Termo inicial da prescrição da pretensão executória: uma releitura da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal à luz do sistema constitucional e processual penal contemporâneo

Autora: Denise Dias de Castro Bins

Juíza Federal Substituta, Especialista em Direito do Consumidor e Direitos Fundamentais pela Ufrgs

 publicado em 18.12.2013


Resumo

A prescrição criminal é a perda da pretensão punitiva ou da pretensão executória pelo transcurso do tempo legalmente previsto e pela inércia estatal. O marco inicial mais comum da prescrição executória era tradicionalmente entendido como a data do transcurso do prazo para a acusação recorrer do quantum da pena aplicada na sentença condenatória. Esse entendimento, contudo, não se coaduna com o panorama jurídico contemporâneo, em que a jurisprudência, por interpretação ampliativa das garantias constitucionais, considera inadmissíveis a execução provisória da pena, mesmo na pendência de recursos extraordinários, e a obrigatoriedade de recolhimento e manutenção do réu na prisão para apelar. Diante da quebra da coerência do indissociável sistema de execução da pena, formado pelas normas penais e processuais, não pode subsistir a interpretação tradicional sobre o início da prescrição da pretensão executória, sob pena de ofensa aos direitos e garantias constitucionais, aos fundamentos da prescrição, à teoria da actio nata e à isonomia entre as partes. É preciso dar interpretação conforme a Constituição à primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, para entender o termo inicial da prescrição da pena como a data em que a condenação adquire definitividade, com a irrecorribilidade para acusação e defesa.

Palavras-chave: Prescrição. Prescrição da pretensão executória. Prescrição da pena. Prescrição da condenação. Interpretação conforme a Constituição. Trânsito em julgado. Trânsito em julgado para a acusação.

Sumário: Introdução. 1 O instituto da prescrição, suas espécies na seara penal e a interpretação tradicional sobre o termo inicial de seu curso para a execução da pena. 1.1 Noções gerais sobre a prescrição e seus fundamentos. 1.2 Prescrição da pretensão executória e entendimento tradicional sobre seus termos iniciais. 2 Elementos constitucionais e processuais penais contemporâneos em colisão com a interpretação tradicional da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal. 2.1 Princípios do contraditório e da ampla defesa e a impossibilidade de não conhecimento de recurso por falta de recolhimento ou fuga do cárcere. 2.2 Princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade e a impossibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado para ambas as partes. 3 Insubsistência da interpretação tradicional do termo inicial previsto na primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal e solução jurídica para sua adequação ao sistema contemporâneo. 3.1 Insubsistência da interpretação do termo inicial da prescrição da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal como sendo a data em que transcorre, para a acusação, o prazo para interposição de recurso da decisão condenatória. 3.2 Solução jurídica para a adequação da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal ao sistema constitucional e processual penal contemporâneo: interpretação conforme a Constituição. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

Em tempos de reformulação de conceitos e ampliação jurisprudencial do alcance de direitos e garantias fundamentais em matéria processual penal, somadas ao acúmulo de trabalho no Ministério Público e nos órgãos do Poder Judiciário e à escalada da criminalidade no Brasil, assume especial relevo a matéria da prescrição penal, mais especificamente do momento do surgimento da pretensão executória da pena e do consequente termo inicial da contagem do prazo prescricional da condenação.

Impõe-se reconhecer a existência de um sistema de execução criminal, composto por normas de natureza processual e material, e reencontrar a coerência desse conjunto indissociável à luz dos novéis entendimentos consagrados pelo Supremo Tribunal Federal em matéria de execução da pena e recolhimento ao cárcere, visando a assegurar as garantias individuais dos acusados e, simultaneamente, os direitos fundamentais dos demais cidadãos, evitando a impunidade em caso de inexistência de inércia estatal na persecução penal.

No intuito de trabalhar esse aspecto relevante do Direito Criminal e buscando realizar uma releitura do dies a quo da prescrição da pretensão executória previsto na primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, especialmente utilizado na prática jurídica e atingido pelas mudanças de entendimento jurisprudencial, discorrer-se-á, no presente artigo, inicialmente, a respeito do instituto da prescrição, de forma ampla, analisando suas características gerais e fundamentos, bem como tratando das espécies de pretensões (e consequentes prescrições) na esfera criminal e da específica prescrição da pretensão executória, com seu termo inicial principal.

Em um segundo momento, analisar-se-ão os elementos constitucionais e processuais penais contemporâneos que colidem com a interpretação tradicional dada ao termo inicial da prescrição da pretensão executória escrito na primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, relatando-se as duas principais transformações do sistema de execução criminal, decorrentes da interpretação ampliativa dada aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da presunção de inocência/não culpa, quais sejam: o afastamento da possibilidade de não conhecimento de recurso por falta de recolhimento ou fuga do cárcere e o rechaço à admissibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado para ambas as partes do processo penal.

Finalmente, abordar-se-á a insubsistência da interpretação tradicional dada ao termo inicial de prescrição previsto na primeira parte do inciso I do artigo 112 da Lei Penal – entendido como a data em que transcorre, para a acusação, o prazo para interposição de recurso da decisão condenatória –, discorrendo-se sobre os fundamentos para a inoperância desse entendimento e procurando-se solução jurídica para adequação do dispositivo legal ao sistema constitucional e processual penal contemporâneo por meio da interpretação conforme a Constituição.

1 O instituto da prescrição, suas espécies na seara penal e a interpretação tradicional sobre o termo inicial de seu curso para a execução da pena

1.1 Noções gerais sobre a prescrição e seus fundamentos

O transcurso do tempo produz efeitos relevantes em todos os ramos do Direito. Por meio dele, opera-se o nascimento, a alteração, a transmissão ou a perda de direitos.

No âmbito penal, não é diferente. O decurso de determinados interstícios fixados na lei, dentre outras consequências, age como fator limitador do jus puniendi concreto e do jus punitionis do Estado, incidindo sobre a conveniência política de ser mantida a persecução criminal ou de ser executada a pena em face de um infrator do sistema.

Com efeito, o Estado, como ente dotado de soberania, é o titular exclusivo do direito de punir (jus puniendi). Tal direito existe, em um primeiro momento, de forma abstrata e geral, impondo-se a todos, com substrato no preceito primário da lei incriminadora, de forma a coibir a prática das infrações tipificadas na legislação penal. Uma vez praticado um delito, o direito abstrato e impessoal de punir adquire concretude e se volta especificamente contra o infrator, com base no preceito secundário da norma, tornando-se pretensão e formando uma relação jurídico-punitiva específica entre Estado e delinquente: o primeiro passa a ter o interesse (poder-dever) de submeter ao seu direito de punir o direito de liberdade do segundo. Surge a punibilidade, entendida como possibilidade de efetivação concreta da pretensão punitiva por meio do julgamento da pretensão pelo Poder Judiciário. Quando transita em julgado a sentença condenatória, o direito de punir concreto se converte em jus punitionis ou jus executionis, transformando-se a pretensão punitiva em pretensão executória – exigência de execução da sanção penal concretizada na sentença. E a satisfação de qualquer dessas pretensões deve ser efetivada dentro de prazos determinados, sob pena de o Estado perdê-las, advindo a prescrição.

Em síntese, nas palavras de Fernando Capez: prescrição é a “perda do direito-poder-dever de punir pelo Estado em face do não exercício da pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse de executá-la) durante certo tempo”.(1)

Trata-se de causa de extinção da punibilidade, conforme previsto, de forma expressa, no artigo 107, inciso IV, do Código Penal, que deixa subsistir a ilicitude penal do fato. E, justamente em virtude da figuração do instituto em tal categoria (de causa extintiva da punibilidade), prevalece, embora não sem discussão, o entendimento de que a prescrição apresenta natureza de direito penal, afetando não apenas o processo, mas o direito em si de punir ou executar a punição imposta(2) pelo cometimento de qualquer delito penal – exceto daqueles excluídos expressamente pela Constituição da República Federativa do Brasil.(3)

No que se refere à justificativa para a existência da prescrição – que, segundo estudiosos, remonta à Lex Julia de Adulteriis, editada nas últimas décadas antes de Cristo, e, modernamente, ao Código Penal francês de 1791(4) –, inúmeras foram as teorias criadas para fundamentá-la, algumas com força na doutrina pátria, outras rechaçadas pela maioria dos doutos. Podem ser citadas, exemplificativamente: a teoria do esquecimento; a teoria da expiação (do criminoso ou moral); a teoria da emenda; a teoria psicológica; a teoria das provas ou da dispersão; a teoria da presunção de ineficiência do Estado.(5)

De toda sorte, certo é que, independentemente do subjetivismo que permeia muitas das teses, levando em conta uma suposta emenda do acusado, seu possível arrependimento, o arrefecimento da lembrança do crime na memória da sociedade, etc., a prescrição constitui instrumento de política criminal que se embasa no binômio tempo-inércia estatal, configurando, nas palavras de Damásio Evangelista de Jesus, “um castigo à negligência da autoridade”(6) e visando, como ensina Fernando Capez, a combater a ineficiência estatal.(7) Afinal, nas palavras de Cezar Roberto Bitencourt:

 “[...] inaceitável a situação de alguém que, tendo cometido um delito, fique sujeito, ad infinitum, ao império da vontade estatal punitiva. Se existem prazos processuais a serem cumpridos, a sua não observância é um ônus que não deve pesar somente contra o réu. A prestação jurisdicional tardia, salvo em crimes de maior gravidade, não atinge o fim da jurisdição: a justiça. Não há interesse social nem legitimidade política em deixar o criminoso indefinidamente sujeito a um processo ou a uma pena.”(8)

1.2 Prescrição da pretensão executória e entendimento tradicional sobre seus termos iniciais

Já se falou brevemente nas duas “pretensões” estatais nascidas após o cometimento de uma infração, ambas passíveis de prescrição: a pretensão punitiva e a pretensão executória (também entendida como prolongamento da primeira).

Heleno Fragoso explica as duas modalidades de prescrição daí oriundas:

“São duas as espécies de prescrição. A primeira, impropriamente chamada de prescrição da ação penal, é, em realidade, prescrição da pretensão punitiva. Ocorre antes da sentença definitiva transitar em julgado e representa a cessação do direito do Estado à persecução penal. A prescrição nesse caso faz desaparecer o direito de ação. A segunda espécie é a chamada prescrição da condenação, que em realidade é prescrição da pretensão executória, que surge após a sentença definitiva. Ela faz desaparecer o direito do Estado à execução da pena imposta. Atinge também o direito de punir, que cessa com o decurso do tempo.”(9)

Ambas as espécies têm como norte os prazos previstos no artigo 109 do Código Penal,(10) valendo destacar, contudo, que, enquanto a primeira pode ser regulada pela pena máxima cominada abstratamente para o crime ou pela pena concretamente fixada em sentença (no caso das prescrições superveniente e retroativa), a prescrição da pretensão executória sempre parte da pena in concreto, ou seja, da sanção que deve efetivamente ser executada – podendo o prazo restar aumentado, em caso de já ser reincidente o condenado (artigo 110 do Código Penal), ou diminuído, na hipótese de ser ele menor de 21 anos na data do crime ou maior de setenta na data da condenação (artigo 115 do Estatuto Repressivo).

Atentando especialmente para a dita “prescrição da condenação”, que releva à presente exposição, ela, como já se viu, obsta a execução da pena imposta no decreto condenatório; não expunge, contudo, as consequências de ordem secundária da sentença condenatória, como o lançamento do nome do réu no rol dos culpados, a obrigatoriedade do pagamento das custas processuais e da reparação do dano, a caracterização da reincidência, etc.

Regulando o instituto, figuram, na Lei Penal, os artigos 110, 112, 113, 116 e 117, cujas redações foram já modificadas pelas Leis nos 6.416/1977, 7.209/1984 e 12.234/2010. Assim dispõem os excertos de tais dispositivos relevantes para a presente exposição:

“Prescrição depois de transitar em julgado sentença final condenatória: Art. 110 – A prescrição depois de transitar em julgado a sentença condenatória regula-se pela pena aplicada e verifica-se nos prazos fixados no artigo anterior, os quais se aumentam de um terço, se o condenado é reincidente. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984) [...]”

“Termo inicial da prescrição após a sentença condenatória irrecorrível: Art. 112 – No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984): I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984) [...]”

“Causas interruptivas da prescrição: Art. 117 – O curso da prescrição interrompe-se (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.07.1984): [...] V – pelo início ou continuação do cumprimento da pena; (Redação dada pela Lei nº 9.268, de 01.04.1996) [...]”

Especialmente importante aqui é a parcial antinomia entre os artigos 110, título e caput, e o artigo 112, inciso I, primeira parte, do Código, que trazem uma aparente divergência sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória no que se refere ao cumprimento da pena: consoante o primeiro dispositivo, essa modalidade de prescrição se verificaria “depois de transitar em julgado a sentença condenatória”, ao passo que, conforme o segundo, a prescrição começaria a contar “do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação”.

Em virtude da expressão “para a acusação”, a interpretação tradicionalmente tecida acerca desse marco inicial do prazo prescricional executório foi a de que consistiria na data em que, intimado o Ministério Público ou o querelante do decisum condenatório, transcorresse in albis o prazo recursal tocante ao quantum de pena aí arbitrado. Aliás, melhor seria dizer o contrário: a redação dada à primeira parte do inciso I do artigo 112 da Lei Penal, na reforma de 1984, incluiu a expressão “para a acusação”, inexistente no dispositivo anteriormente (que falava genericamente em trânsito em julgado), em função do entendimento jurisprudencial(11) então vigente, no sentido de que o dies a quo do prazo da prescrição da pretensão executória deveria ser a data em que é consolidada a quantia máxima de pena passível de ser aplicada ao réu sub judice pela falta de recurso da acusação visando ao seu aumento – não a completa imutabilidade da condenação. É o que esclarece Damásio de Jesus:

 “[...] a jurisprudência, apreciando o texto do primitivo CP de 1940, decidiu que a expressão ‘do dia em que passa em julgado a sentença condenatória’ se referia à acusação, prescindindo-se até de intimação ao réu. Daí a reforma penal de 1984 haver acrescentado ao texto a expressão ‘para a acusação’. Dessa forma, transitando a decisão em julgado para a acusação (Promotor de Justiça, querelante e assistente da acusação), é dessa data que se conta o lapso prescricional, ainda que não tenha sido intimado o réu. Isso, entretanto, depende de uma condição: que a sentença também tenha transitado em julgado para a defesa. Ocorrendo esse requisito, a contagem se faz da data do trânsito em julgado para a acusação.”(12),(13)

Esse entendimento, de fato, guardava alguma coerência, à época, em virtude do conjunto processual penal que o circundava. Afinal, o Código Adjetivo não apenas previa a inexistência de efeito suspensivo para os recursos extraordinários,(14) determinando que os autos, após as razões e contrarrazões, baixassem à primeira instância, para execução da pena, mas ainda determinava a execução provisória da condenação já desde a decisão de primeira instância, impedindo o réu de apelar sem se recolher à prisão, ressalvadas apenas algumas situações especiais, na linha do que se extrai do atualmente revogado artigo 594.(15) Outrossim, o artigo 595 do mesmo Código, hoje igualmente insubsistente, punia com a deserção do recurso de apelação o réu que fugisse após sua interposição.(16)

Ora, se a execução da pena era devida, como regra, uma vez proferida a decisão condenatória (mesmo em primeiro grau), o seu não cumprimento, a partir de então, já poderia caracterizar a inércia do Estado, justificando-se, assim, que, a contar de então – ou, mais propriamente, da não interposição de recurso pela acusação (legalmente denominada “trânsito em julgado para a acusação”), tornando definitiva a baliza máxima de pena imposta –, fluísse o interregno da prescrição da pretensão executória, como tradicionalmente interpretada a primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal.

2 Elementos constitucionais e processuais penais contemporâneos em colisão com a interpretação tradicional da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal

Como recém-referido, diante do conjunto, de certo modo, sistêmico formado pelas antigas redações do Código Penal e do Código de Processo Penal, grassou, por longos anos, o entendimento doutrinário e jurisprudencial(17) no sentido de que o mais comum marco inicial da prescrição da pretensão executória era, de fato, o “trânsito em julgado para a acusação”, condicionado à futura formação de coisa julgada para ambas as partes, tendo por consequência, inclusive, o curso de dois prazos prescricionais de natureza diversa de modo simultâneo (o da pretensão executória e o da pretensão punitiva intercorrente).

Isso assim se manteve em uma primeira quadra após o advento da Constituição Federal de 1988. Afinal, não obstante a nova Carta Magna já previsse, desde sua edição, direitos e garantias fundamentais como o do devido processo legal, o do contraditório, o da ampla defesa, o da presunção de inocência ou não culpa, dentre diversos outros, a interpretação doutrinária e jurisprudencial a eles dada mostrou-se, inicialmente, tímida, sem alcançar as disposições tradicionais que as antecederam na legislação penal e processual penal e conduzir ao entendimento por sua não recepção. E não apenas se mantiveram hígidos e aplicáveis dispositivos preexistentes, como também outros foram editados, na mesma linha, já na vigência da atual Constituição, como mais adiante se verá.

Ocorre que, com o correr dos anos e o amadurecimento da jurisprudência constitucional pátria, a leitura dada às citadas garantias foi se mostrando ampliativa, a ponto de tornar letra morta, na visão do Supremo Tribunal Federal e da maior parte das Cortes do País, disposições processuais penais que mantinham a lógica do sistema de execução criminal como um todo, especialmente aquelas referentes à possibilidade/dever de imediata execução do decreto condenatório e à vedação à interposição/tramitação de recurso sem recolhimento à prisão, que influem direta e significativamente na lógica do termo inicial da prescrição da pretensão executória prevista na primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, segundo a interpretação tradicionalmente a ele conferida.

Vejam-se as modificações mais relevantes ao tema.

2.1 Princípios do contraditório e da ampla defesa e a impossibilidade de não conhecimento de recurso por falta de recolhimento ou fuga do cárcere

De acordo com a literalidade da redação do Código de Processo Penal vigente até meados de 2008, não se admitia, como já dito, salvo nas situações excepcionais previstas no artigo 594 do Diploma, a interposição de apelação contrária à sentença condenatória, pelo réu, sem o seu recolhimento à prisão para início da execução provisória da pena; da mesma forma, a tramitação do apelo não era mantida, caso, após a interposição da apelação, o denunciado se evadisse do sistema prisional (artigo 595 do CPP).

Os dispositivos em questão foram mantidos não apenas pela legislação, mas, também, ao longo de anos, pela jurisprudência dos tribunais do País, aí incluído o Supremo Tribunal Federal, do que é exemplo o seguinte julgado, já do ano de 2001:

“Recurso extraordinário. Processo penal. Habeas corpus de ofício. 2. Habeas corpus concedido de ofício, após fuga do réu, fundado em afronta ao princípio da ampla defesa, do acesso ao judiciário e do duplo grau de jurisdição, por ter sido julgada deserta a apelação interposta, uma vez que a sentença não lhe permitira o recurso em liberdade. 3. Recurso extraordinário interposto com alegação de ofensa aos incisos LIV e LV do art. 5º da Constituição. 4. Parecer da P.G.R. pelo provimento do recurso. 4. Tese recorrida que não tem sido consagrada por esta Corte. No RHC 73.274-SP, afirmou-se que,’empreendida a fuga, incide a deserção do recurso interposto. O fato de o apelante ser recapturado antes do julgamento da apelação não afasta do mundo jurídico o fenômeno ocorrido, ou seja, a deserção do recurso com trânsito em julgado da sentença condenatória’. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido para cassar o habeas corpus concedido de ofício pelo Tribunal a quo, reconhecendo, em conseqüência, o trânsito em julgado da sentença com relação ao paciente.”(18)

Entretanto, em meados da década passada, muitos juízes e o próprio Pretório Excelso passaram a refletir mais detidamente sobre as garantias insculpidas no artigo 5º, incisos LIV (“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”) e LV (“aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”), da Carta Constitucional, concluindo que, ao contrário do que dispunha a lei, não seria admissível, sem maior fundamento cautelar, a prisão do condenado em primeira instância pura e simplesmente para alcançar recurso em face de sua condenação; tratar-se-ia de pressuposto recursal desarrazoado, porque estranho ao objeto em si do recurso, limitador da ampla defesa e anti-isonômico (diante da impossibilidade de imposição de exigência semelhante para o recurso da acusação em face de sentença absolutória).(19)

Assim sendo, o artigo 594 da Lei Adjetiva passou a ser interpretado como hipótese de prisão cautelar, sendo os maus antecedentes ou a reincidência (pressupostos negativos da possibilidade de oferecimento de apelação em liberdade, segundo a letra do dispositivo) simples indicativos do periculum libertatis, a serem complementados com o atendimento aos requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.(20) A redação estrita do artigo 594, portanto, passou a ser vista como não recepcionada pela Constituição Federal de 1988, da mesma forma que o artigo 595, que deixou de ser levado como causa de deserção do recurso interposto.

Nesse sentido, houve alguns julgados do Supremo Tribunal Federal, a contar de 2004,(21) que se pacificaram, no âmbito do Pleno, a partir de 2009, como se verifica do seguinte precedente:

“RECURSO – PRESSUPOSTOS DE RECORRIBILIDADE. Os pressupostos de recorribilidade hão de estar ligados ao inconformismo revelado pela parte, ao próprio recurso interposto. APELAÇÃO CRIMINAL – DESERÇÃO. Surge extravagante ter-se como deserta a apelação ante o fato de o réu condenado haver empreendido fuga. APELAÇÃO CRIMINAL – DESERÇÃO – ARTIGO 595 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. O artigo 595 do Código de Processo Penal mostrou-se incompatível com a Constituição Federal de 1988, surgindo, na dicção da ilustrada maioria, a ausência de recebimento do preceito, concluindo o relator pela inconstitucionalidade.”(22),(23)

Na mesma linha, foi editado, em abril de 2008, o verbete nº 347 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, dispondo que “O conhecimento de recurso de apelação do réu independe de sua prisão”.

E a própria lei acabou sendo revista, com a revogação, primeiro, do artigo 594 pela Lei nº 11.719/2008 (que também alterou a redação do artigo 397 do CPP, o qual dispõe sobre a sentença, incluindo-lhe um parágrafo único que determina que “O juiz decidirá, fundamentadamente, sobre a manutenção ou, se for o caso, imposição de prisão preventiva ou de outra medida cautelar, sem prejuízo do conhecimento da apelação que vier a ser interposta”), e, a seguir, também do artigo 595 pela Lei nº 12.403/2011.

2.2 Princípio da presunção de inocência ou não culpabilidade e a impossibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado para ambas as partes

A evolução do entendimento sobre os efeitos do recurso extraordinário e a possibilidade de execução provisória da pena teve curso semelhante ao da necessidade de recolhimento e manutenção na prisão para apelar.

Nos termos já referidos, a legislação pré-Constituição de 1988 atribuía aos recursos extraordinários efeito meramente devolutivo, não apenas permitindo, mas determinando que, após arrazoada e contra-arrazoada a insurgência recursal contra acórdão condenatório ou confirmatório de sentença condenatória, os autos “originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença”, como se lê no artigo 637 do Código de Processo Penal.

Por delongado interregno, após a vigência da atual Carta, o dispositivo seguiu integralmente aplicado, admitindo-se a execução provisória, quando já decidido o feito em primeiro e segundo graus, sem que isso fosse considerado ofensivo a qualquer direito ou garantia fundamental. Aliás, não só se manteve hígido tal artigo, como outras normas ainda foram editadas, impondo prisões automáticas, independentes de requisitos de cautelaridade, bem como repetindo a redação da Lei Adjetiva no âmbito do processamento de ações originárias dos tribunais (§ 2º do artigo 27 da Lei nº 8.038/1990).(24) O próprio Superior Tribunal de Justiça, já nos idos de 2002, com quase quatorze anos de vigência da Constituição Cidadã, ainda editou verbete acrescido à sua Súmula, dispondo que “A interposição de recurso, sem efeito suspensivo, contra decisão condenatória não obsta a expedição de mandado de prisão”.(25)

Entretanto, aos poucos, uma divergência passou a ser identificada entre as disposições do CPP e aquelas da Lei de Execução Penal (embora sua redação remontasse à mesma data da reforma de 1984), segundo a qual, para alguns, exigir-se-ia o trânsito em julgado da decisão condenatória para a expedição de guia de recolhimento para a execução – e, portanto, para a própria prisão.(26) Mas, mais do que isso, o princípio da presunção de inocência ou não culpa, consagrado no inciso LVII do artigo 5º da Constituição Federal (“ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”), aliado ao já citado direito à ampla defesa, passou a ser mais e mais invocado e elastecido, culminando em uma inédita decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal, proferida em 2009, que acabou, ainda que por maioria de sete votos a quatro, consagrando a impossibilidade de execução da pena antes do trânsito em julgado do decreto condenatório para ambas as partes, ressalvada a admissibilidade de prévia imposição de prisão cautelar. Eis a ementa do leading case:

HABEAS CORPUS. INCONSTITUCIONALIDADE DA CHAMADA ‘EXECUÇÃO ANTECIPADA DA PENA’. ART. 5º, LVII, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. ART. 1º, III, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O art. 637 do CPP estabelece que ‘[o] recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância para a execução da sentença’. A Lei de Execução Penal condicionou a execução da pena privativa de liberdade ao trânsito em julgado da sentença condenatória. A Constituição do Brasil de 1988 definiu, em seu art. 5º, inciso LVII, que ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’. 2. Daí que os preceitos veiculados pela Lei n° 7.210/84, além de adequados à ordem constitucional vigente, sobrepõem-se, temporal e materialmente, ao disposto no art. 637 do CPP. 3. A prisão antes do trânsito em julgado da condenação somente pode ser decretada a título cautelar. 4. A ampla defesa, não se a pode visualizar de modo restrito. Engloba todas as fases processuais, inclusive as recursais de natureza extraordinária. Por isso a execução da sentença após o julgamento do recurso de apelação significa, também, restrição do direito de defesa, caracterizando desequilíbrio entre a pretensão estatal de aplicar a pena e o direito, do acusado, de elidir essa pretensão. 5. Prisão temporária, restrição dos efeitos da interposição de recursos em matéria penal e punição exemplar, sem qualquer contemplação, nos ‘crimes hediondos’ exprimem muito bem o sentimento que EVANDRO LINS sintetizou na seguinte assertiva: ‘Na realidade, quem está desejando punir demais, no fundo, no fundo, está querendo fazer o mal, se equipara um pouco ao próprio delinquente’. 6. A antecipação da execução penal, ademais de incompatível com o texto da Constituição, apenas poderia ser justificada em nome da conveniência dos magistrados – não do processo penal. A prestigiar-se o princípio constitucional, dizem, os tribunais [leia-se STJ e STF] serão inundados por recursos especiais e extraordinários e subsequentes agravos e embargos, além do que ‘ninguém mais será preso’. Eis o que poderia ser apontado como incitação à ‘jurisprudência defensiva’, que, no extremo, reduz a amplitude ou mesmo amputa garantias constitucionais. A comodidade, a melhor operacionalidade de funcionamento do STF não pode ser lograda a esse preço. 7. No RE 482.006, relator o Ministro Lewandowski, quando foi debatida a constitucionalidade de preceito de lei estadual mineira que impõe a redução de vencimentos de servidores públicos afastados de suas funções por responderem a processo penal em razão da suposta prática de crime funcional [art. 2º da Lei n° 2.364/61, que deu nova redação à Lei n° 869/52], o STF afirmou, por unanimidade, que o preceito implica flagrante violação do disposto no inciso LVII do art. 5º da Constituição do Brasil. Isso porque – disse o relator – ‘a se admitir a redução da remuneração dos servidores em tais hipóteses, estar-se-ia validando verdadeira antecipação de pena, sem que esta tenha sido precedida do devido processo legal, e antes mesmo de qualquer condenação, nada importando que haja previsão de devolução das diferenças, em caso de absolvição’. Daí porque a Corte decidiu, por unanimidade, sonoramente, no sentido do não recebimento do preceito da lei estadual pela Constituição de 1988, afirmando de modo unânime a impossibilidade de antecipação de qualquer efeito afeto à propriedade anteriormente ao seu trânsito em julgado. A Corte que vigorosamente prestigia o disposto no preceito constitucional em nome da garantia da propriedade não a deve negar quando se trate da garantia da liberdade, mesmo porque a propriedade tem mais a ver com as elites; a ameaça às liberdades alcança de modo efetivo as classes subalternas. 8. Nas democracias mesmo os criminosos são sujeitos de direitos. Não perdem essa qualidade, para se transformarem em objetos processuais. São pessoas, inseridas entre aquelas beneficiadas pela afirmação constitucional da sua dignidade (art. 1º, III, da Constituição do Brasil). É inadmissível a sua exclusão social, sem que sejam consideradas, em quaisquer circunstâncias, as singularidades de cada infração penal, o que somente se pode apurar plenamente quando transitada em julgado a condenação de cada qual. Ordem concedida.”(27)

Concordando-se ou não com o julgado, fato é que assim decidiu a Corte Suprema, ainda que em sede de processo individual, mas dando efeitos erga omnes ao menos às razões de decidir (força do precedente), já que, de maneira geral, vem aplicando – da mesma forma que a maioria dos demais tribunais e juízes brasileiros – o entendimento debatido e consagrado aos demais casos que chegam àquela instância.

Em virtude da mudança de entendimento e alcance interpretativo das garantias fundamentais em tela, o Código de Processo Penal, embora não tenha sido especificamente alterado, no tocante aos efeitos dos recursos extraordinários, passou por ampla revisão de suas disposições sobre a prisão, inclusive no ponto das medidas cautelares em matéria criminal, outrossim, deixando de prever, genericamente, que, “À exceção do flagrante delito, a prisão não poderá efetuar-se senão em virtude de pronúncia ou nos casos determinados em lei, e mediante ordem escrita da autoridade competente”,(28) para dispor, na redação dada pela Lei nº 12.403/2011, que

“Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva.”(29)

Ou seja, a letra do Código passou a exigir, para a prisão, os requisitos da preventiva ou da temporária, o flagrante (que, de toda sorte, hoje, somente autoriza a manutenção da prisão na hipótese de presença dos requisitos do artigo 312 do CPP) ou a ordem de autoridade judiciária competente em decorrência de decisão condenatória transitada em julgado, excluindo a hipótese de execução provisória sem periculum libertatis.

3 Insubsistência da interpretação tradicional do termo inicial previsto na primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal e solução jurídica para sua adequação ao sistema contemporâneo

3.1 Insubsistência da interpretação do termo inicial da prescrição da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal como sendo a data em que transcorre, para a acusação, o prazo para interposição de recurso da decisão condenatória

Como fica evidente, toda essa inovação no entendimento sobre os dispositivos processuais penais provocou profunda modificação na sistemática ligada à execução da pena, afetando a questão do termo inicial da prescrição da pretensão executória. Com efeito, se havia algum sentido em se dispor, em 1984, que o prazo prescricional tinha início com o “trânsito em julgado para a acusação” – porque, a partir de então, o Estado podia efetivamente buscar, ainda que de forma provisória, o cumprimento da sanção imposta ao condenado –, esse sentido se perde, no momento em que, diante das garantias constitucionais, a jurisprudência passa a decidir que a execução da pena só se pode dar após passar em julgado a condenação para ambas as partes – momento em que, efetivamente, a penalização adquire contornos de imutabilidade (passíveis apenas de uma eventual revisão criminal), fazendo nascer a pretensão consistente no jus punitionis.

Trata-se, na realidade, de um “bloco” normativo, uma incindível unidade estrutural, que, ao ter a interpretação e a recepção apenas parcialmente modificadas, perde o equilíbrio e a lógica, necessitando ser revisto ou reinterpretado como um todo diante de sua relação de interdependência. Como bem afirma Douglas Fischer, “não se pode é dar interpretação conforme [a Constituição] unicamente em relação ao estatuto processual penal, olvidando-se por inteiro as determinações do Código Penal, originárias e umbilicalmente conectadas e dependentes daquelas cujo sentido se modificou”.(30)

Note-se: é bem verdade que a doutrina e a jurisprudência pátrias admitem plenamente a teoria da divisibilidade da lei/do sistema normativo, motivo pelo qual só se deve imputar inconstitucionais – em qualquer âmbito de controle, seja preventivo (artigo 66, § 2º, da Constituição) ou repressivo – as normas efetivamente viciadas, evitando-se estender o juízo de censura a outras partes da legislação. Mas isso só se justifica se essas partes restantes puderem subsistir de forma autônoma, estando presentes condições objetivas e subjetivas de divisibilidade, exame que pressupõe a análise do grau de dependência entre os dispositivos – que, no caso ora tratado, reputa-se elevado, ocasionando a impossibilidade de manutenção do dispositivo referente ao termo inicial da prescrição da pretensão executória (ou ao menos de sua interpretação tradicional) após o reconhecimento da não recepção das normas processuais penais sobre o início da execução da pena.

Pode-se, aqui, tecer um paralelo com o que a doutrina constitucional e o próprio Supremo Tribunal têm denominado inconstitucionalidade “por arrastamento” ou “por consequência”,(31) que decorre justamente da relação de dependência entre dispositivos de uma mesma lei ou entre normas de diplomas diversos. Em que pese tal técnica seja aplicada, como regra, pelo Pretório Excelso, nas ações diretas de inconstitucionalidade, não se vê óbice à sua aplicação em qualquer nível de análise da compatibilidade de normas com a Constituição, ao contrário, já que a relação de dependência ou interdependência entre dispositivos deve sempre ser observada, sejam eles discutidos em sede de controle concentrado, sejam em de difuso, tendo sido todos invocados ou não como inconstitucionais – veja-se que a técnica visa a manter íntegro e coerente o sistema, postulado das formas tradicionais de interpretação (interpretação sistemática, e.g.), reforçado pela superveniência de técnicas específicas de interpretação constitucional, decorrentes do ganho de força e normatividade dos textos constitucionais no período contemporâneo e pós-moderno.

Sobre o tema, explica Gilmar Mendes, em obra de doutrina:

“O Supremo Tribunal Federal também profere a declaração de inconstitucionalidade total de uma lei se identifica relação de dependência ou de interdependência entre suas partes constitucionais e inconstitucionais. Se a disposição principal da lei há de ser considerada inconstitucional, pronuncia o Supremo Tribunal Federal a inconstitucionalidade de toda a lei, salvo se algum dispositivo puder subsistir sem a parte considerada inconstitucional. Trata-se aqui de uma declaração de inconstitucionalidade em virtude de dependência unilateral. A indivisibilidade da lei pode resultar, igualmente, de uma forte integração entre as suas diferentes partes. Nesse caso, tem-se a declaração de inconstitucionalidade em virtude da chamada dependência recíproca. A dependência ou interdependência normativa entre os dispositivos de uma lei pode justificar a extensão da declaração de inconstitucionalidade a dispositivos constitucionais mesmo nos casos em que estes não estejam incluídos no pedido inicial da ação. É o que a doutrina denomina de declaração de inconstitucionalidade consequente ou por arrastamento.”(32),(33)

No mesmo sentido, anotam Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino que,

 “[...] se as normas legais guardam interconexão e mantêm, entre si, vinculo de dependência jurídica, formando-se uma incindível unidade estrutural, não poderá o Poder Judiciário proclamar a inconstitucionalidade de apenas algumas das disposições, mantendo as outras no ordenamento jurídico, sob pena de redundar na desagregação do próprio sistema normativo a que se acham incorporadas.”(34)

E não se diga que, por ter o dispositivo debatido, referente à prescrição (primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal), redação já antiga e por longo tempo eficazmente aplicada às situações concretas (inclusive posteriores à Constituição Federal de 1988), sua reinterpretação ou a revisão do entendimento sobre sua recepção constitucional estariam obstadas. Como demonstraram as releituras jurisprudenciais dos próprios dispositivos que tornaram insubsistente o termo inicial da prescrição da pretensão executória na data do “trânsito em julgado para a acusação” (artigos 594, 595 e 637 do Código de Processo Civil), a modificação do quadro fático e a evolução e o amadurecimento do entendimento sobre o alcance dos direitos e garantias fundamentais consagrados na Carta Magna são constantes e podem, sim, modificar o significado antes atribuído a determinadas regras e a coerência delas no ordenamento. Cite-se, uma vez mais, Gilmar Mendes, quando explica sobre o possível processo de inconstitucionalização de textos legais ou de sua interpretação tradicional, e ainda a respeito da possibilidade de mudança de entendimento e reconhecimento futuro de uma contrariedade pretérita à Constituição:

 “[...] lei editada em compatibilidade com a ordem constitucional pode vir a tornar-se com ela incompatível em virtude de mudanças ocorridas nas relações fáticas ou na interpretação constitucional. [...] A doutrina admite a caracterização da inconstitucionalidade da lei tendo em vista significativa alteração das relações fáticas. Assim, a norma legal que não podia ser acoimada de inconstitucional, ao tempo de sua edição, torna-se suscetível de censura judicial em virtude de uma profunda mudança das relações fáticas, configurando o processo de inconstitucionalização (der Prozess des Verfassungswidrigwerdens). [...] O processo de inconstitucionalização (Verfassungswidrigwerden) não se coloca como alternativa dogmática, salvo quando resultante de uma mudança das relações fáticas. Eventual alteração no entendimento jurisprudencial, com a consequente afirmação da inconstitucionalidade de uma situação, até então considerada constitucional, não autoriza a caracterização de inconstitucionalidade superveniente. Esforça-se por contornar o inevitável embaraço decorrente desse modelo, afirmando que a mudança no entendimento jurisprudencial ensejou apenas o reconhecimento da inconstitucionalidade, anteriormente configurada. Talvez um dos temas mais ricos da teoria do direito e da moderna teoria constitucional seja aquele relativo à evolução da jurisprudência e, especialmente, a possível mutação constitucional, decorrente de uma nova interpretação da Constituição. [...] No plano constitucional, esses casos de mudança na concepção jurídica podem produzir uma mutação normativa ou a evolução na interpretação, permitindo que venha a ser reconhecida a inconstitucionalidade de situações anteriormente consideradas legítimas. A relevância da evolução interpretativa no âmbito do controle de constitucionalidade está a demonstrar que o tema comporta inevitáveis desdobramentos. A eventual mudança no significado de parâmetro normativo pode acarretar a censurabilidade de preceitos até então considerados compatíveis com a ordem constitucional. [...] Cumpre assinalar, tão somente, a inegável importância assumida pela interpretação no controle de constitucionalidade, afigurando-se possível a caracterização da inconstitucionalidade superveniente como decorrência da mudança de significado do parâmetro normativo constitucional, ou do próprio ato legislativo submetido à censura judicial. Nesses casos, além de um eventual processo de inconstitucionalização (situação de transição), pode-se ter a própria declaração de inconstitucionalidade da lei anteriormente considerada constitucional.”(35),(36)

Note-se que manter a antiga visão sobre a primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, definindo como marco inicial da prescrição da pretensão executória o encerramento do prazo de recurso contra a sentença condenatória para a acusação, sem avaliar a superveniente inconstitucionalidade de tal interpretação, contraria os próprios fundamentos da prescrição, já citados acima, e a tradicional teoria da actio nata.(37),(38) Afinal, se não pode a acusação, antes da formação da coisa julgada sobre a condenação – com o trânsito para ambas as partes –, agir para buscar a execução da pena imposta, não está inerte; e se, só com esse trânsito em julgado “amplo”, nasce a pretensão executória (“O Estado adquire o direito de executar a sanção penal”),(39) não há, antes disso, pretensão exercitável; assim, como se poderia considerar extinta a pretensão sequer nascida, e se impor ao Estado sanção atribuída na lei para sua inexistente negligência?(40)

E mais: a não reformulação do entendimento sobre o dies a quo em questão resulta ainda em inconstitucionalidade por ofensa a direitos e garantias fundamentais e ao princípio implícito da proporcionalidade.

Afinal, não se pode negar que, não obstante a relevância indiscutível do ius libertatis e da necessidade de proteção aos direitos fundamentais das pessoas criminalmente acusadas, é também indispensável que se assegurem os direitos fundamentais dos demais cidadãos, inúmeras vezes vítimas daqueles criminosos, sofrendo restrições à sua liberdade, propriedade ou mesmo vida. Faz-se necessário reconhecer que a garantia da segurança individual e coletiva erige-se também como fundamental e constitucionalmente protegida. Como, já na época moderna, defendia Montesquieu, “A liberdade política de um cidadão é essa tranquilidade de espírito que provém da opinião que cada qual tem de sua segurança; e, para que se tenha essa liberdade, é preciso que o governo seja tal que um cidadão não possa temer outro cidadão”.(41),(42)

E claro é que o reconhecimento da ocorrência da prescrição de grande parte das condenações ocorridas em nosso País – que o curso do prazo prescricional, enquanto não há possibilidade de execução da pena e o condenado segue se valendo do farto sistema recursal brasileiro, torna uma tendência – impede a adequada operação do aparato estatal repressivo e reforça a impunidade,(43) gerando mais e mais ofensas aos direitos fundamentais da maioria da população. Nas palavras de Gilmar Mendes, “Se estaria a blindar, por meio de norma penal benéfica, situação fática indiscutivelmente repugnada pela sociedade, caracterizando-se típica hipótese de proteção deficiente por parte do Estado, em um plano mais geral, e do Judiciário, em um plano mais específico”.(44)

Não se pretende, com isso, defender a instauração de um Estado policialesco e a mitigação das garantias individuais dos acusados/réus em processos criminais, mas apenas buscar interpretação e entendimento que assegurem um Estado integralmente garantista, em favor não apenas do réu, mas de toda a sociedade e dos direitos e garantias de todas as pessoas. Trata-se da aplicação do princípio da proporcionalidade em seus dois vieses: o da proibição de excesso (Übermassverbot) e o da proibição de proteção deficiente (Untermassverbot).(45) A respeito do tema, ensina Lênio Streck:

“Trata-se de entender, assim, que a proporcionalidade possui uma dupla face: de proteção positiva e de proteção de omissões estatais. Ou seja, a inconstitucionalidade pode ser decorrente de excesso do Estado, caso em que determinado ato é desarrazoado, resultando desproporcional o resultado do sopesamento (Abwägung) entre fins e meios; de outro, a inconstitucionalidade pode advir de proteção insuficiente de um direito fundamental social, como ocorre quando o Estado abre mão do uso de determinadas sanções penais ou administrativas para proteger determinados bens jurídicos. Esse duplo viés do princípio da proporcionalidade decorre da necessária vinculação de todos os atos estatais à materialidade da Constituição, que tem como consequência a sensível diminuição da discricionariedade (liberdade de conformação) do legislador.”(46)

Ainda, conforme Gilmar Mendes:

“A concepção que identifica os direitos fundamentais com os princípios objetivos legitima a ideia de que o Estado se obriga não apenas a observar os direitos de qualquer indivíduo em face das investidas do Poder Público (direito fundamental como direito de proteção ou de defesa – Abwehrrecht), mas também a garantir os direitos fundamentais contra agressão propiciada por terceiros (Schutzpflicht des Staats). [...] do significado objetivo dos direitos fundamentais, resulta o dever do Estado não apenas de se abster de intervir no âmbito de proteção desses direitos, mas também de proteger esses direitos contra a agressão ensejada por atos de terceiros. Essa interpretação do Bundesverfassungsgericht empresta, sem dúvida, uma nova dimensão aos direitos fundamentais, fazendo com que o Estado evolua da posição de “adversário” (Gegner) para uma função de guardião desses direitos (Grundrechtsfreund oder Grundrechtsgarant). É fácil ver que a ideia de um dever genérico de proteção fundado nos direitos fundamentais relativiza sobremaneira a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos (Austrahlungswirkung) sobre toda a ordem jurídica. Assim, ainda que se não reconheça, em todos os casos, uma pretensão subjetiva contra o Estado, tem-se, inequivocamente, a identificação de um dever deste de tomar todas as providências necessárias para a realização ou concretização dos direitos fundamentais. Os direitos fundamentais não contêm apenas uma proibição de intervenção (Eingriffsverbote), expressando também um postulado de proteção (Schutzgebote). Haveria, assim, para utilizar uma expressão de Canaris, não apenas uma proibição de excesso (Übermassverbot), mas também uma proibição de omissão (Untermassverbot). Nos termos da doutrina e com base na jurisprudência da Corte Constitucional alemã, pode-se estabelecer a seguinte classificação do dever de proteção: (a) Dever de proibição (Verbotspflicht), consistente no dever de se proibir uma determinada conduta; (b) Dever de segurança (Sicherheitspflicht), que impõe ao Estado o dever de proteger o indivíduo contra ataques de terceiros mediante adoção de medidas diversas; (c) Dever de evitar riscos (Risikopflicth), que autoriza o Estado a atuar com o objetivo de evitar riscos para o cidadão em geral, mediante a adoção de medidas de proteção ou de prevenção, especialmente em relação ao desenvolvimento técnico ou tecnológico. Discutiu-se intensamente se haveria um direito subjetivo à observância do dever de proteção ou, em outros termos, se haveria um direito fundamental à proteção. A Corte Constitucional acabou por reconhecer esse direito, enfatizando que a não observância de um dever de proteção corresponde a uma lesão do direito fundamental previsto no art. 2, II, da Lei Fundamental. [...]”(47)

Assim sendo, na análise e na explicitação do significado e da extensão das normas, deve o intérprete “não só afastar conclusões que impliquem excessos em detrimentos de direitos fundamentais dos cidadãos”,(48) como também “zelar para que essas interpretações não gerem uma inoperância do sistema que, em face disso, acabe acarretando desproteção dos interesses sociais-gerais igualmente garantidos constitucionalmente”.(49)

“Se foi decidido que não pode haver a execução da pena antes de esgotadas todas as instâncias extraordinárias (porque haveria um – suposto – excesso injustificável), há se fazer o devido contrabalançamento desta nova situação jurídica interpretativa frente às demais normas existentes, notadamente aquela que trata da prescrição da pretensão executória. É que o Estado-Judiciário também deve levar em conta que, na aplicação dos direitos fundamentais (todos, individuais e sociais), deve levar em consideração a necessidade de garantir também ao cidadão a eficiência e segurança, evitando-se a impunidade.”(50)

Finalmente, a manutenção da interpretação tradicional da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal ainda atingiria a isonomia entre as partes do processo criminal (paridade de armas),(51) o devido processo legal e a ampla defesa do Estado,(52) que ficaria tolhido da possibilidade de exercer seu interesse na concretização da persecução penal; e estimularia o eventual agir desleal do acusado, que, interpondo infindáveis recursos, acabaria por fazer esgotar o prazo prescricional para a execução – cuja pretensão sequer nascera –, haurindo frutos de sua própria torpeza em detrimento da sociedade.

Enfim, no atual quadro constitucional e processual penal, não há como se admitir o obsoleto entendimento de que basta o fim do prazo recursal contra o decreto condenatório para a acusação para ter início o curso da prescrição da pretensão executória. E disso já se tem dado conta parte da doutrina e da jurisprudência pátrias. Veja-se, por todos, Guilherme de Souza Nucci:

“O início da prescrição da pretensão executória contra o Estado a partir do momento em que há o trânsito em julgado da decisão somente para a acusação é inconcebível, pois, ainda que se queira, não há viabilidade para a execução da pena, devendo-se aguardar o trânsito em julgado para a defesa. Ora, se não houve desinteresse do Estado, nem inércia, para fazer o condenado cumprir pena, não deveria estar transcorrendo a prescrição da pretensão executória.”(53),(54)

3.2 Solução jurídica para a adequação da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal ao sistema constitucional e processual penal contemporâneo: interpretação conforme a Constituição

Não vingando o entendimento tradicional sobre o início do prazo prescricional da pena como sendo a data do encerramento do prazo recursal contra o decreto condenatório para a acusação, impõe-se verificar se é possível dar interpretação diversa à primeira parte do inciso I do artigo 112 da Lei Penal, de forma a fazê-lo respeitar a Constituição e o sistema normativo dela decorrente para a execução criminal (e declarar nula apenas a interpretação antiga dada à norma, sem redução de texto),(55) ou se se impõe o reconhecimento da incompatibilidade do dispositivo em relação à Carta de 1988 – e a consequente conclusão, ainda que tardia, no sentido de sua não recepção.

A interpretação conforme a Constituição, como a própria denominação esclarece, é modalidade interpretativa e, de certa forma, de controle de constitucionalidade da legislação. Deriva da supremacia das normas constitucionais e da concomitante presunção de constitucionalidade das normativas legais e infralegais, que demandam que, existindo normas infraconstitucionais, com pluralidade de significações possíveis, o jurista encontre aquela que mais se coadune com o Texto Magno, evitando declarar a inconstitucionalidade do princípio ou regra e, em consequência, retirá-lo do ordenamento jurídico.(56)

Evidentemente, em se tratando de modalidade interpretativa, ainda que afeta ao controle de constitucionalidade, a interpretação conforme a Constituição encontra limites no próprio texto normativo: não tem cabimento, se o seu resultado contraria texto expresso de lei, que não permita qualquer interpretação (hipótese que indica a declaração de inconstitucionalidade com redução de texto), só sendo legítima “quando existe um espaço de decisão (= espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a Constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela”.(57),(58),(59)

No caso concreto, entende-se haver, sim, sem sequer necessidade de recurso a decisões de conteúdo normativo ou manipulativo,(60) menos ainda à não recepção, espaço para interpretação na redação da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, segundo o qual, “No caso do art. 110 deste Código, a prescrição começa a correr: I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação [...]”. Afinal, o texto não esclarece e não restringe o que seria o obscuro “trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação”.

Em que pese a compreensão historicamente dada ao dispositivo tenha sido de que tal significava o transcurso do prazo para interposição de recurso (ou a apresentação de apelo sem debate sobre o quantum da pena imposta), pelo Ministério Público ou pelo querelante, contra a decisão condenatória proferida nos autos, tal entendimento não condiz com o sentido técnico de trânsito em julgado ou coisa julgada. Com efeito, o trânsito em julgado ou a coisa julgada consistem na aquisição de definitividade, por uma decisão, tornando-a, em princípio, impassível de revisão;(61) nas palavras da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, “Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso”.(62) Quando um réu é condenado, e a acusação não interpõe recurso contra essa decisão, mas a defesa sim, a condenação não se torna definitiva – tanto que pode ser reformada, nas instâncias superiores, com a absolvição do condenado, a redução da pena a ele imposta ou mesmo o reconhecimento da extinção de sua punibilidade; justamente por isso, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal, não pode a sanção fixada ser executada provisoriamente (porque não há definitividade). É bem verdade que aí se estabelece um marco referente à quantidade máxima de pena que pode ser imposta ao réu; mas se trata apenas de um limite, sem dar ao decisum caráter imutável, portanto sem efetivo trânsito em julgado.(63)

Outrossim, ainda que a acusação não ofereça qualquer insurgência em face da decisão condenatória, ou o faça sem questionar a pena imposta ao réu, a verdade é que não está ela “morta”, excluída e inerte no processo: seguirá contra-arrazoando os recursos da defesa. E mais: se algum deles vier a ser provido, ou se as novas decisões se mostrarem viciadas, poderá, inclusive, voltar a ter posição ativa no feito, interpondo recursos! Como dizer, assim, que há “trânsito em julgado para a acusação”?

Diante de tais colocações, conclui-se que, a fim de compatibilizar a previsão legal sobre o termo inicial da prescrição da pretensão executória com o sistema contemporâneo de execução da pena, nos termos do que já foi exposto alhures, faz-se possível excluir (declarar nula sem redução de texto) a interpretação tradicional dada ao inciso I, primeira parte, do artigo 112 do Código Penal e definir seu entendimento como sendo o efetivo trânsito em julgado para a acusação, quando não há mais possibilidade de interposição de qualquer recurso por ela – o que só ocorre quando não pende de prolação decisão relativa a petições ou recursos de qualquer das partes.(64),(65)

É a conclusão a que têm chegado doutrinadores que se debruçam sobre o tema e também parcela significativa da jurisprudência do País – e que, a propósito, coaduna-se com os já citados artigos 110 do Código Penal (que só fala em prescrição “depois de transitar em julgado sentença final condenatória”, de forma genérica, sem restringir o trânsito à acusação) e 105 da Lei de Execução Penal (que prevê a execução da pena a partir da formação da coisa julgada).

Veja-se, exemplificativamente, a posição firmada por Aldeleine Melhor Barbosa e Paulo Queiroz em trabalho específico sobre o tema:

“Em suma, o termo inicial da prescrição da pretensão executória é mesmo o dia do trânsito em julgado da sentença para a acusação. Mas isso não quer dizer trânsito em julgado para a acusação em primeiro grau, pois, ainda que tal ocorra, há sempre a possibilidade de interposição de múltiplos recursos (da acusação e da defesa) nas instâncias superiores (TRF, STJ, STF), motivo pelo qual só depois do julgamento definitivo de todos os recursos interpostos (quando houver) é que se poderá cogitar de prescrição da pretensão executória, visto que só aí a sentença terá definitivamente transitado em julgado e se convertido em título executivo em favor do Estado. Não se deve, pois, confundir trânsito em julgado da sentença com trânsito em julgado da sentença em primeiro grau, uma vez que a prescrição da pretensão executória pressupõe, forçosamente, irrecorribilidade da decisão e inércia do Estado. Enfim, somente com o último trânsito em julgado da sentença condenatória para a acusação, quando se constituirá o título executivo judicial, possibilitando a execução da pena, é que terá início o prazo da prescrição da pretensão executória.”(66)

Seguindo o mesmo norte, há diversos julgados da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, capitaneados pelo Ministro Jorge Mussi, como se pode extrair da seguinte ementa:

HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA. TERMO INICIAL. TRÂNSITO EM JULGADO PARA AMBAS AS PARTES. LAPSO TEMPORAL NÃO VERIFICADO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. ORDEM DENEGADA. 1. O termo inicial da contagem do prazo prescricional da pretensão executória é o trânsito em julgado para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado. Dessa forma, não há como se falar em início da prescrição a partir da evasão do acusado ainda no curso da ação penal, tendo em vista a impossibilidade de se dar início à execução da pena, já que ainda não haveria uma condenação definitiva, em respeito ao disposto no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal. 2. Na hipótese, certificado o trânsito em julgado para ambas as partes aos 30.04.2007, não houve o transcurso do lapso prescricional aplicável à espécie – 12 (doze) anos, nos termos do artigo 109, inciso III, do Código Penal –, o que impede a declaração da aludida causa de extinção da punibilidade. 3. Ordem denegada.”(67),(68),(69)

No Supremo Tribunal Federal, embora ainda não se tenham localizado precedentes enfrentando específica e diretamente a questão, após as modificações de entendimento sobre os dispositivos supratrabalhados do Código de Processo Penal, há julgado, de Relatoria do Ministro Luiz Fux, que, na contagem do prazo prescricional feita no voto, considerou como termo inicial o trânsito em julgado da sentença como um todo.(70) Ademais, o Ministro Marco Aurélio Mello já expôs, obiter dictum, sua posição favorável à tese.(71)

Também nos tribunais de segunda instância vem se formando entendimento similar. No âmbito do Tribunal Regional Federal da Quarta Região, por exemplo, a matéria pacificou-se, recentemente, na Quarta Seção, que trata de matéria criminal, estando praticamente a íntegra de seus desembargadores(72) a decidir no sentido de dar interpretação conforme a Constituição ao artigo 112, inciso I, primeira parte, do Código Penal, aplicando, como termo inicial da prescrição da pena, o trânsito em julgado para ambas as partes. Eis o leading case em que aquela Corte fixou seu entendimento:

“Penal e processual. Habeas corpus. Art. 112, inc. I, do CP. Prescrição da pretensão executória. Termo a quo. Trânsito em julgado para ambas as partes. Interpretação de acordo com o sistema constitucional vigente. 1. Na linha do entendimento manifestado pelo e. STJ (HC nº 163.261/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, public. no Dje de 25.04.2011) o artigo 112, inc. I, do CP deve ser interpretado de acordo com a ordem constitucional vigente, de modo a considerar o trânsito em julgado para ambas as partes – e não somente para a acusação – como termo inicial para a prescrição da pretensão executória. 2. Em face de interpretação dada pela Suprema Corte ao princípio da presunção de inocência (Art. 5º, LVII – ‘ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória’), o Estado somente pode executar a pena após o trânsito em julgado da ação penal, ou seja, após esgotados todos os recursos. 3. Diante disso, revela-se incongruente considerar o trânsito em julgado apenas para a acusação como marco para a prescrição, quando o Estado, em face da pendência de recurso interposto pela defesa, está impedido de executar a pena e, não obstante isso, continua fluindo o prazo prescricional. 4. Ou seja, em diversos casos ocorreria a extinção da punibilidade, sem que o Estado, em momento algum, tenha sido desidioso ou inerte. 5. Não é caso de declaração de inconstitucionalidade, porquanto ‘não se está negando vigência ao disposto no art. 112, I, do Código Penal, mas dando-lhe entendimento consentâneo à nova ordem constitucional’."(73)

Enfim, trata-se da solução que mais se coaduna com o atual panorama fático-jurídico constitucional, penal e processual penal brasileiro: dar interpretação conforme a Constituição à primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal, para interpretá-lo como estabelecendo, a título de marco inicial da prescrição da pretensão executória, a data do efetivo trânsito em julgado para a acusação, que corresponde ao momento em que se torna incabível a interposição de recursos por qualquer das partes.

Conclusão

Em síntese, pode-se concluir:

– A prescrição é a causa de extinção da punibilidade que resulta na perda do direito-poder-dever de punir do estado em virtude do não exercício da pretensão punitiva (interesse em aplicar a pena) ou da pretensão executória (interesse em executá-la) durante certo tempo, constituindo instrumento de política criminal que se embasa no binômio tempo-inércia estatal.

– A prescrição da pretensão executória, especificamente, tem como termo inicial mais comum o trânsito em julgado da decisão condenatória “para a acusação”. Durante longos anos, essa expressão foi entendida como o transcurso do prazo recursal para o Ministério Público ou o querelante sem a interposição de insurgência relativa ao quantum da pena, em consonância com o conjunto processual penal que circundava a matéria, consistente na inexistência de efeito suspensivo para os recursos extraordinários, com a determinação de imediata baixa dos originais para cumprimento da pena (artigo 637 do Código de Processo Penal), e na regra de execução provisória da condenação já desde a decisão de primeira instância, impedindo-se o réu de apelar sem se recolher à prisão e aí se manter, ressalvadas apenas algumas situações excepcionais (artigos 594 e 595 do CPP).

– A ampliação, pela jurisprudência, do alcance interpretativo dado aos direitos e às garantias fundamentais previstos na Constituição Federal, na última década, desequilibrou a unidade estrutural penal e processual penal de execução da pena. Por força das garantias de contraditório, ampla defesa e devido processo legal, passou-se a considerar inadmissível que o réu tenha de se recolher ao cárcere para apelar da sentença condenatória sem elementos indicativos da necessidade de prisão cautelar, ou que seu recurso seja considerado deserto, na hipótese de fuga, advindo, inclusive, a revogação dos dispositivos que previam diferentemente. De outro lado, com espeque na presunção constitucional de inocência ou não culpa, foi tida por incabível a execução provisória da sanção aplicada em primeiro ou segundo grau, ainda que pendentes apenas recursos extraordinários, resultando na modificação da sistemática legal das prisões e na adequação do sistema à leitura mais garantista do artigo 105 da Lei de Execução Penal.

– Tais modificações, relativas à execução penal, influem diretamente no termo inicial da prescrição da pretensão executória e tornam insubsistente a interpretação tradicionalmente conferida à primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal. Impedindo que tal pretensão nasça antes da formação da coisa julgada (com a irrecorribilidade da decisão condenatória para ambas as partes), tais alterações fazem com que a fixação do termo inicial do prazo prescricional na data do encerramento do prazo recursal contra a sentença condenatória apenas para a acusação contrarie os fundamentos da própria prescrição (pois inexistente inércia do ente estatal) e a teoria da actio nata, ofenda os direitos e as garantias constitucionais dos demais cidadãos que não o acusado (com violação do direito à segurança que decorre do princípio da proporcionalidade no viés de proibição de proteção deficiente) e macule a isonomia entre as partes, a paridade de armas e o devido processo legal. A interpretação tradicional torna-se, assim, contrária ao Texto Constitucional de 1988, devendo à luz dele ser repensada, da mesma forma que os demais referenciais da execução da pena, diante de sua interdependência e consequente indivisibilidade estrutural.

– O remédio jurídico que se oferece, para dar solução à incoerência produzida pela modificação de apenas um dos aspectos referentes à execução penal, é a aplicação da sistemática de controle de constitucionalidade mediante interpretação conforme a Constituição com declaração de nulidade parcial sem redução de texto. Os limites redacionais da primeira parte do inciso I do artigo 112 do Código Penal dão espaço para uma interpretação mais adequada ao sistema penal e processual penal atual, já que o próprio conceito técnico de “trânsito em julgado” compreende a impossibilidade de interposição de recursos por ambas as partes, não por uma delas somente. A simples resignação da acusação com o quantum de pena fixado na sentença condenatória apenas estabelece um patamar máximo para a sanção, caso venha a ser mantida, mas não a torna, de forma alguma, definitiva, nem exclui do processo o Ministério Público ou o querelante, que continuam podendo contra-arrazoar os recursos da defesa e, se for o caso, voltar a ter posição ativa no feito, recorrendo de eventual absolvição ou redução da pena ou mesmo buscando o esclarecimento ou a integridade das decisões por meio de embargos declaratórios. Diante de tudo isso, cabe reconhecer a nulidade da interpretação tradicional dada à primeira parte do inciso I do artigo 112 da Lei Penal, por ofensa à Constituição, passando-se a considerar como consentâneo com o ordenamento o entendimento de que o dispositivo legal coloca como dies a quo do prazo prescricional a superveniência da definitividade do decisum condenatório, com o encerramento do prazo recursal para ambas as partes (acusação e defesa). Mantém-se, assim, a lei em vigor e devidamente recepcionada pela Carta de 1988, em atenção à presunção de constitucionalidade dos diplomas normativos, mas se lhe dão contornos compatíveis com o panorama fático-jurídico contemporâneo.

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Notas

1. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 583.

2. JESUS, Damásio de. Prescrição penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 34.

3. Constituição Federal, artigo 5º, incisos XLII (prática de racismo) e XLIV (ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático).

4. MOSSIN, Heráclito Antônio; MOSSIN, Júlio César O. G. Prescrição em matéria criminal. Leme: J. H. Mizuno, 2010. p. 13-14.

5. Para uma síntese das teorias recém-citadas, além de críticas do autor, vide SANTOS, Christiano Jorge. Prescrição penal e imprescritibilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 38 e seguintes.

6. JESUS, Damásio de. Prescrição penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 35.

7. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 583.

8. BITENCOURT, Cezar Roberto, apud SANTOS, Christiano Jorge. Prescrição penal e imprescritibilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 54.

9. FRAGOSO, Heleno Cláudio. Lições de Direito Penal: a nova Parte Geral. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 421.

10. “Art. 109. A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1° do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: I – em vinte anos, se o máximo da pena é superior a doze; II – em dezesseis anos, se o máximo da pena é superior a oito anos e não excede a doze; III – em doze anos, se o máximo da pena é superior a quatro anos e não excede a oito; IV - em oito anos, se o máximo da pena é superior a dois anos e não excede a quatro; V – em quatro anos, se o máximo da pena é igual a um ano ou, sendo superior, não excede a dois; VI – em 3 (três) anos, se o máximo da pena é inferior a 1 (um) ano. Parágrafo único – Aplicam-se às penas restritivas de direito os mesmos prazos previstos para as privativas de liberdade.”

11. E também, em parte, doutrinário, como se vê em JESUS, Damásio Evangelista de. Direito Penal: Parte Geral. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 1983-1984. v. 1. p. 725.

12. JESUS, Damásio de. Prescrição penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 106.

13. No mesmo sentido: “Deixou-se expresso com a reforma penal que o termo inicial da prescrição da pretensão executória não é o trânsito em julgado para ambas as partes, mas para a acusação. Passada em julgado para a acusação a sentença condenatória, o tempo da pena não pode ser aumentado, diante da impossibilidade da revisão pro societate. Assim, começa a ser contado o prazo da prescrição da pretensão executória com relação à pena imposta” (MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de Direito Penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 1985. v.1. p. 393).

14. Artigo 637 do Código de Processo Penal, formalmente ainda vigente: “O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.”

15. O artigo 594 foi revogado pela Lei nº 11.719/2008. Em sua redação original, dispunha: “Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se condenado por crime de que se livre solto”. Com a modificação dada pela Lei nº 5.941/1973, passou a rezar, até 2008: “Art. 594. O réu não poderá apelar sem recolher-se à prisão, ou prestar fiança, salvo se for primário e de bons antecedentes, assim reconhecido na sentença condenatória, ou condenado por crime de que se livre solto”.

16. Assim determinava o artigo 595, na redação original do Código de Processo Penal: “Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação”. O dispositivo foi revogado pela Lei nº 12.403/2011.

17. Vide, exemplificativamente: BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso em Habeas Corpus nº 4.073/SP. Quinta Turma, Relator Ministro Jesus Costa Lima, julgado em 26 out. 1994, DJ de 14 nov. 1994, p. 30964.

18. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 299835. Relator Ministro Néri da Silveira, Segunda Turma, julgado em 20 nov. 2001, DJ de 08 fev. 2002, p. 266.

19. De fato, se o STF passou a inadmitir, com a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.976-DF, até mesmo a exigência de depósito prévio ou arrolamento de bens para interposição de recursos na via administrativa, em matéria tributária, com fundamento no direito de petição e à ampla defesa/contraditório, com mais razão, pouco ou nenhum sentido faria manter a exigência, em processo judicial e envolvendo matéria tão mais relevante do que a fiscal – a própria liberdade do indivíduo –, do recolhimento à prisão para apelar (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.976. Relator Ministro Joaquim Barbosa, Tribunal Pleno, julgado em 28 mar. 2007, DJ de 18 maio 2007, p. 64).

20. Em que se exige que a medida seja necessária para garantia da ordem pública ou da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal.

21. “HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. RECOLHIMENTO À PRISÃO PARA APELAR (CPP, ART. 594). SENTENÇA INSUFICIENTEMENTE MOTIVADA. ORDEM CONCEDIDA. 1. O art. 594 do Código de Processo Penal não implica o recolhimento compulsório do apelante. Ao contrário, cuida de modalidade de prisão cautelar, razão por que deve ser interpretado em conjunto com o art. 312 do mesmo diploma. 2. A sentença condenatória, no que tange à prisão do paciente, funda-se na gravidade abstrata do crime por que foi ele condenado. 3. Ordem concedida, para que o paciente aguarde o julgamento da apelação em liberdade.” (BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 84.087. Relator Ministro Joaquim Barbosa, Primeira Turma, por maioria, julgado em 27 abr. 2004, DJ de 06 ago. 2004, p. 42)

22. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 85.961. Relator Ministro Marco Aurélio Mello, Tribunal Pleno, julgado em 05 mar. 2009, DJe n. 71, divulg. em 16 abr. 2009.

23. No mesmo ano, o Plenário do STF ainda resolveu autorizar seus ministros a decidirem, monocraticamente, a respeito da matéria, como se extrai da Questão de Ordem no Habeas Corpus n. 98.987, Relator Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, julgado em 13 maio 2009, DJe n. 148, divulg. em 06 ago. 2009.

24. Reza o dispositivo: “§ 2º – Os recursos extraordinário e especial serão recebidos no efeito devolutivo”.

25. Verbete nº 267.

26. Artigo 105 da Lei nº 7.210/1984: “Transitando em julgado a sentença que aplicar pena privativa de liberdade, se o réu estiver ou vier a ser preso, o Juiz ordenará a expedição de guia de recolhimento para a execução”.

27. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 84.078. Relator Ministro Eros Grau, Tribunal Pleno, julgado em 05 fev. 2009, DJe n. 35, divulg. em 25 fev. 2010.

28. Redação do artigo 282 do Código de Processo Penal, anterior à alteração promovida pela Lei nº 12.403/2011, a qual  transformou o dispositivo, fazendo com que ele passasse a trazer noções gerais sobre as novas medidas cautelares tratadas no Diploma.

29. Atual redação do artigo 283 do Código de Processo Penal.

30. FISCHER, Douglas. A prescrição da pretensão executória penal em face do que decidido pelo STF no HC nº 84.078-MG. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 253-254.

31. São também sinônimos: inconstitucionalidade por atração, inconstitucionalidade consequente de preceitos não impugnados, inconstitucionalidade consequencial, inconstitucionalidade derivada.

32. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1421-1422.

33. Cumpre notar que, não obstante o doutrinador refira, em seu texto, a dependência entre dispositivos da mesma lei, a Corte Suprema aplica a teoria também para o reconhecimento da inconstitucionalidade de normas constantes em diplomas diversos daquele debatido. Nesse sentido, veja-se, exemplificativamente, o que restou decidido na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.995-PE, Relator Ministro Celso de Mello, julgada em 13 dez. 2006.

34. PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Marcelo. Controle de constitucionalidade. 5. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2006. p. 188.

35. BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1174 e 1182 a 1184.

36. Na mesma linha, cite-se o ensinamento de Karl Larenz: “De entre os fatores que dão motivo a uma revisão e, com isso, frequentemente, a uma modificação da interpretação anterior, cabe uma importância proeminente à alteração da situação normativa. Trata-se a este propósito de que as relações fáticas ou usos que o legislador histórico tinha perante si e em conformidade aos quais projetou a sua regulação, para os quais a tinha pensado, variaram de tal modo que a norma dada deixou de se ‘ajustar’ às novas relações. É o fator temporal que se faz notar aqui. Qualquer lei está, com fato histórico, em relação atuante com o seu tempo. Mas o tempo também não está em quietude; o que no momento da gênese da lei atuava de modo determinado, desejado pelo legislador, pode posteriormente atuar de um modo que nem sequer o legislador previu, nem, se o pudesse ter previsto, estaria disposto a aprovar. Mas, uma vez que a lei, dado que pretende também ter validade para uma multiplicidade de casos futuros, procura também garantir uma certa constância nas relações inter-humanas, a qual é, por seu lado, pressuposto de muitas disposições orientadas para o futuro, nem toda a modificação de relações acarreta por si só, de imediato, uma alteração do conteúdo da norma. Existe a princípio, ao invés, uma relação de tensão que só impele a uma solução – por via de uma interpretação modificada ou de um desenvolvimento judicial do Direito – quando a insuficiência do entendimento anterior da lei passou a ser ‘evidente’” (LARENZ, Karl apud BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1183).

37. Aprofundando a questão das pretensões e a aplicação da teoria da actio nata à prescrição em matéria penal, vide as esclarecedoras explicações de Eduardo Pelella, ao dissertar sobre o termo inicial da prescrição da pretensão punitiva nos crimes tributários, lição plenamente aplicável à prescrição da pretensão executória nos demais delitos (Sobre a prescrição nos crimes tributários: a actio nata e a prejudicial administrativa. In: CALABRICH, Bruno; FISCHER, Douglas; PELELLA, Eduardo. Garantismo penal integral: questões penais e processuais, criminalidade moderna e a aplicação do modelo garantista no Brasil. Salvador: Jus Podivm, 2010. p. 330-333).

38. Aplicando, no caso concreto, a tese da actio nata no âmbito criminal, veja-se, exemplificativamente, o voto do Juiz Federal José Paulo Baltazar Junior no julgamento do Habeas Corpus nº 0013166-67.2011.404.0000 pela Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da Quarta Região em 08 nov. 2011.

39. JESUS, Damásio de. Prescrição penal. 19. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 107, grifo nosso.

40. Afastando a prescrição da pretensão executória, em virtude de não ter havido inércia do Estado, por estar impossibilitado de executar a pena até então, veja-se o interessante julgado do Supremo Tribunal Federal, anterior às modificações interpretativas trabalhadas neste artigo, datado de 2001: “DIREITO CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS CONTRA ACÓRDÃO CONDENATÓRIO DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL E DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, EM RECURSO ESPECIAL. ALEGAÇÕES DE VIOLAÇÃO DOS ARTIGOS 381, II E IV, DO C.P. PENAL E 312, § 1, DO C. PENAL E DE PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO EXECUTÓRIA: LIMITES À COMPETÊNCIA ORIGINÁRIA DO STF. [...] 12. No que concerne à alegada prescrição da pretensão executória da pena, também não foi a questão submetida no Recurso Especial, ao STJ. (como não fora ao TRF.), exatamente porque até então se cuidava apenas da condenação propriamente dita, ainda não transitada em julgado, para o réu, que recorrera livre, sendo o acórdão do Superior Tribunal de Justiça datado de 28.04.1998. De qualquer maneira, esta Corte não haveria de reconhecer tal prescrição, pois, no curso do prazo respectivo, o próprio paciente cuidou judicialmente de obstar a execução da pena, requerendo e obtendo liminar para esse efeito, em data de 20 de novembro de 1998, decisão essa que, todavia, restou cassada, quando do indeferimento do pedido de Revisão, por acórdão ainda não publicado, segundo a inicial. Nesse interregno, a execução da pena esteve suspensa, pois não se concebe que a Justiça pudesse efetuá- la (a execução), se a liminar, pleiteada pelo réu, o impedia. Enfim, não houve inércia da Justiça na execução. 13. Habeas corpus conhecido, em parte, e, nessa parte, indeferido” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus nº 80.283. Relator  Ministro Sydney Sanches, Primeira Turma, unânime, julgado em 07 nov. 2000, DJ de 16 fev. 2001, p. 91).

41. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 243.

42. Sobre o direito constitucional à segurança, no sentido aqui abordado, vide também: SANTOS, Christiano Jorge. Prescrição penal e imprescritibilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. p. 20 e ss.

43. A respeito do tema, Gary S. Becker, prêmio Nobel de Economia em 1992, afirma: “Praticamente todas as diversas teorias concordam que quando outras variáveis se mantêm constantes, um aumento na probabilidade de condenação ou punição de um indivíduo normalmente diminui o número de crimes que comete. [...] Uma pessoa comete um delito se a vantagem por ela esperada exceder a vantagem que poderia ter usando seu tempo e outros recursos em outras atividades. Algumas pessoas se tornam criminosas não porque suas motivações básicas diferem de outra pessoa, mas porque os seus conceitos de benefícios e custos diferem. Essa abordagem implica a existência de uma relação entre o número de crimes praticados por qualquer pessoa e a probabilidade de condenação, de punição se condenado, e outras variáveis, como o rendimento disponível para ela em atividades legais e ilegais, o incômodo da prisão e sua disposição em cometer um ato ilegal. Um aumento da probabilidade de condenação e da punição pelo crime cometido reduziria a vantagem esperada da prática de um crime e tenderia a reduzir o número de crimes porque a probabilidade de ‘pagar mais caro’ aumentaria” (BECKER apud SANTOS, Christiano Jorge. Prescrição penal e imprescritibilidade. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010, p. 16-17).

44. Voto proferido no julgamento do Recurso Extraordinário nº 418.376-MS, Supremo Tribunal Federal.

45. Vide FELDENS, Luciano. A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005.

46. STRECK, Lenio Luiz. A dupla face do princípio da proporcionalidade: da proibição de excesso (Übermassverbot) à proibição de proteção deficiente (Untermassverbot) ou de como não há blindagem contra normas penais inconstitucionais. Revista da Ajuris, Porto Alegre, a. XXXII, n. 97, mar. 2005, p. 180.

47. MENDES, Gilmar Ferreira apud FISCHER, Douglas. A prescrição da pretensão executória penal em face do que decidido pelo STF no HC nº 84.078-MG. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 250-251, grifo nosso.

48. FISCHER, Douglas. A prescrição da pretensão executória penal em face do que decidido pelo STF no HC nº 84.078-MG. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 251.

49. Idem ibidem, p. 251.

50. Idem ibidem, p. 252.

51. Segundo Fernando da Costa Tourinho Filho: “No processo, as partes, embora figurem em polos opostos, situam-se no mesmo plano, com iguais direitos, ônus, obrigações e faculdades. É uma consequência lógica da estrutura do nosso Processo Penal, que é acusatório. [...] E tanto o é que a Constituição guindou a acusação e a defesa à categoria de funções essenciais à administração da Justiça (arts. 127 e 133). Sendo acusatório, deve haver uma igualdade entre as partes. Sem essa igualdade de condições não haveria equilíbrio entre elas, e a ausência de equilíbrio implicaria negação da Justiça. E o legislador procurou manter esse equilíbrio diante do Juiz. [...] às partes processuais, representando interesses opostos (Acusação e Defesa), deve ser assegurada absoluta paridade, pois do contrário não seria possível ser assegurada uma genuína e sã contraposição entre elas. Não seria possível (em um reforço de linguagem...) uma contraposição dialética. Diz Couture que esse princípio da igualdade nada mais é que o princípio de que todos são iguais perante a lei levada ao processo (Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Depalma, 1972. p. 183), ou, como diz Clariá Olmedo: ‘a norma constitucional segundo a qual todos são iguais perante a lei traduz-se, em juízo, como a igualdade das partes’ (Derecho procesal. Buenos Aires: Depalma, 1989. v. 1. p. 83). [...] Para que haja essa igualdade é indispensável disponham as partes das mesmas armas. É o princípio da par conditio. Os direitos que se conferem à Acusação não podem ser negados à Defesa, e vice-versa. [...]” (TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. p. 18-19).

52. “A prescrição é a perda do direito estatal de punir por força do decurso do tempo. Antes de se retirar um direito de qualquer pessoa, deve-se dar a ela todas as chances de exercê-lo. Com o Estado não é diferente, pois a ele também se reserva a ampla defesa de seus direitos.” (MASSON, Cleber. Direito Penal esquematizado: parte geral (arts. 1º a 120). 4. ed. São Paulo: Método, 2011. v. 1. p. 890.)

53. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011. p. 617.

54. No mesmo sentido, criticando a disposição do inciso I do artigo 112 do Código Penal e/ou defendendo a inaplicação de sua interpretação tradicional, dentre outros: Luiz Régis Prado (PRADO, Luiz Regis. Comentários ao Código Penal: doutrina; casuística; conexões lógicas com os vários ramos do direito. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011); Rogério Greco (GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012. v. 1. p. 721); Fernando Capez (CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2008. v. 1. p. 600); Douglas Fischer (FISCHER, Douglas. A prescrião da pretensão executória penal em face do que decidido pelo STF no HC nº 84.078-MG. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 253-254); Cleber Masson (MASSON, Cleber. Direito penal esquematizado: parte geral (arts. 1º a 120). 4. ed. São Paulo: Método, 2011. v. 1. p. 888.); Heráclito Antônio e Júlio César Mossin (MOSSIN, Heráclito Antônio; MOSSIN, Júlio César O. G. Prescrição em matéria criminal. Leme: J. H. Mizuno, 2010. p. 101-102); Aldeleine Melhor Barbosa e Paulo Queiroz (BARBOSA, Aldeleine Melhor; QUEIROZ, Paulo. Termo inicial da prescrição da pretensão executória. In: FAYET JUNIOR, Ney. Prescrição penal: temas atuais e controvertidos – doutrina e jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. v. 3. p. 26-29).

55. Sobre as semelhanças e diferenças entre as modalidades de interpretação conforme a Constituição e declaração de nulidade parcial sem redução de texto, vide a obra de Gilmar Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet, que refere, sobretudo, a dificuldade de equiparação de ambas no controle difuso de constitucionalidade nos tribunais, pela diferença de ritos na mera interpretação da norma e no reconhecimento de sua ofensa à Carta Magna – exigindo este último decisão do Pleno ou da Corte Especial (cláusula do full bench – artigo 97 da Constituição Federal de 1988): BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocêncio Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1427-1429.

56. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 16.

57. De acordo com Gilmar Mendes, em tese, a interpretação conforme a Constituição também não seria admissível quando o seu resultado contrariasse a “vontade do legislador”. Mas o próprio doutrinador e ministro do Supremo Tribunal Federal reconhece que a Corte “não confere maior significado à chamada intenção do legislador, ou evita investigá-la, se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocência Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1430).

58. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1993.

59. Ainda que se diga ser necessário o respeito da interpretação à letra do dispositivo analisado e, potencialmente, à “vontade do legislador”, impedindo-se, outrossim, que o julgador atue na condição de legislador positivo, criando norma nova, certo é que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, já há bastante tempo, vem contrariando tal entendimento tradicional, em ocasiões específicas, por meio das chamadas decisões normativas ou manipulativas. Vide a explicação de Mendes sobre o tema: “Segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a interpretação conforme à Constituição conhece limites. Eles resultam tanto da expressão literal da lei quanto da chamada vontade do legislador. A interpretação conforme à Constituição é, por isso, apenas admissível se não configurar violência contra a expressão literal do texto normativo, com mudança radical da própria concepção original do legislador. A prática demonstra que o Tribunal não confere maior significado à chamada intenção do legislador, ou evita investigá-la, se a interpretação conforme à Constituição se mostra possível dentro dos limites da expressão literal do texto. [...] Muitas vezes, porém, esses limites não se apresentam claros e são difíceis de definir. Como todo tipo de linguagem, os textos normativos normalmente padecem de certa indeterminação semântica, sendo passíveis de múltiplas interpretações. Assim, é possível entender, como o faz Rui Medeiros, que “a problemática dos limites da interpretação conforme à Constituição está indissociavelmente ligada ao tema dos limites da interpretação em geral. [...] A eliminação ou fixação, pelo Tribunal, de determinados sentidos normativos do texto quase sempre tem o condão de alterar, ainda que minimamente, o sentido normativo original determinado pelo legislador. Por isso, muitas vezes a interpretação conforme levada a efeito pelo Tribunal pode transformar-se em uma decisão modificativa dos sentidos originais do texto. [...] O Supremo Tribunal Federal, quase sempre imbuído do dogma kelseniano do legislador negativo, costuma adotar uma posição de self-restraint ao se deparar com situações em que a interpretação conforme possa descambar para uma decisão interpretativa corretiva da lei. Ao se analisar detidamente a jurisprudência do Tribunal, no entanto, é possível verificar que, em muitos casos, a Corte não atenta para os limites, sempre imprecisos, entre a interpretação conforme delimitada negativamente pelos sentidos literais do texto e a decisão interpretativa modificativa desses sentidos originais postos pelo legislador. [...] Em outros vários julgados mais antigos, também é possível verificar que o Tribunal, a pretexto de dar interpretação conforme à Constituição a determinados dispositivos, acabou proferindo o que a doutrina constitucional, amparada na prática da Corte Constitucional italiana, tem denominado de decisões manipulativas de efeitos aditivos. [...] em lição perfeitamente adequada ao direito pátrio, Augusto Martín de La Veja ressaltou ser possível compreender a proliferação das decisões manipulativas de efeitos aditivos, levando-se em conta três fatores: a) a existência de uma Carta política de perfil marcadamente programático e destinada a progressivo desenvolvimento; b) a permanência de um ordenamento jurídico-positivo com marcados resquícios autoritários; e c) a ineficácia do Legislativo para responder, em tempo adequado, às exigências da atuação da Constituição e à conformação do ordenamento preexistente ao novo regime constitucional” (BRANCO, Paulo Gustavo Gonet; COELHO, Inocência Mártires; MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 1430-1432). A respeito da questão, vide também LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 153-155. Quer nos parecer que foram dessa natureza as decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, a respeito do artigo 594 do Código de Processo Penal, antes de sua revogação, uma vez que se encontrou, sem abertura redacional para tanto, espaço para interpretar como cautelar a prisão aí tratada, impondo-se-lhe, para incidência, o atendimento aos requisitos do artigo 312, conforme discorrido anteriormente.

60. Vide nota de rodapé anterior.

61. Ainda que haja estreitas hipóteses para tanto, tanto na seara cível quanto na criminal, com a ação rescisória, a querela nulitatis e a revisão criminal, além da rumorosa possibilidade de reconhecimento da inconstitucionalidade da coisa julgada.

62. Redação do § 3º do artigo 6º do Decreto-Lei nº 4.657/1942 (antiga LICC), acrescido pela Lei nº 3.238/1957.

63. Descabe, aqui, tecer paralelo com a possibilidade de formação de coisa julgada parcelar no cível, em virtude da teoria dos capítulos da sentença, porquanto, em tal hipótese, o que há é a aquisição de definitividade de uma parte da decisão pela ausência de recurso de ambas as partes – algo semelhante ao que ocorreria se dois réus fossem condenados, e apenas em relação à condenação de um deles houvesse recurso, hipótese em que, aí sim, a condenação do outro poderia fazer coisa julgada, e ter início a execução de sua pena. Trata-se de situação diversa da que ora se discute, em que nada fica definitivamente estabelecido, mas todo o dispositivo sentencial segue sendo debatido.

64. Afinal, o Ministério Público ou o querelante sempre podem, no mínimo, opor embargos declaratórios (inclusive com viés infringente) às decisões que venham a ser proferidas em atenção aos recursos do réu.

65. Note-se que “[...] a questão não gira em torno de se buscar uma interpretação que seria mais ou menos favorável a esta ou àquela pretensão no processo (acusação e defesa). Não se cuida, ainda, de leitura menos ou mais favorável, na linha do in dubio pro reo. Muito ao contrário, cuida-se de harmonizar as disposições legais (e suas interpretações) do Código Penal que determinaram as escolhas do processo penal, o que exige a contextualização histórica dos aludidos Códigos. Não se está criando uma nova causa de suspensão da prescrição, e sim conferindo (também) uma (nova) interpretação da expressão trânsito em julgado da sentença condenatória “para a acusação” constante do artigo 112, inciso I, do Código Penal” (FISCHER, Douglas. A prescrição da pretensão executória penal em face do que decidido pelo STF no HC nº 84.078-MG. In: PAULSEN, Leandro. Repercussão geral no recurso extraordinário: estudos em homenagem à Ministra Ellen Gracie. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. p. 255).

66. BARBOSA, Aldeleine Melhor; QUEIROZ, Paulo. Termo inicial da prescrição da pretensão executória. In: FAYET JUNIOR, Ney. Prescrição penal: temas atuais e controvertidos – doutrina e jurisprudência. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2011. v. 3.  p. 29-30.

67. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 217.783/MG. Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 28 fev. 2012, DJe de 07 mar. 2012.

68. Com idêntica orientação, vejam-se, exemplificativamente, estes outros julgados da Quinta Turma do STJ: Habeas Corpus n. 180.993/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 13 dez. 2011, DJe de 19 dez. 2011; Habeas Corpus n. 127.266/SP, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, julgado em 26 out. 2010, DJe 13 dez. 2010. Já em sentido aparentemente contrário, o seguinte acórdão da Sexta Turma: Habeas Corpus n. 122.393/SP, Relator Ministro Og Fernandes, julgado em 02 jun. 2011, DJe de 15 jun. 2011.

69. Os precedentes do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema foram duramente criticados por Lenio Streck e Wálber Carneiro, segundo os quais “O Superior Tribunal de Justiça ignorou os limites semânticos que a pragmática jurisprudencial e doutrinária construiu em torno do texto do Código Penal. Ou seja, fez soçobrar a ‘legalidade’, sem qualquer recurso à constitucionalidade. [...] não nos pareceu que o Superior Tribunal de Justiça tenha feito alusão, em algum momento, a que o artigo 112, I, seria inconstitucional (na modalidade de não recepção, é claro) ou haveria colisão com outra regra ou com algum princípio...! Nada disso foi feito. O que ocorreu é o que vem ocorrendo em terrae brasilis: as decisões dos Tribunais são proferidas de acordo com a visão pessoal de cada componente, soçobrando, com isso, a legislação e, o que é pior, a Constituição. Sob pretexto de o juiz não ser mais o ‘juiz boca da lei’ (positivismo primitivo), agora temos o juiz (tribunal) para quem (para o qual) a lei é apenas – como diriam alguns doutrinadores adeptos de teorias voluntaristas – a ponta do iceberg. E, por vezes, nem mesmo isso...!” (STRECK, Lenio Luiz; CARNEIRO, Wálber Araujo. STJ não pode mudar prazo de prescrição da pena. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2011-jan-24/stj-nao-mudar-contagem-prazo-prescricao-pena>. Acesso em: 10 mar. 2012). Não nos parece, contudo, que as críticas procedam efetivamente, uma vez que, ainda que de forma tímida, o voto condutor dos acórdãos proferidos na linha dos aqui citados se fundamentou em uma interpretação do inciso I do artigo 112 do Código Penal conforme a Constituição – que está dentre as competências do Judiciário e deve (não só pode) ser feita, ainda mais diante dos novos fatos e “sentidos”, como referem os autores. É o que se verifica do seguinte excerto do voto do Habeas Corpus n. 137.924, objeto da crítica dos autores: “O termo inicial do prazo prescricional da pretensão executória, por sua vez, deve ser considerado a data em que ocorre o trânsito em julgado para ambas as partes, porquanto somente neste momento é que surge o título penal passível de ser executado pelo Estado, em respeito ao princípio contido no artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal, sendo forçosa a adequação hermenêutica do disposto no artigo 112, inciso I, do Código Penal, cuja redação foi dada pela Lei n° 7.209/84, ou seja, é anterior ao atual ordenamento constitucional. Isso porque não haveria como se falar em início do prazo prescricional a partir do trânsito em julgado apenas para a acusação em razão da impossibilidade de o Estado dar início à execução da pena, já que ainda não haveria uma condenação definitiva, condicionada à resignação do acusado com a prestação jurisdicional”.

70. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 110.133. Relator Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 03 abr. 2012, DJe n. 76, divulg. em 18 abr. 2012.

71. “INFORMATIVO Nº 652, TÍTULO: Prescrição e cumprimento de pena por outro delito – 3, PROCESSO: HC – 101798, ARTIGO: [...] O Min. Marco Aurélio acrescentou que o termo inicial alusivo à prescrição da pretensão executória coincidiria com a data em que o título executivo transitasse em julgado para a defesa, não para o Ministério Público apenas. Ressaltou que o fato de a acusação não haver interposto recurso contra a sentença não faria retroagir o citado marco, caso contrário colocar-se-ia em xeque o princípio da não culpabilidade. Sublinhou que, à data do trânsito em julgado do acórdão que dera margem a este writ, o réu já estava cumprindo pena ante diversas condenações. Logo, como ele não poderia submeter-se à segunda reprimenda sem antes cumprir a anterior, não teria ocorrido prescrição. RHC 105504/MS, rel. Min. Dias Toffoli, 13.12.2011. (RHC-105504).” (BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Informativo n. 652. Disponível em < http://www.stf.jus.br//arquivo/informativo/documento/informativo652.htm>. Acesso em: 20 mar. 2012).

72. À exceção do Desembargador Federal Márcio Antônio Rocha, que mantém divergência quanto ao tema, como se verifica do voto vencido proferido no julgamento do Agravo em Execução Penal n. 5015039-66.2011.404.7000, Sétima Turma, Relator para acórdão Néfi Cordeiro, D.E. de 22 mar. 2012.

73. BRASIL. Tribunal Regional Federal da Quarta Região. Habeas Corpus n. 0025643-59.2010.404.0000. Quarta Seção, Relator Élcio Pinheiro de Castro, D.E. de 02 mar. 2012.



Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS