A garantia contra a autoincriminação no Direito brasileiro: breve análise da conformação do princípio nemo tenetur se detegere à luz da jurisprudência nacional e estrangeira

Autor: Guilherme Gehlen Walcher

Juiz Federal Substituto, Especialista em Direito Público (UnB)

publicado em 18.12.2013



Resumo

Este artigo busca analisar a extensão e os limites da garantia contra a autoincriminação (nemo tenetur se detegere) no Direito Processual Penal brasileiro, a partir de uma análise doutrinária e principalmente pretoriana, levando em conta os precedentes dos tribunais superiores do país e dos tribunais estrangeiros. Não há a pretensão de exaurir este polêmico tema, mas apenas a de analisar a peculiar conformação da garantia em território nacional diante das críticas que apontam para o seu possível superdimensionamento, sem precedentes em ordenamentos jurídicos de países civilizados e de tradição humanitária.

Palavras-chave: Direito ao silêncio. Autoincriminação. Nemo tenetur se detegere. Extensão. Limites.

Sumário: Introdução. 1 Direito ao silêncio e sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro. 2 Conformação pretoriana do direito ao silêncio. 3 Direito comparado: análise da jurisprudência estrangeira. 4 Provas invasivas e não invasivas: requisitos para realização. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

O tema ora abordado há tempos tem ocupado legisladores, doutrinadores, magistrados, advogados, promotores e, mais recentemente, a imprensa e a sociedade em geral (v. etilômetro). O debate não raramente acende paixões e externa diversas convicções a respeito do que seja justo, adequado e humanitário no que se refere às medidas que podem ser exigidas daquele cidadão acusado – ou em vias de ser acusado – de ter cometido um crime (colaboração ativa, oral ou corporal; colaboração passiva; tolerância; submissão a perícias criminais, etc.). O direito da acusação à prova de um delito tem e certamente deve ter limites, fundados na dignidade humana, não se admitindo, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, certos procedimentos atentatórios ao indivíduo para extração da verdade, como a tortura e certos métodos de interrogatório, sejam eles químicos (soro da verdade, narcoanálise) ou psíquicos (hipnose, lie detector).

Por outro lado, alguma colaboração do acusado vem, em alguma medida, sendo admitida pelos ordenamentos jurídicos contemporâneos, sendo exemplo disso as obrigações de tolerar a realização de uma medida de busca e apreensão na própria residência e a de ser identificado criminalmente. O debate doutrinário e pretoriano acirra-se quando se tornam objeto de discussão medidas que não raramente vêm sendo inadmitidas pela jurisprudência, com fundamento na garantia contra a autoincriminação, e que, em determinados casos (v. g., bafômetro, anteriormente ao advento da Lei nº 12.760/2012), se inadmitidas, inviabilizam a prova do crime, surgindo um conflito insuperável entre o direito da acusação à produção de provas imprescindíveis ao esclarecimento dos fatos e a pretensão do acusado de não colaborar na produção de provas que possam incriminá-lo. Tem sido apontado, em certos setores da doutrina processual penal, um superdimensionamento da garantia de silenciar quanto a fatos em tese delituosos, de modo a comprometer o esclarecimento da verdade e a gerar impunidade, sem que igual conformação do direito ao silêncio seja vista em respeitados ordenamentos jurídicos estrangeiros. Nesse contexto, busca-se aprofundar o estudo do tema, sem que se tenha, porém, a pretensão de exauri-lo.

1 Direito ao silêncio e sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro

A Constituição Federal de 05.10.1988 prevê em seu art. 5º, inciso LXIII, que “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”. A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), em seu artigo 8º, item 2, alínea g, prevê que toda pessoa acusada de um delito tem, durante o processo, a garantia de “não ser obrigada a depor contra si mesma, nem a declarar-se culpada”. A Declaração Universal dos Direitos do Homem prevê em seu art. 11 que “ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. O Código de Processo Penal prevê o direito do acusado de ser advertido do “direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas”, sendo que “o silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa” (art. 186). O Código de Processo Civil, embora preveja o dever geral de exibição de documentos, pela parte e pelo terceiro, admite a escusa de exibição quando “a publicidade do documento redundar em desonra à parte ou ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal” (art. 363, inciso III). Quanto às testemunhas, embora exista o dever cívico de depor a respeito de fatos presenciados, está prevista a ausência de obrigatoriedade de depoimento quanto a “fatos que lhe acarretem grave dano, bem como ao seu cônjuge e aos seus parentes consanguíneos ou afins, em linha reta, ou na colateral em segundo grau” (art. 406, inciso I). Quanto às intervenções cirúrgicas, o Código Civil as proíbe apenas quando houver risco de vida para o paciente, nos termos do art. 15 (“Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”). Em seu artigo 232, o Código Civil permite que os efeitos da recusa recaiam contra a esfera jurídica do recusante (“A recusa à perícia médica ordenada pelo juiz poderá suprir a prova que se pretendia obter com o exame”). No mesmo sentido dispõe a Súmula nº 301 do STJ (“Em ação investigatória, a recusa do suposto pai a submeter-se ao exame de DNA induz presunção juris tantum de paternidade”).

Percebe-se que, salvo quanto às escusas de apresentação de documentos e de submissão, com risco de vida, a intervenções corporais, os dispositivos normativos fazem menção apenas à desnecessidade de colaboração ativa oral para a apuração dos fatos, autorizando o silêncio quanto às chamadas declarações de autoinculpação criminal, quer a pessoa seja ouvida como parte, quer como testemunha. Segundo o STF, o direito de silenciar quanto a fatos em tese criminosos existe não apenas em juízo, durante o interrogatório do réu, mas em qualquer órgão ou instância estatal de apuração de fatos possivelmente delituosos, o que abrange depoimentos perante autoridades policiais, judiciárias e parlamentares, esteja o acusado preso ou solto, ponto em que o inciso LXIII do art. 5º, segundo o STF, deve receber interpretação extensiva (HC 99.289, Rel. Min. Celso de Mello).

Do ponto de vista dos dispositivos constitucionais, convencionais e legais, percebe-se que não há a previsão de um direito amplo de não participar da produção de quaisquer provas, mas a previsão de situações específicas e pontuais em que a colaboração deixa de ser obrigatória, tornando-se facultativa. O fato de os dispositivos não preverem um direito amplo de não participar de meios probatórios não significa que se deva adotar necessariamente uma interpretação literal e textual – restringindo-se o direito ao silêncio ao acusado preso, por exemplo (art. 5º, LXIII, da CF/88) –, mas, sem dúvida, chama atenção para o fato de que interpretações extensivas dos dispositivos nem sempre serão adequadas, podendo caracterizar-se como respostas simplistas, obtidas mediante recursos a silogismos inconsistentes, desenvolvidos à margem do cerne do problema. Esse ponto é relevante porque, conforme se percebe da jurisprudência comparada, em países de reconhecida tradição no âmbito dos direitos humanos, o nemo tenetur se detegere “quase nunca vai além da prerrogativa de se calar em interrogatório ou de se recusar a depor, protegendo o acusado contra a obrigatoriedade de emitir declarações verbais de conteúdo, em nada interferindo na questão probatória, contexto em que sequer é estudado”,(1) ponto que adiante será melhor abordado.

No direito canônico, entendia-se que somente perante Deus o pecador deveria confessar-se, de modo que, perante outros homens, seria razoável que pudesse silenciar (nemo tenetur procere seipsum). É da natureza humana a dificuldade de confessar erros, desvios de conduta e principalmente delitos, por serem estes as manifestações mais intensas e repugnantes daqueles. Ao reconhecer tal dificuldade e o consequente incentivo ao perjúrio que significava a imposição do dever de falar a verdade, o processo penal – ponderando também as atrocidades cometidas na Idade Média em relação à extração forçada da verdade por meio da tortura – evoluiu para a facultatividade da confissão, permitindo ao acusado que silenciasse quanto a fatos autoincriminadores.

A ratio legis do privilege against self incrimination é, portanto, a tutela da integridade física e mental do acusado, principalmente ante a tortura, prática disseminada no processo penal absolutista e inquisitório. Para além dessa finalidade, não se justifica a aplicação do direito ao silêncio, que não deve ser entendido como um direito amplo de recusa à participação em meios probatórios, mesmo em relação àqueles que não ofendam a integridade do acusado, muito menos como um direito de frustrar ou de burlar atos processuais penais (v. ocultação para evitar citação). Vale salientar que a inação e o silêncio não são positivamente valorados em si mesmos, sendo assegurados pelo Direito desde que e enquanto se apresentem idôneos a, em alguma medida, impedir a ofensa a direitos previstos no ordenamento jurídico.(2) O direito ao silêncio é imprescindível para impedir a tentativa de arrancar confissões a manu militari, com violência e afronta à integridade corporal do acusado. Porém, nos meios de prova em que não se exige a confissão de culpa, tampouco se afronta a integridade corporal do acusado, prejudicar a obtenção de provas que não ferem direitos fundamentais só serve para favorecer a impunidade e gerar descrédito ao sistema de justiça criminal e às instituições criadas para fazê-lo funcionar adequadamente (Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário). Não é adequado falar-se em uma garantia ampla de se manter alheio ou de se recusar a participar do processo, porque a jurisdição é imperativa e, segundo a doutrina, o art. 339 do Código de Processo Civil – “Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade” – constitui princípio geral de direito, sendo aplicável ao processo penal por força do art. 3º do CPP. A modelo algum de Estado, autoritário ou democrático, e de processo penal, inquisitivo ou garantista, interessa a criação de óbices destinados a dificultar a condenação de criminosos, salvo quando esses entraves existirem para proteger direitos fundamentais, como a integridade física e psíquica e o direito de permanecer calado. Não fosse assim, assentar-se-ia a existência de direitos não amparados em dispositivos normativos e de duvidosa legitimidade moral e ética, como os direitos de se ocultar para não ser citado, de mentir no interrogatório e de fugir. Evidentemente, há práticas que, em alguns casos, devem ser toleradas pelo sistema de justiça criminal, mas que não constituem direitos, sendo aceitas com base em excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, analisadas caso a caso, ou simplesmente por não haver coerção ou sanção legalmente previstas.

2 Conformação pretoriana do direito ao silêncio

Uma análise de jurisprudência pátria demonstra que vem sendo admitida uma interpretação ampla do direito ao silêncio, entendido não apenas como direito de não realizar declarações de autoinculpação (colaboração ativa na forma oral), mas como o direito de não colaborar, ativa ou passivamente, em qualquer meio de prova, oral ou não, que possa vir a servir de elemento contrário aos interesses do acusado (v. HC 99.289).(3)

O Supremo Tribunal Federal manifestou-se expressamente quanto a duas formas de colaboração do acusado, previstas na legislação, entendendo que, diante do princípio nemo tenetur se detegere, a participação do acusado deve ser facultativa, e não obrigatória. Quanto à participação na reconstituição de crime (reprodução simulada dos fatos, cf. art. 7º do CPP), a Corte manifestou-se no RHC 64.354-SP (1987) e no HC 69.026-DF (1991).(4) Quanto ao fornecimento de padrões gráficos para fins de perícia grafotécnica (CPP, art. 174, inciso IV), a questão foi analisada no HC 77.135-SP (1998).(5) Inegavelmente, esses precedentes criaram uma linha de orientação jurisprudencial que, interpretada pelos demais Tribunais, levou a uma ampliação ainda maior da extensão da garantia de não se autoincriminar.

O Superior Tribunal de Justiça chegou a assentar o entendimento de que é atípica, ante o princípio nemo tenetur se detegere, a conduta de apresentar documentação falsa para ocultação da real identidade, como forma de evitar a descoberta, pela autoridade policial, de que se tratava de pessoa foragida ou com maus antecedentes. A tese, porém, não foi respaldada pela Suprema Corte, que rejeitou a tese de autodefesa no RE 640.139.(6) O STJ, curvando-se ao entendimento do STF, alterou seu entendimento (HC 151.802/MS).(7) Poder-se-ia cogitar, no caso, de exercício abusivo do direito de defesa, entendido como aquele em que o titular do direito de defesa, ao exercê-lo, “excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” (CC, art. 187). O Tribunal Regional Federal da 4ª Região também não vem acolhendo a tese de autodefesa na espécie, entendendo que a “eventual existência de mandados de prisão expedidos contra o réu não autoriza o uso de documentos de identificação falsos, não havendo falar em aplicação do nemo tenetur se detegere” (TRF4, ACR 5002553-07.2011.404.7208), e que “o sujeito ativo que, em situação de flagrância, faz uso de documentos contrafeitos, a fim de evitar a sua correta identificação e, por via de consequência, a descoberta de sua condição de foragido, não age acobertado pelo exercício de autodefesa, razão pela qual a conduta não pode ser tida como atípica” (TRF4, EINF 2006.70.01.005867-2). Com efeito, observa-se que o direito ao silêncio não abrange, na via judicial (interrogatório) ou extrajudicial (flagrante), o direito de mentir sobre a própria identificação. Quanto à fase judicial, registre-se que a Lei n° 10.792/03 alterou o comando normativo do art. 186 do CPP, estabelecendo de modo claro que o direito ao silêncio e sua respectiva advertência ao réu existem após o encerramento da – e não durante a – fase de qualificação, quando então, uma vez iniciados os questionamentos a respeito da conduta imputada, poderá o acusado, querendo, manter-se calado.(8) Mostra-se inadequado, portanto, o entendimento de que o acusado pode silenciar e até mentir ao magistrado a respeito de sua qualificação pessoal, com bem adverte Guilherme de Souza Nucci.(9)

Equívoco foi o de passar-se a entender que existe um direito de mentir, baseado no silogismo de que, podendo o réu ficar em silêncio, poderia também faltar com a verdade, como forma de se defender. Ocorre que o grau de reprovabilidade da mentira (desvalor intrínseco) é muito superior ao do silêncio, demandando aquela, para justificar-se, elementos especiais e adicionais. Não basta que alguém tenha o direito de ficar em silêncio para que se conclua, apenas a partir desse elemento, que esse alguém tem, também, o direito de mentir. A mentira não constitui direito, sendo apenas tolerada pelo ordenamento jurídico, se e quando necessária para viabilizar o direito de autodefesa com a pretensão de afastar a responsabilização criminal, observadas a razoabilidade e a proporcionalidade. É viável, por exemplo, o cometimento do crime de falso testemunho se o depoente, comparecendo em juízo e compromissado, faz declarações falsas com o intuito deliberado de produzir prova contra terceiro, agindo em conluio com o autor da ação, “ainda que tais afirmações possam, acidentalmente, lhe acarretar eventual autoincriminação” (STJ, HC 98.629/SC, Rel. Ministro FELIX FISCHER). Ou seja, mesmo que exista direito da testemunha ao silêncio em relação a fatos em tese autoincriminadores (HC 57.420/BA, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO), isso não basta para que se conclua que esta testemunha pode, também, mentir. É simplista o raciocínio de que a mentira estaria legitimada em razão do simples fato de haver direito ao silêncio. Não é apenas jurídica, mas também intuitiva, a assertiva de que, para legitimar a mentira, exige-se mais do que para legitimar o silêncio, o que se reflete no ordenamento jurídico vigente, que protege, de modo expresso, apenas este (silêncio), e não aquela (mentira).

A interpretação excessivamente extensiva da garantia de não se autoincriminar, então compreendida como o direito de não colaborar em qualquer fase de qualquer procedimento contra si instaurado, poderia fazer com que advogado acusado criminalmente e atuando em defesa própria na ação penal buscasse o reconhecimento do direito de não devolver os autos criminais a Juízo, como forma de afastar sua responsabilização pelo delito. Esse advogado, uma vez acusado do delito de sonegação de papel ou objeto de valor probatório (Código Penal, art. 356), que prevê, entre outras, a conduta de “deixar de restituir autos, documento ou objeto de valor probatório, que recebeu na qualidade de advogado ou procurador”, poderia invocar o nemo tenetur se detegere? Analisando questão assemelhada no HC 104.290, a Suprema Corte entendeu que “implica o tipo do artigo 356 do Código Penal postura de profissional da advocacia que, atuando em causa própria, deixa de devolver o processo para procrastinar o normal andamento”. Percebe-se que, se entendida a garantia constitucional de forma extremamente ampla – viabilizando ao acusado que obstaculize, de todas as formas possíveis, a persecução penal –, ela acabaria chancelando condutas reprováveis não apenas juridicamente, mas também ética e moralmente, com graves repercussões no sistema de Justiça Criminal.

Entende a Suprema Corte que o comportamento do réu, no curso do processo penal, tentando defender-se – por exemplo, por meio da falsa imitação de textos que seriam periciados em exame grafotécnico – , não pode ser valorado para aumento da pena-base, com fundamento no princípio nemo tenetur se detegere, o que me parece correto (HC 83960). Não se deve confundir isso, porém, com dizer-se que a postura processual de tentar retardar e conturbar a instrução processual estaria acobertada pelo princípio nemo tenetur se detegere, o que significaria assentar a legitimidade das práticas conhecidas como chicanas processuais, que não devem ser aceitas, muito embora a ementa do julgado pareça, em uma primeira análise, chancelar tal tese.(10) Por razões semelhantes, o STJ entendeu que não pode ser valorada negativamente, na aplicação da pena, a tentativa do traficante de drogas de ocultá-las no momento da realização da prisão em flagrante, uma vez que tal conduta encontra amparo no direito de não se incriminar, buscando o flagrado não produzir provas contra si mesmo (HC 139.535/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI).(11)

O direito ao silêncio tem sido aplicado na esfera policial pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que tem inadmitido a intimação coercitiva para comparecimento de investigado à Polícia Federal para prestar esclarecimentos.(12) Adota-se o raciocínio de que o acusado que pode silenciar em Juízo pode também silenciar na fase investigatória, descabendo na fase pré-processual, da mesma forma como ocorre na fase processual, a condução coercitiva somente para fins de interrogatório. Maria Elizabeth Queijo sustenta que o direito ao silêncio gera também o direito de ausência ao ato processual – dada a inexistência do dever de comparecimento –, sendo que, em um sistema ideal, “na fase judicial, o interrogatório somente seria realizado mediante requerimento da defesa”.(13) Segundo o STJ, a condução coercitiva para fins de interrogatório só se justifica havendo dúvidas quanto à identificação, sendo “o comparecimento do réu aos atos processuais, em princípio, um direito, e não um dever, sem embargo da possibilidade de sua condução coercitiva, caso necessário, por exemplo, para audiência de reconhecimento. Nem mesmo ao interrogatório estará obrigado a comparecer, mesmo porque as respostas às perguntas formuladas ficam ao seu alvedrio” (REsp 346.677/RJ, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES). Quanto à condução coercitiva à Polícia Federal para prestar esclarecimentos, registre-se, porém, recente decisão do STF admitindo-a com base no art. 144, § 4º, da CF/88 e no art. 6º do CPP (HC 107.644/SP), independentemente da existência de mandado judicial ou de estado de flagrância.(14) Interpretação mais ampla da garantia foi dada pelo STJ no HC 179.486, em que se garantiu a imunidade não apenas oral, mas também corporal, do que decorreu a conclusão pela impossibilidade de determinação ao acusado para que comparecesse ao Instituto de Criminalística para se submeter a uma perícia de confecção de imagens, sob pena de prisão em caso de negativa de comparecimento. Teria o acusado, no caso, o direito de exercer a prerrogativa de não produzir provas contra si mesmo.(15)

Interessante questão se coloca quanto à possibilidade de submissão de traficantes de cocaína a exames de raios x. Se a garantia de não se autoincriminar for interpretada de modo excessivamente extenso, de modo a abranger o direito de não colaborar, ativa ou passivamente, na realização de procedimentos probatórios, poder-se-ia aventar o direito dos traficantes flagrados de se recusarem a ser submetidos ao referido exame e, sendo ele feito contra a sua vontade, o direito de afastarem a prova por nulidade. O Superior Tribunal de Justiça, analisando o HC 149.146/SP, entendeu que não houve violação ao princípio do nemo tenetur se detegere na submissão dos pacientes ao exame de raios x com o propósito de constatar a ingestão de cápsulas de cocaína, uma vez que “não ficou comprovada qualquer recusa na sujeição à radiografia abdominal; ao contrário, os pacientes teriam assumido a ingestão da droga, narrando, inclusive, detalhes da ação que culminaria no tráfico internacional do entorpecente”. O STJ aparentemente diferenciou a colaboração ativa da colaboração passiva, admitindo a licitude desta última (tolerância), pois entendeu que “os exames de raios x não exigiram qualquer agir ou fazer por parte dos pacientes, tampouco constituíram procedimentos invasivos ou até mesmo degradantes que pudessem violar seus direitos fundamentais”. Entendeu-se que o procedimento “adotado pelos policiais não apenas acelerou a colheita da prova, como também visou à salvaguarda do bem jurídico vida, já que o transporte de droga de tamanha nocividade no organismo pode ocasionar a morte”. A voluntariedade na submissão ao exame foi fator-chave para afastar a tese de nulidade. É que o silêncio (na interpretação literal do dispositivo constitucional) e a não participação em procedimentos probatórios (na interpretação extensiva do dispositivo constitucional) não são uma imposição, mas uma faculdade assegurada ao acusado. Pelo mesmo motivo, o STJ não admitiu a anulação de perícia grafotécnica realizada a partir do fornecimento de padrões gráficos, pois, muito embora precedente do STF assegure a aplicação do princípio nemo tenetur se detegere também neste específico meio de prova, no caso concreto o fornecimento dos padrões havia sido espontâneo, sem qualquer recusa peremptória, que não poderia ser alegada apenas após o fornecimento dos padrões (HC 93.874).(16)

No HC 137.340/SC, o STJ enfrentou a alegação de que o art. 305 do Código de Trânsito Brasileiro afrontaria o princípio nemo tenetur se detegere (“Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída: Penas – detenção, de seis meses a um ano, ou multa”). Alegava-se que o condutor de veículo que causa acidente deveria ter o direito de fugir do local, de modo a evitar sua responsabilização criminal. O Tribunal da Cidadania entendeu que “o art. 305 do Código de Trânsito, que tipifica a conduta do condutor de veículo que foge do local do acidente, para se furtar à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída, não viola a garantia da não autoincriminação, que assegura que ninguém pode ser obrigado por meio de fraude ou coação, física e moral, a produzir prova contra si mesmo”. Entretanto, diverso foi o entendimento do órgão especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que, segundo informa Eugênio Pacelli de Oliveira, declarou a inconstitucionalidade do art. 305 na arguição de inconstitucionalidade n° 990.10.159020-4-2010.(17) Também o TRF da 4ª Região, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004934-66.2011.404.0000/RS, por maioria de votos, decidiu que “o art. 305 da Lei 9.503/97 conflita com a ordem jurídica vigente ao impor sanção ao acusado pelo fato de afastar-se do local do acidente, tisnando os direitos que lhe são constitucionalmente assegurados, consubstanciados nas garantias da ampla defesa, da presunção de inocência, da não autoincriminação e do devido processo legal para a apuração de atos contrários ao Direito”.

Quanto à submissão do motorista flagrado em estado de embriaguez ao exame do bafômetro, previsto no art. 277 do CTB(18) e destinado a fazer prova do delito previsto no art. 306 do mesmo Código,(19) há precedente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul assentando verdadeira imunidade corporal: “a recusa ao teste do bafômetro não pode constituir prova contra o agente. Isso porque ninguém está obrigado a ceder o seu próprio corpo – ou parte dele – para fazer prova” (Apelação Criminal n° 70037953841, Rel. Des. Francesco Conti). A 3ª Seção do STJ, no dia 28 de março de 2012, julgando o Recurso Especial n° 1.111.566/DF, pacificou o entendimento de que – na redação do art. 306 do CTB anterior à Lei nº 12.760/2012 – “apenas o teste do bafômetro ou o exame de sangue podem atestar o grau de embriaguez do motorista para desencadear uma ação penal”. Entendeu-se também que, diante do direito de não produzir prova contra si mesmo, o motorista alcoolizado não poderia ser forçado a soprar o etilômetro, razão pela qual havia grave deficiência na lei, a ser solucionada, porém, pelo Poder Legislativo, e não pelo Poder Judiciário. Em atenção a esse julgamento, o Congresso Nacional acelerou a tramitação do Projeto de Lei n° 5.607/2009, que altera o art. 306 do CTB para permitir a condenação do motorista que apresentar sinais notórios de embriaguez, mesmo que não haja exame de etilômetro atestando presença de álcool em nível superior ao patamar máximo de tolerância previsto na legislação. O processo legislativo acelerado culminou no advento da Lei nº 12.760/2012, que modificou o regime jurídico da embriaguez ao volante. Passou-se a admitir a comprovação da consumação do delito do art. 306 não apenas pela concentração de álcool no sangue (§ 1º, inciso I), mas, também, por “sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora” (§ 1º, inciso II). Já o art. 277 do CTB, que antes obrigava a submissão do motorista ao teste do etilômetro (“será submetido”), passou, após a Lei nº 12.760/2012, a considerá-la facultativa (“poderá ser submetido a teste”). O Poder Legislativo, aparentemente reconhecendo a impossibilidade de se exigir a colaboração do motorista para soprar o bafômetro – ou ao menos a existência de relevante insegurança jurídica a respeito de tal questão –, adotou política criminal tendente a viabilizar a comprovação do delito de embriaguez ao volante independentemente da colaboração do flagrado.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região analisou interessante caso no qual o magistrado federal de primeira instância, em ação penal envolvendo os delitos dos arts. 4º, 16 e 22, parágrafo único, da Lei n° 7.492/86, ordenou aos réus que, sob pena de desobediência, no prazo de quinze dias, trouxessem “aos autos a identificação de suas contas mantidas ou por eles controladas no exterior no Bank Leumi USA e no Commercial Bank of New York, a que se referem os documentos de fls. 45, 47, 48 e 50 do apenso III, vol. I, bem como os extratos dos últimos doze meses de movimentação”. O Tribunal cassou a decisão de primeira instância, acolhendo a alegação deduzida no habeas corpus no sentido de que a decisão ordenara aos réus que fizessem prova contra si mesmos. A Corte rejeitou a fundamentação de primeira instância, segundo a qual “o argumento de que intimação da espécie violaria o princípio de que ‘ninguém pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo’ não é convincente, por faltar base normativa para tal princípio no Direito brasileiro, que alberga apenas o direito ao silêncio (cf. art. 5º, LXIII, CF/88, e art. 186 do CPP), o que é coisa diversa”. Adotou-se o entendimento de que o direito de não produzir prova contra si mesmo decorre de interpretação conjugada do direito ao silêncio com o direito à ampla defesa. Particularmente, parece-me que não cabe obrigar o réu a apresentar documentos autoincriminadores, mas não com base na interpretação ampla do direito ao silêncio, e sim pela aplicação analógica do Código de Processo Civil (CPP, art. 3º), que, embora preveja o dever geral de exibição de documentos, pela parte e pelo terceiro, admite a escusa de exibição quando “a publicidade do documento redundar em desonra à parte o

u ao terceiro, bem como a seus parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau; ou lhes representar perigo de ação penal” (art. 363, inciso III).

A Suprema Corte, julgando e concedendo habeas corpus (HC 80.949), entendeu que a gravação clandestina, por policiais, de conversas informais mantidas com os investigados, sem prévia advertência do direito de silenciar perante a autoridade estatal, caracteriza violação indireta ao direito ao silêncio, que poderia ser invocado perante as autoridades policiais e judiciárias em uma oitiva formal, mas que, pela maneira como fora conduzida a oitiva, deixou de poder ser invocado pelos investigados. O procedimento de conversa informal teria constituído “modalidade de ‘interrogatório’ sub-reptício, o qual – além de realizar-se sem as formalidades legais do interrogatório no inquérito policial (C.Pr.Pen., art. 6º, V) – se faz sem que o indiciado seja advertido do seu direito ao silêncio”. Concluiu-se que “a falta da advertência – e da sua documentação formal – faz ilícita a prova que, contra si mesmo, forneça o indiciado ou acusado no interrogatório formal e, com mais razão, em ‘conversa informal’ gravada, clandestinamente ou não” (HC 80949, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 30.10.2001).

3 Direito comparado: análise da jurisprudência estrangeira

É extremamente importante analisar-se a conformação (alcance e limites) do direito ao silêncio no direito comparado para que se possa fazer um juízo a respeito da posição predominante em terra brasilis. Nesse ponto, dois autores brasileiros destacam-se por terem abordado o tema de modo competente e aprofundado: Maria Elizabeth Queijo (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003) e Marcelo Schirmer Albuquerque (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008). A seguir, será traçado um panorama geral, extraído a partir do estudo das obras acima mencionadas e de diversas decisões de Tribunais Constitucionais e de Cortes Supremas da Europa e dos Estados Unidos da América. Adiante-se a conclusão dos referidos autores, sintetizada pelo último:

“O certo, porém, é que em países de reconhecida tradição no âmbito dos direitos humanos e em outros de também indiscutível desenvolvimento nas dogmáticas Penal e Processual Penal, o nemo tenetur se detegere quase nunca vai além da prerrogativa de se calar em interrogatório ou de se recusar a depor, protegendo o acusado contra a obrigatoriedade de emitir declarações verbais de conteúdo, em nada interferindo na questão probatória, contexto em que sequer é estudado. Por isso, ao dar início ao estudo da questão no Direito Comparado, Maria Elizabeth Queijo anuncia que [...] na questão probatória os ordenamentos jurídicos por ela pesquisados, em geral, alternam-se entre duas soluções – a execução coercitiva da medida que obrigue o acusado a prestar a colaboração exigida ou a aplicação de sanções por desobediência –, razão pela qual conclui que, ‘praticamente, reconhece-se, de forma não expressa, um dever de colaboração do acusado na produção das provas’.”(20)
 
Na França, o direito de não se autoincriminar não tem previsão constitucional. No Processo Penal francês, há leis que exigem a coleta de sangue para a prova de certas infrações penais, como a embriaguez ao volante e o uso de entorpecentes, situações essas em que há dever de colaboração pelo flagrado, sendo a recusa por parte do motorista delito punível com detenção de até dois anos. Na Bélgica, em caso de flagrância, a intervenção corporal pode ser autorizada pelo Juiz de Instrução. Não se tratando de flagrante, a intervenção corporal segue sendo possível, mas a competência para autorizá-la passa a ser da Sala do Conselho ou da Sala da Acusação (que tem competência recursal relativamente à Sala do Conselho). Nos países escandinavos, também é possível submeter o acusado ao exame in corpore. Na Dinamarca, exige-se para tanto que haja fundada suspeita de participação em delito apenado com prisão de no mínimo 18 meses. Na Noruega, o art. 157 do CPP permite a intervenção corporal desde que haja fundada suspeita de participação em delito apenado com pena privativa de liberdade.

Em Portugal, o Direito Processual Penal assegura que “são nulas, não podendo ser utilizadas, as provas obtidas por meio de tortura, coacção ou, em geral, ofensa da integridade física ou moral das pessoas” (CPP, art. 126, item 1; v. art. 32, n° 8, da Constituição). O CPP assegura também o direito ao silêncio no art. 343, item 1 (“O presidente informa o arguido de que tem direito a prestar declarações em qualquer momento da audiência, desde que elas se refiram ao objecto do processo, sem que no entanto a tal seja obrigado e sem que o seu silêncio possa desfavorecê-lo”). O art. 172 do CPP traz interessante previsão de “sujeição a exame”, nos seguintes termos:

“1 – Se alguém pretender eximir-se ou obstar a qualquer exame devido ou a facultar coisa que deva ser examinada, pode ser compelido por decisão da autoridade judiciária competente.

2 – Os exames susceptíveis de ofender o pudor das pessoas devem respeitar a dignidade e, na medida do possível, o pudor de quem a eles se submeter. Ao exame só assistem quem a ele proceder e a autoridade judiciária competente, podendo o examinando fazer-se acompanhar de pessoa da sua confiança, se não houver perigo na demora, e devendo ser informado de que possui essa faculdade.”

A constitucionalidade do art. 172 do CPP foi analisada pelo Tribunal Constitucional Português no Acórdão n° 155/2007. Tratava-se de situação em que o recorrente havia sido forçado, contra a sua vontade, por decisão da autoridade competente (no caso, o Ministério Público), a comparecer ao instituto médico legal para submissão a perícia (extração de saliva), “sempre na medida do estritamente necessário, adequado e indispensável”. Apurava-se um homicídio qualificado na cidade do Porto, tendo sido recolhidos vestígios biológicos na cena do crime, aptos a identificarem os assassinos. As diligências investigatórias levaram à identificação de um suspeito, que foi convidado “a prestar consentimento para a recolha de zaragatoas bucais com vista à identificação de seu perfil genético [...] e comparação com o dos vestígios” encontrados na cena do crime. O suspeito recusou-se a fornecer saliva para perícia e, por isso, foi aplicado o art. 172, ordenando-se a sujeição a exame. No ato pericial, realizado em 12.05.2005, o suspeito assinou declaração de recusa e, advertido de que a perícia seria realizada, mesmo à força, se necessária fosse, forneceu o material espontaneamente. Após, invocou, em diversas instâncias,(21) até chegar ao Tribunal Constitucional, os argumentos de intrusão ofensiva à sua integridade pessoal, ilegalidade da prova, violação a dispositivos constitucionais diversos, violação a Convenções Europeias de Direitos Humanos, à Declaração Universal dos Direitos do Homem, e, no que mais interessa a este trabalho, ofensa ao princípio nemo tenetur se detegere, do que resultaria a inconstitucionalidade do art. 172 do CPP.

Gomes Canotilho, em parecer juntado aos autos, manifestou-se pela legitimidade da coleta de material biológico para exame de DNA.(22) O profundo acórdão aborda, também, invocando decisões do Tribunal Europeu de Direitos do Homem e do Tribunal Constitucional Espanhol, a inadequação de se estender o direito ao silêncio a ponto de fazê-lo obstar a validade da produção de provas que impliquem, em qualquer medida (às vezes mínima, irrisória, como no caso de coleta de um mero fio de cabelo), intervenção corporal ou colaboração ativa ou passiva do acusado, o que, ao fim e ao cabo, “deixaria desarmados os poderes públicos no desempenho das suas legítimas funções de protecção da liberdade e convivência, lesaria o valor da justiça e as garantias de uma tutela judicial efectiva”.(23) Concluiu o Tribunal que as perícias devem observar a ética e os procedimentos médicos, bem como a proporcionalidade e a razoabilidade – buscando-se meios menos gravosos e restritivos, quando possíveis –, mas que, quanto às “análises de ADN, na verdade, essa colheita não constitui nenhuma declaração, pelo que não viola o direito a não declarar contra si mesmo e a não se confessar culpado. Constitui, ao invés, a base para uma mera perícia de resultado incerto, que, independentemente de não requerer apenas um comportamento passivo, não se pode catalogar como obrigação de autoincriminação”. Esclarece-se no acórdão que, na Espanha e na Alemanha, o pretendido alcance tão amplo do direito ao silêncio também não é admitido.(24)

A profundidade deste acórdão chega a gerar uma sensação de superficialidade das discussões – doutrinárias, jurisprudenciais e legislativas – existentes no Brasil, em que diversos juristas encontram uma surpreendente facilidade ao concluir que, ao dizer direito ao silêncio, quis o Poder Constituinte, “obviamente”, dizer direito (amplo) do acusado de não permitir a produção de provas que possam incriminá-lo, o que, “obviamente”, abrange o direito de recusa na participação em quaisquer meios de prova que veiculem a colaboração, ativa ou passiva, do acusado e, também “obviamente”, o direito de mentir, direito este, porém, inexistente, como bem ensinam Eugenio Pacelli de Oliveira e Douglas Fischer.(25) Como se percebe, a questão está longe de ser simplória, demandando uma análise mais detida e uma argumentação menos frágil, mais profunda e ponderada.

Em outro caso (Acórdão n° 156/88), o mesmo Tribunal Constitucional Português, diante de caso de recusa ao teste de alcoolemia, assentou que “o direito à integridade pessoal deveria ceder, no caso, perante o direito à vida e à segurança das pessoas transportadas”. No Acórdão n° 319/95, aquela Corte concluiu que “a normação que admite a imposição do chamado teste de álcool [...] não ofende materialmente a Constituição”. Em Portugal, portanto, a pessoa pode ser constrangida a suportar atividade investigativa sobre si mesma, não havendo imunidade corporal – muito menos fundada no princípio nemo tenetur se detegere –, respeitados os limites legais e constitucionais (integridade física, técnica médica, v.g.).

Na Alemanha, cuja dogmática penal é comumente apontada em doutrina como a mais avançada no mundo, reconhece-se o direito de silenciar sobre fatos que incriminem o depoente ou seus parentes (StPO, § 55, itens 1 e 2), não se admitindo o juramento pelo acusado (StPO, § 60). Porém, “permite-se à autoridade competente, para a constatação de fatos importantes para o processo, ordenar exames físicos do acusado e, para esse propósito, admite-se a colheita de amostras de sangue ou outras intromissões corporais, ainda que contra a vontade do acusado, desde que sem riscos à sua saúde, conforme as determinações da ciência médica (§ 81ª, 1, StPO)”.(26) Segundo esclarece e sintetiza Maria Elizabeth Queijo, “no direito processual alemão, a extração coercitiva de sangue do acusado e outras ingerências corporais, sem o seu consentimento, não são consideradas práticas atentatórias a direitos fundamentais, desde que obedecidas as restrições impostas”, ou seja, que as medidas interventivas sejam realizadas por médico e que inexista perigo para a saúde do acusado. Quanto ao reconhecimento, a doutrinadora esclarece:

“A jurisprudência e a doutrina têm considerado que, mesmo nos casos de execução forçada da intervenção corporal, o acusado não exerce uma colaboração ativa, mas passiva, tolerando a execução. Tal postura de tolerância, que corresponde à colaboração passiva, é o que se poderia exigir do acusado. [...] os tribunais alemães, inclusive o Tribunal Constitucional Federal, têm admitido o reconhecimento e ainda a imposição de outras medidas, como cortar cabelo ou barba; usar de artifícios para forçar uma posição de cabeça; manter os olhos abertos; manter dada expressão facial. Tal orientação invoca, por vezes, a analogia com relação à submissão do acusado a exames, como o de sangue, e à identificação dactiloscópica. Outras vezes o fundamento é o de que tais medidas coercitivas exigem do acusado apenas uma colaboração passiva, ou seja, tolerância.”(27)

Na Itália, antes da sentença n° 238/1996 da Corte Constitucional, permitia-se a realização coercitiva de inspeção em pessoas, inclusive com intervenção médica, desde que ausente perigo para a vida ou a saúde do investigado, podendo o Juiz, por exemplo, ordenar o exame de sangue. A referida sentença, porém, exigiu que tais medidas estivessem respaldadas em legislação que trouxesse rigorosa regulamentação da matéria, não bastando dispositivos legais genéricos. Como a legislação exigida ainda não sobreveio, atualmente o exame de sangue depende da concordância do acusado. Não, porém, por aplicação do princípio nemo tenetur se detegere, mas, sim, pela ausência de lei autorizadora que regulamente as hipóteses de admissibilidade e o procedimento da intervenção corporal. O art. 208 do CPP italiano, que prevê a submissão a perícias, teve sua constitucionalidade afirmada, por não afrontar o direito ao silêncio, na sentença n° 221, de 24.05.1991.

Na Espanha, o direito ao silêncio está assentado na Constituição (arts. 17.3 e 24.2).(28) Porém, ele não gera a caracterização, como atos de inculpação, de quaisquer provas que dependam em alguma medida da colaboração do acusado. Quanto ao exame de alcoolemia, que, ao exigir alguma contribuição do flagrado, estaria supostamente afrontando o direito de não se autoincriminar, o Tribunal Constitucional Espanhol proferiu a sentença n° 103/1985, entendendo que: “El deber de someterse al control de alcoholemia no puede considerarse contrario al derecho a no declarar, y a declarar contra si mismo y a no confesarse culpable, pues no se obliga al detectado a emitir uma declaración que exteriorice um contenido, admitiendo su culpabilidade, sino a tolerar que se le haga objeto de uma especial modalidade de pericia [...].” O Código de Trânsito de 1995 tipifica como crime de desobediência a recusa a soprar o bafômetro (art. 380). A sentença n° 37/1989 do Tribunal Constitucional Espanhol fixou os requisitos para a intervenção corporal, que são, em síntese, previsão legal autorizativa e decisão judicial motivada, que autorize procedimento que não afronte a dignidade do acusado, não seja degradante – não causando dor ou transtornos à saúde – e seja proporcional, ponderando-se no caso concreto o sacrifício do acusado com a gravidade do fato a ser apurado. O Tribunal Constitucional proferiu precedentes entendendo que não afrontam a Constituição, por si sós, os exames de sangue, radiológico e ginecológico, podendo, isto sim, a forma da intervenção, se abusiva, revelar-se indevida.(29)

Nos Estados Unidos da América, a quinta emenda à Constituição consagrou o privilege against self incrimination, segundo o qual nenhuma pessoa será compelida em casos criminais a ser uma testemunha contra ela própria.(30) Em 1966, a Suprema Corte, no caso Miranda versus Arizona, estabeleceu os requisitos para o interrogatório de presos (Miranda rights ou Miranda warnings), especialmente a advertência quanto ao direito de permanecer em silêncio e de consultar advogado antes de ser interrogado. A garantia de não ser obrigado a se autoincriminar, porém, refere-se às manifestações testemunhais (orais) do acusado, de modo que “outras fontes de prova, ainda que verbalizadas pelo imputado, não estão por ela abrangidas”.(31) Citam-se a decisão da Suprema Corte, em 1966, no caso Schmerber vs. California, em que se decidiu que a garantia apenas evita que o acusado tenha que testemunhar contra si próprio, o que cria em seu favor uma imunidade comunicativa (oral), e a decisão de 1988 (Doe vs. USA), em que o objeto do privilege against self incrimination foi definido pela expressão contents of his mind, ou seja, informações contidas na mente da pessoa, e não no resto de seu corpo, como no seu sangue, por exemplo. Há decisões da Suprema Corte norte-americana assentando a obrigatoriedade de fornecimento de impressões digitais, de padrões gráficos e vocais, estes dois últimos expressamente mencionados como de fornecimento facultativo pela Suprema Corte brasileira (STF, HC 99.289), o que bem demonstra a diferença de enfoque.

No âmbito do sistema europeu de defesa dos direitos humanos, o Tribunal Europeu (TEDH), no caso Saunders vs. The United Kingdom, assentou, dentre diversas conclusões, a de que o direito de não se incriminar (right to not self-incriminate) não se estende a ponto de abranger e vedar a utilização, em procedimentos criminais, de materiais ou elementos probatórios que tenham sido obtidos diretamente do acusado, mediante utilização de poderes coercitivos, mas que não dependam da vontade dele – diversamente do que ocorre com as declarações orais (confissão, v. g.) –, tais como documentos e amostras de sangue, urina e tecido humano (cabelos, pelos) para fins de exame de DNA.

4 Provas invasivas e não invasivas: requisitos para realização

Uma vez analisada a jurisprudência nacional, estrangeira e internacional a respeito do direito ao silêncio, chega-se ao entendimento de que o princípio nemo tenetur se detegere não tem o alcance de gerar imunidade corporal para o acusado, devendo-se atentar, quanto às intervenções, às cláusulas constitucionais que repugnam a tortura e que protegem a integridade física, a saúde, a vida e a dignidade de qualquer cidadão ou estrangeiro residente no Brasil, as quais, em determinados casos, servirão como óbices contra medidas investigatórias abusivas, juntamente com os requisitos que a seguir serão expostos. O privilege against self incrimination permite ao réu que silencie, abstendo-se de confessar o que quer que seja, mas, por outro lado, não confere ao investigado um direito amplo de não colaborar, ativa ou passivamente, em todos e quaisquer procedimentos probatórios vinculados à persecução penal in iudicio e extra iudicio que possam, de alguma forma, vir a produzir provas que possam ser valoradas para fins de condenação penal. Não é essa a finalidade para a qual esse direito foi positivado, não é esse o alcance desse direito em ordenamentos estrangeiros civilizados e de tradição humanitária e, por fim, esse alcance compromete de forma relevante o direito à prova, que pertence a ambas as partes (acusação e defesa), obstando o regular exercício do direito fundamental da sociedade à repressão criminal das condutas que de modo mais intenso afrontam o ordenamento jurídico (os delitos).

É interessante notar que os dois principais doutrinadores referidos nesta obra, muito embora partam de abordagens diversas (e quase opostas), chegam a conclusões semelhantes quanto aos requisitos necessários para que se possa validamente exigir do acusado alguma forma de colaboração na instrução criminal. A primeira abordagem compreende o nemo tenetur se detegere basicamente como consistindo no direito ao silêncio, e não no direito amplo de não produzir provas contra si mesmo.(32) Respeitadas as balizas legais e constitucionais, a atividade probatória é, em princípio, ampla, cabendo às partes colaborar na apuração dos fatos, por força do princípio geral de direito segundo o qual “ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade” (CPC, art. 339), que também seria aplicável ao processo penal (CPP, art. 3º). Ficam ressalvadas apenas as previsões em sentido contrário (exceções), contidas na Constituição e na legislação, dentre as quais se encontra o direito de silenciar a respeito de fatos em tese delituosos, seja no interrogatório – policial, judicial ou parlamentar –, seja no depoimento testemunhal, por haver disposições expressas em tal sentido. O nemo tenetur se detegere teria por objeto as declarações orais, protegendo a possibilidade de recusa na chamada colaboração ativa oral. Não vedaria, porém, a realização de provas com a utilização do corpo do acusado (colaboração passiva, tolerância), desde que respeitada a integridade física e o seu estado de saúde. A recusa à participação em meios de prova, quando injustificada, poderia ser valorada para fins de carga probatória, não como presunção, mas como indício.

Essa orientação enfrenta dificuldades para justificar o acolhimento pretoriano da escusa na participação não oral do acusado em meios de prova, tais como nos casos de reprodução simulada do fato e de fornecimento de padrões gráficos para perícia grafotécnica. Fica claro, nos precedentes do STF, o entendimento de que a garantia de não se autoincriminar não se limita às declarações orais. A Suprema Corte, porém, ainda não tem posição definitiva e plenária assentando o suposto direito de não participar de quaisquer meios probatórios na esfera processual penal, muito embora os votos do Min. Celso de Mello pareçam deixar clara a sua posição nesse sentido. Não se pode, porém, dar à expressão “não produzir” um alcance tão amplo a ponto de inviabilizar a persecução penal de certos delitos (v.g., embriaguez ao volante, anteriormente ao advento da Lei nº 12.760/2012), quando os meios probatórios utilizados (v.g., etilômetro, que requer um mero “sopro”) estão longe de afrontar a dignidade humana, a integridade física e a saúde do acusado, como adverte a doutrina.(33)

Particularmente, não consigo extrair da Constituição Federal, literal ou sistematicamente, um direito constitucional amplo do investigado ou processado de não se submeter a quaisquer perícias na esfera criminal. Pode o legislador, nesse contexto, no exercício de seu amplo espaço de conformação normativa, conceber e editar uma política criminal que exija a participação do imputado em perícias, respeitando, sempre, a sua integridade corporal. Pode também preferir uma política criminal que prestigie medidas menos interventivas, adotando meios alternativos de prova da embriaguez e retirando do preceito primário do tipo penal (art. 306) elementos técnicos que não possam ser provados senão por meio de prova pericial (v. etilômetro). Esta última posição, que me parece mais conveniente por diversas razões, parece ter sido adotada na Lei nº 12.760/2012. Ela não significa, porém, que outras políticas criminais mais gravosas ou interventivas sejam inconstitucionais. O princípio da proporcionalidade não pode ser utilizado com o alcance de fazer dos juízes avaliadores da maior ou menor conveniência da uma determinada política criminal, para o efeito de afastá-la, por suposta inconstitucionalidade, sempre que for concebível para a repressão da ofensa aos bens jurídicos protegidos uma política criminal menos dura, menos rígida, menos interventiva. Respeitada a Constituição Federal, o legislador tem amplo espaço de conformação da política criminal, de modo que eventual desacerto ou inconveniência de sua opção não serve, por si só, para que seja ela declarada inconstitucional na esfera judicial.

Outro enfoque doutrinário entende que o nemo tenetur se detegere consiste em um direito amplo de não produzir prova contra si mesmo, abrangendo a possibilidade de recusa de participação em meios probatórios que exijam participação não oral do acusado.(34) Embora a sua positivação seja mais restrita (direito ao silêncio), ter-se-ia na espécie uma regra subincludente (underinclusiveness) relativamente à sua justificativa substantiva subjacente, ou seja, o Poder Constituinte teria dito menos do que queria. Para essa corrente, não há, em princípio, dever do acusado de colaborar na atividade probatória, o que abrange a possibilidade de recusa na colaboração ativa e passiva. Porém, mesmo essa corrente admite que o direito de não se autoincriminar, como direito fundamental, não é absoluto, mas relativo, admitindo ponderações com base no princípio da proporcionalidade e nos requisitos que a seguir serão expostos, porque a persecução penal não pode ser inviabilizada.(35) Assim, é possível submeter-se o acusado a perícias em certos casos.

Note-se que, aplicando-se esta última concepção (amplo direito de não se autoincriminar) sem a limitação externa, oriunda do princípio da proporcionalidade, chegar-se-ia a afirmar a legitimidade jurídica de condutas que, antes de violarem o Direito vigente, afrontam o bom senso e a percepção de justiça do mais leigo dos cidadãos, como, por exemplo, a conduta de evadir-se da cena do crime, deixando de prestar socorro, embora legalmente obrigado (CTB, art. 304), com a finalidade de não permitir à autoridade policial que “produza prova” da autoria do delito de trânsito, fazendo prevalecer o interesse na fuga da persecução penal sobre o direito à vida da vítima. Não se pode dar tamanha primazia ao instinto de autopreservação e à liberdade de autodeterminação, que fundamentam o direito ao silêncio, a ponto de comprometer o núcleo essencial de bens jurídicos mais valiosos (vida). É eticamente reprovável e penalmente reprimível defender-se a própria liberdade (na prática, o próprio bolso, por se tratar de delito geralmente apenado com penas alternativas) em detrimento da vida alheia, colocada em risco por conduta negligente, imperita ou dolosa daquele que, após causar o acidente, foge da cena do crime para se esquivar da ação da justiça criminal.(36) Quantos mais crimes post factum supostamente impuníveis se estaria permitindo a pretexto de proteger o instinto de autopreservação e o “direito” do criminoso de não produzir prova contra si mesmo? Poderia o motorista, com a chegada do policial à cena do crime, assassiná-lo para evitar que fossem produzidas provas (fotos, p. ex.) contra si mesmo? É evidentemente insustentável a tentativa de legitimar delitos posteriores – e não raramente mais graves e desvinculados da concreta exigência de colaboração do acusado pela autoridade pública – pela invocação do princípio nemo tenetur se detegere.(37)

Quanto ao delito do art. 305 do CTB, (“Afastar-se o condutor do veículo do local do acidente, para fugir à responsabilidade penal ou civil que lhe possa ser atribuída”), parte da doutrina entende que não há “direito à fuga” ou “direito de obstar a responsabilização civil ou criminal” que tornem o dispositivo inconstitucional, como anota Eugenio Pacelli.(38) Não foi esse o entendimento do TRF da 4ª Região, que, no julgamento da Arguição de Inconstitucionalidade nº 0004934-66.2011.404.0000/RS, acolheu o incidente a partir, principalmente, de um juízo de proporcionalidade. Ponderou-se, de um lado, o direito da acusação à prova do delito e, de outro, o direito do acusado de não se autoincriminar, concluindo-se pela inconstitucionalidade do art. 305. Diferenciou-se, porém, expressamente – no que andou bem o Tribunal – a situação do art. 305 daquela outra, versada no art. 304 (omissão de socorro), que impõe o balanceamento de um valor adicional: a vida ou a integridade física da vítima, colocada em risco por ação indevida do sujeito ativo do delito. Este tema – constitucionalidade ou não do art. 305 – é de maior complexidade, demandando uma análise mais detalhada, que remeto a uma outra oportunidade.

Voltando ao tema principal, as duas abordagens doutrinárias prestigiadas neste trabalho parecem reconhecer que a tutela penal dos direitos fundamentais é também um direito fundamental,(39) de titularidade difusa, pertencente à sociedade brasileira, de modo que óbices ao seu regular exercício devem ser proporcionais e razoáveis, não podendo abranger restrições injustificáveis à atividade probatória, sob pena de afrontar o devido processo legal, que protege não apenas a defesa, mas também a acusação. Quanto aos meios de prova, observa-se que o interrogatório e a acareação já possuem um regime jurídico bem delineado, diante do direito ao silêncio e da consequente facultatividade de participação oral do acusado. Quanto à reprodução simulada do fato, o STF também já se pronunciou pela facultatividade de participação (HC 69.026). Buscando sintetizar o regime jurídico dos demais meios de prova que demandam alguma forma de colaboração, ativa ou passiva, do acusado, incluídas as intervenções corporais, chega a doutrina às seguintes conclusões.

Diante do princípio da legalidade (“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”), a exigência de participação do acusado deve ter base legal. Admite-se, porém, a analogia, por se tratar de instrumento válido de integração normativa no processo penal (CPP, art. 3º). Neste ponto, há distinção entre o ordenamento jurídico português, em que há previsão geral de submissão a perícia mediante ordem judicial (CPP, art. 172), e o ordenamento italiano, em que se exige previsão legal específica regulando o procedimento de intervenção corporal (Sentença n° 238/1996 da Corte Constitucional). No Brasil, a tendência é exigir-se a autorização específica, e não genérica, mesmo que o meio de prova esteja previsto na própria Constituição, como se percebe da posição do STF quanto à inadmissibilidade das interceptações telefônicas antes do advento da Lei n° 9.296/96 (HC 81.494/SP).

As provas não invasivas são aquelas que “tangenciam” direitos fundamentais, sem atingi-los diretamente. A contribuição do acusado é apenas passiva (tolerância), abrangendo o fornecimento de materiais ou objetos para exames comparativos desde que ele possa ser feito de modo simples, rápido, imediato (coleta de impressões digitais), sem que sejam necessárias a ingerência no corpo do acusado e a ordem da autoridade que o obrigue a permanecer em situação constrangedora, assim entendida segundo os padrões culturais e sociais da época de realização da diligência. São espécies de provas não invasivas o reconhecimento de pessoas e coisas, a identificação criminal (Lei n° 10.054/00), a prova documental (em regra) e algumas perícias de pouca ou nenhuma afetação no corpo do indivíduo. Inclui-se entre as modalidades de prova não invasiva o etilômetro (bafômetro), medida que não gera qualquer intervenção corporal – muito menos invasiva, dependendo apenas do “sopro” do indivíduo (medida exterior ao corpo, e não interna corporis) – e que está longe de afrontar o direito ao silêncio e o princípio nemo tenetur se detegere, como se percebe dos precedentes da jurisprudência europeia. As provas não invasivas, por não atingirem diretamente os direitos fundamentais, não dependem de ordem judicial, podendo ser determinadas pela autoridade policial.(40) Uma segunda corrente entende que, mesmo não havendo intervenção corporal, é também necessária a decisão judicial, que poderá, porém, ser proferida a posteriori.(41)

As provas invasivas caracterizam-se por representarem ingerência diretamente na pessoa do acusado ou em sua esfera íntima, gerando impacto psíquico e em certos casos atingindo a sua integridade física, embora sem violá-la, o que seria proibido pela Constituição. São espécies destas provas os exames médicos que demandam intervenções corporais, as buscas e apreensões realizadas em domicílio e as interceptações telefônicas.(42) Poderiam ser mencionadas também as quebras de sigilos bancário e fiscal. Para o seu deferimento, não há necessidade de concordância do acusado, razão pela qual é irrelevante a sua eventual vontade de “não produzir prova contra si mesmo”.(43) Sendo ordenada a busca e apreensão, por exemplo, será o acusado forçado a suportá-la, não podendo alegar que ser obrigado a tolerar a busca significaria obrigá-lo a produzir, ou a admitir que se produzam, provas contra si mesmo. A interceptação telefônica é exemplo que demonstra o descabimento de compreender-se o direito ao silêncio como um direito amplo de não produzir quaisquer provas contra si mesmo, por se tratar de caso em que o próprio Poder Constituinte admitiu que o investigado produzisse, como de fato produz, provas autoincriminadoras – inclusive na forma oral (comunicativa), sem a sua prévia concordância –, as quais podem vir a ser utilizadas para buscar a sua condenação penal. Poderia o réu, em seu interrogatório, silenciar sobre os fatos incriminadores, mas, na interceptação, não tem o direito sequer de ser previamente advertido do direito de permanecer em silêncio. As provas invasivas sacrificam, em alguma medida, direitos fundamentais (sigilo telefônico, integridade física, direito ao silêncio, inviolabilidade do domicílio), mas são admitidas como restrições necessárias, autolimitativas (restrição interna) ou heterolimitativas (restrição externa) – conforme a concepção dogmática que se adote acerca dos direitos fundamentais –, com base no princípio da proporcionalidade. Em regra, sua execução está submetida à necessidade de prévia autorização judicial, embora haja, na legislação brasileira, exceções, relativas à quebra dos sigilos fiscal (CTN, art. 198, § 1º, inciso II) e bancário (LC n° 105, art. 6º), cuja legitimidade constitucional está sendo questionada perante a Suprema Corte.

Os requisitos apontados em doutrina para o deferimento das provas invasivas integram aquilo que pode ser chamado de teoria geral da prova invasiva e, sem prejuízo da regulação legal específica existente ou que venha a ser criada para cada medida probatória, podem ser assim sintetizados:(44) (a) previsão legal autorizativa (art. 5º, inciso II, da CF/88); (b) fumus comissi delicti; (c) necessidade, fundada no princípio da menor intervenção possível (sendo viável produzir-se a prova por meio menos gravoso e invasivo, não caberá a medida mais gravosa);(45) (d) proporcionalidade (intervenções graves demandam que também graves, e não apenas leves ou de menor potencial ofensivo, sejam os delitos investigados);(46) (e) manutenção da saúde e da vida do acusado em caso de intervenção corporal, sendo irrelevante o eventual consentimento do acusado quando tais valores estiverem gravemente ameaçados; (f) intervenção da defesa técnica, mediante contraditório prévio e, não sendo possível (por frustrar a diligência, considerada a sua natureza), diferido; (g) decisão judicial autorizadora, devidamente motivada (CF/88, art. 93, inciso IX).

Conclusão

Entende-se que o princípio nemo tenetur se detegere não tem, no ordenamento jurídico pátrio – da mesma forma como ocorre em diversos ordenamentos estrangeiros –, o alcance de poder ser invocado como óbice à participação do acusado em quaisquer meios probatórios que possam vir a produzir provas que venham a servir para a sua condenação penal. As normas constitucionais e convencionais internalizadas no ordenamento jurídico pátrio não positivam um direito amplo de não produzir provas contra si mesmo, mas o direito ao silêncio, com o propósito de preservar o instinto de autopreservação e a liberdade de autodeterminação do investigado, proscrevendo a extração forçada da verdade por meio da tortura.

É simplório e reducionista o silogismo segundo o qual, ao dizer-se direito ao silêncio, pretendeu-se dizer direito de não participar de quaisquer medidas probatórias processuais penais. Não é essa a finalidade para a qual este direito foi positivado, não é esse o alcance deste direito em ordenamentos estrangeiros civilizados e de tradição humanitária e, por fim, esse alcance comprometeria de forma relevante o direito à prova, que pertence a ambas as partes (acusação e defesa), obstando o regular exercício do direito fundamental da sociedade à repressão criminal das condutas que de modo mais intenso afrontam o ordenamento jurídico (os delitos). Do ponto de vista histórico, é compreensível que um período pós-ditatorial seja marcado por excessos libertários em doutrina e jurisprudência. Todavia, é preciso perceber que não é toda limitação aos poderes investigatórios e probatórios que contribui para a maximização da eficácia dos direitos fundamentais. O acusado de um delito é titular de direitos fundamentais, assim como a vítima de um crime e seus familiares, que legitimamente esperam pela apuração de responsabilidades, pela comprovação das infrações praticadas e pela punição dos envolvidos na prática de delitos. É preciso encontrar um ponto intermediário, marcado por um entendimento que perceba, avalie, pondere e proteja todos os interesses juridicamente protegidos que estão envolvidos no tema em análise.

Assim, ressalvada a colaboração oral ativa, cuja possibilidade de recusa é diretamente protegida pelo direito ao silêncio, não há óbice a que sejam exigidas do acusado outras formas de participação, ativa ou passiva, incluídas as medidas probatórias invasivas e não invasivas, desde que sejam observados os seguintes requisitos: (a) previsão legal autorizadora (art. 5º, inciso II, da CF/88); (b) fumus comissi delicti; (c) necessidade, fundada no princípio da menor intervenção possível; (d)proporcionalidade em sentido estrito; (e) manutenção da saúde, da integridade física e da vida do acusado em caso de intervenção corporal, sendo irrelevante o eventual consentimento do acusado quando tais valores estiverem gravemente ameaçados; (f) intervenção da defesa técnica, mediante contraditório prévio e, não sendo possível, diferido; (g) decisão judicial autorizadora, devidamente motivada (CF/88, art. 93, inciso IX).

Para que uma maior segurança jurídica seja obtida sobre o tema, e no rumo da Sentença nº 238/1996 da Corte Constitucional italiana – que aponta para a necessidade de um delineamento específico, próprio para cada medida invasiva –, é oportuna a edição de um marco legal que aborde, em relação a cada meio de prova que exija em alguma medida a participação do investigado, os seguintes pontos: (a) o dever legal de participação na medida probatória (colaboração, ativa ou passiva, tolerância etc.), com sua extensão e seus limites, abordando-se preferencialmente procedimentos específicos (coleta de sangue, extração de fio de cabelo, sopro do bafômetro, exame médico etc.); (b) o procedimento judicial e/ou extrajudicial (rito) a ser seguido pelas autoridades públicas; (c) a pena mínima do delito investigado que é necessária para autorizar a realização da medida probatória, tendo em vista que intervenções mais gravosas demandam que também mais graves sejam os delitos sob investigação; (d) a previsão de medida alternativa menos invasiva que, se viável e suficiente no caso concreto, obsta a realização da medida; (e) a forma de intervenção da defesa técnica (prévia ou diferida); (f) os limites e as responsabilidades das autoridade públicas envolvidas na execução das medidas em caso de descumprimento das normas editadas para sua consecução (v. respeito à técnica médica no caso de intervenções corporais); (g) os efeitos processuais e materiais da recusa do investigado ou processado em colaborar na sua legalmente exigida (v. item “a”) participação no procedimento (sujeição à execução forçada da medida; permissão da recusa, mas com valoração negativa na condição de presunção relativa ou indício – v. art. 232 do CC e Súmula nº 301 do STJ – etc.).

Referências bibliográficas

ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

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QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003.

RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de Direito Processual Penal norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Notas

1. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 7 e 59.

2. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 36.

3. “A recusa em responder ao interrogatório policial e/ou judicial e a falta de cooperação do indiciado ou do réu com as autoridades que o investigam ou que o processam traduzem comportamentos que são inteiramente legitimados pelo princípio constitucional que protege qualquer pessoa contra a autoincriminação, especialmente quando se tratar de pessoa exposta a atos de persecução penal. O Estado – que não tem o direito de tratar suspeitos, indiciados ou réus como se culpados fossem antes do trânsito em julgado de eventual sentença penal condenatória (RTJ 176/805-806) – também não pode constrangê-los a produzir provas contra si próprios (RTJ 141/512), em face da cláusula que lhes garante, constitucionalmente, a prerrogativa contra a autoincriminação. Aquele que sofre persecução penal instaurada pelo Estado tem, dentre outras prerrogativas básicas, (a) o direito de permanecer em silêncio, (b) o direito de não ser compelido a produzir elementos de incriminação contra si próprio nem de ser constrangido a apresentar provas que lhe comprometam a defesa e (c) o direito de se recusar a participar, ativa ou passivamente, de procedimentos probatórios que lhe possam afetar a esfera jurídica, tais como a reprodução simulada (reconstituição) do evento delituoso e o fornecimento de padrões gráficos ou de padrões vocais para efeito de perícia criminal (HC 96.219-MC/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.). Precedentes.”

4. “O suposto autor do ilícito penal não pode ser compelido, sob pena de caracterização de injusto constrangimento, a participar da reprodução simulada do fato delituoso. O magistério doutrinário, atento ao princípio que concede a qualquer indiciado ou réu o privilégio contra a autoincriminação, ressalta a circunstância de que é essencialmente voluntária a participação do imputado no ato – provido de indiscutível eficácia probatória - concretizador da reprodução simulada do fato delituoso.”

5. “Diante do princípio nemo tenetur se detegere, que informa o nosso direito de punir, é fora de dúvida que o dispositivo do inciso IV do art. 174 do Código de Processo Penal há de ser interpretado no sentido de não poder ser o indiciado compelido a fornecer padrões gráficos do próprio punho, para os exames periciais, cabendo apenas ser intimado para fazê-lo a seu alvedrio. É que a comparação gráfica configura ato de caráter essencialmente probatório, não se podendo, em face do privilégio de que desfruta o indiciado contra a autoincriminação, obrigar o suposto autor do delito a fornecer prova capaz de levar à caracterização de sua culpa.”

6. “O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP).”

7. “A Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à posição adotada pelo Supremo Tribunal Federal, firmou a compreensão de que tanto  a conduta de utilizar documento falso como a de atribuir-se falsa identidade, para ocultar a condição de foragido ou eximir-se de responsabilidade, caracterizam, respectivamente, o crime do art. 304 e do art. 307 do Código Penal, sendo inaplicável a tese de autodefesa.”

8. Eis a redação do art. 186 do CPP após o advento da Lei n° 10.792/03: "Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa".

9. “Em relação à qualificação, não cabe direito ao silêncio, nem o fornecimento de dados falsos, sem que haja consequência jurídica, impondo sanção. O direito ao silêncio não é ilimitado, nem pode se exercido abusivamente. As implicações, nessa situação, podem ser graves, mormente quando o réu fornece, maldosamente, dados de terceiros, podendo responder pelo seu ato.” (NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. p. 407)

10. “[...] Assente a jurisprudência do Tribunal em que o comportamento do réu durante o processo, na tentativa de defender-se, não se presta a agravar-lhe a pena (cf. HC 72.815, 5.9.95, Moreira Alves, DJ 06.10.95): é garantia que decorre da Constituição Federal, ao consagrar o princípio nemo tenetur se detegere (CF/88, art. 5º, LXIII). [...].” (STF, HC 83960, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 14.06.2005, DJ 01.07.2005 PP-00056 EMENT VOL-02198-02 PP-00305 LEXSTF v. 27, n. 322, 2005, p. 369-377)

11. “A alegação de que as circunstâncias do delito foram desfavoráveis, visto que a agente tentou ocultar a droga, dificultando o trabalho da polícia, não é de molde a autorizar o aumento procedido na primeira etapa da dosimetria, sob pena de malferir princípio da não autoincriminação – nemo tenetur se detegere –, segundo o qual ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo.” (HC 139.535/MS, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 18.05.2010, DJe 07.06.2010)

12. “O investigado, intimado para prestar declarações perante a autoridade policial, não é obrigado a comparecer ao ato, sendo-lhe assegurada a garantia constitucional do silêncio.” (TRF4 5002975-70.2011.404.7211, Oitava Turma, Relator p/ Acórdão Paulo Afonso Brum Vaz, D.E. 08.03.2012)

13. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 130.

14. Da ementa, colhe-se o seguinte trecho: “Legitimidade dos agentes policiais, sob o comando da autoridade policial competente (art. 4º do CPP), para tomar todas as providências necessárias à elucidação de um delito, incluindo-se aí a condução de pessoas para prestar esclarecimentos, resguardadas as garantias legais e constitucionais dos conduzidos” (HC 107644, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 06.09.2011).

15. “5. No caso dos autos, a determinação ao paciente de apresentar-se ao Instituto de Criminalística para o fim de submeter-se a perícia de confecção de imagens consiste, indubitavelmente, constrangimento ilegal e inconstitucional, agravado, ainda, pela ameaça concreta à liberdade de locomoção, em face da imposição de pena de prisão na hipótese de negativa de comparecimento em 5 dias. 6. Ordem concedida para o fim de, expedindo-se salvo conduto, assegurar ao paciente o direito de não ser obrigado a comparecer ao Instituto de Criminalística para fornecer sua imagem.” (HC 179.486/GO, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 14.06.2011, DJe 27.06.2011)

16. “Não há falar em ilicitude no fornecimento de material gráfico pelo paciente, uma vez que, tendo comparecido voluntariamente ao Instituto de Criminalística da Polícia Civil, nada obstou a possibilidade de recusa peremptória, o que, todavia, não fez. O princípio do nemo tenetur se detegere não foi, portanto, violado. [...]” (HC 93.874/DF, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, QUINTA TURMA, julgado em 15.06.2010, DJe 02.08.2010)

17. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Breves notas sobre a não autoincriminação. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 41, abr. 2011. Disponível em:  <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao041/eugenio_oliveira.html>.  Acesso em: 02 jun. 2012.

18. Eis a redação anterior à vigência da Lei nº 12.760/2012: “Art. 277. Todo condutor de veículo automotor, envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo de fiscalização de trânsito, sob suspeita de dirigir sob a influência de álcool será submetido a testes de alcoolemia, exames clínicos, perícia ou outro exame que, por meios técnicos ou científicos, em aparelhos homologados pelo Contran, permitam certificar seu estado. (Redação dada pela Lei nº 11.275, de 2006) § 1o Medida correspondente aplica-se no caso de suspeita de uso de substância entorpecente, tóxica ou de efeitos análogos. (Renumerado do parágrafo único pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o No caso de recusa do condutor à realização dos testes, exames e da perícia previstos no caput deste artigo, a infração poderá ser caracterizada mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas pelo agente de trânsito acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor, resultantes do consumo de álcool ou entorpecentes, apresentados pelo condutor. (Incluído pela Lei nº 11.275, de 2006) § 2o A infração prevista no art. 165 deste Código poderá ser caracterizada pelo agente de trânsito mediante a obtenção de outras provas em direito admitidas, acerca dos notórios sinais de embriaguez, excitação ou torpor apresentados pelo condutor. (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) § 3o Serão aplicadas as penalidades e medidas administrativas estabelecidas no art. 165 deste Código ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos procedimentos previstos no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 11.705, de 2008)”

19. “Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência: (Redação dada pela Lei nº 11.705, de 2008) Regulamento Penas – detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.

20. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 59.

21. Registrem-se os argumentos do Tribunal de Relação do Porto (Acórdão de 03.05.2006) sobre o caso mencionado: “Ora, as colheitas de cabelos ou sangue, caso não consentidas, consubstanciam intervenções no corpo que, realizadas por perito médico ‘com rigorosa observância das regras das leges artis, se podem e devem graduar como ofensas insignificantes (mínimas) do direito à integridade corporal e do direito à autodeterminação corporal, visto que afectam, transitória e momentaneamente, de forma muito reduzida, o corpo físico e o sistema volitivo” do interveniente. Quanto à recolha de saliva ou de urina, afigura-se-nos que nem sequer se pode considerar susceptível de ofensa o direito à integridade corporal do recorrente, mas tão-só o direito à autodeterminação corporal, e em grau ou medida desprezível, isto é, irrelevante”.

22. “A recolha de material biológico para análise do DNA, embora possa ser entendida como uma restrição do direito à integridade pessoal, não colide com nenhuma das suas dimensões essenciais, podendo justificar-se de acordo com critérios de proporcionalidade, desde que em ordem à prossecução de uma finalidade constitucionalmente legítima.”

23. “Por seu turno, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH), em sentença proferida em 17 de dezembro de 1996 (caso Sauders versus Reino Unido), concluiu que o citado direito à não autoincriminação se refere, em primeira linha, ao respeito pela vontade do arguido em não prestar declarações, ao direito ao silêncio, acrescentando que esse direito se não estende ao uso, em processo penal, de elementos obtidos do arguido por meio de poderes coercivos, mas que existam independentemente da vontade do sujeito, por exemplo as colheitas, por expiração, de sangue, de urina, assim como de tecidos corporais com finalidade de análises de ADN. E o Tribunal Constitucional espanhol, nomeadamente a propósito da obrigatoriedade de submissão a testes de alcoolemia, afirmou que a sua realização 'não constitui, em si mesmo, uma declaração ou incriminação, para efeitos deste privilégio', uma vez que não se obriga o detectado a emitir uma declaração que exteriorize um conteúdo, admitindo a sua culpa, mas apenas a tolerar que sobre ele recaia uma especial modalidade de perícia (STC 103/1985). E, reiterando tal doutrina, analisou em 1997 (STC 191/1997) – depois de citar jurisprudência do TEDH em que se reconhece que o direito ao silêncio e o direito à não autoincriminação, embora não expressamente mencionados pelo artigo 6° da CEDH, situam-se no coração do direito a um processo equitativo e se relacionam estreitamente com o direito à defesa e à presunção da inocência – a questão na perspectiva, que é também a do agora recorrente, da violação do princípio da presunção de inocência. Nesse contexto, considerou, então, que as garantias face à autoincriminação só se referem às contribuições do arguido de conteúdo directamente incriminatório, não tendo o alcance de integrar no direito à presunção da inocência a faculdade de se poder subtrair a diligências de prevenção, indagação ou de prova. A configuração genérica de um tal direito a não suportar nenhuma diligência deste tipo deixaria desarmados os poderes públicos no desempenho das suas legítimas funções de protecção da liberdade e convivência, lesaria o valor da justiça e as garantias de uma tutela judicial efectiva [. . .].”

24. “Na verdade, em Espanha, depois de o Tribunal Constitucional (STC 207/1996, de 16 de dezembro) ter explicitamente afirmado que os preceitos do processo penal espanhol (concretamente os artigos 311° e 339° da Ley de Enjuiciamento Criminal então invocados) não conferiam a esta concreta medida restritiva dos direitos à intimidade e à integridade física a cobertura legal requerida pela doutrina daquele Tribunal para qualquer acto limitativo de direitos fundamentais, o Governo, através da Ley Orgánica n° 15/2003, de 25 de novembro, limitou-se, para o que agora importa, a acrescentar um parágrafo 3° ao artigo 326° e um parágrafo 2° ao artigo 363°, ambos da referida Ley de Enjuiciamento Criminal, onde se dispõe, no primeiro, que 'quando seja evidente que a análise biológica de vestígios pode contribuir para o esclarecimento do facto investigado, o juiz de instrução adoptará ou ordenará à polícia judicial ou ao médico forense que adopte as medidas necessárias para que a sua recolha, custódia e exame se verifique em condições que garantam a sua autenticidade' e, no segundo, que, 'sempre que ocorram fundadas razões que o justifiquem, o juiz de instrução poderá determinar, em decisão fundamentada, a obtenção de amostras biológicas do arguido que sejam indispensáveis à determinação do seu perfil de ADN, podendo, para esse efeito, determinar a prática daqueles actos de inspecção, reconhecimento ou intervenção corporal que resultem adequados aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade'. Também na Alemanha, face à controvérsia doutrinária sobre a questão de saber se o § 81, alínea a), do Código de Processo Penal (StPO), que expressamente autorizava a recolha coactiva de sangue para fins de processo penal, podia ser interpretado em termos de permitir igualmente essa colheita para efeitos de determinação do perfil genético do arguido, o legislador, em 1997, limitou-se a acrescentar um novo parágrafo ao StPO – o § 81, alínea e) –, em que passou a autorizar expressamente que o sangue assim recolhido pudesse ser geneticamente analisado para fins de investigação criminal.”

25. “Direito de mentir? Não é incomum encontrar-se opiniões no sentido de que o princípio do nemo tenetur se detegere abrangeria também um suposto direito à mentira, sobretudo em relação aos fatos, devendo o réu, porém, informar corretamente sua identidade. Bem, que não há direito algum à prestação de informações falsas não pode restar dúvidas. Aliás, se o réu acusar terceiro como autor do fato, sabendo-o inocente, poderá até responder por denunciação caluniosa, na medida em que pode não se mostrar inteiramente justificada (excludente de ilicitude) a conduta, mesmo que em defesa de seu interesse. Pode-se mesmo aceitar que o réu elabore qualquer versão em seu favor; o limite seria o tangenciamento voluntário a direitos alheios, quando ciente da inocência alheia. É claro, por certo, que haverá situações, sobretudo envolvendo concurso de agentes, em que a atribuição de fato ou responsabilidade a outro, igualmente processado, ou em situação de sê-lo, estará plenamente justificada pelo contexto das circunstâncias.” (OLIVEIRA, Eugenio Pacelli; FISCHER, Douglas. Comentários ao Código de Processo Penal e sua jurisprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. p. 378)

26. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 62.

27. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 151.

28. Constituição Espanhola: “Artículo 24. I. Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión.  2. Asimismo, todos tienen derecho al Juez ordinario predeterminado por la ley, a la defensa y a la asistencia de letrado, a ser informados de la acusación formulada contra ellos, a un proceso público sin dilaciones indebidas y con todas las garantías, a utilizar los medios de prueba pertinentes para su defensa, a no declarar contra sí mismos, a no confesarse culpables y a la presunción de inocencia.  La ley regulará los casos en que, por razón de parentesco o de secreto profesional, no se estará obligado a declarar sobre hechos presuntamente delictivos”.

29. Sentenças n° 103/85 e n° 65/86 do Tribunal Espanhol, com referências às decisões do Tribunal Europeu de Direito Humanos de 25.04.1978 (Tyrer), 18.01.1978 (Irlanda x Reino Unido), 25.04.1978 (Campbell x Cosans) e 07.06.1989 (Soering).

30. “No person shall be held to answer for a capital, or otherwise infamous crime, unless on a presentment or indictment of a Grand Jury, except in cases arising in the land or naval forces, or in the Militia, when in actual service in time of War or public danger; nor shall any person be subject for the same offense to be twice put in jeopardy of life or limb; nor shall be compelled in any criminal case to be a witness against himself, nor be deprived of life, liberty, or property, without due process of law; nor shall private property be taken for public use, without just compensation.”

31. RAMOS, João Gualberto Garcez. Curso de Direito Processual Penal norte-americano. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 138.

32. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.

33. “Com efeito, muito embora a Constituição limite-se a dispor sobre o direito do preso de se calar, a doutrina parece reconhecer, com pequeníssima margem de hesitação, a existência do citado instituto, dando à expressão ‘não produzir’ uma acepção tão ampla que se estende para além de seus significados semântico e jurídico, abrangendo então a ideia de que o sujeito passivo de um processo penal ou de uma investigação criminal não pode ser compelido sequer a participar, prestando qualquer forma de mínima colaboração, de uma atividade probatória cujo resultado lhe possa ser, eventualmente, prejudicial. Entre tais atividades, costuma-se incluir o fornecimento de materiais para exames periciais (desde padrões gráficos, para perícia grafotécnica, até amostras de sangue, para testes de alcoolemia ou exame de DNA) e a participação em meios de prova previstos no Código de Processo Penal, entre os quais a acareação e a reconstituição simulada do crime.” (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 2)

34. QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003.

35. “Há uma tensão permanente entre o interesse na apuração dos delitos e o respeito aos direitos fundamentais do acusado, entre eles o de não se autoincriminar, que exige uma solução harmoniosa. Ambos os interesses são públicos: o primeiro, voltado à persecução penal, e o segundo, vinculado à construção de um processo penal ético. Não poderá ser inviabilizada a persecução penal, pelo reconhecimento de direitos fundamentais ilimitados, mas não será admissível também que sejam eles, inclusive o nemo tenetur se detegere, aniquilados, para dar lugar ao direito à prova ilimitado e à busca da verdade a qualquer custo, com a colaboração inarredável do acusado.” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 221)

36. “Se se protegesse o desejo de se autopreservar a ponto de ser lícito ao acusado alhear-se ao processo para evitar a condenação, restariam autorizadas as condutas de se esconder para evitar a citação (e também de se esconder das testemunhas) e de turbar a instrução criminal e, além delas, facultado ao acusado o direito de se evadir para evitar a aplicação da lei penal, sem que pudesse ser decretada sua prisão preventiva. É preciso lembrar que o processo penal não visa a evitar a aplicação da pena, mas, em alguma medida, legitimá-la.” (ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 96)

37. Maria Elizabeth Queijo parece estar de acordo com as conclusões expostas: “Havendo prática de novo delito, dissociada e independente de qualquer exigência ou solicitação de colaboração por parte da autoridade, para encobrir infração penal anteriormente praticada, não é possível afastar a punibilidade da segunda infração por incidência do nemo tenetur se detegere, porque não há nexo entre a incriminação e a exigência da autoridade, que inexiste. Nessa hipótese, não há risco concreto de autoincriminação, mas temor genérico de revelação de crime anteriormente praticado, não incidindo o nemo tenetur se detegere” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 229).

38. “Causa-nos profunda estranheza e pesar – por que não dizê-lo – recente decisão de Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (Arg. Incons. 990.10.159020-4 – 2010), no sentido de reconhecer a inconstitucionalidade do art. 305 da Lei 9.503/97 – Código de Trânsito Brasileiro –, afirmando, então, a suposta existência de um direito à omissão de socorro, que estaria legitimado pela finalidade de se evitar a autoincriminação. O equívoco na decisão é manifesto, seja quanto à fundamentação, seja quanto à extensão, e, sobretudo, quanto às consequências do julgado. Confundiu-se, ali e, infelizmente, como ocorre em outros tribunais, conceitos básicos da teoria do direito. Ao recusar a validade abstrata da exigência de prestação de socorro, retirou-se, com efeito, o dever de assistência à vítima do acidente de trânsito. Aliás, o equívoco do tribunal – e de boa parte da doutrina nacional – vai na contramão de direção de toda a legislação e toda a doutrina do Direito Comparado. Está-se criando no Brasil – e somente aqui! – um conceito absolutamente novo da não autoincriminação, ausente nos demais povos civilizados. Não há mesmo precedente em outro universo normativo. A prestação de socorro à vítima não decorre de mero dever de solidariedade humana; vai além, decorre de dever jurídico, imposto pelas legislações mundo afora (rapidamente: Alemanha, Itália, Portugal, Espanha, Estados Unidos, Argentina, etc.). E mais. Não se encontra o aludido direito à não autoincriminação em nenhum Tratado Internacional. O que neles se contém é o direito a permanecer em silêncio e a não sofrer ingerências abusivas e ilegais, o que nada tem que ver com o quanto decidido pelo Tribunal paulista. O autor do fato da omissão tem o mesmo dever jurídico de prestar socorro, quando puder fazê-lo sem risco pessoal, tenha ele causado ou não a situação de risco (acidente). O receio quanto a ser pego, processado e condenado criminalmente, se é que, nesse caso, poderia ser considerado relevante, se enquadraria no âmbito da culpabilidade – inexigibilidade de conduta; jamais no campo do direito subjetivo. Antes de ser direito, é dever (de socorro), oponível a todos: excepcionalmente, ao exame de cada situação concreta, é que se poderia pensar no reconhecimento de justa causa (excludente supralegal de ilicitude) ou, repita-se, de exclusão da culpabilidade.” (OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Breves notas sobre a não autoincriminação. Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n. 41, abr. 2011. Disponível em:  <http://www.revistadoutrina.trf4.jus.br/artigos/edicao041/eugenio_oliveira.html>.  Acesso em: 02 jun. 2012)

39. Atente-se, nesse sentido, aos “mandados constitucionais de penalização” (FELDENS, Luciano. A Constituição Penal. A dupla face da proporcionalidade no controle de normas penais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005).

40. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 99-101.

41. “As restrições ao nemo tenetur se detegere que implicarem intervenção corporal no acusado deverão ser determinadas por decisão judicial, devidamente motivada; nas demais, que não dependerem de intervenção corporal no acusado, o controle jurisdicional poderá ser efetuado a posteriori. [...] Com relação às provas produzidas com a cooperação do acusado, mas sem intervenção corporal, poderão ser determinadas pela autoridade policial ou pela autoridade judiciária, mesmo sem o consentimento do acusado, desde que impliquem apenas colaboração passiva deste.” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 225)

42. ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 108-111.

43. Posição defendida por Marcelo Schirmer Albuquerque, que se considera a mais adequada. Maria Elizabeth Queijo, porém, entende que o consentimento do acusado seria necessário, o que na prática inviabilizaria a realização de medidas em casos nos quais estaria ausente qualquer risco à saúde e à integridade física do acusado: “Com relação às provas produzidas mediante intervenção corporal invasiva, somente deverão ser realizadas com o consentimento do acusado, mediante prévio controle jurisdicional sobre a proporcionalidade da medida, frisando-se que a autorização judicial não poderá suprir tal consentimento” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 226).

44. Para maior aprofundamento, convém analisar as seguintes obras: QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003; ALBUQUERQUE, Marcelo Schirmer. A garantia de não auto-incriminação: extensão e limites. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. p. 116 e ss.

45. “A regra é que a acusação deve buscar provas que não dependam da colaboração do acusado para demonstrar os fatos. Somente por exceção se pode pretender que este coopere na produção de provas que possam incriminá-lo.” (QUEIJO, Maria Elizabeth. O direito de não produzir prova contra si mesmo. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 224)

46. Exemplo dessa exigência proporcional de gravidade mínima do delito, em contraste com a gravosidade da intervenção probatória, é dado pela Lei n° 9.296/96 (art. 2º, inciso III), que exige pena mínima de reclusão do delito investigado para que possa ser deferida a interceptação telefônica (que não cabe, por não ser proporcional, em delitos sujeitos a mera detenção).


Referência bibliográfica (de acordo com a NBR 6023:2002/ABNT):
. . Revista de Doutrina da 4ª Região, Porto Alegre, n., dez. 2013. Disponível em:
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Acesso em: .


REVISTA DE DOUTRINA DA 4ª REGIÃO
PUBLICAÇÃO DA ESCOLA DA MAGISTRATURA DO TRF DA 4ª REGIÃO - EMAGIS