Resumo
Neste trabalho far-se-á uma breve análise acerca da aplicação de prazos prescricionais e decadenciais nos casos de repetição de indébito decorrentes do pagamento de tributo com base em lei declarada inconstitucional.
Procurar-se-á diferenciar os prazos e institutos aplicados na comparação entre a repetição de indébito nas hipóteses do artigo 165 do CTN e aquela que depende do reconhecimento da inconstitucionalidade da lei para que o direito à repetição possa ser exercido.
Analisar-se-ão os efeitos e prazos no controle concreto e no controle abstrato, examinando-se com mais detença os efeitos da declaração de inconstitucionalidade pelo STF e da retirada da norma por meio de resolução do Senado Federal, bem como a aplicação dos institutos da prescrição e da decadência dependendo do tipo de controle de constitucionalidade exercido, ou melhor, do tipo de ação judicial proposta.
Palavras-chave: Direito à restituição de tributo. Lei declarada inconstitucional. Prescrição e decadência.
Sumário: Introdução. 1 Pedido de restituição – previsão no CTN. 2 Repetição de pagamento indevido de tributo cobrado com base em lei inconstitucional. 3 Efeitos do controle abstrato de constitucionalidade. 4 Aplicação da prescrição e da decadência no caso de lei inconstitucional. 5 Análise de um caso concreto – inconstitucionalidade do artigo 21 da Lei n° 7.787/89 e direito à repetição de valores relativos à competência de setembro de 1989. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
O presente artigo tratará dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade de lei tributária no tocante ao pedido de restituição dos tributos pagos em razão da lei declarada inconstitucional, analisando os institutos da prescrição e da decadência.
A análise cingir-se-á, portanto, à prescrição e à decadência quanto ao pedido de restituição do crédito, ou seja, de restituição pelo contribuinte dos valores pagos a título de tributo cuja regra matriz, seja quanto ao tributo em si, seja quanto ao fato gerador ou à alíquota, tenha sido declarada inconstitucional, não envolvendo, portanto, a análise dos mesmos institutos no que se refere à cobrança de créditos tributários.
Analisar-se-á a aplicação dos institutos citados frente à imprescritibilidade da ação para a declaração de inconstitucionalidade da lei.
1 Pedido de restituição – previsão no CTN
O Código Tributário Nacional assim dispõe em seus artigos 168 e 169:
“Art. 168 – O direito de pleitear a restituição extingue-se com o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contados:
I – nas hipóteses dos incisos I e II do artigo 165, da data da extinção do crédito tributário;
II – na hipótese do inciso III do artigo 165, da data em que se tornar definitiva a decisão administrativa ou passar em julgado a decisão judicial que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a decisão condenatória.
Art. 169 – Prescreve em 2 (dois) anos a ação anulatória da decisão administrativa que denegar a restituição.
Parágrafo único. O prazo de prescrição é interrompido pelo início da ação judicial, recomeçando o seu curso, por metade, a partir da data da intimação validamente feita ao representante judicial da Fazenda Pública interessada.”
O artigo 168 faz referência ao “direito de pleitear”, sendo necessário, então, precisar se o prazo previsto para extinção se configuraria como prazo prescricional ou decadencial.
O critério diferenciador mais aceitável entre prescrição e decadência seria aquele que faz a distinção em razão: a) da situação fática que faz nascer o direito em si; e b) do direito à postulação judicial.
Assim, configuram-se duas situações distintas, a saber:
a) o direito à repetição surgiria com a extinção do crédito tributário e o direito de pleitear judicialmente também, porquanto desnecessário o esgotamento prévio da via administrativa – prazo decadencial;
b) o direito à repetição surgiria com a extinção do crédito tributário, enquanto o direito de pleitear judicialmente somente surgiria após a decisão denegatória na esfera administrativa (caso o contribuinte tenha optado por essa via), sendo, portanto, diversos os fatos geradores – prazo prescricional.
Dessa forma, haverá decadência quando o direito trouxer em si mesmo o prazo para ser exercido, sendo irrelevante para a sua extinção a ofensa ao direito. O direito simplesmente “morre” – como é o caso da repetição, uma vez que o direito de repetir traz em si o lapso temporal dentro do qual pode ser exercido, ou seja, fixa o termo inicial e o termo final para o seu exercício. Por outro lado, será caso de prescrição quando houver ofensa ao direito. Isso equivale a dizer que o prazo de prescrição somente se iniciará quando o direito a repetir for lesado.
2 Repetição de pagamento indevido de tributo cobrado com base em lei inconstitucional
Há que se distinguir, ainda, a repetição de pagamento indevido – que pode ser cobrado administrativamente nas hipóteses elencadas no artigo 165 do CTN – daquele direito à repetição decorrente de tributo cobrado com fundamento em lei inconstitucional, que depende da declaração de inconstitucionalidade para que possa ser exercido.
Dispõe o artigo 165 do CTN:
“Art. 165 – O sujeito passivo tem direito, independentemente de prévio protesto, à restituição total ou parcial do tributo, seja qual for a modalidade do seu pagamento, ressalvado o disposto no § 4 do artigo 162, nos seguintes casos:
I – cobrança ou pagamento espontâneo de tributo indevido ou maior que o devido em face da legislação tributária aplicável, ou da natureza ou circunstâncias materiais do fato gerador efetivamente ocorrido;
II – erro na edificação do sujeito passivo, na determinação da alíquota aplicável, no cálculo do montante do débito ou na elaboração ou conferência de qualquer documento relativo ao pagamento;
III – reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória.”
Pode-se entender que o artigo 165, inciso I, abrange as cobranças derivadas de lei inconstitucional. Assim, o prazo extintivo para a repetição estaria submetido ao previsto no artigo 168, inciso I.
No entanto, nos casos de tributo cobrado com base em lei inconstitucional, o prazo extintivo se submeterá aos institutos da prescrição e da decadência, dependendo do tipo de controle de constitucionalidade exercido, ou melhor, do tipo de ação judicial proposta:
a) ação de repetição com pedido incidental de declaração de inconstitucionalidade; ou
b) ação de repetição intentada após a declaração, pelo STF, da inconstitucionalidade da lei em que se fundou a cobrança do tributo.
Explica-se. No sistema brasileiro, o controle de constitucionalidade pode ser exercido por duas vias: concreta ou abstrata.
O controle concreto é difuso, incidental e subjetivo, na medida em que pode ser exercido por todos os órgãos judiciais; se desenvolve por meio de mecanismo indireto de arguição (a questão é vista como prejudicial); e tem por principal escopo a defesa do direito subjetivo da parte, e não a defesa da Constituição Federal objetivamente.
Já o controle abstrato é concentrado, principal e objetivo, uma vez que somente pode ser exercido pelo Supremo Tribunal Federal; é suscitado por ação autônoma que visa à declaração de inconstitucionalidade em si, e não como prejudicial; e tem por objetivo a proteção da Constituição Federal.
Conclui-se, pois, que, no primeiro caso citado acima (ação de repetição com pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade), tanto o direito em si como o direito de ação para exigir a repetição surgem em um mesmo momento, qual seja, com a extinção do crédito indevido, pois desde a extinção – que pode se dar ou não no momento do pagamento, como será visto – já nasce o direito do contribuinte de acionar o poder judiciário para o fim de ver devolvido o tributo indevidamente pago com base em lei inconstitucional. Nessa hipótese, a ação tem duas eficácias: a) declaratória da inconstitucionalidade; e b) constitutiva ou condenatória com relação ao pedido de repetição.
No segundo caso (ação de repetição com base em lei já declarada inconstitucional pelo STF), a situação é diversa, porquanto diverso é o tipo de provimento da sentença, que será: a) constitutiva negativa quanto à aplicação da declaração de inconstitucionalidade ao caso concreto; e b) condenatória ou constitutiva em relação ao pedido de repetição (via compensação ou restituição). Nesse caso, o direito em si surgiria com a extinção do débito – uma vez que desde então pode haver o reconhecimento incidental de inconstitucionalidade –, mas o direito de ação para aplicação dos efeitos no plano concreto surgiria somente com a declaração de inconstitucionalidade pelo STF.
Com efeito, a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de Ação Direta de Inconstitucionalidade – ADIn, não tem por escopo a defesa de um direito subjetivo, mas tão somente a defesa da Constituição Federal, produzindo coisa julgada com efeitos erga omnes e ex tunc.
Atualmente encontra-se pacificado o entendimento no sentido de que a declaração de inconstitucionalidade, quer no controle abstrato, quer no concreto, declara a nulidade do ato inconstitucional. Em outras palavras, considera-se que o ato é inconstitucional desde o seu nascedouro, e não que a declaração o tenha “transformado” em inconstitucional. Daí dizer-se que a ação que declara a inconstitucionalidade tem eficácia declaratória, e não constitutiva negativa.
A nulidade do ato viciado constitui-se em princípio constitucional implícito. De fato, não existe hierarquia entre normas jurídicas infraconstitucionais (leis ordinárias, complementares, delegadas, medidas provisórias), uma vez que a verificação de aplicação e validade no confronto entre uma espécie e outra se resolve no campo da competência, e não no da hierarquia. Somente há hierarquia entre as normas constitucionais e os demais atos legislativos infraconstitucionais. Uma norma será hierarquicamente inferior quando encontrar seu fundamento de validade em outra norma, a qual será superior. Os atos normativos infraconstitucionais (e não os infralegais) encontram seu fundamento de validade na Constituição Federal, havendo, então, hierarquia. Portanto, diante de conflito entre lei e Constituição, esta sempre prevalecerá, donde se conclui que a norma infraconstitucional que padecer de vício de inconstitucionalidade nunca teve validade. Entender de modo diverso importaria em dizer que a norma constitucional perdeu validade diante da existência daquela lei, o que seria, por certo, um contrassenso.
Contudo, deve-se ter em mente que a lei inconstitucional, apesar de inválida, acaba surtindo efeitos no mundo dos fatos. É eficaz até a declaração de inconstitucionalidade, razão pela qual sua aplicação gera situações jurídicas.
Nesse mesmo sentido as lições de Alfredo Buzaid (in Da ação direta de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958. p. 131. Apud: Declaração de inconstitucionalidade de dispositivo normativo em sede de juízo abstrato e efeitos sobre os atos singulares praticados sob sua égide. RT CDCCP 19:279-307, São Paulo, abr./jun. 1997, p. 289):
“(...) uma lei não pode, a um tempo, ser e deixar de ser válida. As leis inconstitucionais não recebem um tratamento diverso. Porém, até o julgamento pelo tribunal, elas são executórias, embora inválidas. Espósito observou que 'as leis inconstitucionais, até a proclamação da corte, são executórias, mas não obrigatórias; têm eficácia, mas não têm validade'. Lei inconstitucional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula.”
Em razão dessas duas características apontadas – validade e eficácia –, devem-se analisar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle abstrato.
3 Efeitos do controle abstrato de constitucionalidade
No controle abstrato, a declaração de inconstitucionalidade, a par de declarar a nulidade da lei desde o seu nascedouro, não desfaz automaticamente as situações jurídicas criadas em razão da eficácia da lei até a declaração. Isso se dá em razão de que a declaração na ADIn somente afeta o plano normativo, e não o plano normado. No controle abstrato, o ato normativo é inconstitucional (e não o ato normado), trazendo como consequência a necessidade de desconstituição das relações jurídicas estabelecidas no mundo dos fatos, que se dará por meio de ação individual e subjetiva, a fim de gerar efeitos para o caso em exame, atingindo o plano concreto.
Os efeitos ex tunc, portanto, o são no plano normativo. As questões materiais têm que ser desconstituídas pelo processo subjetivo.
Nesse sentido as lições de Clèmerson Merlin Clève (in A fiscalização abstrata da constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 253).
Dessarte, após a declaração da inconstitucionalidade da lei que exigia o tributo, indaga-se:
– Até quando pode o contribuinte ingressar com ação própria para aplicar a declaração de inconstitucionalidade no plano fático?
– A repetição pode se dar ad infinitum ou há um prazo extintivo quanto aos pagamentos efetuados? Todos podem ser repetidos ou somente alguns?
4 Aplicação da prescrição e da decadência no caso de lei inconstitucional
O direito de ação para declarar a inconstitucionalidade de lei é imprescritível, porque, de acordo com o princípio da presunção de constitucionalidade dos atos normativos, não se pode fazer correr contra os administrados prazo prescricional.
Ainda, em se tratando de ação declaratória, sua eficácia, como visto, gera efeitos apenas no plano normativo, uma vez que visa tão somente à defesa da Constituição, não gerando efeitos quanto às situações jurídicas decorrentes da aplicação da lei. Assim, não há razão para vincular-se o direito de exercício dessa ação (de natureza declaratória) a prazo extintivo.
No mesmo sentido, as ponderações de Agnelo Amorim Filho (in Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. RT, a. 86, v. 744, p. 747): “(...) não há qualquer razão para o legislador subordinar as ações declaratórias a prazos extintivos, pois o seu uso, ou não uso, não afeta, direta ou indiretamente, a paz social, uma vez que elas nada criam e nada modificam – apenas declaram a certeza jurídica”.
De fato, as ações puramente declaratórias não contêm um comando executável e, portanto, antes de declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, não corre prazo prescricional.
Situação diversa, bem como diverso o efeito, nos casos de ações propostas após a declaração de inconstitucionalidade, com efeitos erga omnes.
Tendo em vista que, com tal declaração de inconstitucionalidade, a lei é retirada do ordenamento jurídico somente no plano da norma (e não fático) e que, para que se opere a desconstituição em si, há necessidade de um processo subjetivo próprio, para o exercício desse direito de ação deve-se contar o prazo prescricional. Isso significa que, para o exercício do direito de ação que objetive ver desconstituída a situação normada (direito de ver declarada a inconstitucionalidade no plano concreto, em um processo subjetivo, em razão de a anterior declaração de inconstitucionalidade somente operar efeitos no plano abstrato – controle judicial sucessivo), corre o prazo de prescrição.
Há necessidade de se limitar o exercício desse direito de ação no tempo de modo a evitar que se perpetue ad eternum a possibilidade de desconstituição dos efeitos da norma no plano fático. Tal limitação é, até mesmo, uma consequência lógica do fato de que a esta situação não se aplica mais o raciocínio válido para as ações de conteúdo meramente declaratório, pois o provimento jurisdicional terá eficácia constitutiva negativa, e mais, fundamentalmente, decorre do fato de que este exercício não se encontra mais fundado na presunção de constitucionalidade do ato normativo – presunção já afastada pelo controle concreto de constitucionalidade. Insustentável, pois, a imprescritibilidade.
O raciocínio desenvolvido até aqui, contudo, não é aplicável ao instituto da decadência, ao qual é indiferente a existência ou não de declaração de inconstitucionalidade do ato normativo.
O prazo decadencial flui normalmente, antes e depois de declaração de inconstitucionalidade, em obediência ao princípio da segurança jurídica, e tendo em vista que o conteúdo do provimento jurisdicional que gera o direito à repetição não é meramente declaratório. Como visto, trata-se de provimento constitutivo e condenatório – dependendo da situação –, exigindo, assim, a imposição de limitação no tempo quanto à possibilidade de exercício do direito em si.
Do quanto foi exposto, chega-se à conclusão de que, nas ações de repetição com base em lei já declarada inconstitucional, dois são os provimentos:
a) um constitutivo negativo, quanto à inconstitucionalidade da lei; e
b) um constitutivo positivo – que pode ter também eficácia condenatória (no caso de pedido de restituição), ou meramente constitutiva (no caso de pedido de compensação), observado que, neste último caso, o provimento somente constitui o contribuinte em situação jurídica que permite a restituição do valor indevido.
Sublinhe-se que o provimento constitutivo positivo está sujeito à verificação da ocorrência ou não da decadência do direito de pleitear a restituição decorrente do pagamento indevido, no caso originado da inconstitucionalidade.
E, frise-se, o direito de pleitear a restituição não se confunde com o direito de ação.
A possibilidade de constituição de determinada situação jurídica que gere efeitos condenatórios, ou mesmo meramente constitutivos, não pode se protrair no tempo indefinidamente, necessitando-se de um termo para que possa haver definitividade. A indefinitividade e a indeterminabilidade das situações somente se sustentam quando delas não advierem efeitos outros, que não os meramente declaratórios.
É exigência do princípio da segurança jurídica que não se perpetue a situação de incerteza gerada pela declaração de inconstitucionalidade no plano normativo sem a consequente aplicação de tal declaração para desconstituir as situações geradas no plano fático. Não é por outra razão que, diante da declaração de inconstitucionalidade de determinadas leis tributárias, vem o e. Superior Tribunal de Justiça entendendo que a partir da declaração corre prazo prescricional de 5 (cinco) anos, como se vê:
“TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. COMPULSÓRIO/COMBUSTÍVEIS. PRESCRIÇÃO. PRECEDENTES.
1. As ações para restituição do empréstimo compulsório sobre combustíveis prescrevem em cinco anos, contados da data em que foi declarada inconstitucional a exação.
2. Recurso especial conhecido e provido.” (STJ, 2ª Turma, REsp n° 1999/0029804-7/DF, Rel. Ministro Francisco Peçanha Martins, j. em 18.04.2000, DJ 18.09.2000, p. 121)
No mesmo sentido:
“TRIBUTÁRIO. FINSOCIAL. ALTERAÇÃO DE ALÍQUOTAS. INCONSTITUCIONALIDADE. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO.
I – O STJ pacificou o entendimento de que o prazo prescricional tem por termo inicial a data da declaração de inconstitucionalidade da lei em que se fundamentou o gravame. Portanto, como a declaração de inconstitucionalidade das leis que majoraram as alíquotas do Finsocial ocorreu no julgamento do Recurso Extraordinário 150.764-PE, cujo acórdão foi publicado em 02.04.93, portanto há mais de cinco anos do ajuizamento da presente ação, consumou-se a prescrição de todas as parcelas indevidamente pagas com base naquelas leis.
II – Apelação improvida.” (TRF 2ª Região, 2ª Turma, AC n° 2000.02.01.006241-1/DF, Rel. Juiz Cruz Neto, j. em 07.06.2000, DJ 04.07.2000)
Isso se dá por dois motivos. Em primeiro lugar, em homenagem ao princípio da segurança jurídica. Em segundo, porque não se pode mais argumentar com a presunção de constitucionalidade da lei, uma vez que já declarada inconstitucional com efeitos ex tunc e erga omnes. Como dito, a razão da imprescritibilidade apontada para as ações que visem à declaração de constitucionalidade ou inconstitucionalidade não se aplica aos casos em que a lei já foi retirada do plano normativo.
Nesse sentido, o voto proferido pelo Juiz Hugo de Brito Machado, na Apelação Cível 44.403-PE, na Primeira Turma do TRF 5ª Região, na assentada de 14.04.94:
“O direito de pleitear a restituição, perante a autoridade administrativa, de tributo pago em virtude de lei que se tenha por inconstitucional somente nasce com a declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta. Ou com a suspensão, pelo Senado Federal, da lei declarada inconstitucional, na via indireta. Ricardo Lobo Torres ensina: ‘na declaração de inconstitucionalidade da lei, a decadência ocorre depois do trânsito em julgado da decisão do STF proferida em ação direta ou da resolução do Senado que suspendeu a lei com base em decisão proferida incidenter tantum pelo STF’ (Restituição de Tributos, Forense, Rio de Janeiro, 1983, p. 169).
Tinha, é certo, o contribuinte ação para pedir, perante o judiciário, a restituição, tendo como fundamento a inconstitucionalidade do Decreto-Lei 2.288/86, mas, no que concerne a esta, não existe prescrição. A interpretação conjunta dos artigos 168 e 169 do Código Tributário Nacional demonstra que tais dispositivos não se referem a esse tipo de ação. O art. 168 diz respeito ao pedido de restituição formulado perante a autoridade administrativa denegatória do pedido de restituição. Inexiste, portanto, dispositivo legal estabelecendo a prescrição para a ação do contribuinte, para haver tributo cobrado com base em lei que considere inconstitucional.
No caso em que se cuida, portanto, não se extinguiu o direito à repetição do indébito.
Poder-se-á argumentar que as ações em geral, contra a Fazenda Pública, prescrevem em 05 (cinco) anos, por força do disposto no Decreto-Lei 4.597, de 19.08.1942.
Ocorre que a presunção de constitucionalidade das leis não permite que se afirme a existência do direito à restituição do indébito antes de declarada a inconstitucionalidade da lei em que se fundou a cobrança do tributo.
É certo que o contribuinte pode promover a ação de restituição, pedindo que seja incidentalmente declarada a inconstitucionalidade. Tal ação, todavia, é diversa daquela que tem o contribuinte diante da declaração, pelo STF, da inconstitucionalidade da lei em que se fundou a cobrança do tributo. Na primeira, o contribuinte enfrenta, como questão prejudicial, a questão da constitucionalidade. Na segunda, essa questão encontra-se previamente resolvida.
Não é razoável considerar-se que ocorreu inércia do contribuinte que não quis enfrentar a questão da constitucionalidade. Ele aceitou a lei, fundado na presunção de constitucionalidade desta.
Uma vez declarada a inconstitucionalidade, surge, então, para o contribuinte, o direito à repetição, afastada que fica aquela presunção.”
Quanto ao prazo, entendo que decorre da aplicação do Decreto nº 20.910, de 06 de janeiro de 1932, que regula a prescrição quinquenal, determinando em seu artigo 1º:
“Art. 1º – As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.”
O Decreto-Lei nº 4.597, de 18 de agosto de 1942, estendeu sua aplicação às autarquias.
Seria possível sustentar a não aplicação do decreto em face da regulamentação pelo CTN, mas a prescrição aí não é exclusivamente de matéria tributária, referindo-se à prescrição do direito de ação para desconstituição do ato normado, enquadrando-se na expressão “todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, seja qual for a sua natureza”, prescrevendo em 5 (cinco) anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem como, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade com a consequente retirada do ato do plano normativo.
No mesmo sentido:
“CONSTITUCIONAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL.
INCONSTITUCIONALIDADE DA INCIDÊNCIA SOBRE A REMUNERAÇÃO PAGA A ADMINISTRADORES, AUTÔNOMOS E AVULSOS. LEI 7.787/89, ART. 3º, I. LEI 8.212/91, ART. 22, I. DECADÊNCIA E PRESCRIÇÃO NA REPETIÇÃO DO INDÉBITO TRIBUTÁRIO. CTN, ART. 168, I, E DECRETO 20.910/32, ART. 1º. A REPETIÇÃO DO INDÉBITO NOS TRIBUTOS INDIRETOS. DISCIPLINA DA COMPENSAÇÃO NO CTN E NA LEI 8.383, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1991. CTN, ART. 170, E LEI 8.383/91, ART. 66. EXPURGOS INFLACIONÁRIOS. CUSTAS. RESSARCIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: REVISÃO.” (TRF 1ª Região, 4ª Turma, Rel. Juiz Hilton Queiroz, j. em 28.09.2000, DJ 23.11.2000, p. 87)
“DIREITO TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA INSTITUÍDA PELAS LEIS 7.787/89 E 8.212/91. RESTITUIÇÃO. PRESCRIÇÃO.
I – O STJ, ao julgar, dentre outros, o REsp 156.795/SC, pacificou o entendimento de que o prazo prescricional tem por termo inicial a data da declaração de inconstitucionalidade da lei em que se fundamentou o gravame. Portanto, não se consumou a prescrição de nenhuma parcela paga com base na Lei nº 7.787/89, uma vez que os dispositivos que instituíram a contribuição social em questão foram declarados inconstitucionais em 20.05.94, no julgamento do RE nº 166.772-9/RS (Rel. Ministro Marco Aurélio), portanto, há menos de 5 anos do ajuizamento da presente ação.
II – Embargos infringentes providos.” (TRF 2ª Região, 2ª Seção, EIAC 97.02.34905-2/RJ, Rel. para o Acórdão Juiz Cruz Netto, Rel. Juiz Rogério Carvalho, j. em 22.04.1999, DJ 11.07.2000)
Entendo que o que foi explicitado com relação à ADIn, em razão de seus efeitos ex tunc e erga omnes, também se aplica à resolução do Senado que retira a eficácia da lei declarada inconstitucional pelo e. Supremo Tribunal Federal em sede de controle difuso. Apesar de a declaração do Supremo Tribunal Federal, neste caso, gerar efeitos somente inter partes, a retirada da lei do plano normativo, pelo Senado, gera eficácia erga omnes, desconstituindo a presunção de constitucionalidade.
Assim, tanto no caso de declaração de inconstitucionalidade no controle abstrato pelo Supremo Tribunal Federal quanto no caso de resolução do Senado retirando a norma do mundo jurídico, desaparece a razão para a imprescritibilidade do exercício do direito de ação para o fim de desconstituir os atos gerados pela aplicação da lei no plano normado, devendo tal direito submeter-se a prazo prescricional.
A consequência, no plano fático, da declaração de inconstitucionalidade no plano normativo deve ser analisada com detença.
Primeiramente assinale-se a ressalva muito bem observada e analisada por Clèmerson Merlin Clève (in A fiscalização abstrata da constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 257-8) no sentido de que, em se admitindo a inconstitucionalidade superveniente decorrente de alteração jurisprudencial do e. Supremo Tribunal Federal ou de disposição expressa, bem como em se admitindo a possibilidade de que um ato normativo constitucional se transforme em inconstitucional em razão do fenômeno conhecido como “mutação constitucional”, as decisões não produzirão efeitos repristinatórios.
Dessarte, excetuando-se as duas situações retroelencadas, nas quais os efeitos jamais serão repristinatórios, para fins de determinação dos efeitos gerados no caso concreto pela declaração de inconstitucionalidade, a nulidade do ato deve ser entendida com temperança, devendo ser analisada em harmonia com o princípio da segurança jurídica. Em última análise, a eficácia da declaração de inconstitucionalidade, quer no plano abstrato, quer no concreto, deve decorrer de um temperamento entre os princípios da presunção de constitucionalidade das leis, da nulidade do ato inconstitucional e da segurança jurídica.
O primeiro limite à desconstituição de todas as situações jurídicas geradas pela aplicação da lei é o respeito à coisa julgada. Decorrendo o prazo decadencial para a propositura de ação rescisória, a declaração superveniente de inconstitucionalidade não afetará a decisão judicial.
Um segundo limite seria o já apontado prazo prescricional para a ação que vise à desconstituição das situações jurídicas geradas.
Um terceiro limite seria a decadência do próprio direito – e não do exercício do direito de ação –, decorrente da declaração de inconstitucionalidade.
5 Análise de um caso concreto – inconstitucionalidade do artigo 21 da Lei nº 7.787/89 e direito à repetição de valores relativos à competência de setembro de 1989
Passo a analisar um caso específico de reconhecimento de inconstitucionalidade de lei para ponderar a aplicação dos institutos da prescrição e da decadência.
Trata-se do artigo 21 da Lei nº 7.787/89, em relação ao qual há tão somente decisão do e. STF em sede de Recurso Extraordinário, não tendo sido declarada em sede de ADIn a sua inconstitucionalidade, por inobservância do prazo nonagesimal previsto no artigo 195 da Constituição.
Não há que se falar, portanto, em prescrição do direito ao provimento meramente declaratório da inconstitucionalidade no plano fático, observado que sequer houve declaração de inconstitucionalidade no plano normativo com efeitos erga omnes.
Assim, resta claro que o direito de exercer o direito de ação com o fim de ver declarada no plano fático a inconstitucionalidade apontada não se confunde com o direito a reaver o pagamento indevido.
Contudo, o direito à repetição dos valores pagos a maior na referida competência (setembro de 1989) está sujeito a prazo decadencial, nos termos estabelecidos pelo Código Tributário Nacional.
Portanto, ainda que não incida o prazo prescricional para a declaração da apontada inconstitucionalidade, o direito à repetição, quer utilizando-se a denominação de decadência, quer de prescrição, encontra-se fulminado pelo decurso do prazo de 5 (cinco) anos contados da extinção (ou 10 anos contados do pagamento, nos casos de tributos sujeitos a lançamento por homologação). Isso porque uma coisa é o decurso de prazo para propor a ação de declaração de inconstitucionalidade ou de desconstituição dos efeitos da lei no plano normado, outra coisa é o decurso de prazo para pleitear a restituição, este atingido pela decadência.
Ressalte-se, novamente, que a distinção acima encontra fundamento na diversidade de fatos geradores dos direitos em análise: um é o pagamento indevido; o outro, a declaração de inconstitucionalidade.
O fato gerador do direito à repetição continua a ser o pagamento indevido, ou a extinção do crédito tributário.
A declaração de inconstitucionalidade não altera o momento em que surge o direito à repetição (que continua a ser o pagamento indevido – ou extinção), mas tão somente o momento em que surge o direito de ação, que anteriormente era o pagamento indevido ou a negativa da administração, e agora passa a ser a declaração de inconstitucionalidade. Isso se dá em razão de que, a partir da declaração, a lei eivada de inconstitucionalidade é retirada do plano normativo (e não fático – o que somente ocorrerá com a ação própria gerando efeitos concretos, em um processo de partes – subjetivo).
Poder-se-ia sustentar que o limite imposto pela decadência geraria enriquecimento ilícito em razão da declaração de inconstitucionalidade. Porém, tal entendimento não merece prosperar. O enriquecimento ilícito, advindo de declaração de inconstitucionalidade ou de outras nulidades, não dá ensejo a ações imprescritíveis (uma vez que não são puramente declaratórias), nem constitui direito exercitável a qualquer tempo, sem a incidência de termos extintivos – como a prescrição e a decadência. Até mesmo o enriquecimento ilícito encontra limite na necessidade de definição das situações jurídicas. O princípio da segurança jurídica exige a limitação no tempo, muitas vezes às custas da ineficácia no mundo fático de direitos reconhecidos juridicamente.
No mesmo sentido as lições de Clèmerson Merlin Clève (in Declaração de inconstitucionalidade de dispositivo normativo em sede de juízo abstrato e efeitos sobre os atos singulares praticados sob sua égide. RT CDCCP 19:279-307, São Paulo, abr./jun. 1997, p. 290):
“É evidente que o fato de a sentença judicial implicar a nulidade ab initio da normativa impugnada favorece a emergência de não poucos problemas. Inexistindo prazo para a pronúncia da nulidade – já que a arguição de inconstitucionalidade é imprescritível no Brasil –, considere-se o caso de uma lei cuja ilegitimidade foi reconhecida após o decurso de longo lapso temporal, tendo inclusive prestigiado a consolidação de um sem-número de situações jurídicas. É induvidoso que nesses casos o dogma da nulidade absoluta deve sofrer certa dose de temperamento, sob pena de dar lugar à injustiça e à violação do princípio da segurança jurídica.”
A declaração de inconstitucionalidade com efeitos erga omnes e a consequente declaração de nulidade do ato gera o início da contagem de prazo extintivo (antes inexistente) somente em relação ao necessário conteúdo constitutivo a ser determinado no plano fático em razão da declaração de inconstitucionalidade e não reabre a contagem em relação ao direito de repetição, o qual já pode ter sido atingido por prazo extintivo.
Então, eventual declaração de inconstitucionalidade, in casu, não gerará novo prazo com relação à repetição em si, a qual já se encontra atingida por prazo extintivo.
Depreende-se, portanto, que há situações nas quais, não obstante haja direito à propositura da ação judicial sujeita a prazo prescricional, não há mais lugar à repetição, uma vez que foi atingido o termo final do prazo decadencial. Em outras situações, haverá direito a repetição no plano fático, o qual, no entanto, não poderá ser exercido judicialmente, uma vez que terá sido atingido pelo termo final do prazo prescricional.
No mesmo sentido, submetendo a repetição de tributo indevido com base em lei declarada inconstitucional aos prazos de prescrição e decadência:
“TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. ART. 3º, I, DA LEI Nº 7.787/89 E ART. 22, I, DA LEI Nº 8.212/91. AUTÔNOMOS, EMPREGADORES E AVULSOS. COMPENSAÇÃO. PRESCRIÇÃO. DECADÊNCIA. TERMO INICIAL DO PRAZO. IMPOSSIBILIDADE DE LIMITAÇÃO (LEIS Nos 8.212/91, 9.032/95 E 9.129/95). TRANSFERÊNCIA DE ENCARGO FINANCEIRO. ART. 166 DO CTN. JUROS DE MORA. TAXA SELIC.
1. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento de que, por ser sujeito a lançamento por homologação o empréstimo compulsório sobre combustíveis, seu prazo decadencial só se inicia quando decorridos 05 (cinco) anos da ocorrência do fato gerador, acrescidos de 05 (cinco) anos, a contar-se da homologação tácita do lançamento. Já o prazo prescricional inicia-se a partir da data em que foi declarada a inconstitucionalidade do diploma legal em que se fundou a citada exação. Estando o tributo em apreço sujeito a lançamento por homologação, há que serem aplicadas a decadência e a prescrição nos moldes acima delineados.
2. Da mesma forma, a referida Seção desta Corte, em sede de embargos de divergência, pacificou o entendimento para acolher a tese de que o art. 66 da Lei nº 8.383/91, em sua interpretação sistêmica, autoriza ao contribuinte efetuar, via autolançamento, compensação de tributos pagos cuja exigência foi indevida ou inconstitucional.
(...)” (STJ, 1ª Turma, REsp n° 1999/0002029-4/SP, Rel. Ministro José Delgado, j. em 16.11.99, DJ 08.03.00, p. 54)
“TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TAXA DE LICENCIAMENTO DE IMPORTAÇÃO. TAXA CACEX. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. A CONTAGEM DO LAPSO PRESCRICIONAL DE CINCO ANOS SÓ SE INICIA COM A DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DA EXAÇÃO. PRECEDENTES DAS CORTES SUPERIORES. JULGAMENTO QUE RECONHECE A EXISTÊNCIA DO DIREITO, EMBORA ACOLHA A PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO.
IMPOSIÇÃO DE MULTA PROCESSUAL. EMBARGOS DECLARATÓRIOS COM INTUITO PROCRASTINATÓRIO. PENALIDADE GRAVE QUE DEMANDA SER MANIFESTO O INTUITO DE RETARDAR O PROCESSAMENTO DO FEITO. COIBIÇÃO DE ABUSO QUE BEIRE A MÁ-FÉ PROCESSUAL. INOCORRÊNCIA NA HIPÓTESE. RELEVAÇÃO DA PENALIDADE. APELO PROVIDO.” (TRF 2ª Região, 4ª Turma, AC n° 2000.02.01.006618-0/RJ, Rel. Juiz Rogério Carvalho, j. em 24.05.2000, DJ 26.09.2000, p. 209-225)
O entendimento segundo o qual o prazo decadencial em relação aos tributos sujeitos a lançamento por homologação seria de 10 anos decorre do fato de o termo inicial do prazo decadencial coincidir com a data da extinção do crédito tributário. Portanto, em sendo o tributo sujeito a lançamento por homologação, a extinção do crédito tributário respectivo somente se dá com o pagamento antecipado e a consequente homologação, nos termos do artigo 156, VII, do Código Tributário Nacional. A homologação do lançamento, por sua vez, pode ser expressa ou tácita, configurando-se esta última pela inércia da autoridade administrativa no prazo de cinco anos a contar da ocorrência do fato gerador (art. 150, § 4º, do CTN). Logo, para os tributos sujeitos a lançamento por homologação, o prazo decadencial para a restituição ou compensação tem seu termo inicial, no caso da homologação tácita – que é a regra –, somente cinco anos após a ocorrência do fato gerador, somados mais 5 anos da homologação tácita. Resulta daí um prazo total de dez anos, a contar do fato gerador, dentro do qual é possível a repetição.
A se entender pela inexistência de prazo extintivo, se perpetuaria a possibilidade de repetição para trás ad infinitum – tendo em vista a imprescritibilidade das ações que visem à declaração de inconstitucionalidade –, ofendendo-se frontalmente os princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações, atingindo situações definitivamente constituídas e, nesse caso, atingindo créditos extintos pela decadência.
Entender de outra forma seria admitir a situação inusitada de, por exemplo, uma lei instituidora de determinado tributo vir a ser declarada inconstitucional 40 anos depois (tendo em vista a imprescritibilidade desta ação), permitindo-se que todos os contribuintes tenham direito à repetição dos valores pagos nesse período de 40 anos, sem qualquer limitação.
Entendo, portanto, que melhor se coaduna com nosso ordenamento jurídico – de modo a equilibrar a imprescritibilidade do direito de propor ação visando à declaração de inconstitucionalidade de lei – que ao menos a decadência do direito em si, decorrente da aplicação da lei inconstitucional, seja mantida.
Em se tratando de obrigações de trato sucessivo, como é o caso da maioria dos tributos, a situação ainda se reveste de um caráter peculiar.
Clèmerson Merlin Clève, no artigo citado (p. 293), quando trata da desconstituição das situações jurídicas consolidadas sob a égide da lei inconstitucional, pondera que,
“(...) se é certo, ademais, que a declaração de inconstitucionalidade torna, em princípio, ilegítimos todos os atos praticados sob o manto da lei inconstitucional, não é menos certo que há outros valores e preceitos constitucionais, aliás residentes na mesma posição hierárquica que o princípio constitucional implícito da nulidade das normas inconstitucionais, que exigem cumprimento e observância no juízo concreto. É dizer, não é possível aplicar-se um princípio constitucional a qualquer custo.”
Segue citando Ronaldo Poletti (Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 119 apud Declaração de inconstitucionalidade de dispositivo normativo em sede de juízo abstrato e efeitos sobre os atos singulares praticados sob sua égide. RT CDCCP 19:279-307, São Paulo, abr./jun. 1997, p. 293):
“As eventuais situações de fato geradas pelos efeitos práticos indevidos, emanados da lei inconstitucional antes da declaração judicial da inconstitucionalidade, devem ser resolvidas sem prejuízo da dogmática do controle da constitucionalidade. O fundamento para essa solução há de estar na própria ordem jurídica, a qual está, teoricamente, apta a resolver todos os casos, ainda que nela não explicitados. Assim é que há categorias jurídicas a aplicar àquelas situações, como a imperatividade da justiça, a certeza do direito provocada pela lei (não obstante inconstitucional), a segurança das relações jurídicas, a paz social etc. Tais categorias devem ser utilizadas, e certamente acontece, pelos Tribunais na solução dos casos concretos em que a nulidade da lei possa gerar prejuízos à boa distribuição da justiça.”
E conclui que, talvez por essa razão, os Estados Unidos – que, como o Brasil, admitem o controle judicial sucessivo –, em determinadas situações, admitam que a declaração de inconstitucionalidade somente gere efeitos para o futuro, citando como exemplo o fato de a Suprema Corte americana não determinar a devolução de impostos já pagos. Cita, ainda, o entendimento de Garcia de Enterría no sentido de que, entre as razões para tanto, estaria o fato de os contribuintes já terem recebido os benefícios dos gastos públicos financiados com o dinheiro do imposto e a consequente desorganização das finanças governamentais.
Da mesma forma, a Lei nº 9.868, de 10 de novembro de 1999, que dispõe sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade, prevê, em seu artigo 27, a possibilidade de o Supremo Tribunal Federal restringir os efeitos da declaração ou determinar o momento a partir do qual a declaração terá eficácia:
“Art 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.”
A situação de incerteza gerada pela possibilidade de imprescritibilidade ad perpetum dos direitos (e não do direito de ação à declaração) acabaria por destruir a categoria dos direitos adquiridos e do ato jurídico perfeito, consagrada, aliás, constitucionalmente. Tais institutos somente restam definitivamente consolidados após decorridos os prazos extintivos definidos como prescrição e decadência, conforme o caso. Afastar definitivamente a aplicação de tais institutos implicaria extirpar da ordem jurídica o direito adquirido e o ato jurídico perfeito. Em última análise, a decadência e a prescrição não podem ser afastadas quando da apreciação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade no caso concreto.
No mesmo sentido, o entendimento de Eurico Marcos Diniz de Santi (in Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 275):
“(...) se a decadência e a prescrição perdessem o seu efeito operante diante do controle direto de constitucionalidade, então todos os direitos subjetivos tornar-se-iam imprescritíveis.
A decadência e a prescrição rompem o processo de positivação do direito, determinando a imutabilidade dos direitos subjetivos protegidos pelos seus efeitos, estabilizando as relações jurídicas, independentemente de ulterior controle de constitucionalidade da lei.”
Conclusão
O direito de pleitear crédito tributário pago indevidamente está sujeito a prazo decadencial na esfera administrativa, estando sujeito a prazo prescricional quando o direito a repetir for lesado.
Deve ser diferenciada a repetição de pagamento indevido, realizada administrativamente nas hipóteses elencadas no artigo 165 do CTN, do direito à repetição decorrente de tributo cobrado com fundamento em lei inconstitucional, que depende da declaração de inconstitucionalidade para que possa ser exercido.
Nos casos de tributo cobrado com base em lei inconstitucional, o prazo extintivo se submeterá aos institutos da prescrição e da decadência, dependendo do tipo de controle de constitucionalidade exercido, ou melhor, do tipo de ação judicial proposta, não estando as cobranças derivadas de lei inconstitucional submetidas somente ao disposto nos artigos 165, inciso I, e 168, inciso I, do CTN.
Nos casos de ação de repetição com pedido de declaração incidental de inconstitucionalidade, tanto o direito em si como o direito de ação para exigir a repetição surgem em um mesmo momento, qual seja, com a extinção do crédito indevido, tendo a ação tanto eficácia declaratória da inconstitucionalidade como constitutiva ou condenatória com relação ao pedido de repetição. Nos casos de ação de repetição com base em lei já declarada inconstitucional pelo STF, a sentença será constitutiva negativa quanto à aplicação da declaração de inconstitucionalidade ao caso concreto e condenatória ou constitutiva em relação ao pedido de repetição (via compensação ou restituição), de modo que o direito em si surgiria com a extinção do débito, mas o direito de ação para aplicação dos efeitos no plano concreto surgiria somente com a declaração de inconstitucionalidade pelo STF.
No plano de controle abstrato, a declaração da inconstitucionalidade afeta o plano normativo, e não o plano normado, de modo que há necessidade de desconstituição das relações jurídicas estabelecidas no mundo dos fatos, por meio de ação individual e subjetiva, a fim de gerar efeitos para o caso em exame, atingindo o plano concreto. Os efeitos ex tunc o são, portanto, somente no plano normativo.
A nulidade, enquanto efeito gerado no caso concreto pela declaração de inconstitucionalidade, deve ser analisada em harmonia com o princípio da segurança jurídica, de modo que a eficácia da declaração de inconstitucionalidade, quer no plano abstrato, quer no concreto, deve decorrer de um temperamento entre os princípios da presunção de constitucionalidade das leis, da nulidade do ato inconstitucional e da segurança jurídica. Para tanto, devem ser observados três limites à desconstituição de todas as situações jurídicas geradas pela aplicação da lei: respeito à coisa julgada (decorrendo o prazo para a propositura de ação rescisória, a declaração superveniente de inconstitucionalidade não afetará a decisão judicial), prescrição do direito de ação (nada obstante a imprescritibilidade da ação para declarar a inconstitucionalidade de lei, após a declaração de inconstitucionalidade no controle abstrato pelo Supremo Tribunal Federal ou no caso de resolução do Senado retirando a norma do mundo jurídico, o exercício do direito de ação para o fim de desconstituir os atos gerados pela aplicação da lei no plano normado está sujeito a prazo prescricional) e decadência do próprio direito.
Conclui-se, portanto, que a declaração de inconstitucionalidade não altera o momento em que surge o direito à repetição (que continua a ser o pagamento indevido – ou extinção), mas tão somente o momento em que surge o direito de ação, que anteriormente era o pagamento indevido ou a negativa da administração, e agora passa a ser a declaração de inconstitucionalidade, com a retirada da lei do plano normativo (e não fático, o que somente ocorrerá com a ação própria gerando efeitos concretos, em um processo de partes – subjetivo). A declaração tão somente gera o início da contagem de prazo extintivo (antes inexistente) em relação ao necessário conteúdo constitutivo a ser determinado no plano fático em razão da declaração de inconstitucionalidade e não reabre a contagem em relação ao direito de repetição, o qual já pode ter sido atingido por prazo extintivo.
A se entender pela inexistência de prazo extintivo, se perpetuaria a possibilidade de repetição para trás ad infinitum – tendo em vista a imprescritibilidade das ações que visem à declaração de inconstitucionalidade –, ofendendo-se frontalmente os princípios da segurança jurídica e da estabilidade das relações, atingindo situações definitivamente constituídas e, nesse caso, atingindo créditos extintos pela decadência.
O direito à repetição não é exercitável a qualquer tempo, ainda mais considerando que o direito de ação para a declaração de inconstitucionalidade no plano concreto estava disponível ao contribuinte. Até mesmo o enriquecimento ilícito encontra limite na necessidade de definição das situações jurídicas. O princípio da segurança jurídica exige a limitação no tempo, muitas vezes às custas da ineficácia no mundo fático de direitos reconhecidos juridicamente.
Por todo o exposto, o que melhor se coaduna com nosso ordenamento jurídico – de modo a equilibrar a imprescritibilidade do direito de propor ação visando à declaração de inconstitucionalidade de lei – é que ao menos a decadência do direito em si, decorrente da aplicação da lei inconstitucional, seja mantida.
De fato, ainda que se deixe de considerar a questão financeira em si, no tocante a gasto público, equilíbrio financeiro, utilização, em tese, dos benefícios do tributo pago por parte do contribuinte, etc., mesmo sob o aspecto meramente jurídico se faz necessária a limitação temporal.
A situação de incerteza gerada pela possibilidade de imprescritibilidade ad perpetum dos direitos (e não do direito de ação à declaração) acabaria por destruir a categoria dos direitos adquiridos e do ato jurídico perfeito, consagrada, aliás, constitucionalmente. Tais institutos somente restam definitivamente consolidados após decorridos os prazos extintivos definidos como prescrição e decadência, conforme o caso. Afastar definitivamente a aplicação de tais institutos implicaria extirpar da ordem jurídica o direito adquirido e o ato jurídico perfeito.
Referências bibliográficas
AMORIM FILHO, Agnelo. Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis. São Paulo: RT, 1986.
BUZAID, Alfredo. Da ação direta de inconstitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958.
CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.
______. Declaração de inconstitucionalidade de dispositivo normativo em sede de juízo abstrato e efeitos sobre os atos singulares praticados sob sua égide. RT CDCCP 19:279-307, São Paulo, abr./jun. 1997.
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Decadência e prescrição no direito tributário. São Paulo: Max Limonad, 2000.
POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. Rio de Janeiro: Forense, 1985.
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