Resumo
O presente trabalho tem por objetivo incitar o debate a respeito da incidência da imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, a empresas públicas e sociedades de economia mista, em especial àquelas prestadoras de serviço público.
Para tanto, são apreciados os requisitos constitucionais para a aplicação da imunidade, especialmente a distinção entre as empresas prestadoras de serviço público e as que exercem atividade econômica, o que impõe a definição do que se considera serviço público.
A seguir, são tecidas considerações a respeito do modelo utilizado para a constituição da pessoa jurídica, seja como empresa pública, seja como sociedade de economia mista, se ele interfere na incidência da imunidade, e em que medida.
Por fim, comenta-se a jurisprudência dos Tribunais sobre o assunto, em especial decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
Palavras-chave: Imunidade recíproca. Empresas públicas. Sociedades de economia mista. Critérios de incidência.
Sumário: Introdução. 1 Imunidade recíproca – Critérios de incidência em face das empresas públicas e sociedades de economia mista. 1.1 Distinção conforme o tipo de atividade exercida – atividade econômica ou serviço p úblico. 1.1.1 Definição de serviço público. 1.2 Outros critérios para a incidência da imunidade. 1.2.1 Contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas. 1.2.2 Participação privada na constituição da pessoa jurídica. Conclusão. Referências.
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo incitar o debate a respeito da incidência da imunidade recíproca, prevista no art. 150, VI, a, da Constituição Federal, a empresas públicas e sociedades de economia mista, em especial àquelas prestadoras de serviço público.
A descentralização pelo Estado da prestação dos serviços públicos é tendência irreversível nas sociedades de massa. O Estado necessita cada vez mais prestar serviços mais eficientes, a um número crescente de particulares, a custos menores.
Daí a utilização de modelos de descentralização, que conferem agilidade à prática dos atos de prestação pública, seja por meio da criação de empresas públicas, seja mediante a utilização dos contratos de permissão e concessão.
Tais circunstâncias, ao mesmo tempo em que inafastáveis, são também geradoras de controvérsias jurídicas, especialmente no que diz respeito ao regime jurídico aplicável a tais pessoas jurídicas. As delimitações descritas no Decreto-Lei 200/67 já não servem como parâmetro para definição do conjunto de normas jurídicas incidentes na hipótese. Do mesmo modo, a Constituição Federal, em especial o art. 150, VI, a, § 2º e § 3º, e o art. 173, impõe ao intérprete a busca de soluções, especialmente no que diz respeito às empresas públicas e sociedades de economia mista que, ao contrário de sua vocação originária, prestem serviços públicos.
A discussão não é nova. Há tempos a definição do sistema jurídico aplicável às empresas estatais prestadoras de serviço público suscita controvérsias. Apesar disso, o debate é atual, na medida em que se encontram em tramitação no Judiciário, inclusive no Supremo Tribunal Federal, ações envolvendo a concessão de imunidades.
Na busca por critérios para determinar a incidência da imunidade às empresas públicas e sociedades de economia mista, é necessário distinguir aquelas que exercem atividade econômica daquelas que prestam serviço público, o que impõe a definição do que se considera serviço público.
A seguir, é indispensável definir se o modelo utilizado para a constituição da pessoa jurídica, seja como empresa pública, seja como sociedade de economia mista, interfere na incidência da imunidade, e em que medida.
É relevante, por fim, tecer comentários à jurisprudência dos Tribunais sobre o assunto, em especial às decisões já proferidas pelo Supremo Tribunal Federal.
O presente texto, de qualquer forma, não tem a pretensão de esgotar o tema, mas apenas de trazer reflexões sobre o tema proposto.
1 Imunidade recíproca – critérios de incidência em face das empresas públicas e sociedades de economia mista
1.1 Distinção conforme o tipo de atividade exercida – atividade econômica ou serviço público
A fixação do regime jurídico aplicável às empresas públicas e sociedades de economia mista passa necessariamente pela análise do art. 173, § 1º e § 3º, da Constituição Federal.
Tais normas determinam que a lei estabeleça o estatuto jurídico da empresa pública e da sociedade de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços: a) impondo a sujeição de tais entes ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos trabalhistas; e b) vedando a concessão de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado.(1)
A vedação à concessão de privilégios fiscais às empresas públicas e sociedades de economia mista, entre eles a imunidade do art. 150, VI, a, da CF, é imperativo determinado pelo princípio da isonomia. Vale dizer, o texto constitucional pretende evitar a concessão, pela lei, de privilégios às empresas estatais que atuem no mercado, de modo a preservar o regime de concorrência.
Sobre a vedação à concessão de privilégios, Hugo de Brito Machado afirma que “não se pode pretender que o Estado valha-se de sua condição para, gozando de imunidade tributária, desenvolver atividades em regime de direito privado, competindo com as empresas que pagam tributos”.(2)
Não há nenhuma dificuldade nessa compreensão, na medida em que as sociedades de economia mista e as empresas públicas têm vocação originária para a exploração da atividade econômica, conforme previsão do Decreto-Lei 200/67.
Eis os termos do art. 5º, II e III, do Decreto-Lei 200/67:
“II – Empresa Pública – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em direito.
III – Sociedade de Economia Mista – a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam em sua maioria à União ou a entidade da Administração Indireta.”
São, portanto, a priori, empresas constituídas para a exploração de atividade econômica.
Ocorre, no entanto, que nem sempre as referidas empresas exercem, de fato, a atividade econômica. Inúmeras empresas públicas e sociedades de economia mista, em que pese constituídas segundo tais modelos de pessoa jurídica, dedicam-se à prestação de serviços públicos.
Nesse caso, a formalidade de sua constituição como pessoa jurídica de direito privado criada para a exploração da atividade econômica não pode ser tomada, de modo isolado, como determinante para a definição do seu regime jurídico, em especial porque a Constituição Federal, art. 173, § 1º, que impõe a aplicação do regime de direito privado, o faz exclusivamente e expressamente às empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica, nada referindo sobre aquelas que prestam serviços públicos.(3)
Celso Antonio Bandeira de Mello também ressalta mais a aproximação das empresas públicas e das sociedades de economia mista com os objetivos do Estado como critério definidor do seu regime jurídico do que o próprio nome iuris que carregam.(4)
Assim, exatamente em razão da similitude entre as atividades desenvolvidas por tais entes e aquelas realizadas pelo próprio Estado, a doutrina tem entendido que a vedação à concessão de privilégios fiscais às empresas públicas e sociedades de economia mista se aplica unicamente àquelas que exercem atividade econômica, permitindo, portanto, a incidência da imunidade àquelas que prestam serviços públicos.
Para Humberto Ávila, “a imunidade recíproca alcança todos os serviços públicos, independentemente da forma jurídica utilizada pela entidade que o presta”.(5)
Do mesmo modo defende Hugo de Brito Machado, para quem “a razão da imunidade tributária dos serviços públicos é a própria natureza pública desses serviços”.(6)
Para Roque Antonio Carraza, as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público, em razão das atribuições que exercitam, podem ser consideradas como pessoas jurídicas de direito privado tão só quanto à forma. Quanto ao fundo, como entes criados por lei para a consecução de fins públicos, “acabam fazendo as vezes das autarquias, embora – damo-nos pressa em proclamar – com elas não se confundam”. Desse modo, “enquanto atuam como se pessoas políticas fossem, as empresas públicas e as sociedades de economia mista não podem ter embaraçada ou anulada sua ação pública, por meio de impostos”.(7)
Assim, para a fixação de um primeiro critério para a incidência da imunidade recíproca às empresas públicas e sociedades de economia mista, é necessário distingui-las entre aquelas que exploram atividade econômica e aquelas que prestam serviços públicos.
No caso das primeiras, há vedação constitucional expressa à concessão de privilégios fiscais, nos termos do art. 173, § 1º, II, e § 2º, por imperativo do princípio da isonomia e de modo a proteger a livre concorrência.
Quanto às que prestam utilidades públicas, admite-se a incidência do privilégio, em razão da afetação pública das suas atividades e da proximidade material com as autarquias.
1.1.1 Definição de serviços públicos
Fixada a premissa de que a prestação de serviços por empresas públicas e sociedades de economia mista autoriza a incidência da imunidade tributária, é indispensável buscar na doutrina considerações sobre os critérios para delimitar o conceito de serviço público.
Antes de mais nada, é necessário referir que não se pretenderá, aqui, fixar um conceito de serviço público, tarefa hercúlea,(8) sobre a qual se debruça a doutrina, com intensidade, há bastante tempo. A controvérsia sobre a matéria se intensifica com a modernidade na prestação de benefícios, que altera o modo de o Estado prestá-los, bem como a própria concepção do que seja serviço público, ou seja, de quais sejam as tarefas que devam ser prestadas pela Estado.(9)
A noção de que o conceito de serviço público é influenciado histórica e politicamente está presente na doutrina. Para Dinorá Musetti Grotti, “a qualificação de uma dada atividade como serviço público remete ao plano da concepção sobre o Estado e o seu papel. É o plano da escolha política, que pode ser fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência ou nos costumes vigentes em um dado momento histórico”.(10) Também para Eros Roberto Grau, a definição do serviço público “é decorrência da captação, no universo da realidade social, de elementos que informem adequadamente o estado, em certo momento histórico, do confronto entre interesses do capital e do trabalho”.(11) Segundo Marçal Justen Filho “a qualificação de uma atividade como serviço público envolve critérios não apenas de eficiência econômica, mas também indica um opção política sobre as funções reservadas ao Estado”.(12)
De todo modo, é indispensável afastar a definição de que serviço público seja aquele prestado sob o regime de serviço público, ou seja, de que o conceito de serviço público dependa do regime jurídico a que esteja submetida determinada atividade. Exatamente porque determinada prestação se caracteriza como serviço público, a ela deve ser atribuído o regime de serviço público, e não o contrário.(13)
Da mesma forma, não é satisfatório o critério formal segundo o qual serviço público é aquele que a lei elegeu como tal. Segundo Marçal Justen Filho, “deve reconhecer-se que a questão formal é logicamente dependente das outras duas. Sem dúvida, o serviço público se peculiariza pela existência de um regime específico. Mas a aplicação desse regime depende da presença de certos requisitos”.(14)
É que, se adotadas quaisquer das noções acima, de que serviço público é aquele submetido a regime público e que cabe irrestritamente à lei a definição do que será assim considerado, acaba-se por tornar ilimitada a decisão do legislador, o que pode desvirtuar os comandos constitucionais dos arts. 173 e 175 da Constituição Federal, que impõem restrição ao Estado quanto à exploração da atividade (estritamente) econômica e determinam a ele a prática do serviço público. Tais restrições acabariam fragilizadas se a definição de serviço público/atividade econômica em sentido estrito fosse entregue irrestritamente ao legislador. O operador do direito deve buscar um núcleo de definição do serviço público, diferenciando-o da atividade econômica em sentido estrito, indispensável para que se dê cumprimento aos comandos constitucionais.(15)
Dito isso, conclui-se que o que identifica o serviço público é seu aspecto material ou objetivo. Ou seja, nas palavras de Marçal Justen Filho, “o fundamental reside na identificação das características de certas atividades, o que gera a sua qualificação como serviço público”.(16)
Nesse contexto, ressalta na doutrina a ideia de que são considerados serviços públicos aquelas atividades essenciais para a comunidade, em um determinado momento histórico, cuja importância impede a atribuição da sua exploração ao setor privado. Tal essencialidade está, segundo a doutrina, vinculada à “realização dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito”,(17) ou “à realização e ao desenvolvimento da coesão e da interdependência social”.(18) Marçal Justen Filho vincula tal essencialidade à realização do interesse público, entendido este como a “afirmação da supremacia da dignidade da pessoal humana”.(19)
Marçal Justen Filho conceitua serviço público como:
“uma atividade pública administrativa de satisfação concreta de necessidades individuais ou transindividuais, materiais ou imateriais, vinculadas diretamente a um direito fundamental, destinada a pessoas determinadas e executada sob regime de direito público.”
Mais adiante, sintetiza qual o aspecto mais importante, do ponto de vista material, para que a atividade seja enquadrada como serviço público: “um serviço é público porque se destina à satisfação de direitos fundamentais”.(20)
Parte-se da premissa de que determinado bem ou serviço é de tal modo essencial à satisfação dos direitos fundamentais, à realização dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito, como se disse, que seu tratamento não pode ser delegado às leis do mercado, que pressupõem a busca pelo lucro, o que poderia inviabilizar a exploração da atividade ou a acessibilidade de tais serviços a determinada parcela da população.(21)
Para Marco Aurélio Greco e Hamilton Dias de Souza, a prestação de serviços públicos rege-se pelo “princípio da indisponibilidade do interesse público”, que torna indisponível a prestação, e não por “um interesse econômico ou ligado à obtenção de lucro, como ocorreria em uma atividade reservada ao particular”.(22)
Exatamente em razão da necessidade de tornar disponível a todos a satisfação concreta de necessidades vinculadas diretamente a um direito fundamental, o que não poderia ficar à mercê das regras de mercado, Marçal Justen Filho assinala quais os princípios que devem nortear o serviço público, os quais, ressalta ele, “não estão presentes a propósito das atividades econômicas propriamente ditas”.(23) São eles: o princípio da continuidade, o da igualdade e o da mutabilidade. Segundo ele, “a continuidade significa a impossibilidade de interrupção da prestação do serviço, uma vez que se presume que as utilidades prestadas são essenciais e indisponíveis à sobrevivência ou à normalidade da vida”. E continua: “a igualdade envolve o tratamento não discriminatório e universal para todos os usuários. Não se pode restringir o acesso aos benefícios do serviço público para os sujeitos que se encontram em igualdade de condições”. Por fim, “a mutabilidade retrata a vinculação do serviço público à necessidade a ser satisfeita e às concepções técnicas de satisfação”, o que exclui a ideia de direito adquirido à manutenção das condições originais da prestação.(24)
Tais princípios não se aplicam à atividade econômica propriamente dita porque esta se caracteriza pela “possibilidade de exploração lucrativa, voltada à apropriação privada dos benefícios”.(25)
Ainda sobre a distinção entre serviço público e atividade econômica em sentido estrito, afirma Eros Roberto Grau:
“Pretende o capital reservar para sua exploração, como atividade econômica em sentido estrito, todas as matérias que possam ser, imediata ou potencialmente, objeto de profícua especulação lucrativa. Já o trabalho aspira atribua-se ao Estado, para que este as desenvolva não de modo especulativo, o maior número possível de atividade econômicas (em sentido amplo). É a partir deste confronto – do estado em que tal confronto se encontrar, em determinado momento histórico – que se ampliarão ou reduzirão, correspectivamente, os âmbitos das atividades econômicas em sentido estrito e dos serviços públicos.”(26)
Esses são, pois, os parâmetros para a caracterização do serviço público em contrapartida à exploração da atividade econômica em sentido estrito, distinção indispensável (não simples) para a definição concreta dos comandos do art. 173 e do art. 175 da Constituição Federal e, em especial, para a determinação do regime jurídico aplicável a tais prestações quando os prestadores são constituídos originariamente sob regime de direito privado.
1.2 Outros critérios para a incidência da imunidade
Fixada a premissa de que às empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público aplica-se a imunidade recíproca, bem como definidos certos parâmetros para a caracterização de determinado serviço como público, excluindo-se a possibilidade de atribuição irrestrita de liberdade ao legislador, é pertinente verificar se a concessão do privilégio se dá independentemente da existência de outras condições. Vale dizer, basta à empresa pública e à sociedade de economia mista prestarem serviços públicos para a incidência da imunidade ou há outras condições ou limites para sua fruição?
Nesse ponto, interessa o que dispõe o art. 150, VI, a, § 2º e § 3º, da Constituição Federal, segundo os quais: a) a imunidade recíproca criada em favor da União, dos Estados e dos Municípios é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere à renda e aos serviços vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes; e b) a imunidade recíproca não se aplica ao patrimônio, à renda e aos serviços em que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.
Os limites dos §§ 2º e 3º do art. 150 da Constituição Federal foram impostos às autarquias e fundações, pessoas jurídicas em relação às quais se aplica o regime de direito público. Às sociedades de economia mista e empresas públicas prestadoras de serviços públicos incide a imunidade recíproca, apesar de, a rigor, estarem submetidas ao regime de direito privado, exatamente em razão de sua proximidade com as características do próprio Estado e de suas autarquias.
Assim, em princípio, não há nenhum motivo para excluí-las dos limites à incidência do privilégio impostos às próprias autarquias.
Vejamos.
1.2.1 Contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas
Uma das vedações impostas pela norma constitucional mencionada para incidir a imunidade recíproca é a existência de contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas.
A doutrina e a jurisprudência têm afastado tal circunstância como impeditiva da imunidade.
Nesse caso, no entanto, a considerar que basta a prestação do serviço público como único critério para a incidência da imunidade recíproca a tais empresas, é forçoso reconhecer que o mesmo regime (público) seria aplicável às concessionárias e permissionárias de serviços públicos que, embora submetidas ao regime de direito privado, prestam serviço público, conclusão que, a toda evidência, não parece válida.
Para distingui-las, Eros Roberto Grau(27) sustenta a presença de três características presentes nas relações do Estado com as concessionárias que não se aplicam às empresas públicas e sociedades de economia mista: a) a celebração de contrato; b) a existência de uma política tarifária; e c) o objetivo do lucro.
Afirma que, no caso das concessionárias, por se tratar de uma relação contratual (ainda que permeada por normas de direito público – caducidade, encampação, etc.), faz-se presente a voluntariedade do particular em aderir à avença. As empresas estatais, por outro lado, “ocupam a situação de prestadoras de serviço público não em decorrência de manifestação de vontade própria, em aceitar a atribuição de capacidade para o exercício de atividade, mas em decorrência de imposição legal”. Submetem-se à vontade do Estado, sem poder de decisão quanto ao vínculo.
A existência de política tarifária, segundo o autor, também rende diferenças entre as duas espécies. O concessionário é remunerado em condições de equilíbrio econômico-financeiro, o que não se aplica às empresas estatais. Vale dizer, as concessionárias detêm uma garantia do recebimento da remuneração, ao contrário das outras, que podem atuar, por imposição estatal, em regime deficitário, mediante remuneração em níveis inferiores ao necessário à reposição dos custos.
Por fim, as concessionárias agem com vistas à obtenção do lucro (garantido exatamente em razão da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro), pois, do contrário, não haveria motivo para aderir ao contrato, o que não é pressuposto da relação do Estado com as empresas públicas.
Nessa linha de raciocínio, no sentido de distinguir intrinsecamente as empresas estatais (que prestam serviço público) das concessionárias, é que Roque Carrazza admite a incidência da imunidade recíproca às empresas públicas que prestem serviço público independentemente da cobrança de preços ou tarifas.
Sustenta o autor que a circunstância de a empresa estatal não determinar livremente o valor da contraprestação, que é regulado por lei ou por ato do executivo, permite que deixe ela de arcar com o pagamento dos tributos (imunidade), já que a contraprestação nunca é adequada. Afirma, nesse caso, que a ressalva constitucional do § 3º do art. 150, VI, a, somente se aplica às hipóteses em que as empresas explorem atividade econômica.(28)
No mesmo sentido é a postura de Humberto Ávila, para quem, a referir-se ao § 3º do art. 150/CF, a vedação à imunidade somente se aplica se houver uma contraprestação adequada.(29)
O Supremo Tribunal Federal já analisou a questão por ocasião da apreciação do RE 407.099-5/RS, no qual se discutiu a incidência da imunidade recíproca em favor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Do voto do Relator, Ministro Carlos Velloso, vê-se que a concessão da vantagem em favor da referida empresa pública parte dos seguintes pressupostos: a) distinção entre as empresas públicas que exploram atividade econômica e as que prestam serviços públicos; b) existência de monopólio estatal, o que exclui a possibilidade de concorrência, donde inviável a invocação do art. 173, § 1º, que visa precipuamente garantir a concorrência; c) os serviços prestados pela ECT são privativos, exclusivos, próprios ou monopolizados; d) a cobrança de preço ou tarifa somente impede a concessão da vantagem nas hipóteses de exploração de atividade econômica, não se aplicando o § 3º do art. 150/CF na hipótese de serviços públicos.(30)
No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Federal na Ação Cível Originária nº 765-1/RJ.(31) Na ocasião, no entanto, O Ministro Ricardo Lewandowski entendeu relevante ressalvar do julgado as empresas franqueadas, que contratam com os Correios, invocando a norma do § 2º do art. 150/CF, segundo o qual a imunidade somente se aplica ao patrimônio, à renda ou aos serviços vinculados à finalidade essencial das empresas.
1.2.2 Participação privada na constituição da pessoa jurídica
Percebe-se, portanto, que a doutrina e a jurisprudência acabaram por admitir a incidência da imunidade recíproca às empresas públicas que prestem serviços públicos (no caso, a ECT), ainda que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas. Entendeu a doutrina que, diferentemente das concessionárias, não havendo voluntariedade na formação do vínculo (ausência de contrato) e fixação de política tarifária que garanta a vantajosidade da atividade, não há que se falar em contraprestação adequada. Ausente a contraprestação adequada, estaria eliminada da aplicação o § 3º do art. 150/CF, VI, a.
O raciocínio subjacente é que a empresa pública que presta serviços nessas condições equipara-se a verdadeira autarquia. O valor auferido a título de contraprestação, seja deficitária ou não a atividade, pertence ao próprio Estado para a consecução dos seus fins, não fazendo nenhum sentido tributar o que é patrimônio próprio.
Tal raciocínio, no entanto, embora faça sentido quanto às empresas públicas, constituídas com capital inteiramente público, não se aplica irrestritamente às sociedades de economia mista, que admitem a participação privada na constituição do seu capital.(32)
Nesse aspecto, entende-se a necessidade de ressalvar a incidência da imunidade recíproca na hipótese de sociedade de economia mista na qual haja participação do capital privado.
É que, havendo participação privada no capital, ainda que minoritário, não há exata correlação entre a autarquia e a sociedade de economia mista (mesmo na hipótese de prestação de serviço público por ambas), distinção absolutamente pertinente para fins de excluir a incidência da imunidade. Vejamos.
Já se disse que as sociedades de economia mista (como as empresas públicas) são empresas constituídas, a priori, sob o regime do direito privado, especialmente porque vocacionadas legalmente para a exploração da atividade econômica.
Excluída a exploração de atividade econômica, ao prestarem serviços públicos, passou-se a reconhecer a similitude entre estas e as autarquias, privilegiando o conteúdo (tipo de atividade) em detrimento à forma (modo de constituição da pessoa jurídica), chegando-se a permitir a incidência do privilégio mesmo quando presente a contraprestação ou o pagamento de preço ou tarifa. Fala-se em ausência de contraprestação adequada. Nesse caso, não seria lógico tributar o valor auferido pela contraprestação, seja deficitário ou não, se é patrimônio estatal, voltado à prestação do serviço público.
Ocorre, no entanto, que, quando se trata de sociedade de economia mista, a distinção quanto à constituição do capital impede a incidência deste último raciocínio. Há capital privado a ser tributado, o que, em homenagem ao princípio da isonomia, impede a concessão de vantagem a particular pela simples razão de seu patrimônio estar afetado à prestação de serviços públicos.
Aqui, há relativa equiparação entre esse patrimônio particular e aquele do concessionário. A ausência de lucro no caso da sociedade de economia mista, além de lucro eventual (o serviço pode ser deficitário, mas não necessariamente o será), não pode ser tomado como fundamento de ordem jurídica para fazer incidir a imunidade. Se não há lucro, ao particular cabe a faculdade de retirar-se da sociedade, e não o privilégio da imunidade, sob pena de lesão ao princípio da isonomia.
Nesse sentido, aliás, a decisão proferida no Agravo Regimental do recurso Extraordinário 399.307/MG. Do voto condutor do acórdão, proferido pelo Ministro Joaquim Barbosa, extrai-se o seguinte:
“A imunidade recíproca opera como instrumento de proteção de instrumentalidades estatais e, portanto, não pode ter como efeito jurídico colateral o desequilíbrio das condições de concorrência econômica, tampouco o benefício de entidade particular, voltada à exploração econômica e lucrativa de qualquer objeto.”(33)
Nessa linha é a lição de Misabel Abreu Machado Derzi, para quem a imunidade recíproca “não se estende a particulares, nem deve beneficiá-los, de modo que são tributáveis as remunerações dos servidores públicos, sem distinção de cargo ou função, e a renda dos títulos da dívida pública”.(34)
Assim, em razão da participação privada no capital da sociedade de economia mista, há que se considerar a presença de distinção relevante entre tal tipo de empresa e as autarquias, o que resulta na inviabilidade da incidência da imunidade recíproca a esta modalidade de empresa estatal, sob pena de concessão de privilégio a particulares ausente de autorização constitucional.
Conclusão
1. A incidência da imunidade tributária em face das empresas públicas e sociedades de economia mista depende da distinção entre aquelas que exploram atividade econômica e as que prestam serviço público.
2. Por imperativo do princípio da isonomia e com o objetivo de preservar o regime de concorrência, em razão do que dispõe o art. 173, § 1º e § 3º, da Constituição Federal, às empresas públicas e sociedades de economia mista que exploram atividade econômica aplica-se o regime de direito privado, sendo vedada a concessão de privilégios não extensivos à iniciativa privada.
3. A formalidade de sua constituição como pessoa jurídica de direito privado criada para a exploração da atividade econômica não pode ser tomada de modo isolado como determinante para a definição do seu regime jurídico.
4. Em razão da similitude entre as atividades desenvolvidas pelas empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos e as atividades desenvolvidas pelo próprio Estado, a doutrina tem entendido que a vedação à concessão de privilégios fiscais se aplica unicamente àquelas que exploram atividade econômica, permitindo, portanto, a incidência da imunidade àquelas que prestam serviços públicos.
5. A noção de serviço público é influenciada histórica e politicamente. A qualificação de uma atividade como serviço público indica um opção política sobre as funções reservadas ao Estado.
6. É insatisfatória a definição de que o conceito de serviço público depende do regime jurídico a que esteja submetida determinada atividade, ou de que é serviço público aquele que a lei elegeu como tal. É exatamente porque determinada prestação se caracteriza como serviço público que a ela deve ser atribuído o regime de serviço público, e não o contrário.
7. A decisão do legislador em definir determinada atividade como serviço público não é ilimitada. O operador do direito deve buscar um núcleo de definição do serviço público, diferenciando-o da atividade econômica em sentido estrito, indispensável para que se dê cumprimento à Constituição Federal.
8. O que identifica o serviço público é seu aspecto material ou objetivo. São considerados serviços públicos aquelas atividades essenciais para a comunidade, em um determinado momento histórico, cuja importância impede a atribuição da sua exploração ao setor privado. Tal essencialidade está vinculada à realização dos objetivos fundamentais do Estado Democrático de Direito e à satisfação de direitos fundamentais.
9. Em face da característica da essencialidade, o seu tratamento não pode ser delegado às leis do mercado, que pressupõem a busca pelo lucro. Ao contrário, a prestação do serviço público se submete aos princípios da continuidade, da igualdade e da mutabilidade.
10. O fato de prestarem serviços públicos não confere às empresas públicas e sociedades de economia mista, por si só, o direito à imunidade, cuja incidência pressupõe a presença de outros requisitos, inclusive os previstos no art. 150, VI, a, § 2º e § 3º, da Constituição Federal.
11. A contraprestação ou o pagamento de preços ou tarifas não impede a aplicação da imunidade às empresas públicas que prestam serviço público em razão da distinção que há entre elas e as concessionárias de serviço público, em especial no que toca à remuneração, que é fixada por lei ou ato do Executivo e não pode ser considerada como contraprestação adequada.
12. O raciocínio segundo o qual as estatais que prestam serviço público se assemelham às autarquias, não cabendo, nesse caso, a tributação de patrimônio estatal voltado à prestação de tais atividades, não pode ser aplicado sem ressalvas às sociedades de economia mista, porque há participação privada no seu capital social.
13. O princípio da igualdade impede a concessão do benefício da imunidade recíproca a particulares que detenham participação no capital social da sociedades de economia mista.
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Notas
1. "Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definido em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
(...)
II – sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios não extensivos às do setor privado."
2. MACHADO, Hugo de Brito. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Serviços públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 287.
3. “Um ponto, porém, precisa ser destacado: a natureza de empresa pública ou de sociedade de economia mista – que vai marcar inclusive a competência para processar e julgar as causas em que forem interessadas – é revelada pelo regime jurídico a que uma e outra estão submetidas, e não pela designação recebida pela lei que as instituiu.
Corretíssima, a respeito, a lição sempre lembrada de Pontes de Miranda: 'Na exposição científica do Direito, não podemos deixar que a terminologia perturbe os sistema jurídico ou a visão dele'. As palavras e expressões são meros rótulos que utilizamos para designar as coisas e realidades que formam nosso Universo e absolutamente não alteram a essência dessas mesmas coisas.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária das empresas estatais delegatárias de serviços públicos. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 49-50)
4. “Ditas criaturas, pois, ainda quando modeladas sob o figurino privado, não são, portanto, da mesma cepa que as demais pessoas jurídicas de direito privado. A razão de existir, os fins em vista dos quais são criadas, os recursos econômicos que manejam, os interesses a que servem (e podem servir) são manifestamente distintos e, sob muitos aspectos, até mesmo diametralmente opostos daquel’outras. Bastaria esta evidência para perceber-se que não poderiam estar submetidas a igual disciplina jurídica. Aliás, as próprias entidades em causa também comportam diversidade de regimes, conforme sejam prestadores de serviço público ou exploradoras da atividade econômica.
Com efeito, é preciso distinguir as sociedades de economia mista e empresas públicas em duas distintas espécies, a saber, prestadoras de serviços públicos e exploradoras de atividade econômica, pois o regime de uma e outra não é idêntico. Ambas, pelas razões já expostas, não obstante sejam constituídas sob a forma de direito privado, sofrem o impacto de regras de direito público. As primeiras, entretanto, são alcançadas por estes preceitos com uma carga mais intensa do que ocorre com as segundas, o que é perfeitamente compreensível.
Deveras, as prestadoras de serviço público desenvolvem atividades em tudo e por tudo equivalente em seus misteres típicos do Estado e dos quais este é senhor exclusivo.” (MELLO, Celso Antonio Bandeira. Sociedades mistas, empresas públicas e regime de direito público. Revista Eletrônica de Direito Administrativo Econômico, n. 10, maio/jun./jul. 2007)
5. “O essencial é examinar se o serviço prestado tem caráter de serviço público, ou se é compatível com o negócio privado. Vale dizer: a imunidade abrange as autarquias e as sociedades de economia mista, desde que prestem serviço público. NAVARRO COELHO tem razão quando afirma que o significado de autarquia foi determinado pelo Decreto n° 200/67, de acordo com o qual o conceito de administração também inclui a administração indireta. No conceito de administração indireta estão incluídas não apenas a empresa pública e a autarquia, mas também a sociedade de economia mista.” (ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário: de acordo com a emenda constitucional n. 42, de 19.12.03. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 215)
6. “Na medida em que o ordenamento jurídico qualifica um serviço como público, pela mesma razão que o faz deve também imunizar a atividade de prestação respectiva.
A mesma razão pela qual a entidade estatal, ou entidade política, é subjetivamente imune à tributação justifica plenamente que os serviços públicos sejam, objetivamente, imunes à tributação. A entidade política é subjetivamente imune porque existe para servir ao público. Da mesma forma, os serviços públicos devem ser objetivamente imunes porque existem para atender às atividades essenciais do público.” (MACHADO, Hugo de Brito. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Serviços públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 286)
7. CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária das empresas estatais delegatárias de serviços públicos. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 40-41.
8. “Hercúlea é a tarefa de estudar, de trabalhar, enfim, de simplesmente mencionar o tema serviço público. E a problemática não decorre exatamente do seu idiossincrático regime jurídico, do corte epistemológico que há de ser feito especialmente no caso da empresa pública ou sociedade de economia mista prestadora de serviço público ou exploradora de atividade econômica. A principal celeuma reside, sim, em um elemento apriorístico do tema, qual seja, em saber qual atividade configura serviço público e qual dessa tipificação há de ser afastada. Pior, em identificar o porquê de sua inclusão ou exclusão nesse peculiar rol.” (TAVARES, André Ramos. A política tarifária em serviço público. In: TORRES, Heleno Taveira (Coord.). Serviços públicos e Direito Tributário. São Paulo: Quartier Latin, 2005. p. 402)
9. “Não é menor a dificuldade de definir serviço público. Trata-se de um dos mais problemáticos temas enfrentados pela Ciência do Direito Administrativo. Desde o século passado, o instituto assumiu diversas configurações. Sofreu enorme dilatação e passou a abranger todas as atividades estatais e inúmeras outras, de natureza privada. A evolução política deste século pode ser retratada por meio das variações do conceito de serviço público.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 19)
10. GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti. O Serviço público e a Constituição brasileira de 1988. São Paulo: Malheiros, 2004. p.87.
11. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 137.
12. “O conceito de serviço público é um conceito reflexo. Deriva do modelo constitucional assumido pela comunidade, inclusive no tocante ao papel que a própria comunidade reserva a si própria. Por isso é impossível formular conceito não histórico de serviço público.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 35)
13. “É inteiramente equivocada a tentativa de conceituar-se serviço público como atividade sujeita a regime de serviço público. Ao afirmar-se tal – que serviço público é atividade desempenhada sob esse regime –, além de privilegiar-se a forma em detrimento do conteúdo, perpetra-se indesculpável tautologia. Determinada atividade fica sujeita a regime de serviço público porque é serviço público, e não o inverso, como muitos propõem, ou seja, passa a ser tida como serviço público porque assujeitada a regime de serviço público.” (GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 117)
14. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 21.
15. “Adota-se entendimento de que é limitada a margem de autonomia para configurar uma certa atividade como serviço público. Não existe liberdade irrestrita do legislador para determinar a aplicação do regime de direito público, próprio do serviço público, para uma atividade qualquer. Somente é válido transformar em serviço público uma atividade que preencha certos requisitos. Assim, não seria possível transformar em serviço público uma atividade consistente, por exemplo, na fabricação de cachimbos ou de perucas.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 21)
16. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 21.
17. FREITAS, Juarez. Estudos de Direito Administrativo, São Paulo: Malheiros, 1997. p. 33.
18. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 135.
19. JUSTEN FILHO, Marçal. Conceito de interesse público e a personalização do Direito Administrativo. RDP, 26/129.
20. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 4487 e 4491.
21. “Definido o serviço público pela ordem jurídica, pode-se considerar pacífica a ideia segundo a qual as atividades por essa ordem jurídica reservadas ao Estado são consideradas essenciais para a comunidade, de sorte que não podem ficar a depender da iniciativa privada, nem ser fontes de lucros dimensionados simplesmente pelas leis de mercado. A importância que a ordem jurídica atribui às atividades que define como serviços públicos, que justifica essa definição, é que faz com que o Estado assuma o ônus de prestá-las à comunidade.” (MACHADO, Hugo de Brito. Serviços públicos e tributação, interesse público. Revista Bimestral de Direito Público, n. 32, jul./ago. 2005, p. 85)
22. SOUZA, Hamilton Dias de. Caderno de pesquisas tributárias. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva. O Sistema Tributário na Constituição. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 331.
23. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 31.
24. JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 31.
25. “É que a satisfação dessas necessidades, caracterizadas por uma relevância secundária em face da dignidade da pessoa humana, envolverá uma livre alocação de recursos. Cada sujeito privado poderá escolher a atividade econômica propriamente dita a que se dedicará e para cujo desempenho alocará seus recursos. Como decorrência, admite-se não apenas que o sujeito privado aplique livremente seus recursos no desempenho da atividade econômica em sentido estrito como também que dele extraia a maior lucratividade possível, segundo princípios norteadores da atividade empresarial. O núcleo do conceito de atividade econômica em sentido estrito é a racionalidade, visando à obtenção do lucro, segundo o princípio do utilitarismo. A atividade econômica em sentido estrito pressupõe a utilização especulativa da propriedade privada, visando precipuamente à realização do interesse egoístico dos particulares empreendedores.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003. p. 31-32)
26. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p. 108.
27. GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1997. p.142-143.
28. “Vamos logo adiantando que, quando uma empresa estatal presta serviço público, em seu favor incide o disposto no § 2º do art. 150 da CF, sem as ressalvas do § 3º desse mesmo dispositivo. É irrelevante, pois, para o desfrute da imunidade em pauta que a delegatária cobre preço ou tarifa do usuário.
Ademais, a empresa estatal, ainda que o faça, não determina livremente o valor da contraprestação, que é regulado por lei ou por ato do Poder Executivo. Com isso, a contraprestação nunca é adequada, já que não há equivalência e equilíbrio entre o custo da atuação estatal e o valor, em razão dela, desembolsado do usuário.
Essa ideia mais se acentua se levarmos em conta que a delegatária não pode negar-se a prestar o serviço público, ainda que isso lhe seja economicamente desvantajoso. De fato, a ideia de serviço público harmoniza-se com a persecução do bem comum, que é o fim precípuo do Estado.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária das empresas estatais delegatárias de serviços públicos. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 32)
29. ÁVILA, Humberto. Sistema constitucional tributário: de acordo com a emenda constitucional n. 42, de 19.12.03. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 219.
30. É que o § 3º da art. 150 tem como destinatário entidade estatal que explore atividade econômica regida pela normas aplicáveis a empreendimentos privados (STF, 2ª Turma, RE 407.099/RS, Relator Ministro Carlos Velloso, D.J. 06.08.04).
31. STF, Tribunal Pleno, ACO 765-1/RJ, Relator Ministro Marco Aurélio, Relator para Acórdão Ministro Menezes Direito, DJe 03.09.09.
32. “Ambas são pessoas jurídicas de Direito Privado, criadas por lei, como instrumento de ação do Estado. Apenas as empresas públicas podem assumir quaisquer das formas admitidas em Direito, e seu capital é formado unicamente por recursos públicos, ou seja, provenientes das próprias pessoas políticas ou da chamada Administração Indireta. Já as sociedades de economia mista são formadas com capitais governamentais e particulares e devem obrigatoriamente assumir a forma de sociedade anônima.” (CARRAZZA, Roque Antonio. Imunidade tributária das empresas estatais delegatárias de serviços públicos. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 49)
33. "CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IMUNIDADE RECÍPROCA. AUTARQUIA. SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTAMENTO. ATIVIDADE REMUNERADA POR CONTRAPRESTAÇÃO. APLICABILIDADE. ART. 150, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO.
(...)
2. É aplicável a imunidade tributária recíproca às autarquias e empresas públicas que prestem inequívoco serviço público, desde que, entre outros requisitos constitucionais e legais, não distribuam lucros ou resultados direta ou indiretamente a particulares, ou tenham por objeto principal conceder acréscimo patrimonial ao poder público (ausência de capacidade contributiva) e não desempenhem atividade econômica, de modo a conferir vantagem não extensível às empresas privadas (livre iniciativa e concorrência).
(...)" (STF, 2ª Turma, Ag. Reg. no RE 399.307/MG, Relator Ministro Joaquim Barbosa, DJe 29.04.10)
34. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 294.
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