|
||
publicado em 30.10.2013
|
||
Palavras-chave: Meio ambiente. Desenvolvimento sustentável. Obras públicas. Controle judicial. Sumário: Introdução. 1 Desenvolvimento socioeconômico e tutela do meio ambiente. 1.1 A atuação do Estado para a promoção do desenvolvimento econômico. 1.2 Planos de desenvolvimento do Governo Federal. 1.3 Programa de Aceleração do Crescimento. 1.4 O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental. 1.5 Vinculação do Poder Público na defesa do meio ambiente. 1.6 Desenvolvimento sustentável. 2 Controle judicial dos atos administrativos e tutela do meio ambiente. 2.1 Controle judicial da Administração Pública. 2.2 Aplicabilidade e eficácias das normas ambientais constitucionais. 2.3 Concretização do desenvolvimento sustentável pelo Judiciário. 2.4 Controle judicial da sustentabilidade das obras públicas. Introdução Ademais, não raras vezes, o desejável planejamento de longo prazo é suplantado por interesses políticos de curto prazo, com consequente abandono ou menoscabo de etapas essenciais para o licenciamento ambiental de muitas obras. A falta de publicidade e de participação das pessoas, comunidades e entidades interessadas surge como resultado da pressa e do desprezo aos procedimentos legais, o que potencializa a multiplicação de conflitos. Neste trabalho, reitero a inafastabilidade do controle judicial das obras públicas sob a ótica ambiental, para que a promoção do desenvolvimento socioeconômico pelo Estado se faça sem olvidar o direito fundamental ao meio ambiente equilibrado. Somente um Poder Judiciário imparcial e independente poderá resguardar, de forma derradeira, que o planejamento e a execução dos empreendimentos públicos não se desviem da lei, dos princípios e dos direitos fundamentais ambientais. 1 Desenvolvimento socioeconômico e tutela do meio ambiente Até o começo do século XX, a sociedade ocidental, ainda inspirada nos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade da Revolução Francesa, nas conquistas da Revolução Industrial e da Era da Ciência, bem assim nos ideais do capitalismo liberal, era refratária à intervenção do Estado na economia. Como afirmado por Adam Smith na sua obra clássica A riqueza das nações, editada em pleno século XVIII, os agentes econômicos, buscando satisfazer seus interesses individuais, espontaneamente organizam a economia capitalista de forma eficiente. Assim, seriam guiados por uma mão invisível, correspondente ao conjunto de forças individuais operando na mais pura concorrência para satisfazer aos desejos individuais.(1) Naquele período, ao Estado era atribuída, fundamentalmente, a função de produção do direito e da segurança, e eventual intervenção na economia era realizada no interesse do capital.(2) Contudo, ainda na primeira metade do século passado, sobretudo em face da crise econômica de 1929, constatou-se que o liberalismo puro era prejudicial ao próprio regime capitalista. Em um mundo cuja competitividade não encontra limites, em que a formação de monopólios suprime a livre concorrência e a superioridade do capital menospreza direitos sociais, o Poder Público foi movido a intervir na economia, não só para preservar o regime concorrencial, mas também outros valores humanos imateriais, individuais e coletivos, que ficavam reduzidos ou mesmo excluídos do livre jogo empreendido pelos detentores do poder econômico. O legado de John Maynard Keynes, em sua obra A teoria geral do emprego, do juro e da moeda, publicada em 1936, durante o crash do século passado, consistiu na ideia de que o Estado é capaz de arbitrar a concorrência e controlar as variáveis econômicas mais relevantes. Aquele economista britânico defendeu, assim, um Estado forte, capaz de dirigir a economia capitalista.(3) A inviabilidade do capitalismo liberal leva o Estado a assumir o papel de regulador da economia, até porque a própria constituição do modo de produção capitalista dependeu da ação estatal para florescer. Com a finalidade de colocar ordem na desordem gerada pelo liberalismo radical, ou para mitigar os efeitos nefastos do supercapitalism de Robert B. Reich,(4) que se afasta da verdadeira democracia, é que ao Poder Público foi reconhecido um novo papel: de regulador da economia e implementador de políticas públicas.(5) Nas palavras de José Afonso da Silva, a atual ordem econômica revela o compromisso entre o Estado liberal e o Estado social intervencionista. De um lado, a restrição dos fins estatais, com a finalidade de proteger o indivíduo contra abusos do poder; de outro, a mitigação das injustiças sociais que se desenvolveram à sombra do liberalismo.(6) Foi nesse panorama que as constituições nacionais acolheram em seus textos capítulos sobre a ordem econômica e social,(7) a qual passa a instrumentar a implementação de políticas públicas. Vale dizer, a ordem econômica liberal é substituída pela ordem econômica intervencionista.(8) A Constituição, pois, deixa de ser meramente estatutária, para não mais se limitar em retratar ou receber uma determinada ordem econômica praticada no mundo real. Apresenta-se agora uma Constituição diretiva, dirigente ou programática, na dicção de Eros Roberto Grau, que não se contenta em conceber-se como mero instrumento de governo, mas enuncia diretrizes, programas e fins a serem realizados pelo Estado e pela sociedade.(9) Porém, a simples definição de diretrizes, programas e fins ao Estado revelou-se insuficiente para, efetivamente, concretizar uma transformação na realidade socioeconômica. Não se nega a importância das normas programáticas que consubstanciam direitos econômicos e sociais, bem como a tese no sentido de que essas normas também são dotadas de eficácia e aptas a gerar algum efeito jurídico.(10) Essa consagração, no entanto, não basta para provocar alterações sensíveis no mundo real. Afigurou-se essencial alcançar algo mais que a mera declaração de direitos, ou mesmo a previsão de sua aplicabilidade e eficácia. Assim, a exigência de resultados concretos e efetivos, é dizer, uma atuação do Estado apta a realizar os objetivos previamente traçados, compõe um novo horizonte em busca do desenvolvimento socioeconômico. O Estado tem o dever de racionalizar suas atividades, de planejar e executar as políticas econômicas determinadas pela Constituição, o que, aliás, é indispensável para alcançar metas de cunho social. Não é por outro motivo que a Constituição Federal, no art. 174, determina que o Estado, como agente normativo e regulador, exercerá funções de incentivo e planejamento da economia, sendo que o planejamento, embora indicativo para o setor privado, é determinante para o setor público. Da pena de Diogo de Figueiredo Moreira Neto extraio a seguinte passagem: “Ora, se é dever constitucional do Estado atingir resultados que concorram efetivamente para o atendimento daqueles objetivos governamentais, torna-se igualmente certo, com vistas à satisfação desse dever no quadro do neoconstitucionalismo, que aos governos não é dado se omitirem, nem tergiversarem, nem falharem no desempenho das atividades de planejamento e de execução de políticas públicas referidas a tais objetivos.”(11) A Constituição Federal, em diversos dispositivos, determina ao Poder Público perseguir o desenvolvimento socioeconômico do País,(12) sendo que garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais, bem como promover o bem de todos, constituem objetivos fundamentais da República (CF, art. 3º). A consecução de resultados socioeconômicos concretos, mediante o adequado planejamento e execução das políticas públicas pertinentes, é que constitui, doravante, a pauta de responsabilidades dos agentes públicos. É mister, dessa forma, fazer referência à importância do planejamento para o desenvolvimento econômico e a como esse instrumento foi empregado no Brasil nos últimos anos. 1.2 Planos de desenvolvimento do Governo Federal Nos primeiros anos do século XX, eram poucas as atividades planejadas pelo Estado brasileiro, que adotava uma política de não intervenção na economia interna, na linha da concepção liberalista então vigente. Em janeiro de 1939, houve a primeira tentativa de planejamento da economia, com o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional, considerado marco inicial do planejamento no Brasil. Foi a primeira tentativa de alocação de recursos visando a atingir fins específicos. Tinha como objetivos principais a criação de indústrias básicas, a execução de obras públicas consideradas indispensáveis e o aparelhamento da defesa nacional. Nos anos seguintes, diversos programas foram criados pelo Poder Público federal, com a finalidade principal de estimular o desenvolvimento socioeconômico brasileiro, como o Plano de Obras e Equipamentos, de 1944 a 1948, o Plano Salte, de 1950 a 1954, o Plano de Metas, de 1956 a 1961, e o Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social, de 1963 a 1965. Na época da ditadura militar, período coincidente com o “milagre econômico brasileiro”, foram criados o Programa de Ação Econômica do Governo, de 1964 a 1966, o Programa Estratégico de Desenvolvimento, de 1967 a 1970, e o 1º, 2º e 3º Plano Nacional de Desenvolvimento, na década de 1970. Os anos 80 foram marcados por profundas crises econômica, política e social, que levaram à sua caracterização como a “década perdida”. Na década seguinte, com a melhoria das condições econômicas e a estabilização da moeda, foi lançado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso o programa Brasil em Ação, em agosto de 1996, cujo objetivo era listar, agregar e gerenciar um pacote de ações e obras do Governo Federal em parceria com estados, municípios e empresas privadas. Esse plano foi posteriormente substituído pelo Avança Brasil, de 2000 a 2003, considerado um embrião do atual PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, iniciado no governo Lula.(13) Não é de hoje, portanto, a prática da Administração Pública brasileira em estabelecer planos e metas para incentivar o desenvolvimento econômico do País, por meio de diversas medidas, dentre as quais a construção de obras públicas de grande porte. Normalmente, referidos planos coincidem com o plano plurianual, definido em lei, que, por força da atual Carta Política, “estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada” (CF, art. 165, § 1º). A elaboração do planejamento é hoje imposta pela Constituição Federal, imperativo para o Poder Público (CF, art. 174), consistindo em valioso instrumento para racionalizar a intervenção do Estado no domínio econômico, mediante estabelecimento de metas de longo prazo, compatibilização de planos nacionais, regionais e setoriais e, em consonância com a economia política contemporânea, atuando como importante mecanismo para direcionar a conduta dos agentes públicos e exigir a realização concreta dos resultados previamente indicados. Na precisa lição de José Afonso da Silva: “Planejamento é um processo técnico instrumentado para transformar a realidade existente no sentido de objetivos previamente estabelecidos. O planejamento econômico consiste, assim, em um processo de intervenção estatal no domínio econômico com o fim de organizar atividades econômicas para obter resultados previamente colimados. (...) O planejamento é, assim, um instrumento de racionalização do Estado no domínio econômico (...).”(14) Está em vigor, atualmente, o amplamente divulgado PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, do Governo Federal, ao qual dedico algumas considerações no próximo capítulo. 1.3 Programa de Aceleração do Crescimento O PAC, conforme estabelece seu decreto instituidor, constitui-se “de medidas de estímulo ao investimento privado, ampliação dos investimentos públicos em infraestrutura e voltadas à melhoria da qualidade do gasto público e ao controle da expansão dos gastos correntes no âmbito da Administração Pública Federal” (art. 1º do Dec. 6.025, de 22.01.2007). Em razão da impressionante quantidade de recursos a ser desembolsada, bem como da variedade de portentosos empreendimentos, com intensos impactos sociais, econômicos e ambientais, era de se esperar que o planejamento e a execução de inúmeras obras resultariam em diversos conflitos e, consequentemente, atrairiam maior atenção dos órgãos de controle. Ressalto, em um primeiro momento, que a elaboração do PAC harmoniza-se com a previsão constitucional que determina aos agentes públicos o planejamento da intervenção do Estado na economia. As atividades previstas no PAC revestem-se de importância ímpar para o crescimento econômico do País, com inegáveis efeitos positivos na geração de renda e de emprego e no incremento de investimentos em geral, sendo que algumas ações se destacam em termos de capacidade de alavancagem do crescimento econômico, destinadas ao fortalecimento da infraestrutura. As principais ações integrantes do programa referem-se à construção e à manutenção de rodovias, ao aumento da malha ferroviária, à dragagem, à construção e à ampliação de portos e a investimentos em energia, petróleo e gás e na marinha mercante.(16) Por outro lado, a complexidade e a variedade das obras geram dificuldades no cumprimento dos prazos e oportunizam o cometimento de irregularidades. O próprio TCU, por exemplo, já identificou inconsistências na apuração da execução das ações do PAC e atraso na realização de algumas obras. Ademais, a Corte de Contas constatou inúmeras irregularidades na fiscalização de obras, principalmente casos de sobrepreço ou superfaturamento.(17) Outrossim, há quem diga que as obras do PAC podem ser utilizadas com objetivos eleitoreiros, a distorcer a necessidade, a importância, o vulto, a forma de execução e a celeridade das mesmas.(18) Aliás, a pretensão de imprimir maior flexibilidade e velocidade na execução dessas ações recebeu um reforço legislativo: a Lei nº 12.688/12 acrescentou o inc. IV ao art. 1º da Lei nº 12.462/11 e, assim, incluiu as ações integrantes do PAC no regime diferenciado de contratações públicas, inicialmente estabelecido para licitações e contratos necessários à realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016, da Copa das Confederações de 2013 e da Copa do Mundo de Futebol de 2014. Além disso, consoante será adiante analisado, a construção de obras de grande porte, incluídas no programa desenvolvimentista em questão, em que pese a sua manifesta necessidade e importância para o crescimento econômico do País, tem gerado inúmeros conflitos sociais, culturais e ambientais, que carecem de solução definitiva, de competência, no nosso ordenamento jurídico, do Poder Judiciário. Antes de refletir a respeito do papel do Judiciário na solução dos litígios decorrentes dessas obras públicas, revela-se essencial escrever algumas linhas sobre a posição do meio ambiente no constitucionalismo contemporâneo, sua vinculação com o princípio da dignidade humana e a obrigatoriedade de sua proteção pelo Estado e pela sociedade. 1.4 O Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental Na lição de Fensterseifer e Sarlet, é possível verificar uma lógica evolutiva e cumulativa nas dimensões da dignidade da pessoa humana, cuja proteção é implementada de acordo com cada etapa histórica: inicialmente, os direitos liberais e sociais formatavam o conteúdo da dignidade humana; hoje, é complementado pelos direitos de solidariedade, que ampliam o âmbito de proteção. É dizer, percebe-se uma nova dimensão ecológica para a dignidade humana.(19) Desse modo, nas últimas décadas, especialmente em meados dos anos 70, várias constituições consagraram o direito a um meio ambiente equilibrado ou saudável como direito humano e fundamental.(20) No Brasil, a fundamentalidade desse direito, apesar de não constar no catálogo do art. 5º da Constituição Federal, está assegurada pela cláusula de abertura do § 2º.(21) Ao lado dos direitos fundamentais de primeira e segunda gerações – aqueles, relacionados aos direitos de defesa, individuais, em que se exigia uma abstenção do Estado, típicos do liberalismo; estes, de aspecto prestacional e social, a reclamar uma atuação positiva do Poder Público –, são reconhecidos hodiernamente os direitos de terceira geração, também denominados direitos de fraternidade ou de solidariedade, que, nas palavras de Sarlet, se distinguem pelo fato de se desprenderem, em princípio, da figura do homem-indivíduo como seu titular, destinando-se à proteção de grupos humanos (família, povo, nação) e caracterizando-se, consequentemente, como direitos de titularidade coletiva ou difusa.(22) 1.5 Vinculação do Poder Público na defesa do meio ambiente Essa previsão constitucional retrata a intervenção estatal obrigatória na defesa do meio ambiente, que deriva da natureza indisponível do meio ambiente e de sua qualificação jurídica como bem de uso comum do povo (Lei nº 6.938/81, art. 2˚, inc. I; CF, art. 225).(24) Milaré considera como princípios(25) ambientais a natureza pública da proteção ambiental, que mantém relação com a primazia e a indisponibilidade do interesse público, e o controle do poluidor pelo Poder Público, que resulta das intervenções necessárias à manutenção, à preservação e à restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente.(26) Igualmente, assim ficou estabelecido no item 17 da Declaração de Estocolmo de 1972: “Deve ser confiada às instituições nacionais competentes a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente”. Disso se infere, como ressaltam Cappelli, Marchesan e Steigleder, a imposição de o Poder Público atuar na defesa do meio ambiente em todas as suas esferas e instâncias, na feição compulsória da proteção estatal ambiental e na possibilidade de se exigir do Estado o efetivo exercício das suas competências ambientais.(27) Cumpre referir que a sustentabilidade das licitações e contratações públicas, a implicar, evidentemente, a sustentabilidade das obras públicas, foi positivada pela Lei nº 12.349/10, que alterou o art. 3º da Lei nº 8.666/93, para prever que a licitação destina-se não apenas a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia e a seleção da proposta mais vantajosa para a administração, como também a promoção do desenvolvimento nacional sustentável. 1.6 Desenvolvimento sustentável Esse fato nos remete ao princípio do direito ao desenvolvimento sustentável, segundo o qual a proteção do meio ambiente deve ser considerada parte integrante do processo de desenvolvimento.(28) O processo de industrialização e de modernização gerou consequências drásticas e ameaçadoras para a vida humana, uma moderna sociedade de risco, como refere Beck.(29) Esses riscos, gerados pelo desenvolvimento da civilização, afetam sobremaneira a qualidade ambiental e a própria sobrevivência da espécie humana. A espécie humana corre mesmo real perigo, parafraseando Juarez Freitas.(30) Desse modo, as normas constitucionais de proteção ambiental, mormente o princípio do desenvolvimento sustentável, revelam-se importantes instrumentos institucionais ordenados a evitar ou, ao menos, mitigar os riscos da sociedade contemporânea, a fim de proporcionar um crescimento não apenas quantitativo da economia, mas sim um desenvolvimento qualitativo: socialmente inclusivo, ambientalmente responsável e imbuído de valores imateriais inseparáveis da humanidade. 2 Controle judicial dos atos administrativos e tutela do meio ambiente Nesse passo, o controle da Administração Pública pode ser sintetizado no conjunto de medidas pelas quais um poder, órgão ou autoridade exerce atividades de fiscalização, revisão e correção de atos administrativos emanados de quaisquer dos três poderes.(31) Especificamente sobre o controle judicial da Administração, que foi bastante reforçado pelo atual regime constitucional, é curial asseverar que a jurisprudência dos tribunais superiores e do Supremo Tribunal Federal reiterou a universalidade do acesso à Justiça, bem como a inconstitucionalidade de quaisquer leis ou atos infralegais que imponham impedimentos, obstáculos ou condicionamentos ao exercício do direito de ação.(32) O controle judicial fundamenta-se, primeiramente, na submissão das atividades administrativas à ordem jurídica em sentido global, que não se limita à obediência à lei, mas abrange igualmente a obediência aos demais princípios que norteiam a conduta dos agentes públicos.(33) Eventual contradição do ato administrativo com o Direito, a representar lesão ou ameaça de lesão a direito individual ou coletivo, renderá ensejo ao controle judicial, que encontra base constitucional na separação de poderes e no princípio do livre acesso à Justiça. Quanto à abrangência do controle judicial, há relativo consenso de que o critério para a atuação do Judiciário não está jungido ao legalismo estrito, já que alcança também os demais princípios jurídicos. Demais disso, não apenas os atos vinculados estão submetidos à censura judicial, como também, e principalmente, os atos discricionários.(34) Verifica-se uma mitigação da discricionariedade, que não é mais pura, mas sim vinculada à lei, aos princípios e aos direitos fundamentais.(35) Ao depois, devem ser consideradas as peculiaridades da matéria sob julgamento. Com efeito, diversos setores do Direito galgaram, paulatinamente, autonomia didática e foram objeto de estudos especializados, o que lhes conferiu regras e princípios próprios. É o caso do Direito Ambiental, cujas particularidades devem ser levadas em conta pelo Judiciário quando uma demanda ambiental lhe for trazida a julgamento. Assim, a sujeição dos atos administrativos à revisão pelo Judiciário assume maior amplitude, não havendo que se falar em insindicabilidade de atos de governo, atos políticos ou atos discricionários, quando lesivos de direitos fundamentais.(36) 2.2 Aplicabilidade e eficácias das normas ambientais constitucionais Primeiramente, cumpre mencionar que o § 1º do art. 5º da Constituição Federal consigna que as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.(38) A doutrina controverte sobre o alcance desse dispositivo. Não há espaço, neste trabalho, para aprofundar maiores considerações sobre as teses existentes. O que é relevante assentar, especificamente no que tange às normas constitucionais ambientais, é que predomina a posição no sentido de que ao direito fundamental ao ambiente tem sido assegurada aplicabilidade direta e imediata.(39) Nessa linha, é esclarecedora a lição de Juarez Freitas, ao afirmar que “sustentabilidade não é, pois, princípio abstrato ou de observância adiável: vincula plenamente e se mostra inconciliável com o vicioso descumprimento da função socioambiental dos bens e serviços. Certamente, a sustentabilidade, nessa linha de raciocínio, não pode continuar a ser tratada como princípio literário, remoto ou de concretização protelável, invocado só por razões de marketing ou de pânico.”(40) Ao depois, é essencial compreender que a evolução gradual dos direitos fundamentais concedeu àqueles de terceira geração em geral, e ao meio ambiente em particular, não apenas uma posição cronológica mais recente que os demais, como também uma concepção mais completa. Os direitos individuais configuraram um instrumento de defesa frente ao Estado, do qual se exigiu uma abstenção para proteger a liberdade das pessoas. Os direitos sociais, por sua vez, foram assegurados para a promoção da dignidade humana por meio de prestações positivas por parte do Poder Público. No que tange ao direito ao meio ambiente, apresenta-se com um duplo caráter: na condição de direito de defesa da coletividade contra violações, seja por parte do Poder Público, seja dos particulares, e na qualidade de mandado de atuação dirigido ao Estado, para viabilizar a proteção desse direito.(41) É salutar, nessa linha, reproduzir o seguinte escrito de Fensterseifer e Sarlet: “Assim, pode-se dizer que há a preponderância de uma carga normativa prestacional comum a tais direitos – não obstante a carga normativa defensiva também estar presente em várias situações –, demandando, em grande medida, que a realização de tais direitos passe pela atuação estatal, especialmente por meio da promoção de políticas públicas, diferentemente do que ocorre no tocante aos direitos liberais, em que prepondera a carga normativa defensiva.”(42) Em relação às obras promovidas pelos entes estatais, a intervenção judicial é admitida a fim de evitar ou mitigar degradações ambientais que invariavelmente decorrem desses empreendimentos executados para impulsionar o desenvolvimento econômico, muitos deles, como analisamos acima, de grande porte e com intensa utilização de recursos naturais. Dessa feita, a eficácia plena das normas constitucionais em matéria ambiental gera possibilidade de judicialização, por meio dos diversos instrumentos processuais previstos no sistema jurídico brasileiro. 2.3 Concretização do desenvolvimento sustentável pelo Judiciário Os conflitos socioambientais decorrentes dos empreendimentos desenvolvimentistas efetivados pelo Poder Público encontram no Judiciário a oportunidade de solução derradeira. De fato, na esteira de Fensterseifer e Sarlet, o Estado Socioambiental de Direito brasileiro é também um Estado protetor e promotor dos direitos fundamentais, e todos os poderes e órgãos estatais estão condicionados à concretização do direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. Aos poderes públicos, portanto, é determinada não apenas a proibição de interferir no âmbito de proteção do direito fundamental, mas também a função de promover e garantir o desfrute do direito ao ambiente. Assim, todos os poderes estatais estão constitucionalmente obrigados a atuar, no âmbito de sua esfera de competências, no sentido de obter a maior eficácia e efetividade possível dos direitos e deveres fundamentais socioambientais.(45) Conforme foi salientado alhures, os agentes públicos subordinam-se à lei e ao Direito, de modo que todos os atos administrativos, principalmente os discricionários, estão vinculados aos princípios constitutivos do sistema e aos direitos fundamentais.(46) Sendo assim, submetida à sua jurisdição uma lide relacionada com a execução de obras do Programa de Aceleração do Crescimento, deverá o juiz fundamentar sua decisão na lei, nas normas constitucionais – sem olvidar a prevalência dos direitos fundamentais –, nos princípios jurídicos em geral e nos princípios ambientais em especial. O juiz, na condição de agente do Estado, está vinculado às regras e aos princípios, dentre eles o direito ao desenvolvimento sustentável. Por isso, deverá concretizá-lo e velar pelo aumento não só quantitativo (crescimento) como também qualitativo da economia. O magistrado, na sua função decisória, tem de levar em consideração as duas consequências que resultam das obras públicas: de um lado, os benefícios econômicos e sociais, por meio da geração de empregos, do aumento da renda da população, do incremento da infraestrutura, etc.; de outro, os impactos ambientais derivados do empreendimento. Um veredicto que ignore um desses aspectos arrisca a lançar-se, em um extremo, na homologação de uma atividade ambientalmente devastadora e economicamente desnecessária e, em outro, no impedimento de importantes ações tendentes a incrementar o progresso econômico e social do País com base em impactos ecológicos insignificantes ou facilmente contornáveis. Além disso, é indispensável que seja considerado, no momento da decisão, o estágio da obra, pois uma paralisação após o início das atividades pode produzir grandes prejuízos econômicos, incrementar o risco ou ocasionar danos ambientais ainda maiores. De qualquer sorte, o indeferimento do pedido de suspensão de uma obra tem de ser cuidadosamente ponderado, pois, uma vez iniciada uma construção, aqueles efeitos negativos – prejuízos econômicos, aumento do risco e do dano ambiental – poderão ser inevitáveis em caso de eventual ordem em sentido contrário. 2.4 Controle judicial da sustentabilidade das obras públicas Conforme já foi aludido quando tratei do PAC, no capítulo 1.3, os vultosos empreendimentos engendrados pela Administração Pública, com a finalidade de alavancar o desenvolvimento do País, têm enorme aptidão para, efetivamente, ensejar diversas externalidades positivas, tais como a geração de empregos, o aumento da competitividade das empresas brasileiras, o barateamento dos transportes, o incremento da infraestrutura, a oferta de habitação e saneamento dignos para a população carente e a ampliação da capacidade energética, a título exemplificativo. No entanto, exatamente porque são compostas de grandes obras, as quais se caracterizam pelo emprego intenso de recursos humanos e naturais, pela geração de profundos impactos ambientais, pela devastação de extensas áreas de terra e pela afetação de inúmeras comunidades, essas ações governamentais se traduzem como fontes de variados e complexos conflitos. Esses litígios, que surgem da busca acelerada e frenética pelo desenvolvimento socioeconômico, estimulada pelo referido Programa de Aceleração de Crescimento, podem ser de diversos matizes, tais como sociais, ecológicos, culturais, econômicos e políticos. Considero como mais emblemático o caso da usina hidrelétrica de Belo Monte, no Pará, que revelou quão sensíveis se revestem os conflitos que decorrem de um empreendimento de tamanha magnitude,(48) e são amplamente noticiadas as alegações de graves violações a direitos indígenas e ao meio ambiente.(49) A discussão foi levada para o foro internacional e culminou na decisão da OEA – Organização dos Estados Americanos – de notificar o Brasil para suspender a realização das obras.(50) Entretanto, posteriormente, a OEA revogou essa determinação e não mais se opôs à construção.(51) Outro caso que merece referência está relacionado às obras de ampliação dos molhes e dragagem de aprofundamento do canal de acesso ao Porto de Rio Grande. Foram ajuizadas pelo MPF – Ministério Público Federal – três ACPs – Ações Civis Públicas – envolvendo esse projeto, as quais tramitaram na 2ª Vara Federal de Rio Grande. Tive a oportunidade de atuar, como Juiz Federal, na terceira ação coletiva, de número 2007.71.01.00883-3, ocasião em que constatei a variedade e a complexidade de embates que podem derivar de semelhante empreendimento, bem como a pressão que sofrem os juízes federais, de todas as partes envolvidas, para proferirem decisão em determinado sentido.(52) Inúmeros outros itens do PAC foram alvo de medidas judiciais, como, por exemplo, a Ferrovia Transnordestina,(53) a Hidrelétrica Teles-Pires,(54) a pavimentação e construção das BRs 426 e 434 no sertão da Paraíba,(55) dentre muitas outras, tanto que foi divulgada a existência de 8.609 processos judiciais envolvendo as obras desse programa.(56) Enfim, a realidade das demandas judiciais que emergem das diversas obras públicas que avançam por todo o Brasil é muito mais rica do que algumas linhas desta monografia podem retratar. Contudo, reputo essencial discorrer, de maneira sucinta, ao menos sobre três questões que são frequentemente enfrentadas, na atualidade, pelos magistrados e operadores do Direito Ambiental: a) a discussão sobre a competência para decidir a respeito da necessidade e da viabilidade econômica de determinado empreendimento; b) as liminares nas demandas ambientais, sobretudo frente ao fato consumado; c) a democratização das decisões judiciais. Em relação ao primeiro ponto, o que se questiona é: a qual órgão ou poder do Estado compete decidir sobre a necessidade e a viabilidade econômica de uma determinada obra pública? Em outras palavras: há espaço para interferência do Judiciário na decisão da Administração a respeito da importância socioeconômica dos empreendimentos públicos? Em um primeiro momento, muitos se apressariam em responder que tais questões estão inseridas no âmbito da discricionariedade do agente estatal. No entanto, uma análise mais aprofundada do tema, com apoio no que restou suso mencionado, conduz a conclusão diversa. No que tange à inclusão de determinado projeto em plano ou meta de governo, ou mesmo no Plano Plurianual, configura-se como questão exclusivamente política e não é hábil a violar princípios e regras, contrapor-se aos direitos fundamentais ou prejudicar o meio ambiente. Até porque determinado item de um planejamento pode até não ser concretizado. Ademais, excluir, por ordem judicial, uma obra do PAC, por exemplo, retira a possibilidade de se aferir a viabilidade socioambiental do empreendimento, por meio do estudo de impacto ambiental. Aliás, ausente o estudo prévio, não se pode concluir pela desnecessidade do projeto, nem sobre os impactos ambientais que serão produzidos. Segui esse raciocínio ao proferir decisão na ação civil pública nº 2007.71.01.00883-3, acima referida. O Ministério Público pleiteou que fosse determinado à União a retirada das obras de ampliação dos molhes e dragagem do canal de acesso ao Porto de Rio Grande do PAC, até que ficasse constatada a utilidade socioeconômica e verificados os impactos ambientais, mediante elaboração do competente estudo de impacto ambiental. Indeferi o pedido em sede de liminar, porque ausente o requisito da urgência. Com efeito, o fato de o aludido empreendimento estar previsto no plano de crescimento do Governo Federal não significa que será realizado, tampouco que sua construção será executada sem o devido estudo de viabilidade técnica, econômica e ambiental. Esse pronunciamento foi confirmado pelo TRF da 4ª Região, no julgamento da apelação cível n° 0000883-88.2007.404.7101/RS.(57) Por outro lado, no tocante à necessidade e à viabilidade econômica de determinado projeto, compete, privativamente, ao Executivo decidir. Todavia, nada impede que, concedida a licença ambiental e elaborado o correspondente estudo de impacto ambiental, sejam avaliados os benefícios socioeconômicos do empreendimento em comparação com os danos ambientais a serem causados pelo mesmo. Afigura-se, antes, como medida salutar esse cotejo para que, no caso individual, possa o julgador perseguir a solução mais adequada com supedâneo no princípio da proporcionalidade. Portanto, apesar de não caber ao Judiciário aferir previamente a relevância socioeconômica de determinada ação governamental, o magistrado poderá fazê-lo em momento posterior, em cotejo com os impactos ambientais causados pela construção. Quanto ao segundo item, inexiste controvérsia sobre a viabilidade da concessão de tutela antecipada nas ações coletivas ambientais. Trata-se de corolário do direito fundamental ao meio ambiente sadio e equilibrado e à efetividade da tutela jurisdicional. O requisito da urgência é evidente nos litígios ambientais, em função da incidência dos princípios da prevenção e da precaução e da impossibilidade, em muitos casos, do retorno ao estado anterior à degradação.(58) Outrossim, em virtude do princípio da precaução, a tutela antecipada pode ser concedida com fundamento na mera probabilidade do risco, mesmo sem prova deste.(59) O requisito da verossimilhança, porém, está condicionado ao que for demonstrado na situação concreta. Especificamente no que tange às obras públicas, o pedido liminar corriqueiramente destina-se a suspender as atividades promovidas pela Administração Pública, em regra executadas por pessoa jurídica ou consórcio por aquela contratado. Se a implantação física da obra ainda não foi iniciada, a situação, conquanto delicada, ainda não se reveste de maior gravidade. A manifestação do Poder Público, prévia à concessão da liminar, é imposta pelo art. 2º da Lei nº 8.437/92.(60) Nada impede – ao invés, recomenda-se – que sejam ouvidos previamente também os réus pessoas jurídicas de direito privado, normalmente executores diretos do empreendimento, a prestigiar o contraditório e a ampla defesa e proporcionar a colheita de maiores subsídios à decisão. A meu sentir, nesta hipótese, é adequado suspender o início das obras até que os réus se pronunciem, com fundamento no poder geral de cautela disposto no art. 798 do CPC.(61) A medida não se confunde com o próprio acolhimento da tutela antecipada, que será apreciada após a juntada das petições dos demandados no exíguo prazo de setenta e duas horas. Ainda que se qualificasse a decisão como deferitória da liminar, não estaria o magistrado coibido de adotar tal procedimento, uma vez que, conforme tranquila orientação jurisprudencial, a providência do art. 2º da Lei nº 8.437/92 é dispensável se constatado motivo relevante.(62) A medida revela prudência na condução de processos dessa natureza, pois obsta a deflagração das atividades antes da apreciação do pedido antecipatório e, concomitantemente, viabiliza melhor preparação ao pronunciamento judicial pela aquisição de informações dos réus. Ao depois, do juiz se exige redobrada atenção antes de proferir o decisório preliminar, pois a determinação poderá assumir caráter de irreversibilidade, sobretudo se restar autorizado o início das obras. Serão inevitáveis os prejuízos ao meio ambiente e ao próprio erário se verificado, ao final do processo ou no julgamento de eventual recurso pelo tribunal, o desacerto do indeferimento da liminar, com consequente interrupção das atividades. A própria restauração ao estado anterior poderá ser difícil, quando não impossível. Mais aguda será a dificuldade e a complexidade do caso se o empreendimento já estiver em andamento, de ordinário, após elevada injeção de recursos públicos e privados, profunda alteração do ecossistema e utilização de recursos naturais. Ao se deparar com essa situação, o juiz não poderá desconsiderar por completo o fato já consumado. Todavia, a circunstância de se levar em conta o que já foi construído não significa a inviabilidade absoluta de se ordenar a destruição de determinada edificação, como já fez o STJ no caso, por exemplo, de um hotel em Santa Catarina licenciado indevidamente pelo município.(63) É aqui que a aplicação do princípio da proporcionalidade assume maior relevância na decisão judicial, a auxiliar na ponderação entre, de um lado, conferir proteção ao meio ambiente, a despeito de prováveis prejuízos decorrentes da suspensão dos trabalhos, e, de outro, permitir o prosseguimento da empreitada e admitir alguma degradação ambiental. Diversos fatores deverão ser levados em conta, como a intensidade do impacto ambiental produzido, o montante dos valores investidos, a importância socioeconômica do projeto e o estágio da obra. Outrossim, é possível que a suspensão das atividades provoque graves riscos derivados de edificações inacabadas, fator que aumenta a dificuldade de solução desses casos.(64) Portanto, a meu ver, as circunstâncias do caso concreto não podem ser relegadas pelo julgador, o que avulta a importância da oitiva das partes, da colheita de informações técnicas, da efetivação de perícias preliminares e inspeções judiciais e, se a urgência da situação o permitir, da realização de audiência pública, a densificar o princípio democrático. É justamente discorrendo sobre a democratização das decisões judiciais que encerro este trabalho. A democratização do Direito Administrativo, a par de consagrar um controle social(65) da Administração, contamina todas as formas de controle, inclusive a judicial. O tema da convivência de um Judiciário não representativo, como o nosso, com o regime democrático mereceria aprofundamento, inviável neste artigo. O que não posso deixar de mencionar é que as decisões proferidas pelo Poder Judiciário são, talvez, mais democráticas do que os atos do Legislativo e do Executivo. Isso porque o juiz somente prolata uma sentença no processo que foi deflagrado por uma parte com a participação da outra. Assim, todos os litigantes exercem forte influência no resultado final da prestação jurisdicional e contribuem para o controle dos atos judiciais por meio dos recursos próprios. No ponto, a participação da sociedade nas decisões judiciais pode e deve ser incrementada. No que toca à tutela judicial do meio ambiente, dois mecanismos emprestam maior concretização ao princípio democrático, quais sejam, a realização de audiências públicas e a admissão de informações técnicas de terceiros, na forma de amicus curiae. As audiências públicas ambientais encontram previsão para sua realização na fase do licenciamento e da elaboração do estudo de impacto ambiental.(66) A realização de audiência pública no âmbito judicial vem positivada no art. 6º, § 1º, da Lei nº 9.882/1999, que trata do processo e do julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental, no art. 9º, § 1º, da Lei nº 9.868/99, para ações diretas de inconstitucionalidade, e no art. 20, § 1º, para ações declaratórias de constitucionalidade. Foram amplamente noticiadas as audiências públicas promovidas pelo STF, por exemplo, sobre células-tronco (ADIn 3510/DF), aborto de anencéfalo (ADPF 54/DF), importação de pneus usados (ADPF 101/DF) e uso do amianto (ADIn 3937/DF). Nos processos individuais, seja em primeiro, seja em segundo grau, a providência também deve ser admitida, pois contribui para uma positiva democratização(67) do controle judicial dos atos administrativos, até porque da solenidade pode inclusive resultar acordo. Diga-se de passagem, os juízes federais, cientes dessa realidade e da complexidade das questões a eles submetidas, têm determinado a realização de audiências públicas em diversos casos. Cito, v.g., as audiências públicas realizadas para discutir as desapropriações para ampliação do aeroporto de Porto Alegre,(68) o fornecimento de medicamento para câncer de mama na Subseção Judiciária de Porto Alegre(69) e a questão da pesca com rede em Uruguaiana e em Barra do Quaraí, no Rio Grande do Sul.(70) O instituto do amicus curiae, também concebido para ações do controle concentrado de constitucionalidade (Lei nº 9.882/99, art. 6º, § 1º, e Lei nº 9.868/99, art. 7º, § 2º), permite ao STF, em suma, admitir a manifestação de outros órgãos ou entidades. Cuida-se, igualmente, de mecanismo que reforça a participação democrática e auxilia o Judiciário a proferir decisões mais qualificadas, principalmente porque possibilita que sejam oferecidos subsídios técnicos para tanto. Logo, conforme tem sido sustentado na doutrina,(71) a figura do amicus curiae é cabível no processo civil comum. Note-se, ademais, que a Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do novo Código de Processo Civil(72) acolheu a participação do amicus curiae nas ações judiciais em 1º e 2º grau, considerando a relevância da matéria, a especificidade do tema objeto da demanda ou a repercussão social da controvérsia. Essas duas medidas democratizadoras – audiência pública e aceitação do amicus curiae – são muito valiosas na condução das demandas coletivas cujo objeto é a impugnação de obras públicas em face da tutela do meio ambiente. De fato, o intenso impacto socioambiental dos empreendimentos realizados pelo Poder Público atingem usualmente variadas comunidades e grande quantidade de pessoas, produzem influências no meio ambiente e apresentam alta complexidade técnica. Desse modo, para que a resolução do litígio coletivo seja mais justa, democrática e adequada à realidade, é inexorável assegurar que todos os atingidos pela atividade possam ser ouvidos e instruir a decisão com informações e pareceres técnicos. Conclusão Nas situações em que as crises ambientais não encontram desfecho razoável no plano administrativo, resta aos juízes decidirem de modo derradeiro, com a independência e a imparcialidade que lhes foram outorgadas pela Lei Fundamental de 1988. Se ainda desejamos um Brasil democrático e um Estado Socioambiental de Direito, esses atributos inerentes ao Poder Judiciário devem ser preservados e fortalecidos. Referências bibliográficas ALMEIDA, Paulo Roberto. A experiência brasileira em planejamento econômico: uma perspectiva histórica. In: GIACOMONI, James; PAGNUSSAT, José Luiz (org.). Planejamento e orçamento governamental. Brasilia: ENAP, 2006. v. 1. p. 193-228. Disponível em: <http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1277HistorPlanejBrasil.pdf>. Acesso em: 21 out. 2012. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Ibérica, 1998. BOTELHO, Nadja Machado. Efetividade da tutela jurisdicional e irreversibilidade do dano ambiental. In: MACHADO, Paulo Affonso Leme; MILARÉ, Édis (org.). Tutela do meio ambiente. Doutrinas essenciais: Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, v. 4. p. 787-814. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus curiae no processo civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. CAPPELLI, Silvia; MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Direito Ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. DEL PRÁ, Carlos Gustavo Rodrigues. Amicus curiae: instrumento de participação democrática e de aperfeiçoamento da atividade jurisdicional. Curitiba: Juruá, 2007. FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. atual. por Gustavo Binebojm. Rio de Janeiro: Forense, 2006. FENSERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. ______. Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. KEYNES, John Maynard. The general theory of employment, interest, and money. [iBook]. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros: 2000. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. MILARÉ, Édis. Direito do ambiente. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. NETO, Diogo de Figueiredo Moreira. Mutações do Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, 2007. REICH, Robert B. Supercapitalism: the transformation of business, democracy and everyday life. New York: Vintage Books, 2007. RUIVO, Danilo Augusto. Poder Judiciário: audiências públicas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, v. 28, p. 463, jul. 2011. SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. ______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. SMITH, Adam. The wealth of nations. Seedbox Press, LLC, 2011. [iBook]. SOUZA, Antônio Ricardo. As trajetórias do planejamento governamental no Brasil: meio século de experiências na administração pública. Revista do Serviço Público, Brasília, a. 55, n. 4, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2592>. Acesso em: 21 out. 2012. Notas
1. “As every individual, therefore, endeavors as much as he can, both to employ his capital in support of domestic industry, and so to direct that industry that its produce maybe of the greatest value; every individual necessarily labors to render the annual revenue of the society as great as he can. He generally, indeed, neither intends to promote the public interest, nor knows how much he is promoting. By preferring the support of domestic to that foreign industry, he intends only his own security; and by directing that industry in such a manner as its produce may be of the greatest value, he intends only his own gain; and he is in this, as in many other cases, led by an invisible hand to promote an end which was no part of his intention.” (SMITH, Adam. The wealth of nations. Seedbox Press, LLC, 2011, p. 202 [iBook]) 2. GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica da Constituição de 1988. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 14-15. 3. “Thus, the weight of my criticism is directed against the inadequacy of the theoretical foundations of the laissez-faire doctrine upon which I was brought up and which for many years I taught; – against the notion that the rate of interest and the volume of investment are self-adjusting at the optimum level, so that preoccupation with the balance of trade is a waste of time.” (KEYNES, John Maynard. The general theory of employment, interest, and money [iBook]) 4. “Since the late 1970s, a fundamental change has occurred in democratic capitalism in America, and that change rippled outward to the rest of the world. Capitalism has triumphed, and not simply as an ideology. The structure of the American – and much of the world’s – economy has shifted toward far more competitive markets. Power has shifted to consumers and investors. 7. “A ordem econômica adquiriu dimensão jurídica a partir do momento em que as constituições passaram a discipliná-la sistematicamente, o que teve início com a Constituição mexicana de 1917. No Brasil, a Constituição de 1934 foi a primeira a consignar princípios e normas sobre a ordem econômica, sob a influência da Constituição alemã de Weimar.” (SILVA, José Afonso da. Op. cit., p. 752) 10. Ingo Wolfgang Sarlet afirma que também as normas programáticas “são dotadas de eficácia e não podem ser consideradas meras proclamações de cunho ideológico ou político (...). Com efeito, já se assinalou alhures que todas as normas constitucionais, mesmo as que fixam programas ou tarefas para o Estado, possuem caráter de autênticas normas jurídicas, no sentido de que mesmo sem qualquer ato concretizador se encontram aptas a desencadear algum efeito jurídico” (In A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 287). 12. São exemplos emblemáticos os arts. 6º; 21, incs. IX e XX; 23, incs. IX e X; 43; 170, caput e incs. XII e XIII; e 174, caput e § 1º, todos da Constituição Federal. 13. SOUZA, Antônio Ricardo. As trajetórias do planejamento governamental no Brasil: meio século de experiências na administração pública. Revista do Serviço Público, Brasília, a. 55, n. 4, out./dez. 2004. Disponível em: <http://www.enap.gov.br/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=2592>. Acesso em: 21 out. 2012; ALMEIDA, Paulo Roberto. A experiência brasileira em planejamento econômico: uma perspectiva histórica. In: GIACOMONI, James; PAGNUSSAT, José Luiz (org.). Planejamento e orçamento governamental. Brasilia: ENAP, 2006. v. 1. p. 193-228. Disponível em: <http://www.pralmeida.org/05DocsPRA/1277HistorPlanejBrasil.pdf>. Acesso em: 21 out. 2012. 15. BRASIL. Tribunal de Contas da União. Relatório e parecer prévio sobre as contas do Governo da República: sustentabilidade e crescimento. Exercício de 2011. Disponível em: ˂http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/comunidades/contas/contas_governo/ 17. Conforme informações do “Fiscobras 2011” do TCU. Disponível em: ˂http://portal2.tcu.gov.br/portal/page/portal/TCU/imprensa/noticias/detalhes_noticias? 18. Sem o objetivo de defender qualquer corrente política, mas apenas para demonstrar a diversidade de opiniões sobre as obras do PAC, é de se referir entrevista concedida por Aécio Neves ao jornal Folha de São Paulo, de 02.04.2012, que, em suma, afirma que o PAC é usado para fazer propaganda política de determinado partido. Disponível em: ˂http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/34777-paquidermico.shtml˃. Acesso em: 21 out. 2012. 19. FENSERSEIFER, Tiago; SARLET, Ingo Wolfgang. Direito Constitucional Ambiental: Constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 59-64. 21. É apropriada, pois, a afirmação de Ingo Wolfgang Sarlet, de que “o conceito materialmente aberto de direitos fundamentais consagrado pelo art. 5º, § 2º, da CF aponta para a existência de direitos fundamentais positivados em outras partes do texto constitucional e até mesmo em tratados internacionais, bem assim para a previsão expressa da possibilidade de se reconhecer direitos fundamentais não escritos, implícitos nas normas do catálogo, bem como decorrentes do regime e dos princípios da Constituição (in A eficácia dos direitos fundamentais. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004. p. 83). 24. CAPPELLI, Silvia; MARCHESAN, Ana Maria Moreira; STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Direito Ambiental. 7. ed. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2013. p. 69. 25. Refiro aqui o que o doutrinador ambientalista Édis Milaré considera princípios, sem aprofundar a discussão sobre o conceito mesmo de princípios e sua distinção com as regras. 28. O desenvolvimento sustentável constou como Princípio 4 da “ECO/92”: “A fim de alcançar o desenvolvimento sustentável, a proteção do ambiente deverá constituir-se como parte integrante do processo de desenvolvimento e não poderá ser considerada de forma isolada”. Na “Rio+20”, assim denominada a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, foi amplamente debatida a integração entre a economia, a sociedade e o meio ambiente. O documento final, reconhecido por 188 Estados-membros presentes à reunião, assumiu a forma de Resolução 66/288 da Assembleia Geral da ONU e foi cunhado de “O futuro que queremos”. Nesse documento, foram reafirmados os princípios da “Rio/92” e renovado o compromisso em favor do desenvolvimento sustentável e da promoção de um futuro sustentável do ponto de vista econômico, social e ambiental para nosso planeta e para as gerações presentes e futuras. Disponível em: ˂http://www.uncsd2012.org/thefuturewewant.html˃. Acesso em: 21 out. 2012. 29. “Las consecuencias vividas de manera catastrófica por la mayoría de la humanidad están vinculadas, tanto en el siglo XIX como ahora, al proceso social de industrialización y de modernización. En ambas épocas se trata de intromisiones drásticas y amenazantes en las condiciones de vida humana. Estas intromisiones se presentan en conexión con determinadas etapas en el desarrollo de las fuerzas productivas, de la integración de mercados y de las relaciones de propiedad y de poder. Podría tratarse cada vez de diferentes tipos de consecuencias. Entonces: miseria material, escasez, hambre, estrechez. Hoy: amenaza y destrucción de las bases naturales de la vida. Pero también existen coincidencias, como el contenido de peligrosidad y el carácter de la modernización con la que aquél se genera y crece.” (BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo: hacia una nueva modernidad. Barcelona: Paidós Ibérica, 1998. p. 57) 30. A limitação desta monografia não permite uma maior profundidade das diversas espécies de degradações ecológicas e das consequências para a qualidade de vida humana. Cabe reproduzir o que afirmou Juarez Freitas: “Provavelmente, trata-se da primeira vez na história, salvo risco de guerra nuclear, que a humanidade pode simplesmente inviabilizar a sua permanência na Terra, por obra e desgraça, em larga escala, do seu estilo devorante. O alerta está acionado” (In Sustentabilidade: direito ao futuro. Belo Horizonte: Fórum, 2011. p. 26). 31. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005. p. 855; MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 825-6; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo brasileiro. São Paulo: Malheiros: 2000. p. 609-10. 32. Reputo pertinente registrar duas manifestações do STF que consagraram o amplo acesso à justiça. O STF, nas ADIns 2139 e 2160, conferiu interpretação conforme à Constituição Federal ao artigo 625-D da CLT, que obrigava o trabalhador a primeiro procurar a conciliação no caso de a demanda trabalhista ocorrer em local que conte com uma comissão de conciliação, seja na empresa, seja no sindicato da categoria. Para o STF, o empregado pode acessar diretamente o Judiciário, independentemente da existência dessas comissões. Outrossim, conforme ficou cristalizado na súmula vinculante nº 28, o STF entendeu inconstitucional a exigência de depósito prévio como requisito de admissibilidade de ação judicial na qual se pretenda discutir a exigibilidade do crédito tributário. 33. Como ensina Juarez Freitas: “No que tange ao princípio da legalidade e do acatamento da Administração Pública ao Direito, é de, brevemente, assinalar que se evoluiu de um legalismo primitivo para uma posição, por assim dizer, principiológica e substancialista (superado o interpretativismo imoderado). Por razões históricas sobejamente conhecidas, praticamente resta abandonado, ao menos em teoria, um determinado legalismo estrito, assim como já não mais prosperam visões ou escolas preconizadoras, nos moldes da Escola da Exegese, de uma servidão do intérprete à lei ou, o que seria pior, à volunta legislatoris. Tampouco se crê que o aplicador apenas descobre a intenção do legislador ou da lei. Nem se confunde, como antes, apesar de textualismos recalcitrantes, o texto e a norma. Progrediu-se, pois, significativamente, em matéria de hermenêutica, para uma convergência parcial entre sistemas tidos como rigidamente distintos em matéria de fontes” (In O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 43). 34. Observa com propriedade Celso Antônio Bandeira de Mello: “Nada há de surpreendente, então, em que o controle judicial dos atos administrativos, ainda que praticados em nome de alguma discrição, se estenda necessária e insuperavelmente à investigação dos motivos, da finalidade e da causa do ato. Nenhum empeço existe a tal proceder, pois é meio – e, de resto, fundamental – pelo qual se pode garantir o atendimento da lei, a afirmação do direito” (op. cit., p. 860). 35. Nessa linha, Juarez Freitas trata das transformações do Direito Administrativo contemporâneo, no sentido de que míngua “o espaço da discricionariedade, substituída, pouco e pouco, pela noção de liberdade vinculada e justificável racionalmente, sem sucumbir a particularismos contrários à ideia de universalização, de sorte que toda discricionariedade (no plano dos mandamentos – Tatbestand – ou na eleição das consequências) resta vinculada aos princípios fundamentais, donde se extrai a inexistência de discricionariedade pura” (op. cit., p. 26). 36. “(...) inexiste relação administrativa que tenha o condão de fugir, ao menos mediatamente, da apreciação do Poder Judiciário, até para que este possa cumprir a tarefa de guardião constitucional, pronunciando a derradeira palavra em matéria de controle dos atos, contratos e procedimentos administrativos (...).” (FREITAS, op. cit., p. 69-70) 38. Consoante clássica conceituação de José Afonso da Silva, as normas constitucionais de aplicabilidade imediata e eficácia plena são “aquelas que, desde a entrada em vigor da constituição, produzem, ou têm a possibilidade de produzir, todos os efeitos essenciais, relativamente aos interesses, comportamentos e situações, que o legislador constituinte, direta e normativamente, quis regular” (In Aplicabilidade das normas constitucionais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 1999. p. 101). 41. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental brasileiro. 14. ed. São Paulo: Malheiros, 2006. p. 117. 43. “A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos.” (destaquei) 44. “É importante que juízes e órgãos judiciários estejam atentos e, no âmbito de suas atribuições, zelem pelos direitos de acesso à informação, de participação do público no processo de tomada de decisões e de acesso à justiça em matéria de meio ambiente, nos termos contidos no Princípio 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (1992).” 46. FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios fundamentais. 3. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 221. 47. A semelhança entre as funções administrativa e jurisdicional decorre da circunstância de que, em ambos os casos, o agente público respectivo tem a tarefa de aplicar a lei ao caso concreto, o que influencia muitos doutrinadores a considerar as funções como idênticas. No entanto, ao menos no regime constitucional de grande parte dos países, sobretudo do Brasil, essas atividades estão apartadas, porque cometidas a poderes (ou órgãos) diversos e independentes. Demais disso, à função jurisdicional devem ser reconhecidos os seguintes elementos que a especificam e distanciam da administração, conforme já escrevia Miguel Seabra Fagundes: “a) como momento do seu exercício – uma situação contenciosa no processo de realização do direito; b) como modo de alcançar a sua finalidade – a interpretação definitiva do direito controvertido; c) como finalidade do seu exercício – o trancamento da situação contenciosa, consequência necessária da interpretação fixada” (FAGUNDES, M. Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 7. ed. atual. por Gustavo Binebojm. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 15-17). 48. Segundo divulgou o Governo Federal, entre 2011 e 2014, foram previstos investimentos superiores a 18 bilhões e 700 milhões de reais, e mais de 7 bilhões para período posterior a 2014, destinados à construção da Usina de Belo Monte. Disponível em: ˂http://www.pac.gov.br/obra/9059˃. Acesso em: 21 out. 2012. 49. O Ministério Público Federal vem intentando diversas medidas judiciais com a finalidade de impedir a construção da usina de Belo Monte. Argumenta-se que o Governo Federal vem ignorando a legislação e pesquisas sobre a viabilidade econômica, sobre os impactos socioambientais e sobre alternativas de geração de energia. O Ministério Público levanta diversas questões, dentre elas: a ausência de licitação da empresa responsável pela realização do estudo de impacto ambiental; falta de oitiva prévia das sociedades indígenas; irregularidades na elaboração do estudo de impacto ambiental; insuficiência das audiências públicas realizadas; possibilidade de a seca atingir populações indígenas e ribeirinhas; ausência de ações de redução de impactos socioambientais; possibilidade de geração de energia menor do que o Poder Público propaga; falta de estudos conclusivos sobre impactos sociais decorrentes da inundação de parte da cidade de Altamira; apodrecimento da vegetação submersa e consequente emissão de gás metano e contribuição para o efeito estufa; migração de milhares de pessoas para a região na época das obras, que ficarão desempregadas após a sua conclusão; existência de meios alternativos para a produção de energia. Disponível em: ˂http://www.prpa.mpf.gov.br/news/2010/noticias/belo-monte-os-problemas-do-projeto-e-a-atuacao-do-mpf˃. Acesso em: 21 out. 2012. 50. Foi decidido pela Comissão Interamericana da OEA notificar o governo brasileiro para suspender as obras e realizar consulta prévia, informada e culturalmente adequada com as comunidades indígenas, assegurando a estas acesso aos estudos de impacto em idioma indígena, bem como adotar medidas vigorosas para proteger os índios isolados da região e prevenir a disseminação de doenças e epidemias entre as comunidades indígenas na área de influência do projeto. Disponível em: ˂http://www.conjur.com.br/2011-abr-27/belo-monte-render-condenacao-brasil-corte-internacional˃. Acesso em: 21 out. 2012. 52. O MPF, inicialmente, ajuizou duas ACPs, de nos 2003.71.01.004601-4 e 2003.71.01.004602-6, perante a 2ª Vara Federal de Rio Grande. Na primeira ACP, o MPF requereu: a) que a União se abstenha de realizar a execução orçamentária do Contrato nº 018/2001/MT, relativo às obras de ampliação dos molhes do Porto de Rio Grande; b) seja declarada a nulidade do EIA/Rima, da Licença Prévia, da Licença de Instalação e da autorização do Ibama à alteração do projeto pelo 5º Termo Aditivo ao Contrato; e c) a anulação da concorrência pública e dos atos subsequentes. Apontou irregularidades na licitação e deficiências no estudo sobre os impactos ambientais, culturais e socioeconômicos decorrentes da obra. Destacou o fato de que o EIA/Rima foi feito de forma incompleta, porque realizado apenas em relação à primeira fase da obra, não sendo cabível a sua complementação a posteriori, para fins de licenciamento da parte final do projeto. Na segunda ACP, o parquet pediu: a) que a União e o DNIT se abstenham de liberar recursos e retomar as obras de ampliação dos molhes do Porto de Rio Grande, enquanto não concluídos e aprovados, na forma da lei, o Estudo de Impacto Ambiental e o Projeto Básico que englobem o prolongamento dos molhes e a dragagem e aprofundamento do canal, assegurando a viabilidade técnica, econômica e ambiental do conjunto das obras; b) a determinação de que o Ibama acompanhe a realização do mencionado EIA/Rima e lhe confira publicidade junto à comunidade, inclusive mediante audiência pública; c) a cominação de multa individual de R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) a ser revertida ao fundo de que trata o art. 13 da Lei nº 7.347/85. 53. Patrimônio ameaçado por Ferrovia Transnordestina é alvo de recurso do MPF. Disponível em: ˂http://www.prpe.mpf.gov.br/internet/Serra-Talhada-Salgueiro/Noticias/2012/Patrimonio-ameacado-por-Ferrovia-Transnordestina-e-alvo-de-recurso-do-MPF˃. Acesso em: 21 out. 2012. 54. Justiça suspende obras da hidrelétrica Teles Pires. Disponível em: ˂http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/reuters/2012/08/02/justica-suspende-obras-da-hidreletrica-teles-pires.jhtm˃. Acesso em: 21 out. 2012. 55. TRF determina paralisação imediata das obras das BRs 426 e 434 para preservar patrimônio. Disponível em: ˂http://www.paraiba.com.br/2012/07/20/20704-justica-determina-paralisacao-imediata-das-obras-das-brs-426-e-434-para-preservar-vale-dos-dinossauros˃. Acesso em: 21 out. 2012. 56. A maioria das ações judiciais é de desapropriação. Contudo, uma parcela expressiva está relacionada a disputas ambientais (Disputas judiciais por desapropriações crescem e emperram obras do PAC. O Estado de São Paulo, 23.07.2012. Disponível em: ˂http://economia.estadao.com.br/noticias/economia,disputas-judiciais-por-desapropriacoes-crescem-e-emperram-obras-do-pac,120186,0.htm˃. Acesso em: 21 out. 2012). 57. “ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. BERMAS DE EQUILÍBRIO. PORTO DE RIO GRANDE. PERDA PARCIAL DO OBJETO DA AÇÃO. PAC. CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE. PODER JUDICIÁRIO. AUTORIZAÇÃO E LICENCIAMENTO AMBIENTAL. 58. “O fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação é evidente, mormente quando se trata de questões ambientais, que não podem aguardar o provimento final para que sejam tomadas as medidas pleiteadas, sob pena de impossibilidade de retorno ao status quo ante e da flagrante imprestabilidade da tutela ressarcitória em matérias deste jaez.” (BOTELHO, Nadja Machado. Efetividade da tutela jurisdicional e irreversibilidade do dano ambiental. In: MACHADO, Paulo Affonso Leme; MILARÉ, Édis (org.). Tutela do meio ambiente. Doutrinas essenciais: Direito Ambiental. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 787-814. v. 4. p. 802-3) 59. Sufraga esse entendimento Nadja Machado Botelho: “Verifica-se que, tratando-se de ação civil pública em matéria ambiental, dada a imbricação com os princípios da precaução, da prevenção, da equidade intergeracional e do desenvolvimento sustentável, o pedido de tutela antecipada pode e deve ser formulado e deferido com base na simples probabilidade do risco, independentemente de prova do dano. Com razão, o mero risco do dano, tendo em mente os princípios retro mencionados, que orientam o direito ambiental e possuem sede constitucional, já autoriza o deferimento da medida de urgência (...)” (BOTELHO, 2011, p. 806). 60. “Art. 2º No mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de setenta e duas horas.” 61. “Art. 798. Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.” 62. É o que tem decidido o STJ: REsp 736.313/MG, Rel. Min. Castro Meira, 2ª T., j. 04.04.2006, DJ 18.04.2006, p. 194; REsp 439.833/SP, Rel. Min. Denise Arruda, 1ª T., j. 28.03.2006, DJ 24.04.2006, p. 354. 64. Tive de enfrentar esse desafio no julgamento do pleito antecipatório da ação civil pública nº 2007.71.01.00883-3, que tramitou na 2ª Vara Federal de Rio Grande/RS. A ampliação dos molhes do Porto de Rio Grande estava paralisada por determinação do TCU e do TRF da 4ª Região, no bojo das ações civis públicas de nos 2003.71.01.004601-4 e 2003.71.01.004602-6. Foi autorizada a continuação das obras até o limite de 50% dos molhes, para evitar riscos à navegação, decorrentes de pedras soltas que foram lançadas quando iniciada a construção. Contudo, posteriormente, essa autorização foi colocada em dúvida, pois a última decisão do Tribunal havia recebido o apelo, contra a sentença que determinou a suspensão das obras, apenas no efeito devolutivo. Para evitar riscos à navegação, o Ibama autorizou o consórcio contratado e o DNIT a retomar a construção das denominadas bermas de equilíbrio, necessárias à fixação do material depositado. Contra esse ato, o Ministério Público ajuizou a ação de nº 2007.71.01.00883-3. Neste processo, qualquer que fosse o entendimento adotado, algum risco ou dano poderia ser gerado: ou o dano ao meio ambiente causado pela construção das bermas de equilíbrio, ou o risco à segurança da navegação ocasionado pelas pedras já depositadas e que ficariam expostas a movimentação, se impedida a obra emergencial. Depois de realizadas inspeções judiciais e audiência preliminar e de colhidas informações técnicas, decidi pela continuidade das obras, mediante a realização, porém, de algumas providências e monitoramentos. Essa decisão foi mantida pelo TRF da 4ª Região no julgamento do agravo de instrumento interposto pelo Ministério Público Federal: “ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AMPLIAÇÃO DOS MOLHES DO PORTO DE RIO GRANDE. PARALISAÇÃO DAS OBRAS. RISCO À NAVEGAÇÃO. PROCEDIMENTOS EMERGENCIAIS. CABIMENTO. Constatada a existência do risco à navegação em razão do deslocamento das pedras lançadas por ocasião do início da construção da extensão dos molhes, cujas obras foram paralisadas em razão do ajuizamento de ação civil pública, é cabível a realização de procedimentos emergenciais, acompanhados de monitoramento e medidas necessárias para mitigar e prevenir eventuais impactos ambientais” (TRF4, AG 2007.04.00.014617-7, 4ª T., Rel. Márcio Antônio Rocha, D.E. 18.08.2008). 65. “Percebe-se forte e inovadora propensão de se adotarem mecanismos de controle social, consagradores do princípio da participação da sociedade (dimanante do pressuposto democrático referido), manifestando-se, por exemplo, no referido art. 48, parágrafo único, da Lei de Responsabilidade Fiscal e no art. 44 do Estatuto da Cidade, bem como na exigência de gestão democrática do ensino público, na forma da lei (CF, art. 206, VI), e, ainda, na garantia de participação dos trabalhadores e empregadores nos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e de deliberação (CF, art. 10).” (FREITAS, 2004b, p. 65-6) 66. A Constituição Federal, no art. 225, inc. IV, estabelece que as atividades ou obras potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental devem ser precedidas de estudo e relatório de impacto ambiental, a que se dará publicidade. A resolução nº 237/97 do Conama, no art. 3º, prevê a realização de audiências públicas de acordo com a regulamentação. A Resolução nº 001/86, por seu turno, prescreve, no § 2º do art. 11, que, ao determinar a execução do estudo de impacto ambiental e apresentação do Rima, o órgão ambiental competente determinará o prazo para recebimento dos comentários a serem feitos pelos órgãos públicos e demais interessados e, sempre que julgar necessário, promoverá a realização de audiência pública para informação sobre o projeto e seus impactos ambientais e discussão do Rima. Enfim, a Resolução nº 009/87 dispõe, no art. 1º, sobre o conteúdo da audiência pública: “expor aos interessados o conteúdo do produto em análise e do seu referido Rima, dirimindo dúvidas e recolhendo dos presentes as críticas e sugestões a respeito”. O art. 2º também merece transcrição: “Sempre que julgar necessário, ou quando for solicitado por entidade civil, pelo Ministério Público, ou por 50 ou mais cidadãos, o Órgão de Meio Ambiente promoverá a realização de audiência pública”. 67. “O instituto da audiência pública é uma saudável iniciativa democrática que veio contribuir para o aperfeiçoamento do Poder Judiciário, dentro do exercício da cidadania e do princípio do devido processo legal, mormente se for relevante à matéria e estiverem em jogo direitos e interesses coletivos. É uma forma transparente e idônea de divulgar opiniões para seu aperfeiçoamento. Consta que a audiência pública é muito prestigiada na Argentina, que dela tem previsão constitucional no art. 63 da Constituição da Cidade Autônoma de Buenos Aires.” (RUIVO, Danilo Augusto. Poder Judiciário: audiências públicas. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo, v. 28, p. 463, jul. 2011. p. 463) 68. BRASIL. Justiça Federal (4ª Região). Justiça Federal realiza audiência pública para ampliação do aeroporto. 24 nov. 2010. Disponível em: <http://www.jfrs.jus.br/noticias/noticia_detalhes.php?id=23916>. Acesso em: 21 out. 2012. 69. BRASIL. Justiça Federal (4ª Região). Audiência pública amplia o debate sobre fornecimento de medicamentos. 14 set. 2011. Disponível em: <http://www.jfrs.jus.br/noticias/noticia_detalhes.php?id=25565>. Acesso em: 21 out. 2012. 70. BRASIL. Justiça Federal. Conselho de Justiça Federal. Justiça Federal de Uruguaiana (RS) realiza audiência pública. 10 jun. 2009. Disponível em: <http://www.jf.jus.br/cjf/outras-noticias/2009/junho/justica-federal-de-uruguaiana-rs-realiza-audiencia-publica>. Acesso em: 21 out. 2012.
|
||
Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
||
|