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publicado em 30.10.2013 |
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Este trabalho versará sobre a imunidade das contribuições sociais de custeio da seguridade social em favor das entidades beneficentes de assistência social, prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal. Abordará, inicialmente, o seu contexto e justificativa, que é um Estado Democrático de Direito, em cujo ambiente emergem como direitos fundamentais os direitos sociais. De um lado, tais direitos são financiados por uma nova categoria de tributos, as contribuições sociais de custeio da seguridade social. De outro, atentando-se à necessidade de haver a complementação às ações do Estado na promoção e realização daqueles direitos fundamentais, a presença de entidades que atuem nos serviços correlatos a eles sem necessariamente estarem orientadas pelo lucro é estimulada. Tais entidades são denominadas, no próprio texto constitucional, de entidades beneficentes de assistência social. E é como técnica jurídica indispensável na viabilização delas que surge a imunidade tributária de que se cuidará neste trabalho. Nesse sentido é que se desenvolverão os seus principais aspectos, a saber, interpretação, conceito, eficácia do dispositivo constitucional que a abriga e disciplina normativa atual. Sumário: Introdução. 1 A imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social. 1.1 Conceito e fundamento de imunidade tributária. 1.2 Nova competência tributária, uma nova imunidade tributária. 1.3 Desdobramentos da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar da ADIn nº 2.028. 2 Contornos do regime jurídico atual da imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social. 2.1 Entidades beneficentes de assistência social na área de saúde. 2.2 Entidades beneficentes de assistência social na área de educação. 2.3 Entidades beneficentes de assistência social no sentido estrito. Conclusões. Referências bibliográficas. Introdução Vão se desenvolver brevemente nesta monografia os contornos da imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, o seu fundamento, a sua hermenêutica, o seu conceito, a sua eficácia e a sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal e o seu regime jurídico infraconstitucional. Hoje, a categorização dos direitos sociais, positivados no texto constitucional como direitos fundamentais de 2ª geração, é estreme de dúvidas. Nessa ordem de ideias, na qual tais direitos subjetivos conquistaram o mais alto patamar de valor normativo, de sorte a tolher a discricionariedade do legislador ordinário, uma vez que norma constitucional tem supremacia normativa sobre os demais atos normativos da mesma ordem jurídica, salta aos olhos a imprescindibilidade de um instituto jurídico, no caso, a imunidade tributária de que se cuida. Sua positivação constitucional visa a otimizar três direitos fundamentais no conjunto de políticas públicas do Estado brasileiro, a saber, nas áreas da saúde, da educação e da assistência social. Com efeito, percebe-se já desde o texto constitucional que, mais do que meras normas programáticas, esvaziadas de real eficácia e, portanto, de uma vinculação mais estreita do legislador ordinário e do administrador aos seus comandos, as normas constitucionais que consagram os direitos à saúde e à educação públicas e às políticas assistenciais tutelam verdadeiros direitos subjetivos e oponíveis ao Poder Público, nas três esferas do federalismo brasileiro, de cuja afirmação é a plena judicialização deles. De fato, há uma enorme gama de ações judiciais, atualmente, cuja pretensão deduzida é a busca pela realização daqueles direitos subjetivos. Não obstante esses direitos sociais serem direitos fundamentais e estarem positivados no texto constitucional como direitos subjetivos, dotados de eficácia suficiente para obrigarem o Estado, pelas suas entidades federativas, a realizá-los, por meio de suas ações legislativas, orçamentárias e administrativas, o fato é que, diante da universal carência de custeio das receitas estatais para fazerem frente às despesas correlatas à sua realização, é necessário que haja o concurso de setores da sociedade civil, a complementarem os serviços públicos ofertados nessa área. Aliás, a própria Constituição Federal assegura, em seu texto, a complementaridade daquelas ações pelas entidades particulares. Há duas maneiras de fazê-lo: pelas regras da livre iniciativa, ainda que temperadas por uma fiscalização e uma intervenção estatais, como sói ocorrer com os reajustes de mensalidades escolares e de planos de saúde, ou pela gratuidade, senão na totalidade de seus serviços, pelo menos em parte relevante deles, quando então as entidades que a empregam atendem aos hipossuficientes, ofertando, por exemplo, serviços na área da saúde, atendendo seus pacientes pelo Sistema Único de Saúde – SUS, ou na área da educação, por meio de bolsas integrais ou parciais de ensino, ou, ainda, na área das políticas assistenciais, ofertando serviços de reabilitação profissional. É para essa segunda maneira de complementaridade de prestação de serviços públicos por entidades particulares não orientadas pelo objetivo do lucro – o que, como fincado acima, as remeteria para o universo normativo da livre iniciativa – que este trabalho acadêmico estará voltado. E, mais especificamente, para o instituto que visa a viabilizá-la, que é a imunidade tributária do artigo 195, § 7º, da Constituição Federal. De fato, por meio da técnica da imunidade tributária, que implica necessariamente importante renúncia fiscal, o legislador constituinte objetivou assegurar a viabilidade econômica das entidades que restaram denominadas, no dispositivo constitucional referido, entidades beneficentes de assistência social. Naturalmente, coube ao legislador infraconstitucional disciplinar essa normatividade constitucional, para, por um lado, viabilizar aquelas entidades, sem, por outro lado, descuidar da sua razão de ser, que é a de que elas realmente atuem complementarmente ao Estado na realização dos direitos fundamentais sociais, sobretudo para aquelas pessoas que estejam na base da pirâmide social brasileira. Dessa forma, está plenamente justificada a importância científica deste trabalho de dissertação. Assim é que se vai, na esteira do que se afirmou na abertura desta introdução, buscar dar os contornos essenciais da imunidade tributária de que se cuida, avançando, claro que sempre respeitando os limites científicos de um trabalho deste jaez, sobre o seu fundamento, o seu conceito, a sua eficácia, a sua aplicação jurisprudencial e, sobretudo, a sua atual legislação de regência, plasmada na Lei nº 12.101, de 2009. De sorte a ofertar, pelo menos, uma visão científica minimamente consistente e articulada à realidade social brasileira e ao Estado brasileiro, em um tema jurídica e socialmente tão importante para a realização dos direitos fundamentais sociais. 1 A imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social 1.1 Conceito e fundamento de imunidade tributária A imunidade tributária é um corte no âmbito de incidência de uma norma tributária, estabelecido na Constituição Federal. É certo que o legislador constituinte originário cria as competências tributárias, repartindo-as entre os entes federativos, que passam a ter, por meio delas, o poder para instituírem tributos. Contudo, e para que esse poder não derive para o abuso de poder, inviabilizando o desenvolvimento econômico e a própria livre iniciativa e o desenvolvimento da potencialidade das pessoas, ele também estabelece os denominados limites a essas competências. Um dos limites clássicos e tradicionais na nossa história constitucional é o estabelecimento das chamadas imunidades tributárias ao Poder de Tributar. Elas são exatamente um rol de situações e/ou de entes e/ou entidades em relação aos quais o legislador constituinte, atendendo a valores fundamentais das pessoas e da própria sociedade brasileira, ou até atendendo e combatendo determinadas carências sociais, impede o nascimento da obrigação tributária, ao retirar da norma tributária instituidora de tributo um fato gerador que se amoldaria à sua hipótese de incidência. Dessa maneira, de um lado, o legislador constituinte originário estabelece aos entes federativos titulares a competência tributária, cujo exercício precípuo é o de instituir tributo, completando a sua hipótese de incidência, permitindo à sua administração tributária o poder-dever de cobrar o seu recolhimento dos contribuintes, igualmente arrolados na lei de regência. De outro lado, o legislador constituinte originário também positiva no texto constitucional – portanto, em uma norma de mesma estatura e força normativa daquela norma de competência tributária – um rol de situações e entes que não poderão ser tributados. Dessa norma se diz que estabelece um rol de imunidades tributárias. Nesse sentido, cumpre destacar Alfredo Augusto Becker, que, teorizando sobre isenção tributária, mas em lição aplicável à imunidade tributária, apenas mudando o que deve ser mudado, realça o caráter negativo e proibitivo da norma instituidora da isenção tributária, especialmente no que toca ao aspecto de que haverá a não incidência da norma tributária sobre o seu fato gerador, e não a anulação ou o desfazimento de uma incidência primeiramente ocorrida. Ela não será, portanto, uma mera dispensa de pagamento de tributo devido. Cumpre, então, transcrevê-lo: “Poderia parecer que a regra jurídica tributária, que estabelece a isenção do tributo, estaria estruturada com regra desjuridicizante total, isto é, haveria uma anterior relação jurídica tributária atribuindo ao sujeito passivo a obrigação de pagar tributo; a incidência da regra jurídica de isenção teria como consequência o desfazimento daquela preexistente relação jurídica tributária. Aliás, esse é o entendimento de grande parte da doutrina tributária, a qual costuma conceituar a isenção do seguinte modo: ‘Na isenção, o tributo é devido, porque existe a obrigação, mas a lei dispensa o seu pagamento; por conseguinte, a isenção pressupõe a incidência, porque é claro que só pode dispensar o pagamento de um tributo que seja efetivamente devido’. A lógica desta definição estará certa apenas no plano pré-jurídico da Política Fiscal, quando o legislador raciocina para criar a regra jurídica de isenção. Uma vez criada a regra jurídica de isenção, portanto, já agora no plano jurídico do Direito Tributário, quando o jurista interpreta aquela regra jurídica e examina os efeitos jurídicos resultantes de sua incidência, aquele conceito de isenção falece de lógica e contradiz a ciência jurídica que investigou a fenomenologia da incidência das regras jurídicas. Na verdade, não existem aquela anterior relação jurídica e respectiva obrigação tributária, que seriam desfeitas pela incidência da regra jurídica de isenção. Para que pudesse existir aquela anterior relação jurídica tributária, seria indispensável que, antes da incidência da regra jurídica da isenção, houvesse ocorrido a incidência da regra jurídica de tributação. Porém, esta nunca chegou a incidir porque faltou, ou excedeu, um dos elementos da composição de sua hipótese de incidência, sem o qual, ou com o qual, ela não se realiza. Ora, aquele elemento faltante, ou excedente, é justamente o elemento que, entrando na composição da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção, permitiu diferençá-la da regra jurídica de tributação, de modo que aquele elemento sempre realizará uma única hipótese de incidência, a da isenção, e desencadeará uma única incidência, a da regra jurídica da isenção, cujo efeito jurídico é negar a existência de relação jurídica tributária. A regra jurídica de isenção incide para que a de tributação não possa incidir. A regra jurídica que prescreve a isenção, em última análise, consiste na formulação negativa da regra jurídica que estabelece a tributação. A realização da hipótese de incidência da regra jurídica de isenção faz com que essa regra incida justamente para negar a existência de relação jurídica tributária. Por sua vez, as hipóteses não enquadráveis dentro da hipótese de incidência da regra jurídica explícita de isenção tributária são precisamente as hipóteses de incidência de regras jurídicas implícitas de tributação.”(1) No mesmo sentido, Mizael Abreu Machado Derzi, atualizando a obra de Aliomar Baleeiro, Limitações constitucionais ao poder de tributar, pontua que, “do ponto de vista jurídico, em geral, todos se põem de acordo em que a imunidade: 1. é regra jurídica, com sede constitucional; 2. é delimitativa (no sentido negativo) da competência dos entes políticos da Federação, ou regra de incompetência; 3. obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados; 4. distingue-se da isenção, que se dá no plano infraconstitucional da lei ordinária ou da lei complementar.”(2) Na Constituição Federal atual, as imunidades mais estudadas, até porque vêm se repetindo, de certo modo, nas sucessivas constituições brasileiras, estão previstas no artigo 150, VI e alíneas. Essas são as imunidades tributárias clássicas, ligadas aos direitos fundamentais de 1ª geração, que são os direitos e as garantias individuais, compreendidos entre estes os direitos políticos e de nacionalidade, previstos, de um modo substancial, nos artigos 5º e 12 a 17 da mesma Constituição. Substancialmente previstos, afirma-se, porque, embora não estejam arrolados em lista meramente exemplificativa, por outro lado, não impedem que haja outros direitos fundamentais, com a mesma força normativa, assentados em outros estatutos normativos, ou, ainda, refletidos em outros dispositivos da própria Constituição Federal. Aliás, a cláusula de abertura dos direitos fundamentais, e não apenas dos direitos e das garantias individuais, está expressa nos parágrafos 2º e 3º do próprio artigo 5º da Constituição Federal. De qualquer modo, a imunidade clássica do artigo 150, inciso VI e alíneas, do texto constitucional vigente está atrelada, precipuamente, aos direitos fundamentais de 1ª geração. Como exemplo, cumpre citar a liberdade religiosa e o seu necessário desdobramento na imunidade tributária imposta aos entes federativos, no sentido de que o legislador constituinte lhes interditou a competência de instituir tributos em relação aos templos e às instituições que desenvolvam aquela liberdade. Igualmente, os partidos políticos estão ao abrigo da norma da imunidade tributária. E, assim, sucessivamente. Não obstante, note-se que, igualmente, as imunidades tributárias arroladas no artigo 150, VI, da Constituição Federal estão ligadas ao princípio da federação, materializado na imunidade recíproca dos entes federativos, e até à realização dos direitos sociais, ao prever a imunidade tributária para instituições de educação e assistência social. 1.2 Nova competência tributária, uma nova imunidade tributária O legislador constituinte originário que elaborou a Constituição Federal de 1988, observando a orientação social traçada, sobretudo, na Constituição de 1967 e na Emenda Constitucional nº 1, de 1969, consagrou o denominado Estado Social Democrático de Direito. Vale dizer, além de um Estado provedor e garantidor dos direitos fundamentais de 1ª geração – assim chamados os direitos e garantias individuais, de nacionalidade e de cidadania (políticos) –, aquele legislador positivou um Estado provedor de direitos fundamentais de 2ª geração, ou os direitos sociais, atribuindo-lhes eficácia de direitos subjetivos públicos, portanto, exercitáveis, inclusive contra o próprio Estado, obrigado correlatamente a realizá-los em relações jurídicas eminentemente subjetivas. Igualmente, o legislador constituinte tutelou os direitos fundamentais de 3ª geração, eminentemente de natureza difusa ou coletiva, avultando, nesse contexto normativo, o direito ao meio ambiente equilibrado. Contudo, e tendo em conta o objeto deste trabalho, cumpre retomar a tutela dos direitos fundamentais de 2ª geração e seu desdobramento na imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal. Nesse sentido, emerge a Seguridade Social como uma criação da Constituição Federal atual. Com efeito, ela é um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, voltado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. É nesse sentido que dispõe o artigo 194, cabeça, do texto constitucional. Em decorrência dessa disposição, há um dever universal do Estado brasileiro, em suas esferas federativas, e da sociedade brasileira de custear esse sistema integrado de ações sociais. Assim, surgem, também no texto constitucional atual, as contribuições de custeio da seguridade social. Essas contribuições, por estarem sujeitas aos princípios constitucionais da tributação, na forma do que dispõe o artigo 149 da Constituição Federal, têm natureza tributária. As contribuições sociais de custeio da seguridade social para empregadores, empresas e entidades a elas equiparadas estão previstas nos artigos 195, I, a, b e c, e 239 da Constituição Federal e são da competência da União. São exceções a essa competência as contribuições de custeio da seguridade social dos servidores públicos estaduais e municipais, desde que observadas as normas gerais federais em matéria previdenciária, ex vi do artigo 24, XII, da Constituição vigente, notadamente as normas federais que estipulam as condições atuariais mínimas que permitem que Estados-membros e Municípios tenham os seus regimes próprios de previdência. Tais contribuições sociais constituem conjunto expressivo de tributos – contribuições sociais sobre folha de salários e demais rendimentos, contribuições sociais sobre faturamento ou receita e contribuições sociais sobre o lucro – com alta repercussão econômica, atualmente instituídos nos artigos 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, e em legislação extravagante, de sorte que a vedação de sua incidência tributária, por meio da técnica da imunidade tributária, estabelecida no artigo 195, § 7º, tem claramente o objetivo de estimular as ações complementares ao Poder Público na prestação de serviços assistenciais. É que o custo econômico a ser suportado pelas entidades beneficentes que prestarão tais serviços e se beneficiarão dessa imunidade será clara e substancialmente reduzido. O brocardo jurídico segundo o qual a Constituição é o que o Supremo Tribunal Federal diz que é, se, por um lado, não é um dogma imune a controvérsias, por outro, revela o primado da jurisdição para dar a última palavra sobre o documento, que é o fundamento de validade de toda a ordem jurídica e de toda a ação do Estado brasileiro, tanto pelo viés de seus entes federativos como pelo viés de seus poderes constituídos. Em relação à imunidade tributária de que se cuida, foi inegável o papel exercido pelo Supremo Tribunal Federal na inteligência do dispositivo que a positivou, qual seja, o artigo 195, § 7º. Com efeito, a Corte Suprema, exercendo a jurisdição constitucional, neste caso, para controlar a constitucionalidade das leis, no julgamento em que deferiu a medida cautelar pleiteada na ADIn nº 2.028, suspendendo as alterações promovidas pela Lei nº 9.732, de 1998, no texto do artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, deu contornos ao instituto que se examina, os quais, se não são definitivos, prepararam a sua disciplina normativa atual, especialmente a Lei nº 12.101, de 2009, que será examinada no capítulo seguinte deste trabalho. É certo que a melhor doutrina tributária já advertia se tratar o benefício fiscal previsto no artigo 195, § 7º, da Constituição de imunidade tributária, não obstante a locução “isentas”, precisamente porque a distinção entre ambas as normas negativas de competência tributária está em que a imunidade tem previsão constitucional, ao contrário da isenção tributária, esta com sede infraconstitucional.(3) De qualquer maneira, nem essa questão passou despercebida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento encimado. Assim, a imunidade tributária, impropriamente denominada de isenção, relativa às contribuições sociais de custeio da seguridade social, assegurada às entidades beneficentes de assistência social no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, para ser bem compreendida, exige leitura atenta da decisão liminar do Ministro Marco Aurélio, proferida nos autos da ADIn nº 2.028, suspendendo as alterações promovidas pela Lei nº 9.732, de 1998, no texto do artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, o que depois foi referendado pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal,(4) vazada nos seguintes termos: “(...) Dois vícios são arguidos na inicial desta ação direta de inconstitucionalidade, redigida com insuplantável esmero. Prefere, no exame, o primeiro, que diz respeito à forma. A Lei nº 9.732/1998 veio a dar nova redação ao artigo 55, III, da Lei nº 8.212/1991, acrescentando-lhe os parágrafos 3º, 4º e 5º e dispondo sobre a matéria também nos artigos 4º, 5º e 7º. Apanhou quadro que, até então, era havido como harmônico com a Carta e que se mostrava em sintonia com o Código Tributário Nacional. A cláusula inserta na parte final do parágrafo 7º do art. 195 – ‘(...) que atendam às exigências estabelecidas em lei’ – era revelada, sob o ângulo próprio, pelos artigos 9º e 14 do Código Tributário Nacional, no que estabelecem: ‘Artigo 9º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) IV – cobrar imposto sobre: (...) c) o patrimônio, a renda ou serviços de partidos políticos e de instituição de educação ou de assistência social, observados os requisitos fixados na Seção II deste Capítulo; (...) Artigo 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas: I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio e de suas rendas, a título de lucro ou participação no seu resultado; II – aplicar integralmente no País os seus recursos, na manutenção dos seus objetivos institucionais; III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão’. Este último artigo veio a definir, para os efeitos alusivos à imunidade, as entidades detentoras do benefício. O legislador, ao editar a Lei nº 8.212/1991, teria observado, em si, a regência complementar, e, aí, quanto às entidades beneficentes de assistência social, inserira nos incisos I, II, III, IV e V do art. 55 disposições próprias, considerado o sentido maior do Texto Constitucional: ‘Artigo 55. Fica isenta das contribuições de que tratam os artigos 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente e de assistência social que atenda os seguintes requisitos cumulativamente: I – seja reconhecida como de utilidade pública federal e estadual ou do Distrito Federal ou municipal; II – seja portadora do Certificado e do Registro de Entidade de Fins Filantrópicos, fornecido pelo Conselho Nacional de Assistência Social, renovado a cada três anos; III – promova a assistência social beneficente, inclusive educacional ou de saúde, a menores, idosos, excepcionais ou pessoas carentes; IV – não percebam os seus diretores, conselheiros, sócios, instituidores ou benfeitores remuneração e não usufruam vantagens ou benefícios a qualquer título; V – aplique integralmente o eventual resultado operacional na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais, apresentando anualmente ao órgão do INSS relatório circunstanciado de suas atividades’. Pois bem, diante desses parâmetros, da tomada de empréstimo do que contido no Código Tributário Nacional, relativamente aos impostos, pelo legislador da Lei nº 8.212/91, partiu-se para modificação e, aí, introduziu-se regência vinculando a imunidade constitucional à necessária gratuidade dos serviços, impondo-a sob a forma de exclusividade ou, então, no mínimo de que sessenta por cento destes fossem direcionados ao atendimento do Sistema Único de Saúde. Eis como ficaram os preceitos da Lei nº 8.212/91, com o advento da Lei nº 9.732/1998: ‘Artigo 55. Fica isenta das contribuições sociais de que tratam os artigos 22 e 23 desta Lei a entidade beneficente de assistência social que atenda, cumulativamente: (...) III – promova, gratuitamente, e em caráter exclusivo, assistência social beneficente a pessoas carentes, em especial a crianças, adolescentes, idosos e portadoras de deficiência. (...) Parágrafo 3º. Para os fins deste artigo, entende-se por assistência social beneficente a prestação gratuita de benefícios e serviços a quem dela necessitar. Parágrafo 4º. O Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – cancelará a isenção se verificado o descumprimento do disposto neste artigo. Parágrafo 5º. Considera-se também de assistência social beneficente, para fins deste artigo, a oferta e a efetiva prestação de serviços de pelo menos sessenta por cento ao Sistema Único de Saúde, nos termos do regulamento’. Por sua vez, os artigos 4º, 5º e 7º da Lei nº 9.732/1998, também atacados mediante esta ação direta de inconstitucionalidade, dispõem: ‘Artigo 4º. As entidades sem fins lucrativos educacionais e as que atendam ao Sistema Único de Saúde, mas não pratiquem de forma exclusiva e gratuita atendimento a pessoas carentes, gozarão de isenção das contribuições de que tratam os artigos 22 e 23 da Lei nº 8.212, de 1991, na proporção do valor das vagas cedidas, integral e gratuitamente, a carentes e do valor do atendimento à saúde de caráter assistencial, desde que satisfaçam os requisitos referidos nos incisos I, II, IV e V do artigo 55 da citada lei, na forma do regulamento. Artigo 5º. O disposto no artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, na sua nova redação, e no artigo 4º desta Lei terá aplicação a partir da competência de abril de 1999. (...) Artigo 7º. Fica cancelada, a partir de 1º de abril de 1999, toda e qualquer isenção concedida, em caráter geral ou especial, de contribuição para a Seguridade Social em desconformidade com o artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, na sua nova redação, ou com o artigo 4º desta lei’. A toda evidência, adentrou-se o campo da limitação ao poder de tributar. Ainda que se diga da aplicabilidade do Código Tributário Nacional apenas aos impostos, tem-se que veio à balha, mediante veículo impróprio, a regência das condições suficientes a ter-se o benefício, considerado o instituto da imunidade, e não o da isenção, tal como previsto no parágrafo 7º do artigo 195 da Constituição Federal. Assim, tenho como configurada a relevância suficiente a caminhar-se para a concessão da liminar, no que a inicial desta ação direta de inconstitucionalidade versa sobre o vício de procedimento, o defeito de forma. Relativamente à questão de fundo, atente-se para o caráter linear abrangente do parágrafo 7º do artigo 195 da Constituição Federal: ‘Artigo 195 (...) Parágrafo 7º. São isentas de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam às exigências estabelecidas em lei (...)’. No preceito, cuida-se de entidades beneficentes de assistência social, não estando restrito, portanto, às instituições filantrópicas. Indispensável, é certo, que se tenha o desenvolvimento da atividade voltada aos hipossuficientes, àqueles que, sem prejuízo do próprio sustento e o da família, não possam dirigir-se aos particulares que atuam no ramo buscando o lucro, dificultada que está, pela insuficiência da estrutura, a prestação do serviço pelo Estado. Ora, no caso, chegou-se à mitigação do preceito, olvidando-se que nele não se contém a impossibilidade de reconhecimento do benefício quando a prestadora de serviços atua de forma gratuita em relação aos necessitados, procedendo à cobrança junto àqueles que possuam recursos suficientes. A cláusula que remete à disciplina legal – e, aí, tem-se a conjugação com o disposto no inc. II do artigo 146 da Carta da República, pouco importando que nela própria não se haja consignado a especificidade do ato normativo – não é idônea a solapar o comando constitucional, sob pena de caminhar-se no sentido de reconhecer a possibilidade de o legislador comum vir a mitigá-lo, a temperá-lo. As exigências estabelecidas em lei não podem implicar verdadeiro conflito com o sentido, revelado pelos costumes, da expressão ‘entidades beneficentes de assistência social’. Em síntese, a circunstância de a entidade, diante, até mesmo, do princípio isonômico, mesclar a prestação de serviços, fazendo-o gratuitamente aos menos favorecidos e de forma onerosa aos afortunados pela sorte, não a descaracteriza, não lhe retira a condição de beneficente. Antes, em face à escassez de doações nos dias de hoje, viabiliza a continuidade dos serviços, devendo ser levado em conta o somatório de despesas resultantes do funcionamento e que é decorrência do caráter impiedoso da vida econômica. Portanto, também sob o prisma do vício de fundo, tem-se a relevância do pedido inicial, notando-se, mesmo, a preocupação do Excelentíssimo Ministro de Estado da Saúde com os ônus indiretos advindos da normatividade da Lei nº 9.732/98, no que veio a restringir, sobremaneira, a imunidade constitucional, praticamente inviabilizando – repita-se uma vez que não são comuns, nos dias de hoje, as grandes doações, a filantropia pelos mais aquinhoados – a assistência social, a par da precária prestada pelo Estado, que o parágrafo 7º do artigo 195 visa a estimular. Tudo recomenda, assim, sejam mantidos, até a decisão final desta ação direta de inconstitucionalidade, os parâmetros da Lei nº 8.212/91, na redação primitiva. 3. Defiro a liminar, submetendo-a desde logo ao Plenário, para suspender a eficácia do artigo 1º, na parte em que alterou a redação do artigo 55, inciso III, da Lei nº 8.212/91 e acrescentou-lhe os parágrafos 3º, 4º e 5º, bem como dos artigos 4º, 5º e 7º da Lei nº 9.732, de 11 de novembro de 1998. 4. Dê-se conhecimento aos Requeridos, solicitando-se-lhes as informações de praxe. 5. Publique-se. Brasília, 14 de julho de 1999. Ministro MARCO AURÉLIO – Vice-Presidente, no exercício da Presidência."(5) 1.3 Desdobramentos da jurisdição constitucional exercida pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da Medida Cautelar da ADIn nº 2.028 Como consequência dessa decisão liminar do STF, depois referendada pelo Plenário da Corte, e pelo que dispõe o artigo 11 da Lei nº 9.868, de 1999, no seu parágrafo 1º, prevendo que a medida liminar deferida em ADIn terá eficácia contra todos, e no seu parágrafo 2º, prevendo que a concessão da medida liminar torna aplicável a legislação anterior, salvo expressa manifestação em sentido contrário, o que não foi o caso, vê-se que ficaram restabelecidos os requisitos previstos na redação originária do artigo 55 da Lei nº 8.212/1991 para a fruição da imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, alterados por legislação subsequente não afetada por aquela decisão judicial. Em primeiro lugar, cumpre afirmar, à luz da decisão monocrática acima transcrita, que entidade beneficente de assistência social prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal não é apenas entidade que atua nos serviços assistenciais estritamente considerados. Também o são as entidades que atuam nas áreas de educação e saúde, aliás, o que foi a primeira ordem normativa a esse respeito, estabelecida na redação originária do artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991. Veja-se, à luz, mais uma vez, da decisão acima transcrita, que a disciplina normativa infraconstitucional materializada na redação originária do referido artigo 55 era mais consentânea com um sistema constitucional que claramente fundamentaliza os direitos sociais, sem descurar de permitir aos setores da sociedade civil uma ação complementar àquela do Estado, no sentido de promovê-los e realizá-los. Por outro lado, não há de se falar em inconstitucionalidade da redação originária do artigo 55 da Lei nº 8.212/1991 por conflitar com o artigo 14 do Código Tributário Nacional, especialmente tendo em conta o argumento de que, pelo que dispõe o artigo 146, II, da Constituição Federal, as normas sobre os limites ao poder de tributar – e a imunidade é um deles, ex vi do artigo 150, VI – devem ser veiculadas por lei complementar, e não por lei ordinária. Em primeiro lugar, ainda que se entenda que a imunidade do artigo 195, parágrafo 7º, está sujeita, na sua regulamentação, a lei complementar, o que é questionável, como se observará adiante, a regulamentação dos limites ao poder de tributar não deve ser interpretada como se tivesse de ser disciplinada exclusivamente por lei complementar. Ora, lei ordinária também é lei, no seu sentido formal e orgânico, tanto como a lei complementar, desta diferindo apenas no tocante ao quorum de aprovação, previsto no artigo 69 do texto constitucional vigente. Não há, dessa forma, hierarquia normativa entre essas espécies normativas. Assim, nada impede que lei ordinária, desde que não faça as vezes de lei complementar, complemente esta, no que será válida. Nessa ótica, e aqui mais uma vez voltando os olhos para o que afirmou o Ministro Marco Aurélio na decisão transcrita, os requisitos referidos no texto originário do artigo 55 da Lei nº 8.212/1991 estão em harmonia com os requisitos do artigo 14 do Código Tributário Nacional – CTN, mesmo com a previsão de novas exigências, porque estas, na realidade, adaptam um texto antigo – caso do CTN – a uma nova realidade social e jurídica, que são as contribuições sociais de custeio da seguridade social, categoria tributária que foi sistematizada e até mesmo criada no texto constitucional de 1988. Ademais, e é imprescindível se afirmar aqui, os requisitos estabelecidos no CTN não foram esvaziados pelos requisitos da lei ordinária em referência. Não bastassem essas considerações, é um axioma hermenêutico que a Constituição se excepciona validamente. Isso porque não há hierarquia normativa entre preceitos constitucionais originários, de sorte que nenhuma norma constitucional originária pode ser declarada inconstitucional, somente a norma constitucional derivada. Em consequência, se, para a imunidade tributária em geral, o legislador constituinte originário previu expressamente a regulamentação por lei complementar, e essa técnica é invariável no texto constitucional, vale dizer, sempre que, na Constituição Federal vigente, se entende necessária a disciplina de uma determinada matéria por lei complementar, esta é a espécie normativa expressamente prevista, então, para as contribuições sociais de custeio da seguridade social, o mesmo legislador constituinte originário, ao prever a edição de “lei”, exigiu a edição de lei ordinária, que, como se observou, é espécie normativa de idêntica hierarquia normativa da lei complementar. Portanto, cumpre afirmar que: i) é imunidade o benefício fiscal previsto no artigo 195, § 7º; ii) entidade beneficente de assistência social tem de ser necessariamente conceituada de um modo mais amplo, e não apenas como prestadora de serviços assistenciais em sentido estrito; iii) por isso, também são entidades beneficentes de assistência social entidades que prestam serviços nas áreas da saúde e da educação; iv) ficaram suspensas cautelarmente pelo Supremo Tribunal Federal as disposições da Lei nº 9.532, de 1998, restabelecendo-se os requisitos do artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991, em sua redação originária; v) a disciplina da imunidade tributária que se examina por lei ordinária é constitucionalmente válida. Atualmente, a imunidade tributária das contribuições de custeio da seguridade social está disciplinada na Lei nº 12.101, de 2009, que revogou o artigo 55 da Lei nº 8.212, de 1991. 2 Contornos do regime jurídico atual da imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social 2.1 Entidades beneficentes de assistência social na área de saúde Agora, os requisitos para a fruição da imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal estão estabelecidos na Lei nº 12.101, de 2009, tendo em conta o objeto social da entidade, se é saúde, assistência social ou educação. No tópico em questão, será examinada a área da saúde. Cumpre, então, transcrever os dispositivos pertinentes: “Art. 4º Para ser considerada beneficente e fazer jus à certificação, a entidade de saúde deverá, nos termos do regulamento: Como se observa, na fruição e preservação da imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, na área da saúde, na vigência da Lei nº 12.101, de 2009, exige-se da entidade beneficente que cumpra uma das três seguintes obrigações legais: i) faça um atendimento de pelo menos 60% dos seus serviços ao Sistema Único de Saúde – SUS; ou ii) no caso de o Gestor local do SUS não lhe destinar serviços no percentual mínimo antes referido, que, então, a entidade beneficente destine um determinado percentual, o qual será cada vez maior, conforme mais se afaste do atendimento mínimo de 60%, da sua receita com a gratuidade nos serviços na área da saúde; ou iii) alternativamente ao atendimento mínimo de 60% da prestação de seus serviços ao SUS, a entidade de saúde de reconhecida excelência poderá realizar projetos de apoio ao desenvolvimento institucional do SUS, celebrando ajuste com a União, por intermédio do Ministério da Saúde, nas áreas de i) estudos de avaliação e incorporação de tecnologias; ii) capacitação de recursos humanos; iii) pesquisas de interesse público em saúde; ou iv) desenvolvimento de técnicas e operação de gestão em serviços de saúde. Veja-se que, antes de amesquinhar a imunidade tributária de que se cuida, ou, mesmo de esvaziá-la, mas, ao revés, objetivando torná-la adequada aos seus fins, tornando as entidades beneficentes, desse modo, economicamente viáveis, por meio do bloqueio da incidência das normas tributárias de instituição de contribuição social, atrelou-se a esse benefício tributário uma atividade voltada ao atendimento dos hipossuficientes na área da saúde, em um sentido de complementaridade ao SUS, que é o serviço público de saúde. Quer dizer, se, por um lado, não há viabilidade constitucional de se restringir a imunidade de que se trata à assistência social estritamente considerada, por outro lado, ao estendê-la aos serviços de saúde, igualmente, não haveria sentido em não atrelá-la ao cumprimento de requisitos que materializem o acesso a esses serviços por pessoas que não disponham de recursos financeiros para contratarem tais serviços na iniciativa privada. Aliás, é a realização de outro princípio constitucional setorial, que rege a seguridade social, e do qual pelo menos a assistência social e a saúde fazem parte, que é o princípio da seletividade, estabelecido no artigo 194, parágrafo único, inciso III, da CF. 2.2 Entidades beneficentes de assistência social na área de educação No mesmo sentido, a Lei nº 12.101, de 2009, previu os requisitos para a fruição e a preservação da imunidade tributária do artigo 195, § 7º, da Constituição Federal pelas entidades beneficentes cujo objeto social esteja na área de educação. Vejam-se: “Art. 12. A certificação ou sua renovação será concedida à entidade de educação que atenda ao disposto nesta Seção e na legislação aplicável. § 6º Para a entidade que, além de atuar na educação básica ou em área distinta da educação, também atue na educação superior, aplica-se o disposto no art. 10 da Lei nº 11.096, de 13 de janeiro de 2005. [Art. 10. A instituição de ensino superior, ainda que atue no ensino básico ou em área distinta da educação, somente poderá ser considerada entidade beneficente de assistência social se oferecer, no mínimo, 1 (uma) bolsa de estudo integral para estudante de curso de graduação ou sequencial de formação específica, sem diploma de curso superior, enquadrado no § 1º do art. 1º desta Lei, para cada 9 (nove) estudantes pagantes de cursos de graduação ou sequencial de formação específica regulares da instituição, matriculados em cursos efetivamente instalados, e atender às demais exigências legais. § 1º A instituição de que trata o caput deste artigo deverá aplicar anualmente, em gratuidade, pelo menos 20% (vinte por cento) da receita bruta proveniente da venda de serviços, acrescida da receita decorrente de aplicações financeiras, de locação de bens, de venda de bens não integrantes do ativo imobilizado e de doações particulares, respeitadas, quando couber, as normas que disciplinam a atuação das entidades beneficentes de assistência social na área da saúde. § 2º Para o cumprimento do que dispõe o § 1º deste artigo, serão contabilizadas, além das bolsas integrais de que trata o caput deste artigo, as bolsas parciais de 50% (cinquenta por cento) ou de 25% (vinte e cinco por cento) para estudante enquadrado no § 2º do art. 1º desta Lei e a assistência social em programas não decorrentes de obrigações curriculares de ensino e pesquisa. § 3º Aplica-se o disposto no caput deste artigo às turmas iniciais de cada curso e turno efetivamente instalados a partir do 1º (primeiro) processo seletivo posterior à publicação desta Lei. § 4º Assim que atingida a proporção estabelecida no caput deste artigo para o conjunto dos estudantes de cursos de graduação e sequencial de formação específica da instituição, sempre que a evasão dos estudantes beneficiados apresentar discrepância em relação à evasão dos demais estudantes matriculados, a instituição, a cada processo seletivo, oferecerá bolsas de estudo integrais na proporção necessária para restabelecer aquela proporção. § 5º É permitida a permuta de bolsas entre cursos e turnos, restrita a 1/5 (um quinto) das bolsas oferecidas para cada curso e cada turno.] § 2º Compete à entidade de educação aferir as informações relativas ao perfil socioeconômico do candidato. Por outro lado, em seu artigo 13, exigiu da entidade beneficente que atua na área educacional uma contrapartida no sentido de destinar pelo menos 20% da sua receita à gratuidade dos seus serviços, esmiuçando em suas disposições seguintes os meios de alcance dessa gratuidade. Avulta, especialmente, que seja concedida, no mínimo, uma bolsa de estudo integral para cada 9 (nove) alunos pagantes da educação básica. Depois, detalha as alternativas legalmente estabelecidas. Igualmente, a exemplo do que já se afirmou em relação às entidades beneficentes atuantes na área da saúde, há proporcionalidade entre a exigência estipulada para legalmente se adquirir o direito subjetivo à imunidade tributária, com a renúncia fiscal que a União pratica, ao estabelecer o bloqueio da incidência das contribuições sociais de custeio da seguridade social sobre a receita dessas entidades educacionais. 2.3 Entidades beneficentes de assistência social no sentido estrito Finalmente, quanto à assistência social, a Lei nº 12.101, de 2009, estabeleceu o seguinte, em seus artigos 18 a 20: “Art. 18. A certificação ou sua renovação será concedida à entidade de assistência social que presta serviços ou realiza ações assistenciais, de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e a quem deles necessitar, sem qualquer discriminação, observada a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993. § 4º As entidades certificadas como de assistência social terão prioridade na celebração de convênios, contratos, acordos ou ajustes com o poder público para a execução de programas, projetos e ações de assistência social. Assim, entidades beneficentes de assistência social, no sentido estrito, que atuam complementarmente à Seguridade Social são entidades privadas que prestam serviços ou realizam ações assistenciais, de forma gratuita, continuada e planejada, para os usuários e, mais notadamente, a quem deles necessitar, voltadas à prática de ações tais como a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, o amparo às crianças e aos adolescentes carentes e a promoção de sua integração à vida comunitária. A lei, ainda, esmiúça a alternativa de que as entidades que prestam serviços com objetivo de habilitação e reabilitação de pessoa com deficiência e de promoção da sua integração à vida comunitária, bem como aquelas abrangidas pelo disposto no art. 35 da Lei nº 10.741, de 2003, poderão ser certificadas, desde que comprovem a oferta de, no mínimo, 60% (sessenta por cento) de sua capacidade de atendimento ao sistema de assistência social. Mais uma vez, satisfazendo tais requisitos, além de outros formais, as entidades beneficentes de assistência social terão direito subjetivo à certificação de entidade beneficente de assistência social, para fazer jus à imunidade tributária que se examina. A meu ver, há plena conformidade da disciplina normativa ao princípio constitucional da proporcionalidade. Em suma, como fincado nas considerações acima desenvolvidas, a respeito de uma das espécies de entidades beneficentes de assistência social, os requisitos estabelecidos na Lei nº 12.101, de 2009, para que as entidades beneficentes de assistência social fruam a imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal são constitucionais formal e materialmente. Conclusões Verificaram-se, então, os contornos da imunidade tributária prevista no artigo 195, § 7º, da Constituição Federal, o seu fundamento, a sua hermenêutica, o seu conceito, a sua eficácia e a sua aplicação pelo Supremo Tribunal Federal e, ainda que brevemente, o seu regime jurídico infraconstitucional vigente na atualidade, o que impôs o exame – até certo ponto, exegético – da Lei nº 12.101, de 2009. A imunidade tributária que se examinou se justifica no texto constitucional vigente, adquirindo, por essa topografia jurídica, força normativa superior no direito positivo, na medida em que visa tornar efetiva a atuação complementar de entidades privadas ao Estado brasileiro na realização dos direitos fundamentais de 2ª geração, quais sejam, os direitos sociais. O legislador constituinte originário, ao tempo que constitucionalizou os direitos fundamentais sociais, atribuindo-lhes uma eficácia de verdadeiros direitos subjetivos, não descurou de uma verdade universal, que é a carência de recursos no erário para fazer frente ao custo imbricado à realização daqueles direitos. Por isso, o próprio legislador constituinte originário previu a complementaridade da sociedade civil às ações do Estado, na prestação de serviços que realizassem os direitos fundamentais sociais. Previu, assim, no próprio texto constitucional essa complementaridade, a qual tem dois modos de se realizar. O primeiro meio se realiza por meio de empresas, submetidas às normas da livre iniciativa e orientadas para a obtenção de lucro, ainda que haja um âmbito normativo de intervenção normativa e administrativa do Estado brasileiro, no sentido de proteger os interesses e os direitos subjetivos dos consumidores integrantes de tais relações jurídicas. O segundo modo é o que é exercido por entidades civis que não visam ao lucro, mas à promoção e à realização daqueles direitos fundamentais de 2ª geração. Avultam, nesse contexto, as entidades beneficentes de assistência social, em favor das quais o legislador constituinte originário, ao tempo que criou a Seguridade Social e as contribuições sociais de custeio da seguridade social, instituiu a imunidade tributária destas contribuições, ainda que a qualificando impropriamente de isenção tributária. Verificou-se, igualmente, neste trabalho que a imunidade tributária, antes de constituir uma mera dispensa de pagamento de tributo – qualificada, por constar de norma constitucional –, é, isto sim, uma técnica de competência negativa instituída em desfavor do ente federativo dotado da competência para instituir o tributo, impedindo, desse modo, o nascimento da própria obrigação tributária, além de expressar economicamente uma importante renúncia fiscal. A imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social deve ser compreendida, portanto, nesse contexto. Os contornos da imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social, claro que sem desprezar a melhor doutrina tributária, acabaram sendo melhor e decisivamente fixados pelo Supremo Tribunal, no exercício de sua jurisdição constitucional. Nessa jurisdição constitucional, restaram estabelecidos importantes aspectos do instituto examinado, até mesmo vinculantes do próprio legislador infraconstitucional, a saber: i) não pode haver o amesquinhamento da imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social, por meio do estreitamento do conceito de entidade beneficente de assistência social; ii) de sorte que pelo menos a primeira conceituação infraconstitucional, de que ela pode se dedicar não apenas aos serviços assistenciais propriamente ditos, mas também aos serviços de educação e saúde para fazer a jus à imunidade de que se cuida, não é suscetível de diminuição conceitual; e iii) lei ordinária é um veículo válido de disciplina normativa infraconstitucional dessa imunidade tributária. Nesse sentido, afigura-se válida a disciplina normativa infraconstitucional promovida pela Lei nº 12.101, de 2009, para viabilizar e tornar eficaz a imunidade tributária das contribuições sociais de custeio da seguridade social. Com efeito, ao estendê-la às entidades beneficentes que atuam complementarmente ao Estado na promoção e na realização dos direitos fundamentais de saúde, educação e assistência social, essa lei exigiu, em contrapartida e de modo proporcional, o cumprimento de requisitos, cujas primeiras ideias são a universalização, a seletividade e a gratuidade de tais serviços. Referências bibliográficas AMARO, Luciano da Silva. Direito Tributário brasileiro. 3. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1999. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996 por Mizabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1998. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. BRASIL. ADIn n. 2.028. Requerente: Confederação Nacional de Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e Serviços – CNS. Relator Ministro Moreira Alves. Data de Julgamento 11.11.1999. STF – Seção de Registro de Acórdão. BRASIL. ADIn n. 2.028. Requerente: Confederação Nacional de Saúde – Hospitais, Estabelecimentos e Serviços – CNS. Decisão Monocrática da Presidência – Ministro Marco Aurélio. Data da decisão 14.07.1999. Acompanhamento processual: <www.stf.jus.br>. Notas
1. BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do Direito Tributário. 3. ed. São Paulo: Lejus, 1998. p. 305-306. 2. BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7. ed. rev. e compl. à luz da Constituição de 1988 até a Emenda Constitucional nº 10/1996 por Mizael Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 1998. p. 226-227.
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Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT): |
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