Para a presente análise, dentre os diversos temas abordados no curso realizado pela Escola da Magistratura do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi escolhido o tema exposto pelo palestrante Vladimir de Passos Freitas, uma vez que a análise de questões ambientais é tema recorrente no exercício da jurisdição na Vara Federal de Paranaguá/PR, em especial por esta abranger no seu espaço territorial diversas áreas de proteção ambiental, entre as quais três unidades de conservação de proteção integral criadas por atos normativos da União.
Dentre os diversos pontos levantados pelo palestrante, inicialmente registro a constatação de que, a partir dos anos 2000, coube ao Poder Judiciário um papel de maior relevo na discussão a respeito da proteção ao meio ambiente, sendo citadas em sua palestra diversas decisões de grande repercussão, as quais buscaram equilibrar aparentes conflitos entre interesses econômicos, sociais e de proteção ambiental, adotando, para tanto, o conceito do que se chama hoje de “desenvolvimento sustentável”.
Contudo, um dos pontos que chamou a atenção após oitiva da exposição em tela foi a preocupação atual com a falta de segurança jurídica, ante a diversidade de interpretações tanto em relação ao papel do Poder Judiciário nessa discussão quanto em relação à forma de aplicação das normas ambientais vigentes. Tal situação é em parte justificada pela adoção de conceitos e definições abertos nas regras atinentes, os quais demandam um maior esforço interpretativo, bem como pela utilização de princípios como fundamento único de decisões judiciais.
Ressalto, ainda, como bem lembrou o palestrante, que muitas definições que competiam ao legislador após a promulgação da Constituição Federal de 1988 demoraram para chegar, ou ainda carecem de alguma regulamentação legislativa. Apenas recentemente, por exemplo, foi editada a Lei Complementar 140, de 8 de dezembro de 2011, que tratou da questão da divisão de atribuições entre os entes federados no licenciamento ambiental, antes disciplinada apenas em resoluções do Conama, questão essa que sempre gerou inúmeras discussões no âmbito do Poder Judiciário. Diga-se de passagem que mesmo com a edição desse normativo ainda há muito espaço para discussões, até em razão de a lei complementar ter delegado para ato normativo do Poder Executivo algumas definições – vide parágrafo único do artigo 7º da lei, que trata do licenciamento dos empreendimentos cuja localização compreenda concomitantemente áreas das faixas terrestre e marítima da zona costeira.
Neste ponto, como o objetivo da análise proposta pela Emagis é a demonstração da aplicação prática do conteúdo abordado no curso, passo a resumi-la a um ponto específico da questão ambiental tratada na atual Constituição Federal: a exigência no licenciamento ambiental de prévio estudo de impacto ambiental para atividades potencialmente causadoras de significativos danos ambientais. Tal questão, no entender desta magistrada, ainda não foi solucionada de forma satisfatória nem pelo legislador, nem pela jurisprudência pátria, a qual ainda oscila quando trata do tema, inclusive quanto à possibilidade e aos limites da intervenção do Poder Judiciário nas definições realizadas pelos órgãos ambientais.
Em outras palavras, será sucintamente analisado, com a apresentação de um caso concreto enfrentado na unidade em que jurisdiciono, quando a apresentação do denominado EIA/Rima – Estudo de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental – é condição para que se possa expedir o devido licenciamento de obra ou atividade, e até que ponto pode ir o Poder Judiciário na análise da escolha efetuada pelo órgão ambiental competente.
De forma resumida, no caso originário desta Vara Federal de Paranaguá/PR que será apresentado – Ação Civil Pública 5000150-20.2010.404.7008 –, a questão primordial trazida pelo Ministério Público Federal e pelo Ministério Público do Estado do Paraná foi a ausência de exigência de EIA/Rima no licenciamento ambiental de um empreendimento que envolvia a ampliação de terminal de produtos químicos e dutos de transferência na Zona Portuária do município de Paranaguá/PR.
O enfrentamento da questão certamente se inicia pela leitura da analítica Constituição brasileira vigente, a qual tratou em um capítulo próprio da proteção ao meio ambiente, explicitando no seu artigo 225, caput, que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Buscando melhor explicitar formas de se atingir tal objetivo, tal Carta estabeleceu obrigações ao Poder Público no parágrafo primeiro desse artigo, entre as quais a de “exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade” (inciso IV).
Diante de tal dispositivo, passa-se então à questão que se apresenta nos diversos casos concretos enfrentados: como definir, dentre as diversas obras ou atividades existentes, quais seriam as que potencialmente podem causar significativa degradação ao meio ambiente.
Neste ponto, socorro-me das palavras usadas pelo ilustre colega Vicente de Paula Ataíde, que, ao sentenciar a Ação Civil Pública citada, assim indagou: “O problema é que o inciso constitucional encerra um conceito jurídico indeterminado: quando é que uma potencial degradação ambiental poderá ser considerada significativa para fins de exigência prévia de EIA/Rima?”.
Não existe, até o presente momento, no sistema jurídico pátrio qualquer definição sobre essa questão explicitada em lei. Muito embora a discussão a respeito das “avaliações de impacto ambiental” tenha tido como marco principal a edição da Lei 6.938/81, que trata ainda hoje da Política Nacional do Meio Ambiente, tal normativo não chegou a disciplinar, em sua edição original, nem ao menos trata, na sua redação atual, da questão específica da exigibilidade do EIA/Rima como condição para licenciamento. É fato que até hoje a regulamentação acerca do licenciamento ambiental de obras mediante a avaliação de impacto ambiental vem sendo realizada por resoluções do Conama.
Assim, o primeiro normativo editado nesse sentido foi a ainda vigente Resolução Conama nº 01, de 23 de janeiro de 1986, a qual, ainda sob o regime constitucional anterior, buscou estabelecer uma relação exemplificativa de atividades que mereceriam a elaboração de EIA/Rima, elencando-as em seu artigo 2º.
Já após a promulgação da Constituição Federal de 1988, foi editada a Resolução Conama nº 237, de 19 de dezembro de 1997, que assim dispôs:
“Art. 3º A licença ambiental para empreendimentos e atividades consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/Rima), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação.
Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.”
Assim, diante da existência do conceito aberto, disposto na Constituição vigente, que trata de “atividades potencialmente causadoras de significativos danos ambientais”, em contraposição a um rol, mesmo que exemplificativo, de atividades que deveriam ser precedidas da elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental – Rima, nos termos dispostos em Resolução do Conama, pende até hoje a discussão a respeito da obrigatoriedade ou não da elaboração de EIA/Rima para essas atividades expressamente relacionadas no art. 2º da Resolução nº 01/86 ou se, mesmo nesses casos, cabe ao órgão ambiental definir casuisticamente se a obra/atividade irá causar o “significativo impacto ambiental”.
Relata Edis Milaré que prevalece na doutrina o entendimento de que as hipóteses de atividades estabelecidas nessa resolução estão regidas pelo princípio da obrigatoriedade, sendo o elenco do art. 2º exemplificativo apenas para admitir o acréscimo de atividades, mas obrigatório para as expressamente relacionadas, por existir, no caso, uma “presunção absoluta” de significativo impacto ambiental. Contudo, defende o doutrinador, após citar exemplos práticos que importam dúvidas de interpretação, que o rol do art. 2º compreende atividades para as quais há “presunção relativa” da gravidade do impacto:
“A presunção relativa (juris tantum), como se sabe, tem o condão de inverter o ônus da prova, de sorte que o Administrador, à vista de um caso listado, determinará a elaboração do EIA. O empreendedor, querendo, poderá produzir prova no sentido de que a obra ou atividade pretendida não provocará impacto ambiental significativo. Portanto, em vez de o agente público ter que provar a significância do impacto, é o empreendedor quem deve provar sua insignificância.” (Direito do Ambiente. 4. ed. São Paulo: RT, 2005. p. 499-501)
No caso concreto citado como paradigma – Ação Civil Pública 5000150-20.2010.404.7008 –, no momento da análise do pedido liminar, já diante de argumentos preliminares e documentos apresentados por todos os envolvidos, esta magistrada concluiu por adotar o entendimento do doutrinador acima citado. Uma vez que a atividade específica em discussão estava elencada no rol do art. 2º da Resolução nº 1/86 e não vislumbrando nos documentos constantes do processo de licenciamento ambiental nenhum fundamento que tornasse possível o afastamento dessa presunção relativa, reputou-se exigível o EIA/Rima, sendo então concedido em parte o pedido liminar.
Tal decisão restou reformada em sede de agravo de instrumento, em decisão que restou assim ementada:
“LICENÇA AMBIENTAL. NÃO EXIGÊNCIA DO EIA/RIMA. ATO DISCRICIONÁRIO. ÓRGÃO AMBIENTAL COMPETENTE.
O órgão ambiental tem competência para, dentro das suas atribuições legais, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definir os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.
Entendendo o Ibama que descabe a exigência do EIA/Rima para a concessão de licença ambiental, não compete ao Poder Judiciário intervir em ato discricionário da Administração Pública.” (TRF4, AG 5005057-76.2011.404.0000, Quarta Turma, Relator Jorge Antonio Maurique)
Ou seja, afastou-se do Poder Judiciário a análise da questão específica relativa à escolha feita pelo órgão ambiental pela exigibilidade ou dispensa do EIA/Rima no instante do licenciamento ambiental, por entender-se que tal questão se tratava de ato discricionário que competia ao órgão técnico definir. No caso específico, uma vez que foi prolatada sentença nos autos originários ainda antes do julgamento dos embargos de declaração interpostos dessa decisão, foi proferida decisão terminativa do agravo de instrumento, não sendo tal questão levada a discussão nos tribunais superiores.
Contudo, verifico que em sede de Recurso Especial interposto de decisão proferida pela mesma 4ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, cuja ementa é semelhante à acima transcrita, já se manifestou o Superior Tribunal de Justiça, reformando tal entendimento, no seguinte sentido:
“PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. RECURSO ESPECIAL. OFENSA AO ART. 535 DO CPC. INOCORRÊNCIA. REALIZAÇÃO DE EIA/RIMA. CONCLUSÕES DO IBAMA NA ESFERA ADMINISTRATIVA PELA SUFICIÊNCIA DE RCA. CONTESTAÇÃO JUDICIAL. POSSIBILIDADE. ART. 5º, INC. XXXV, DA CR88. INAFASTABILIDADE DO CONTROLE JURISDICIONAL.
1. Trata-se, na origem, de agravo de instrumento, interposto no âmbito de ação movida por associação indígena, contra decisão que, no ponto ora objeto de debate, deferiu tutela antecipada para o fim de determinar que o Ibama apenas concedesse licenciamento ambiental a empreendimento de derrocamento de rochas subaquáticas localizadas no Rio Paraná após realização e consequente análise criteriosa do EIA/Rima, a ser levado a cabo e custeado pelos empreendedores (União e DNIT).
2. O acórdão recorrido acolheu a tese do DNIT no sentido de que só caberia ao Ibama, no exercício de sua discricionariedade administrativa, definir se é cabível ou não o licenciamento ambiental, não podendo o Poder Judiciário se imiscuir nesta decisão agora, a considerar que, no caso concreto, o Ibama já se manifestou pelo não cabimento de EIA/Rima, mas apenas de Relatório de Controle Ambiental (RCA).
3. Nas razões recursais, a parte recorrente sustenta ter havido violação aos arts. 535 do Código de Processo Civil (CPC) – ao argumento de que o acórdão é omisso –, 5º da Lei de Introdução ao Código Civil (atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), 54, § 3º, da Lei nº 9.605/98, 1º da Lei nº 11.105/05, 8º, inc. I, da Lei nº 6.938/81, entre diversos outros – uma vez que o princípio da precaução deveria ter sido observado na espécie.
4. Não viola o artigo 535 do CPC, tampouco nega prestação jurisdicional, acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, conforme ocorreu no caso em exame.
5. Inviável sustentar as conclusões do acórdão recorrido. E isso muito menos em razão do princípio da precaução – pois, para sua estrita observância, a Administração possui mais de um mecanismo, entre eles o próprio RCA, não se limitando seu cumprimento, portanto, apenas à realização de EIA/Rima – e muito mais porque, no Brasil, vige a inafastabilidade do controle jurisdicional.
6. Quer dizer: salvo em casos excepcionalíssimos (como, por exemplo, os consagrados atos nitidamente políticos), todo e qualquer ato é, a princípio, controlável pelo Judiciário.
7. Nessa lógica, se é verdade que ao Ibama compete avaliar a necessidade de realização de EIA/Rima, não é menos verdade que qualquer conclusão a que chegue a referida autarquia é sindicável na via judicial.
8. É pelo menos muito duvidosa a afirmação, feita peremptoriamente no acórdão recorrido em corroboração ao que disse o DNIT, ora recorrido, de que os atos praticados no âmbito do licenciamento ambiental são marcados por alta discricionariedade administrativa. Se isso é correto em face de alguns atos, trata-se de conclusão inteiramente inadequada em face de outros. É que a simples utilização de conceitos indeterminados não é suficiente para conferir a qualquer escolha administrativa a correção. Ao contrário, a utilização desse tipo de técnica de construção normativa tem por escopo possibilitar que a Administração identifique, na análise casuística, qual é a melhor escolha – que, por ser a melhor, é única.
9. Mesmo que se admitisse se estar diante de um ato eminentemente discricionário, alegar que o seu confronto judicial seria inviável equivale a sustentar, em última linha, que a legislação vigente retirou do Poder Judiciário a possibilidade de analisar impugnações aos mais diversos atos administrativos, o que é inconstitucional, em face do que dispõe o art. 5º, inc. XXXV, da Constituição da República.
10. Nesse contexto de ideias, o acórdão recorrido merece reforma: não para asseverar que, na hipótese, o EIA/Rima é pura e simplesmente de realização compulsória, mas para que o Tribunal Regional avalie o agravo de instrumento interposto para dizer se concorda ou não com a necessidade de realização do estudo de impacto ambiental no caso concreto (em lugar do RCA), como sustenta o MPF, afastando-se a conclusão de que os aportes do Ibama na esfera administrativo-ambiental não são sindicáveis em face do Judiciário.
11. Recurso especial parcialmente provido.” (REsp 1279607/PR, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.12.2011, DJe 13.12.2011, destaquei)
Ainda, o mesmo caso concreto havia sido levado na mesma época à Corte Especial do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, nos autos de Agravo em Suspensão de Tutela Antecipada, recebendo deste órgão interpretação diversa da proferida pela 4ª Turma do mesmo Tribunal:
“ADMINISTRATIVO. AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSPENSÃO DE TUTELA ANTECIPADA. NATUREZA JURÍDICA. LICENÇA PARA AMPLIAÇÃO DE TERMINAL MARÍTIMO. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. AUSÊNCIA DE GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA.
1. A decisão liminar determinando ao Instituto Ambiental do Paraná que se abstenha de conceder licença de operação para o empreendimento de ampliação de terminal marítimo, bem como de instalação de novos dutos de transferência para granéis líquidos, foi proferida com base na necessidade de acautelar-se possível consumação de dano ao meio ambiente.
2. Incide na espécie o princípio da precaução, diante da presunção relativa de que a atividade empresarial apresenta potencial risco de degradar o meio ambiente, a recomendar a realização de EIA/Rima.
3. Tratando-se de medida excepcional, o instituto da suspensão de tutela antecipada, ao confrontar o interesse público com o privado, demanda análise política do operador do direito, que envolve juízo acerca da razoabilidade e da oportunidade de sobrepor o interesse público aos interesses dos particulares. O pedido de suspensão não objetiva a reforma da decisão ou sua anulação; não tendo natureza jurídica de recurso, não pode ser utilizado como sucedâneo recursal, restringindo-se sua análise aos elementos que contenham potencialidade de lesão aos interesses acautelados no art. 4º da Lei n° 8.437/92.
4. Não configura grave lesão à ordem pública o fato de suspender-se temporariamente a eficácia de licenciamento concedido pelo IAP, ato administrativo que goza da presunção de legitimidade, uma vez que estudo apresentado pelo Ministério Público Federal indica possível inadequação do procedimento e é plausível a alegação de dano ambiental.
5. Medidas de precaução adotadas na defesa do meio ambiente decorrem do cumprimento dos princípios insculpidos no art. 37 da CF/88, direcionados a nortear a atividade administrativa.
6. Hipótese em que há elementos suficientes a indicar a necessidade de privilegiar-se a proteção ao meio ambiente enquanto a higidez do ato inicial de licenciamento é submetida ao pronunciamento do Poder Judiciário.
7. Agravo do Ministério Público Federal provido.” (TRF4, AG EM SLAT nº 5005100-13.2011.404.0000/PR, Corte Especial, Relator Vison Darós, Relator para Acórdão Luis Carlos de Castro Lugon)
Passada a discussão a respeito da decisão proferida em sede liminar, a qual restou reformada em sede de Agravo de Instrumento, e após se deparar com duas decisões com interpretações absolutamente opostas sobre a questão trazida a juízo, proferidas por dois órgãos do mesmo Tribunal Regional Federal, o mérito da causa foi novamente analisado, agora pelo colega Vicente de Paula Ataíde. Este magistrado, ao sentenciar o caso concreto, analisando a escolha efetuada pelo órgão ambiental pela dispensa do EIA/Rima, concluiu pela validade dessa dispensa, julgando improcedente o pedido formulado pelo Ministério Público.
A solução adotada pelo colega foi a de concluir que a missão de completar esse conceito constitucional vago cabe ao órgão ambiental competente para licenciar o empreendimento, sendo que, para tanto, tal órgão deverá levar em consideração as peculiaridades do caso concreto. Sobre a necessidade de se levar em conta a contextualização em prejuízo das presunções absolutas, citou ainda na decisão a doutrina de Luis Roberto Barroso sobre a nova hermenêutica constitucional:
“As denominadas cláusulas gerais ou conceitos jurídicos indeterminados contêm termos ou expressões de textura aberta, dotados de plasticidade, que fornecem um início de significação a ser complementado pelo intérprete, levando em conta as circunstâncias do caso concreto. A norma em abstrato não contém integralmente os elementos de sua aplicação. Ao lidar com locuções como ordem pública, interesse social e boa-fé, dentre outras, o intérprete precisa fazer a valoração de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma. Como a solução não se encontra integralmente no enunciado normativo, sua função não poderá limitar-se à revelação do que lá se contém; ele terá de ir além, integrando o comando normativo com sua própria avaliação.” (Neoconstitucionalismo e constitucionalização do direito: o triunfo tardio do direito constitucional no Brasil)
Após, passou à análise das questões específicas do caso concreto, concluindo, diferentemente do que havia sido avaliado na análise preliminar, que o impacto ambiental foi avaliado por outros estudos adequados, como o Plano de Controle Ambiental (PCA), o Plano de Gerenciamento de Riscos Ambientais (PGR) e o Plano de Emergência Individual (PEI), como estaria facultado ao órgão ambiental pelo artigo 3º, parágrafo único, da Resolução nº 237/97 do Conama, entendendo tais estudos aptos o suficiente para prevenir possíveis danos ambientais.
Tal caso concreto ainda será analisado em sede de apelação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, e possivelmente a questão possa ser levada até os Tribunais Superiores. Contudo, a presente análise, na qual não se pretende defender teses ou concluir qual seria a melhor interpretação para o caso concreto, busca demonstrar, como bem alertado pelo palestrante, o quanto a ausência de definições mais claras sobre a adequada interpretação dos dispositivos constitucionais vigentes e a falta de definição destas questões na legislação atinente à proteção ambiental podem gerar insegurança, em especial aos interessados em realizar grandes investimentos no país.
É certo que as desigualdades sociais e a pobreza são dois dos fatores que mais afetam o meio ambiente. Diante disso, a pacificação de questões como a enfrentada nesta análise crítica se mostra fundamental para que se possa buscar o tal almejado desenvolvimento sustentável, afastando as incertezas que acabam por prejudicar tanto o desenvolvimento econômico e social do país quanto a efetiva proteção do meio ambiente. Nesse ponto, a definição do papel a ser desempenhado pelo Poder Judiciário na análise e possível correção dos atos emanados pelos órgãos ambientais é o primeiro caminho para que possamos, no exercício da jurisdição, contribuir para tal objetivo.
Notas
1. Análise crítica apresentada em razão do encerramento do Currículo Permanente – Módulo V – Direito Constitucional 2012.
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