o produto da arrecadação à consecução do fim estabelecido, de regulação ou correção de disfunções do mercado.”(15)

3.3 A incidência da Cide como forma de intervenção

De nada adiantaria sustentarmos que os recursos financeiros obtidos pela União com a criação de uma Cide não precisam necessariamente estar vinculados ao financiamento da atividade interventiva se inexistisse outra hipótese de intervenção mediante a utilização dessa espécie tributária.

No item 2.1 supra foi demonstrado que a mera imposição tributária é um modo de intervenção estatal na economia privada, ainda que não seja essa a finalidade da exação.

Sem embargo, existem tributos cujas instituição e cobrança são feitas pelo Estado com propósitos distintos do de mera arrecadação. São os tributos extrafiscais.

Nesse aspecto, evidenciou-se no item 2.2 que as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico possuem obrigatoriamente feição extrafiscal, haja vista ser vedado à União instituir esse tributo com finalidades meramente arrecadatórias.

É certo que, se a lei estabelecer que será criada uma Cide para financiar determinada atividade de intervenção no domínio econômico, respeitados os parâmetros constitucionais, esse tributo será plenamente válido, uma vez que o fim último perseguido é justamente a aludida intervenção.

Entretanto, da mesma forma como ocorre em relação aos demais tributos com feição extrafiscal, o legislador ordinário pode optar por intervir na ordem econômica incentivando a prática de atos que reputar necessários ao seu bom desenvolvimento, bem como a abstenção de outros que vão de encontro aos objetivos constitucionais, em ambas as hipóteses por meio da tributação. No primeiro caso, poderá o Poder Público valer-se dos impostos seletivos, como o IPI e o ICMS, ou dos incentivos fiscais.

No segundo, basta a imposição de carga tributária mais gravosa a determinado grupo ou categoria econômica do que aos contribuintes em geral. É justamente aqui que a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico pode cumprir seu objetivo constitucional.

Se o legislador entendeu que em determinada circunstância fática a melhor forma de o Estado intervir no domínio econômico é desestimulando a prática de certa atividade, por ser ela, conquanto lícita, de alguma forma nociva aos valores, princípios e fundamentos elencados no art. 170 da Constituição, é perfeitamente possível – e quiçá aconselhável – que a pretendida intervenção se dê com um especial ônus tributário incidente sobre essa atividade.

Esse peculiar gravame pode se dar com a utilização de algum dos impostos extrafiscais, ou mediante o emprego da Cide.

É esse o entendimento de Marco Aurélio Greco:

“(...) no campo econômico, a ‘atuação’ da União pode consistir em uma atuação material ou em uma atuação de oneração financeira. Se a atuação for material, a contribuição servirá para fornecer recursos para o exercício das atividades pertinentes e para suportar as despesas respectivas; se a atuação for no sentido de equilíbrio ou equalização financeira, a contribuição será o próprio instrumento da intervenção.”(16)

Partindo-se do pressuposto de que são contribuintes da Cide os membros ou participantes de um grupo econômico específico (vide item 2.3 supra), e desde que o legislador conclua que o incentivo no sentido negativo (desestímulo) seja a melhor forma de intervenção na economia privada em dado caso concreto e em relação àquele setor, basta que ele institua essa espécie de contribuição – sempre com observância dos limites constitucionais explícitos e implícitos – para que a finalidade almejada seja atingida. Nesse caso, é irrelevante o destino dos recursos angariados com o tributo.

Paulo Roberto Lyrio Pimenta fornece um exemplo elucidativo da viabilidade da mera tributação como forma de intervenção no domínio econômico. São dele as seguintes palavras:

“O princípio da livre concorrência pode ensejar a criação de contribuição interventiva em algumas hipóteses. Nada obsta, por exemplo, que a exação funcione como o próprio instrumento da intervenção para igualar o funcionamento do mercado, impondo um ônus diferenciado (por meio de alíquotas distintas) para determinado grupo de contribuintes, visando com isso assegurar a igualdade de condições de competir no mercado.”(17)

A doutrina admite sem maior resistência que a simples imposição tributária, inclusive por meio da Cide, constitui forma de intervenção no domínio econômico. Por isso, causa-nos estranheza esses mesmos doutrinadores sustentarem que ainda assim os recursos provenientes das Cides devam ser afetados ao financiamento das atividades interventivas.

Nesse sentido, Marco Aurélio Greco, um dos mais respeitados autores que se debruçaram sobre a matéria, elucida:

“Não estou afirmando que a contribuição de intervenção deva sempre estar vinculada a determinada despesa da União. Poderá não haver vinculação se a contribuição for, ela mesma, o instrumento da intervenção.”(18)

Ocorre que esse mesmo brilhante autor, parágrafos antes, deixa expresso em seu texto que:

“Contribuição existe em função de uma determinada finalidade constitucionalmente contemplada. Se existe em função da finalidade, a destinação do produto de sua arrecadação é elemento que compõe o perfil da figura. A função da contribuição de intervenção não é arrecadatória (função fiscal); visa atingir positivamente um determinado setor da atividade econômica, em contemplação de um objetivo constitucionalmente consagrado.

A finalidade que justifica a exigência não é mero ‘pretexto’ para a cobrança. É sua razão de ser. Portanto, o destino dado aos respectivos recursos compõe o perfil da figura.”(19)

Pensamos que as duas assertivas do ilustre tributarista são incompatíveis entre si. Como ele próprio reconheceu, a Cide pode constituir ela mesma objeto de intervenção no domínio econômico, hipótese na qual a destinação de seus recursos é irrelevante para que sua finalidade seja cumprida. Por isso, não se justifica a afirmativa de que a afetação de suas receitas é característica imanente a essa figura tributária.

O raciocínio soa ilógico, podendo sua incongruência ser didaticamente traduzida no seguinte silogismo:

Premissa 1: A Cide é um tributo finalisticamente validado, só podendo ser instituída como forma de intervenção no domínio econômico.

Premissa 2: A mera imposição tributária pode constituir forma de intervenção no domínio econômico, independentemente do destino dos recursos provenientes do tributo.

Conclusão: O destino dos recursos advindos da Cide deve obrigatoriamente estar relacionado ao financiamento da atividade interventiva.

Ora, se a doutrina majoritária entende serem verdadeiras ambas as premissas do silogismo, não é lógico que chegue à conclusão acima proposta. Isso nos dá a impressão de que esse raciocínio é normalmente aceito por inércia, por falta de questionamento acerca de sua logicidade.

A justificativa normalmente utilizada pelos doutrinadores para sustentar tal entendimento é a de que, se os recursos das Cides não forem vinculados ao financiamento da própria intervenção, esse tributo não seria contribuição, mas verdadeiro imposto, pois sua finalidade seria gerar recursos destinados a abastecer os cofres públicos. No entanto, será demonstrado adiante que esse argumento não tem respaldo jurídico.

O que é preciso ser enfatizado é que a Contribuição de que tratamos atinge sua finalidade constitucionalmente qualificada quando a mera imposição tributária diferenciada em relação a determinado setor da ordem econômica constitua intervenção condizente com os ditames da Constituição.

Oportuno, neste ponto, reafirmarmos a distinção entre finalidade e destinação dos recursos, esmiuçada no item 3.2.

3.4 Os destinos orçamentários dos recursos das Cides

Demonstrado que a mera imposição da Cide a determinado setor ou grupo econômico pode caracterizar intervenção econômica legitimadora dessa contribuição, cumpre definir quais os destinos orçamentários que os recursos obtidos pela União nessa hipótese podem ter.

A análise que ora nos propomos a fazer diz respeito exclusivamente ao destino previsto em lei, considerado de forma abstrata e genérica, e não àquele efetivamente conferido pelo administrador público, que pode eventualmente não corresponder ao estabelecido na norma jurídica. A intenção é abordar qual destinação a lei pode conferir às receitas advindas das Cides.

É pacífico na doutrina e na jurisprudência que os recursos financeiros oriundos das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico podem ser afetados ao financiamento das despesas advindas da atividade de intervenção. Aliás, o entendimento praticamente unânime – do qual discordamos – é que se trata de uma imposição constitucional.

É forçoso reconhecer que, quando a simples exigência da Cide constituir forma de premeditada intervenção estatal na economia privada, a vinculação de seus recursos à própria ação do Estado é um fator que potencializa a eficácia do tributo. Com efeito, nesse caso o Poder Público intervém na órbita econômica de duas maneiras mediante a utilização de um único mecanismo.

Por isso, sempre que possível e necessário, pode o legislador vincular os recursos financeiros da Contribuição ao financiamento da intervenção. É esse o primeiro destino possível da receita das Cides.

Não obstante, nada impede que o Poder Público venha a concluir que basta a imposição tributária para a obtenção de uma intensidade de intervenção suficiente para se atingir algum ou alguns dos objetivos constitucionais da ordem econômica. Nesse contexto, é importante frisar que a regra na atividade econômica é a livre iniciativa e a livre concorrência, de forma que o Estado só pode nela intervir observados critérios de necessidade e suficiência, nos moldes traçados pela Constituição.

Dessarte, se a mera imposição tributária por meio da Cide é bastante para uma suficiente intervenção pública na economia privada, os direitos fundamentais da livre iniciativa e da livre concorrência impedem que o Estado vá além em sua atividade, buscando outras formas de intervenção, haja vista o caráter excepcional desta.

Nesse caso, é preciso estipular um destino válido para os recursos angariados com a Contribuição.

Afastamos de plano a possibilidade de vinculação à cobertura de despesas relacionadas à intervenção em outro setor ou grupo econômico. Nesse caso, é evidente a ausência de um dos requisitos de validade da Cide universalmente aceito: a relação entre o setor objeto de intervenção e os contribuintes do tributo, que obrigatoriamente devem a ele pertencer.

Também seria inconstitucional a afetação das receitas das Cides à remuneração de serviços públicos específicos e divisíveis ou de atos emanados em razão do poder de polícia do Estado, tendo em vista que, para essas situações, deve o ente público competente instituir taxas, nos exatos termos do art. 145, II, da Constituição Federal.

De outro lado, uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico não pode ser instituída para financiar a Seguridade Social, pois para isso a Constituição previu as Contribuições Sociais.

Despesas provenientes de atividades no interesse de categoria profissional ou econômica são custeadas pelas respectivas contribuições, nos termos do art. 149 da Constituição.

Já o empréstimo compulsório é o tributo constitucionalmente destinado ao financiamento das despesas previstas no art. 148 do Texto Constitucional.

Outros tributos, como a contribuição de iluminação pública, o PIS e o Pasep, etc., tiveram seus recursos afetados a despesas específicas pela Constituição.

Restam, pois, os serviços públicos gerais e os atos de polícia que não digam respeito a um indivíduo ou a um grupo deles especificamente, mas a toda coletividade, como é o caso da segurança pública, por exemplo. Em relação a eles, não há previsão constitucional explícita acerca dos recursos destinados ao seu custeio. O que existe são vedações impostas pela Constituição a que determinados tributos sejam destinados a este fim, como demonstrado nos parágrafos anteriores. As despesas oriundas dessas atividades são normalmente financiadas pelos recursos provenientes dos impostos, haja vista não existir nenhum óbice constitucional nesse sentido.

Pelo contrário, a Constituição Federal estatuiu em seu art. 167, IV, que é vedada a vinculação da receita dos impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvados os casos ali previstos. Dessa forma, coube aos impostos, via de regra, o financiamento das despesas estatais gerais.

Daí se conclui que, em relação à destinação dos recursos, a Constituição tratou os impostos e a Cide de maneira parecida, pois não os vinculou ao custeio de nenhuma atividade específica. A única diferença de tratamento dispensada pelo Texto Constitucional foi que, em relação aos impostos, foi vedada a vinculação, ao passo que, em relação às Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, ela apenas não é obrigatória.

Deveras, o fato de as receitas das Contribuições Interventivas poderem ser afetadas ao financiamento da intervenção não decorre de imposição constitucional, como já salientamos, mas da própria finalidade do tributo. Trata-se, portanto, de uma permissão, de uma faculdade conferida pelo constituinte ao legislador ordinário.

Consequentemente, caso o legislador infraconstitucional opte por não destinar as receitas da Cide ao custeio da intervenção, entendemos ser aplicável a regra do art. 167, IV, da Constituição, devido à similaridade do tratamento constitucional dispensado a essa contribuição e aos impostos, no que tange ao destino orçamentário dos recursos angariados (não afetação a nenhuma despesa específica).

Qualquer outra destinação que se dê às receitas das Cides acarretará uma das seguintes consequências: transmudação da contribuição em outra espécie tributária, caso preenchidos todos os requisitos constitucionais de validade do tributo “dissimulado”, ou inconstitucionalidade da contribuição interventiva.

3.5 Objeções da doutrina e contra-argumentos

Um dos argumentos utilizados pelos tributaristas para defender a obrigatoriedade da afetação das receitas advindas das Cides ao custeio das respectivas atividades interventivas pode ser sintetizado da seguinte maneira: as Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico devem ser instituídas única e exclusivamente para possibilitar a atividade interventiva. Por isso, caso os recursos com elas angariados sejam destinados a finalidades diversas, sua natureza jurídica seria a de imposto ou taxa, de acordo com o fato gerador e a base de cálculo utilizados pelo legislador.

O argumento não resiste a uma análise mais detida.

Com efeito, nos termos do art. 149 da Constituição Federal, as Cides somente poderão ser instituídas para viabilizar à União uma efetiva intervenção no domínio econômico. Não podem ser destinadas a outra finalidade.

Pois bem, se o legislador pretende, mediante o emprego da Cide, desestimular o desenvolvimento de determinada atividade econômica, onerando-a de forma mais gravosa do que outras, não estará ele intervindo na ordem econômica? É claro que sim. E, se essa intervenção (tributação diferenciada) é suficiente para atingir os objetivos propostos pelo Poder Público, deverá ele, ainda assim, afetar os recursos angariados para o financiamento da intervenção? Pensamos que não.

Se a Contribuição de que tratamos deve ser instituída exclusivamente para promover a intervenção estatal na economia privada, e se sua mera imposição atinge esse objetivo, a finalidade do tributo foi cumprida. Exigir que o Estado invista na própria intervenção os recursos financeiros assim obtidos, ainda que ela não acarrete despesa alguma – como ocorre com a mera imposição tributária diferenciada –, é obrigar uma ação estatal na esfera privada dos indivíduos de forma demasiada e desnecessária. Nesse caso, os direitos à livre iniciativa e à livre concorrência estarão sendo limitados além dos limites permitidos pela Constituição (lembrando sempre que a atuação do Estado na economia privada é excepcional, devendo ser realizada apenas dentro do necessário à preservação dos direitos coletivos e sociais e da ordem pública).

No caso da simples tributação como forma de intervenção no domínio econômico, a obtenção de recursos financeiros pela União é consequência alheia à atividade interventiva, que não lhe diz respeito, a menos que o legislador entenda ser também viável o aproveitamento dessa receita para custear uma segunda forma de intervenção, caso seja ela necessária. Se não for esse o caso, a intervenção está consumada no mesmo instante da incidência tributária.

Nessa hipótese, sendo os recursos obtidos com a Cide destinados ao orçamento geral da União, não procederia a objeção de que o legislador criou uma Contribuição Interventiva para carrear recursos ao erário. Sendo legítima a intervenção por meio da mera incidência tributária diferenciada em relação a determinado grupo econômico, a finalidade da contribuição foi cumprida. O fato é que, nessa circunstância, o Estado inevitavelmente obtém recursos financeiros e precisa destinar esses recursos a algum fim.

Nesse contexto, é de suma importância distinguir os casos em que uma Cide é legitimamente instituída para promover a intervenção no domínio econômico pela simples imposição tributária daqueles em que o legislador, com desvio de finalidade, e sob o pretexto de uma (inexistente) necessidade de intervenção, cria e cobra essa espécie de contribuição apenas com o objetivo de arrecadar recursos para os cofres públicos. No segundo caso – e esse fato passa despercebido pela doutrina tributária –, a inconstitucionalidade não reside na ausência de afetação dos recursos à atividade interventiva, mas no desvio de finalidade praticado pelo legislador, vale dizer, na ausência de necessidade de intervenção por meio da oneração tributária.

Esclarecendo nosso raciocínio: uma coisa é o Poder Público, diante de uma real necessidade de intervenção no domínio econômico, que pode ser realizada simplesmente com uma tributação diferenciada de um setor da economia em relação aos demais, promover essa intervenção com a criação de uma Cide e destinar seus recursos ao orçamento geral da União. A contribuição, nessa situação, é válida. Outra coisa completamente distinta é o legislador pretender criar uma Contribuição Interventiva exclusivamente com o fim de angariar recursos ao erário e, na tentativa de legitimar a exação, simular a falsa necessidade de intervenção no domínio econômico. Aqui a atuação legislativa ocorreu com desvio de finalidade, e por essa razão é inconstitucional.

A segunda objeção comumente utilizada pela doutrina contra a possibilidade de desvinculação da receita da Cide ao custeio da intervenção é a de que, caso fosse permitida a não afetação, o Estado teria uma carta em branco para instituir verdadeiros impostos residuais sem a observância dos requisitos previstos no art. 154, I, da Constituição (necessidade de lei complementar, não cumulatividade e proibição de utilização de fato gerador ou base de cálculo próprios dos impostos nela previstos), ou para instituir impostos idênticos aos já existentes, invadindo a competência dos Estados-membros e dos Municípios.

Nesse sentido, entende Ricardo Mariz de Oliveira que:

“As contribuições necessariamente destinam-se a uma finalidade preestabelecida, não apenas quanto à finalidade, mas também quanto à destinação de seu produto, não podendo este ser carreado para emprego em finalidades diversas. Ora, se o produto da arrecadação de uma contribuição (por exemplo, regulatória de preços) for transportado para os cofres públicos sem destinação concreta, e for empregado no pagamento de outras despesas, mesmo que a finalidade oficial da intervenção seja verdadeira e exista, isto é, ainda que não se trate de mera pretensão, de contribuição não mais se tratará.”(20)

Para afastar esse argumento, basta distinguir as verdadeiras Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – aquelas que realmente são destinadas à atuação interventiva do Estado, pouco importando a destinação de seus recursos, desde que a simples tributação corresponda efetivamente à intervenção – das “pseudocontribuições” – aquelas que, a despeito da designação de Cide, constituem verdadeiros impostos.

Não se pode olvidar que, em determinadas circunstâncias, é extremamente difícil apurar eventual desvio de finalidade na lei que institui uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

É certo, outrossim, que o entendimento de que a afetação dos recursos não é obrigatória em relação às Cides poderá ser uma espécie de “incentivo” à ânsia arrecadatória do Estado, que buscará várias maneiras de intervir na atividade econômica pela simples tributação também com o objetivo de angariar recursos aos cofres públicos, o que seria inconstitucional.

Para evitar essas consequências, é preciso que se dê especial atenção ao princípio da finalidade no âmbito legislativo, de forma que o Poder Judiciário e a própria sociedade civil fiscalizem e controlem a conduta do legislador, impedindo que ele atue com desvio de finalidade ao instituir uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico. Essa questão será melhor explanada adiante.

Conclusão

Diante de tudo o que foi sustentado no decorrer deste trabalho, chegamos à conclusão de que, de acordo com o sistema tributário constitucional e com a ordem econômica preconizada pela Constituição Federal, é prescindível a afetação das receitas advindas das Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico ao setor da atividade econômica objeto de intervenção estatal, uma vez que a Constituição Federal não faz essa exigência de forma explícita nem implícita.

Isso se deve ao fato de que a atuação interventiva do Poder Público na ordem econômica pode ser realizada por meio de estímulos ou desestímulos à prática de determinadas condutas por parte dos particulares, conforme a política econômica adotada, o que também pode se dar por meio de uma tributação específica para determinados setores da economia.

Justamente para munir o legislador e o administrador público de um instrumento tributário capaz de possibilitar a intervenção estatal na economia de forma pontual ou específica, a Constituição estabeleceu em seu art. 149 a figura da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.

Portanto, nos casos em que o Poder Público opta por se utilizar das Cides para atuar na órbita econômica, a destinação das receitas arrecadadas com esses tributos poderá ser outra, que não o financiamento da intervenção, desde que a própria tributação constitua um mecanismo interventivo. Nessa hipótese, os recursos angariados pelo fisco com a exação sob análise devem integrar o orçamento geral da União, com sua consequente destinação ao financiamento das despesas estatais gerais, não cobertas por tributos cujas receitas foram afetadas pelo Texto Constitucional.

A única vinculação permitida pela Constituição em relação aos recursos provenientes das Contribuições Interventivas é em relação à própria intervenção. Fora disso, qualquer afetação seria inconstitucional, seguindo as Cides a regra do art. 167, IV, da Constituição.

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Notas

1. A Ordem Econômica na Constituição, p. 159.

2. Ob. Cit., p. 160.

3. As Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e o principio da proporcionalidade. Jus Navigandi, Teresina, a. 9, n. 631, 31 mar. 2005. Disponível em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6571. Acesso em: 10 set. 2005

4. Ob. cit., p. 161.

5. Ob. cit., p. 277.

6. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, p. 40.

7. ATALIBA, Geraldo. Hipótese de incidência tributária, p. 199.

8. CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário, p. 522-4.

9. ICHIHARA, Yoshiaki. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – algumas restrições na sua instituição, RDDT, n. 92.

10. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico, p. 16-7.

11. Ob. cit., p. 18.

12. Ob. cit.

13. Ob. cit.

14. A força normativa da Constituição.

15. Ob. cit.

16. Contribuições (uma figura sui generis), p. 236. Em sentido contrário: TROIANELLI, Gabriel Lacerda. O  âmbito de incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico instituída pela Lei nº 10.168/2000. RDDT, n. 121.

17. Ob. cit., p. 75.

18. Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – Parâmetros para sua Criação. In: GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e figuras afins, p. 27.

19. Ob. cit., p. 26.

20. Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico – Concessionárias, Permissionárias e Autorizadas de Energia Elétrica – Aplicação Obrigatória de Recursos, In: GRECO, Marco Aurélio (coord.). Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico e figuras afins. p. 391.


Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023: 2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., jun. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS